domingo, 6 de novembro de 2011

ZH esteve com Fernando Henrique Cardoso

Um dia na vida de ex-presidente

Luiz Antônio Araujo*

SÃO PAULO - Na última quarta-feira, ZH acompanhou Fernando Henrique Cardoso no ciclo Fronteiras do Pensamento, na capital paulista, e mostra, nesta reportagem, um pouco da rotina do ex-presidente.

Ele faz questão de ingressar na Sala São Paulo pela mesma porta por onde passam as mais de mil pessoas que, na noite de um feriado de Finados, assistirão a sua conferência no ciclo Fronteiras do Pensamento. Vestindo um terno azul marinho risca de giz, camisa branca e gravata azul marinho com losangos em vermelho e dourado, exibe uma serenidade que contrasta com o nervosismo de recepcionistas e seguranças do evento. Se alguma vez se submeteu à liturgia dos cargos – ainda que fosse o mais alto cargo da República – ou pareceu esfuziante ao apertar mãos e distribuir acenos, já não é assim. Caminha com uma suavidade casual, raramente se detém e presta atenção a um interlocutor de cada vez. Anda de táxi. Não usa seguranças ("Só às vezes", esclarece).

No íntimo, porém, algo incomoda levemente Fernando Henrique Cardoso, 80 anos completados no dia 18 de junho. Algo que só ele e os amigos chegados conseguem perceber.

– Ele vai ao Rio amanhã – comenta um desses íntimos, o jornalista Roberto D"Ávila, que fará as vezes de mestre de cerimônias da conferência.

Dividindo com D"Ávila um sofá bege de dois lugares na sala VIP montada no backstage do evento, em companhia de um consultor do evento e do repórter de Zero Hora, o ex-presidente sorri e comenta com vivacidade:

– Meus filhos se sentem à vontade no Rio. Eu não.

Carioca de nascimento e ascendência, FH transferiu-se para a capital paulista aos oito anos. Desde então, é mais paulistano do que o Viaduto do Chá. O Rio, porém, ainda ocupa grande parte de sua agenda. Foi assim no mês passado, quando recepcionou na capital fluminense um dos encontros bianuais da organização de 10 ex-chefes de Estado e governo conhecido como The Elders. Único latino-americano do grupo, fala com entusiasmo do trabalho:

– O The Elders trata das grandes causas. Tem um papel importante em temas ligados à Ásia e à África.

Um segurança pede licença: na recepção, alguém afirma estar acompanhando o ex-presidente e pede para vê-lo. FH diz:

– Não vim com ninguém.

A Primavera Árabe e o conflito Israel-Palestina foram alguns dos temas do encontro do Rio:

– Há uns dois anos, chefiei a delegação do The Elders em visita a Israel. Os israelenses não queriam o Carter (Jimmy Carter, ex-presidente americano, crítico do governo de Israel). Mas ele não se importa. Ele vai lá e se reúne com o Hamas (facção palestina que governa a Faixa de Gaza, considerado terrorista pelos EUA e por Israel). Eu mesmo conversei por telefone, de Jerusalém, com um líder do Hamas.

Em Brasília, os integrantes do The Elders foram recebidos pela presidente Dilma Rousseff. É a terceira vez que FH e Dilma se encontram em 10 meses de governo dela. A presidente enviou-lhe mensagem pelos 80 anos. Questionado sobre se a deferência pode ser interpretada como um afago do governo a ele, comenta:

– É uma coisa dela.

O ex-presidente afirma ter conhecido Dilma quando ela era secretária estadual de Minas e Energia no Rio Grande do Sul. A presidente parece-lhe centralizadora?

– É – responde.

O garçom oferece uma taça de vinho. FH agradece e recusa. Também não toca nos acepipes sobre a mesa de centro. Como será a conferência?

– O responsável é ele (aponta D"Ávila). Ele disse que vai me entrevistar.

Convivas entram na sala. A conversa toma novo rumo: câmbio, exportações, China. Com vivacidade, o ex-presidente demonstra seguir de perto o cotidiano da economia.

– Eu vi. Eu li – interrompe, a cada informação citada.

Um dos interlocutores afirma que, em alguns casos, o custo da mão de obra especializada no Brasil excede o dos Estados Unidos.

– É irreal – afirma o ex-presidente.

E exemplifica:

– Um amigo meu abriu uma empresa em Nova York. Escolheu um escritório em Manhattan, entre o Central Park e a Rua 53 ou 54. O aluguel é mais baixo do que em São Paulo.

Alguém se queixa do alto custo dos serviços no Brasil. Conhecido como pão-duro, FH cita o preço de um prato num restaurante paulistano de padrão internacional, na casa das centenas de reais.

– Não vou lá. Só convidado – diz, arrancando risos.

Os interlocutores demonstram confiança. FH adverte:

– Tem de ver a economia mundial. Coloquem as barbas de molho.

Em poucos minutos, o ex-presidente se dirigirá à Sala São Paulo, como de hábito – ele ocupa a presidência do conselho da Fundação Osesp e assiste com regularidade aos concertos da orquestra. Desta vez, porém, pela primeira vez, não ocupará uma poltrona, e sim o púlpito. Ele deixa a sala e, com paciência de monge, ainda posa para fotos. É conduzido até a entrada do palco, de onde assiste à apresentação de D"Ávila. Nas mãos livres, nenhuma anotação. Finalmente, surge, em meio a uma torrente de aplausos. E brinca, para delícia do público:

– Tenho muito medo quando me aplaudem no começo. Vamos ver como vai ser no fim.

*Luiz Antônio Araujo viajou a convite do Fronteiras do Pensamento

ZERO HORA (RS)

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