sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O preço do abandono:: Celso Ming

A Grécia nunca esteve tão perto como agora de abandonar a área do euro, admitiu nesta quinta-feira até mesmo seu primeiro-ministro, George Papandreou.

Se o referendo for mesmo convocado e das urnas vier um não ao pacote de socorro, não sobrará a opção de arrancar ainda mais concessões. A Grécia terá de sair do bloco, alertam o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel.

É um rumo já fartamente avaliado pelo próprio governo grego e por analistas. Em entrevista ao Estadão, Kenneth Rogoff, dos mais respeitados economistas do mundo, avisou ser altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, a Grécia tenha mesmo de abandonar o barco.

Uma corrente cada vez mais forte na Grécia também pensa assim – embora 60% da população descarte uma saída desse tipo. Mas, enfim, se sacrifícios pedidos aos gregos para continuar na comunidade do euro são tão insuportáveis, qual seria o preço de eventual retirada?

O descarte do euro implicaria a volta da dracma, a um câmbio fortemente desvalorizado. Se não fosse para relançar uma moeda substancialmente desvalorizada, melhor seria ficar. Uma dracma valendo cerca de 50% do euro, por exemplo, ajudaria a dar competitividade aos produtos de exportação, o que, em princípio, colaboraria para reativar a economia e o emprego.

Também não haveria sentido largar o euro sem a aplicação de enorme calote sobre a dívida, como fez a Argentina em 2001. Sem um passivo para lidar, a vida econômica poderia ser retomada em outras bases, sem espremer tanto o povo grego, com redução de salários e aposentadorias e aumento de impostos.

Mas essa não é a medalha inteira. O calote fecharia as portas do crédito por anos. A Grécia enfrentaria despesas públicas sem ajuda externa, só com o que arrecadasse. O precedente da Argentina não serve de parâmetro, por se tratar de grande exportador de commodities (grãos e carne), com fartas receitas em moeda estrangeira. O PIB grego equivale a só 80% do argentino, sem uma economia pujante. As maiores receitas provêm do turismo, da indústria naval e algo da agricultura.

A atual dívida grega está denominada em euros, nada menos que 350 bilhões. Um bom pedaço desse crédito está com os bancos do país. O calote provocaria a quebra imediata de vários deles.

A população tem seus depósitos e aplicações financeiras em euros nos bancos gregos. Teria de trocá-los por dracmas. Mas é improvável que tenha à sua disposição os resgates que fossem buscar na rede bancária. Como também foi na Argentina, em 2002, quando se abandonou o plano de conversibilidade, autoridades gregas terão de organizar um corralito, isto é, racionar a devolução de depósitos.

Mais ainda, a dracma desvalorizada provocaria a derrubada de salários e aposentadorias em euros. Dependentes das importações do resto da Europa, gregos enfrentariam considerável alta do custo de vida.

Alguém poderia alegar que, sem mais uma grande dívida, não haveria mais despesas financeiras. Não é verdade. O governo da Grécia nunca pagou suas dívidas. Rolou vencimentos e incorporou juros ao principal. Mesmo assim, enfrenta rombo orçamentário (déficit equivalente a 9% do PIB, ou 19,2 bilhões de euros por ano). Viver sem crédito e só de arrecadação exigiria sacrifícios provavelmente maiores.

É sobre a perspectiva de uma paisagem assim que o eleitor grego teria de decidir se engole ou não o pacote da área do euro.

CONFIRA

Primeira surpresa. A primeira reunião do Banco Central Europeu comandada por seu novo presidente, Mario Draghi, produziu uma surpresa: um corte de 0,25 ponto porcentual ao ano nos juros básicos, agora baixados para 1,25% ao ano. Embora a inflação na Europa esteja em alta (para cerca de 3% ao ano) e isso tenha sido levado em conta por Draghi, a decisão foi derrubar os juros para enfrentar uma conjuntura de crescimento do desemprego e marasmo econômico.

Pombo romano. É cedo para dizer que o romano Draghi se proponha a ser mais pombo (mais latino?) e menos falcão (menos alemão?) na condução da política monetária (política de juros) da área do euro. Mas a decisão de estreia reforça essa aposta.

Blindar a Itália. Não há muito o que os líderes da Europa possam fazer pela Grécia. A bola está com eles e o que será, será. A prioridade agora é evitar que a contaminação das finanças da Itália seja irreversível.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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