sábado, 1 de janeiro de 2011

Reflexão do dia - Piero Fassino

"[...] Na Itália, existe um ordenamento que prevê três níveis de justiça, que garante o direito à defesa, assegura o pleno respeito às garantias da pessoa, mesmo quando esta é julgada à revelia. O movimento terrorista, do qual Battisti fazia parte, semeou morte, dor e sofrimento, contribuindo para interromper um processo de crescimento civil e social, e teve como alvos principais as instituições, as forças democráticas, as organizações dos trabalhadores. Por isso, esperamos que o Brasil não assuma a decisão de não conceder a extradição de Battisti, escolha que colidiria com princípios fundamentais de direito e justiça.

Quem escolheu a violência e o homicídio como instrumento de luta contra as instituições democráticas e contra cidadãos indefesos deve pagar a própria dívida com a sociedade. Que as vítimas do terrorismo não sejam privadas do seu direito de ter justiça."


FASSINO, P; FIANO, E; ORLANDO, A. Carta ao presidente Lula. L’Unità, Roma, 29/12/2010.

Ânimo inicial:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

É natural ter otimismo no começo de um ano, de uma década, de um governo. Por que não? Afinal, inícios são estimulantes, mesmo que a marcação do tempo seja arbitrária, inventada de forma diferente em cada civilização. Na nossa, um tempo novo começa hoje, e o fato é que temos mesmo muita chance nessa década pelo que foi plantado anteriormente.

Nas últimas duas décadas, o Brasil preparou o terreno para uma arrancada. Como sempre na história do país, tudo foi feito em condições improváveis. A inflação foi um inimigo resistente, criado por erros sucessivos de décadas. Chegou a níveis inacreditáveis. Dependendo da conta, pode ser 5.000% ou até mais, em um período de 12 meses. Se alguém dissesse que ela seria derrotada num governo tampão de dois anos, pelo quarto ministro nomeado nos primeiros sete meses desse meio mandato, o que você diria? Mas foi assim o Plano Real, feito no governo Itamar Franco, pelo então ministro Fernando Henrique.

Aquela vitória foi fundamental nessa preparação do terreno que levou a novas etapas da modernização do Brasil. Nos últimos oito anos, o país ouviu insistentemente que tudo começou a dar certo com a chegada de Lula ao poder. Era propaganda, e não fato. A realidade é que na democracia todos os governos - mesmo os ruins - ajudaram o país a dar um passo a mais.

Hoje, o Brasil tem uma economia forte, um mercado consumidor pujante, novas tecnologias se popularizando, uma presença internacional de peso. Resista à tentação - querida leitora, caro leitor - de pensar no que falta fazer porque essa é uma atitude que aflige demais. Hoje é dia de festa. Deixe esse balanço das tarefas restantes, imensas, pesadas, para depois. Pense no que já foi feito, imagine o que pode acontecer de bom. Acredite, isso tornará seu fim de semana de início de ano mais leve. Você merece. "Tempo haverá, tempo haverá" para as aflições e as urgências, para as cobranças e os desânimos. Mas hoje, pense no muito já feito.

O Brasil que a democracia herdou dos militares era inflacionado, fechado, empresas ineficientes, uma dívida externa asfixiante, só 20% das casas com telefone, sem a universalização do ensino fundamental, um índice quase três vezes maior do que o atual de mortalidade infantil, e a convicção de que a Amazônia era um estorvo a ser vencido.

Hoje, o país tem uma vasta classe média, mesmo os pobres têm acesso a telefone celular, começou, ainda que tarde, a informatização das escolas, interiorizou o desenvolvimento, é considerado um dos melhores destinos dos investimentos de longo prazo. O país tem grandes chances de decolar nos próximos anos, se souber como escolher suas prioridades, como conciliar interesses naturalmente divergentes da Federação. Há sonhos que a gente nem se atrevia a sonhar tempos atrás e hoje está no horizonte das nossas possibilidades, como a erradicação da pobreza extrema - uma das promessas da presidente Dilma - e a reconquista de todas as partes do Rio dominadas pelo tráfico de drogas ou pelas milícias. Não será fácil, mas já vislumbramos as possibilidades.

O país terá de adotar um novo modelo sustentável de desenvolvimento. Ele já se insinua em algumas atitudes de empresas, organizações e pessoas que entenderam que sustentabilidade não é moda passageira, mas um novo comportamento ditado pelo encontro da humanidade com os limites da Terra.

Com os registros dos historiadores, ou dos livros de jornalistas que relatam em linguagem interessante os fatos passados, aprendemos que somos um país de improváveis. Por um evento que mais parece trama de filme, saltamos do papel de colônia explorada para o de sede do império, vencemos uma guerra de independência sem armas ou dinheiro nos cofres, tivemos uma monarquia constitucional num país cercado por repúblicas imperiais, transitamos para uma república que teve sustos e tumultos mas continuou a tarefa de manter milagrosamente unido um território gigante, num continente que se fragmentou. Enfim, nossa lista do "impossível acontece" é enorme.

E agora nem se pode dizer que nossos sonhos estejam na categoria dos impossíveis. O Brasil quer estar entre os primeiros países do mundo, sem submeter outros países - que essa, felizmente, nunca foi nossa ambição -, sem ser submetido por potência alguma. O Brasil quer ser menos desigual e, por esse e outros motivos, precisa ter como obsessão educar sua população. Isso é urgente e incontornável. Terá sucesso na era do conhecimento, quem tiver conhecimento. Simples assim. Sei, sei, querida leitora e caro leitor, estamos atrasadérrimos. Mas hoje é dia do pensamento positivo, resista à tentação de se horrorizar com o nosso atraso escolar. Outro dia conversaremos sobre isso. Apenas se anime com a capacidade extraordinária do brasileiro de aprender. Agora, some a isso o sonho de ter essas mentes ágeis bem treinadas por uma educação de qualidade. Já imaginou?

Imagine se o Brasil levar a sério sua chance de ser uma potência ambiental e, realmente, começar um projeto que dará ao país estatura moral para liderar a Cúpula da Terra de 2012, a Rio 92 mais 20? E se, para completar a alegria, isso ocorrer numa cidade onde não haja um único bairro controlado por qualquer facção do crime?

Você que me lê pode se perguntar por que não incluo o pré-sal nestes sonhos. Bom, eu não acredito em bilhete premiado, nem em quimeras redentoras. Prefiro esperar pelo fruto do trabalho. Mas o trabalho pode esperar a segunda-feira. Feliz 2011!

O primeiro sábado :: Cacá Diegues

DEU EM O GLOBO

Neste primeiro sábado de 2011, não estamos vivendo, com a posse de Dilma Rousseff em Brasília, apenas mais uma sucessão presidencial. Se pensarmos bem sobre nossa história recente, podemos concluir que também estamos assistindo ao encerramento de uma etapa na vida de nossa jovem democracia republicana. E, portanto, à possível passagem a um novo período de seu desenvolvimento.

Por mais que eventualmente concordemos com suas ideias e que devamos muito justamente respeitar seu sacrifício (a morte é um argumento muito forte), não foram os militantes da luta armada que derrubaram a ditadura militar que nos governou por mais de 20 anos, não foram eles que provocaram a democratização do país. Quem o fez foi a articulação, nem sempre explícita (notem que não usei a palavra aliança), entre democratas conservadores, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro ou Teotônio Vilella, e a vanguarda sindicalista do ABC de São Paulo liderada, em sua luta estritamente legalista, por Lula.

No momento final da democratização, a partir da campanha das diretas-já, foi-se juntando a esses um terceiro elemento decisivo, formado por lideranças militares e civis do regime moribundo que, mais moderadas, perceberam a inevitabilidade da passagem à democracia formal e garantiram seu caráter pacífico.

Tudo isso teve um preço de conveniências que foi pago nessa primeira etapa de consolidação democrática que se encerra hoje, quando praticamente todas as forças envolvidas naquela articulação tiveram, de um modo ou de outro, participação nos governos sucessivos de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e do próprio Lula. Reparem bem onde estavam cada um desses nomes e seus aliados, no processo político de distensão que vai, mais ou menos, de 1974 a 1985.

Dilma Rousseff é a primeira presidente do Brasil moderno que não tem nada a ver com isso. É verdade que ela participou da luta armada, no início dos anos 1970, com pouco mais de 20 anos de idade, uma jovem universitária sem ligações com o mundo politico profissional. Mas sua formação pública, suas relações com o poder, sua aproximação com o estado e sua administração, seu conhecimento da pólis, só se dá depois do fim da ditadura, já no novo regime democrático. Dilma é portanto uma tecnocrata formada na jovem democracia brasileira, que não tem a memória e os compromissos do passado histórico a lhe pesar sobre os ombros. Algo de novo, no estilo e no caráter da presidência, há de surgir dessa novidade.

Paradoxalmente, também não creio que esteja se encerrando hoje a "Era Lula". Seu triunfo nos oito anos de governo, a popularidade com que deixa o cargo, a dependência que seu partido tem dele, seu próprio encanto pela vida pública, nada disso permitirá que ele seja esquecido ou que se afaste do palco político. Mesmo porque tenho até a impressão de que, quando esfriarem as paixões, vamos todos, governistas ou oposicionistas, sentir certa falta dele, alguma saudade do que representa, seja qual for o desempenho de sua sucessora.

Antes de Lula, só Getúlio Vargas lançou sua sombra com tal intensidade sobre tão longo período político. Os outros dois presidentes igualmente bem-sucedidos em nossa história republicana recente, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso, não tiveram a mesma oportunidade. O primeiro porque foi sucedido por um demagogo irresponsável que nos levou, logo depois, à ditadura militar que a tudo silenciou. O segundo, por sua ausência de vocação para a devoção popular e por um total, incompreensível e covarde abandono de seu próprio partido.

É impossível prever de que modo a "Era Lula" vai seguir em frente, isso vai depender do comportamento de seu titular e do sucesso de sua sucessora. Tomara que o agora ex-presidente se conscientize de sua importância simbólica (FHC ainda não entendeu direito esse seu papel, por causa de sua justa angústia de reconhecimento, pela qual seu partido é o principal responsável), torço para que Lula não ceda à volúpia da eminência parda, atuando implícita ou explicitamente em cada decisão. Napoleão Bonaparte dizia que, na guerra, um general ruim é melhor do que dois bons.

Estamos começando a entrar num período em que nossa democracia não vai mais depender dos compromissos do passado, garantidos pelas forças políticas de "antigamente". A partir de hoje, estamos prontos para depender apenas do presente e entender esse momento como uma passagem à maturidade, o fim da adolescência de nossa democracia. Uma passagem que pode ser ilustrada pelo texto de Santo Agostinho: "A verdadeira liberdade não consiste em fazer o que se tem vontade, mas fazer o que se deve porque se tem vontade."

Dilma, "o processo" :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo e da negociação, sem atropelos ou precipitações, para que o resultado seja consistente e duradouro."

Este era Lula, no dia 1º de janeiro de 2003, durante seu discurso de posse no Congresso. Mudar com cuidado, sem atropelos, por meio do diálogo... Além do elogio do gradualismo e da consciência de que tudo "é um processo", a fala inaugural ao país soava quase como um pedido de licença para governar.

O discurso desdobrava o tom e o teor da Carta ao Povo Brasileiro, onde Lula, ainda na campanha, se comprometia com a manutenção das regras do jogo da economia de mercado. Aquela não era, como se sabe, uma carta dirigida ao povo (o brasileiro ou o chinês), mas à banca internacional, a fim de dirimir o pânico criado com a perspectiva da chegada do sapo barbudo ao poder.

Ao povo, em 2003, Lula dizia: "Teremos que manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais, para que elas possam ser atendidas no ritmo adequado e no momento justo". Difícil imaginar fala mais cautelosa. O discurso de Dilma hoje deve ser a coroação da era Lula e, ao mesmo tempo, a renovação do compromisso de incorporação social sem sobressaltos. O próprio ministério -que mais parece um ministério-tampão- aponta nessa direção.

Não deixa de ser irônico que o PT e Lula tenham se espelhado no governo de FHC e a seguir "roubado" dos tucanos não apenas a bandeira social-democrata, mas sobretudo a ideia-guia de que governar "é um processo", com efeitos cumulativos. Que se pense, por contraste, nos arroubos de um Collor, que pretendia acabar com a inflação num único golpe fatal. Lula transformou o processo em espetáculo. Com Dilma, ele tende a ser mais opaco.

É hora de empreender:: Mauro Chaves

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Que não importem o inchaço do Estado nem a gula arrecadatória das máquinas públicas de quaisquer esferas, nem a burra burocracia oficial, nem o "custo Brasil", que tem como peso principal uma infraestrutura de transportes em frangalhos, nem o fato de os gastos com a terceirização no governo federal terem saltado de R$ 7,6 bilhões em 2006 para R$ 14,1 bilhões em 2009 - portanto, 85% -, nem que a despesa com pessoal ativo e inativo dos três Poderes tenha crescido de R$ 105,5 bilhões para R$ 151,6 bilhões - 43%.

Que não importem as mazelas públicas - apesar de sempre devermos combatê-las com rigor - na hora de desenvolvermos nosso esforço pessoal de criação e produção. Pois é hora de produzir, de criar, de desenvolver o próprio negócio - micro, pequeno, médio ou grande -, de investir, de tentar crescer, de concorrer, de trazer os sonhos para a realidade, de tirar as ideias da gaveta, de se associar, de seguir em frente com o peito aberto, de arriscar, de considerar a cautela um prato complementar - não o principal -, de observar com lupa as oportunidades, as janelas que se abrem quando se fecham as portas, de assumir com independência a própria atividade, sem a expectativa de governos a ajudarem ou atrapalharem.

É hora do insubstituível esforço pessoal do aprendizado, do mérito sem favores - depois de este ter sido extremamente desmoralizado pela qualificação político-ideológica ou pelo simples compadrio -, é hora de produzir e tentar evoluir sem ufanismo, sem triunfalismo, sem arrogância, sem megalomania. É hora de observar toda a criatividade que ficou incubada e sem chance de desabrochar nos morros, nas favelas, nos cortiços, nos barracos, nos grotões Brasil afora, estimulando a luta pelo trabalho e a evolução profissional das famílias pobres - e não apenas o "fácil" sistema de doação de bolsas.

Apesar da quebra geral de valores, apesar de membros dos poderes públicos terem demonstrado à exaustão que o negócio deles não é servir à função pública, mas apenas servir-se dela para encher os bolsos, apesar da descrença, do descrédito e até da náusea que tem causado o comportamento de determinadas pessoas da vida política, temos de estimular as novas gerações a empreender com confiança no próprio desempenho, a cultivar sonhos de produção - e não apenas de consumo -, a lutar pela vida com independência - e não com a busca frenética de confortáveis sinecuras.

Mas é hora de empreender e produzir com honestidade, sem golpes, sem fraudes, sem jeitinhos espúrios, sem tráficos de influência, sem a ajuda fácil de padrinhos instalados na aparelhada máquina governamental. Porque empreender e produzir com honestidade é parte essencial do processo de recuperação de valores que a sociedade brasileira tem perdido nos últimos tempos - especialmente a juventude do nosso país. Que se deixe a canalhice, o mau-caratismo e as transações traiçoeiras prosperarem apenas nas tramas bem urdidas de nossas novelas, como exceções chocantes do comportamento humano - e não como reprodução corriqueira de conduta da sociedade brasileira.

É hora de não esquecê-los, de não relevá-los, mas também de não deixar que os escândalos públicos desanimem os realizadores da iniciativa privada. E mesmo que um batalhão de instituições e organizações, nos âmbitos sindical, estudantil, da comunicação e tantos outros, tenham sido cooptados a bom preço, para manterem a passividade crítica - já que há oito anos eram 499 jornais, revistas, TVs, rádios, portais e sites da internet que recebiam verbas publicitárias federais e hoje são 8.094 que as recebem, portanto, aumento de "apenas" 1.522% -, é preciso despertar nos jovens a capacidade de reação às bandalheiras públicas e a dignidade de resistir às generosas prebendas oficiais.

Ninguém duvida da marcante criatividade brasileira, da música à indústria aeronáutica - passando por inúmeras atividades em que o Brasil é dos melhores do mundo. O problema é que numerosas oportunidades existem, mas nem sempre são observadas, descobertas pelos próprios brasileiros, que se deslumbram com grifes e "novidades" de fora, da mesma forma que os estrangeiros se deslumbram com as coisas daqui. Por exemplo, se o Museu Catavento, o Museu do Futebol ou o Museu da Língua Portuguesa estivessem em Nova York, Miami, Paris ou Londres, os turistas brasileiros correriam para levar seus filhos a eles, assim que chegassem a essas cidades. Mas como estão em São Paulo...

A propósito, agora para a crianças: qual é o verdadeiro herói da história Branca de Neve e os Sete Anões? Seria o príncipe, que só teve o trabalho de beijar uma linda mulher? Seriam o Feliz, ou o Atchim, ou o Mestre, ou o Zangado, ou o Soneca, ou o Dengoso ou o Dunga - que usaram, todos eles, a mão de obra gratuita de Branca para suas tarefas domésticas, como limpar, arrumar a casa e cozinhar? (Machistas, aqueles anões...) Ou a heroína é a própria Branca de Neve, que fugiu da morte certa? Nenhum deles. O verdadeiro herói da história passa quase totalmente despercebido: trata-se do caçador, contratado pela rainha má para tirar a vida daquela de quem o espelho mágico dizia ser mais bela do que ela. Por pura compaixão e generosidade, o anônimo caçador salvou a vida da princesinha, enganando a poderosa soberana - levando-lhe o coração de um veado, dizendo tratar-se da peça encomendada (o coração de Branca), no que arriscou demais a própria vida, já que a poderosa e vingativa rainha logo iria descobrir - como descobriu - o esconderijo de sua "rival", sabendo, portanto, que comera o coração errado.

Conclusão: nem sempre os melhores são os que aparecem mais e durante mais tempo.

Feliz ano-novo!

Jornalista, advogado, escritor,

Da arte de governar :: Octaciano Nogueira

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A arte de governar não se aprende nos livros. Infelizmente, também não se improvisa. E menos ainda se ensina embora não faltem os que tenham a pretensão de fazê-lo. Mas seria bom que todo aquele que governa soubesse, por intuição, por experiência ou por convicção que governar não é sinônimo de mandar. E, por maior que seja a popularidade dos que governam, que ser popular pode ser requisito para ser eleito, mas não para dirigir o Estado. Governar vem do latim gubernare, mas sua origem é grega, kubernao e significa a cana do leme. Segundo Horácio, nas Odes, como ensina Antenor Nascentes, no Dicionário etimológico da língua portuguesa, “por metáfora antiga, o Estado é comparado a um navio, daí chamar-se governo a direção dos negócios públicos”. Como o mar sempre escondeu perigos que nem sempre podem ser percebidos, para gregos e troianos governar significava navegar num mar de escolhos, daí a necessidade não de conhecimento, mas de habilidade.

O governo que agora se inicia é, para muitos, algo novo ou inusitado, e como tal deve ser saudado, pelo fato de que será dirigido por uma mulher. Para nós, brasileiros, não será experiência nova nem inédita, se lembramos que a princesa Isabel governou o país todas as vezes – e não foram poucas – em que seu pai, D. Pedro II, esteve ausente do país. Ela não exerceu o poder na qualidade de imperatriz porque esse título era reservado à esposa do imperador, mas como regente do Império. E foi nessa qualidade que promulgou a Lei Áurea, que pôs fim à mais nefanda das manchas que maculou nossa história.

Talvez exista na Biblioteca do Palácio do Planalto o livro Conselhos à regente, obra com que seu pai pretendeu ensinar os rumos com que, aquela que um dia o sucederia, deveria comportar-se quando o substituísse e quando o sucedesse, tornando-se imperatriz. À distância de mais de um século que nos separa da obra, nenhuma utilidade teria para nossa presidente. Como também de nada lhe serviriam as inúmeras obras com que alguns pretensiosos pretenderam aconselhar os governantes em todos os tempos, como foi o caso do Cardeal Mazarin, sucessor do famoso Richelieu, há mais de 300 anos, com seu Breviário dos políticos publicado no Brasil em 1997 pela Editora 34, com apresentação de Bolívar Lamounier e prefácio de Umberto Eco. Afinal, ninguém manda nem pode pretender fazê-lo num imperador ou num presidente, embora com a soma de poderes de que estão investidos, entre nós, nenhuma diferença faria se, em vez da faixa que recebem na posse como símbolo do cargo, fossem brindados com uma coroa, como nos regimes monárquicos.

Segundo o velho ditado, assim como não se ensina o Padre Nosso ao vigário, seria pretensão inútil e ocioso quem quer que seja tentar tutelar, ensinar, sugerir, aconselhar ou influenciar quem detém os poderes de dirigir o Estado e governar o país. Tais como os imperadores com suas cortes, os presidentes com a corte de legionários que têm à sua volta dispensam conselhos, desprezam avisos e com toda razão menosprezam advertências. Dizem que o exercício do poder é incompatível e imune a qualquer forma de influência que se pretenda exercer sobre os que o detêm e o exercem.

O que talvez possa ser-lhes útil, até mesmo para caracterizar a singularidade do poder que exercem, é distinguir-se dos que os antecederam e, se possível, até dos que vierem a sucedê-los. Mas algumas das qualidades dos que governam, se não são, pelo menos deveriam ser comuns a todos. A primeira delas é a austeridade com que devem exercer o poder de que estão investidos. Isso implica não ser vulgar nem pretender dar conselhos a quem não os pediu e menos ainda falar sobre todas as coisas, especialmente as que caracterizam a vulgaridade dos pretensiosos. A segunda é não agir por impulso, que é incompatível à ponderação e ao equilíbrio que exige o interesse permanente do Estado, que se distingue do interesse ocasional dos governos transitórios.

Não são poucos os ônus que a primeira presidente do país carrega como espécie de fardo indesejável. O primeiro é ter que governar com um ministério recauchutado, em que são quase invisíveis os próprios remendos, aqui e ali. O segundo, como desabafou o primeiro de seus antecessores, o marechal Deodoro da Fonseca, “ter de governar de sentinela à porta”. E o terceiro, a tarefa hercúlea de conseguir que seu governo mantenha a continuidade das conquistas e evite a prática do continuísmo da infinidade de promessas “nunca antes na história deste país” tão decantadas e nunca realizadas. Trata-se de distinção que, no Brasil, sempre foi difícil de ser concretizada. Afinal esse deve ser o desejo dos brasileiros, em especial dos que, como o autor deste texto, não sufragou o seu nome nas eleições, já que afinal seremos todos, sem distinção, não só os beneficiários de seus êxitos, mas também as vítimas dos erros que a primeira mandatária da Presidência porventura vier a cometer.


Historiador

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Governistas

A viga mestra do governo Dilma é a aliança entre os dois maiores partidos do país: o PT e o PMDB. A montagem do governo, independentemente de eventuais insatisfações, reflete essa aliança. Do ponto de vista eleitoral, as duas forças foram decisivas para a vitória. Como será o desempenho de ambas na hora de garantir a governabilidade? A resposta virá na eleição da Mesa da Câmara. A candidatura do deputado petista Marco Maia (foto) não empolga os demais aliados da base governista, mas tem o apoio dos principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM.

A hora da estrela

Dilma Rousseff assume a Presidência da República hoje como protagonista de uma revolução de gênero, a ascensão das mulheres ao mais alto cargo político do país. Realizou a dupla proeza de chegar ao poder sem jamais exercer um cargo eletivo e superar todos os preconceitos que surgiram no seu caminho. Isso não seria possível sem o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do seu partido, o PT, de cujo núcleo histórico não faz parte. Mas Dilma cumpriu a sua parte. É a nova estrela política que brilha.

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Com um passado de militante revolucionária — participou de uma organização que aderiu à luta armada contra o regime militar, razão pela qual foi presa, torturada e cumpriu três anos de cadeia —, assume o poder como uma esfinge. Desde a eleição, recolheu-se à Granja do Torto, evitou declarações e entrevistas.

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Ninguém ainda sabe o que Dilma Rousseff pretende fazer em relação a temas como a reforma política, o desajuste fiscal, a crise da Previdência, o desequilíbrio cambial e as relações com os Estados Unidos e a China, que estão na ordem do dia. Não promoverá uma ruptura com a política de Lula, mas novas metas precisam ser anunciadas. A Nação aguarda seu discurso de posse para saber das novidades.

Economia

Recrudesceram as críticas ao desempenho fiscal do governo. O resumo da ópera: a União arrecadou 28% mais do que o previsto, executou apenas 26% dos investimentos programados e terminou o ano tentando driblar o deficit fiscal. Com a inflação em alta, o mercado prevê alta dos juros e cortes nos investimentos. É a política do “mais do mesmo”: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. A opção audaciosa seria uma paulada nos juros para reduzir o custo da dívida pública, uma espécie de cavalo de pau que mudaria o rumo da economia. É arriscado demais para Dilma.

Oposição

Derrotados por Dilma Rousseff, o tucano José Serra e a verde Marina Silva se fingem de mortos, mas estão vivíssimos. Serra, que hoje prestigia a posse do governador tucano, Geraldo Alckmin, já disse que pretende exercer sua liderança na oposição. Marina se mantém ativa como porta-voz de uma agenda ambiental cada vez mais estratégica. Como ambos estão sem mandato, o líder de oposição que emerge no Congresso é o ex-governador de Minas, o tucano Aécio Neves (foto), que assume o mandato de senador.

Militares

Velho ditado popular diz que chumbo trocado não dói. Os militares têm certa admiração pela presidente eleita Dilma Rousseff, uma sobrevivente da repressão do regime militar à oposição de esquerda, sobretudo aos que aderiram à luta armada. A pedido de Lula, Dilma manteve o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os atuais comandantes militares. A experiência mostra que longas permanências no alto comando levam à formação de grupos e exacerbam disputas políticas nas Forças Armadas.

Social

Quando uma prioridade é alcançada, surgem outras. O maior êxito do governo Lula foi ampliar o mercado interno, combatendo a exclusão social e as desigualdades, graças à elevação do salário mínimo e à incorporação de 13 milhões de famílias aos programas de transferência de renda. No governo Lula, 36 milhões de pessoas entraram na classe média, 28 milhões saíram da linha de pobreza. Quais são as novas prioridades sociais? Com certeza, educação fundamental e ensino médio de qualidade; atendimento básico à saúde. Mas falta dinheiro.

Diplomacia

Fala-se numa inflexão na política externa brasileira, cujo consenso foi abalado no governo Lula. Sem o mesmo protagonismo internacional, Dilma herda relações esgarçadas com os Estados Unidos e seus principais aliados por causa do episódio do acordo do Brasil com o Irã sobre seu programa nuclear. A escolha do embaixador Antônio Patriota para o Ministério das Relações Exteriores ensejaria uma certa aproximação com os Estados Unidos e nova postura comercial em relação à China. Será?

Ausente/ Segundo boletim do Hospital Sírio-Libanês, o quadro de saúde do vice-presidente José de Alencar é estável. Internado desde o último dia 22 por causa de um sangramento digestivo, não comparecerá à posse de Dilma Rousseff, como gostaria.

Governadores/ Os governadores tucanos Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Beto Richa (PSDB-PR), Marconi Perillo (PSDB-GO), Teotônio Vilela (PSDB-AL) e Siqueira Campos (PSDB-TO) confirmaram presença na posse de Dilma Rousseff. Os governadores do DEM Rosalba Ciarlini (RN) e Raimundo Colombo (SC) não virão a Brasília.

Lula mantém Battisti no Brasil; para Itália, decisão afronta justiça

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No último dia de mandato, o presidente Lula decidiu negar ontem a extradição, para a Itália, do ex-ativista de esquerda Cessare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos em território italiano durante a década de 70. Lula referendou o entendimento da Advocacia-Geral da União de que há “razões ponderáveis para supor” que Battisti poderia ter a situação agravada, inclusive com risco de sofrer perseguição política na Itália. O premiê italiano, Silvio Berlusconi, convocou seu embaixador no Brasil para consultas e expressou “profunda tristeza” pela decisão de Lula, dizendo que é “uma posição contrária ao mais elementar sentido de justiça”. Ele prometeu continuar a “batalha para que Battisti seja entregue à Justiça italiana”. Ministros do Supremo Tribunal Federal dizem que o caso ainda pode ser revisto.

Lula mantém Battisti no País e deixa para Dilma mal-estar com Itália e STF

Presidente nega extradição no último dia de governo e caberá a sucessora administrar crise com italianos, que chamaram embaixador de volta, e com Supremo, que havia autorizado o envio do ex-ativista, condenado por 4 assassinatos nos anos 70

Felipe Recondo e Tânia Monteiro

No último dia de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu negar a extradição para a Itália do ex-ativista Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua por quatro assassinatos em seu país, nos anos 70. O governo da Itália reagiu e convocou seu embaixador no Brasil, uma crise diplomática que será herdada pela presidente Dilma Rousseff. A decisão de Lula também deixou para sua sucessora um mal-estar com o Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula referendou o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU) de que há "razões ponderáveis para supor" que Battisti poderia ter a situação agravada, até mesmo com risco de perseguição política, caso fosse entregue para cumprir a pena em território italiano. Prova disso é o fato de que o assunto ainda mobiliza a Itália após três décadas.

"Nesse aspecto, passados mais de 30 anos dos fatos, a mobilização pública em torno do caso é notória e atual. Das manifestações que o caso vem suscitando desde o seu início, constata-se que os episódios em que se envolveu o extraditando conservam elevada dimensão política e ainda mobilizam muitos setores da sociedade nos mais diversos sentidos", afirmou a AGU no parecer referendado por Lula. "Estes fatos constituem substrato suficiente para configurar-se a suposição de agravamento da situação de Cesare Battisti caso seja extraditado para a Itália."

Apesar de ter se baseado no tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália para negar a entrega de Battisti, o governo italiano reagiu imediatamente. O embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, foi convocado para consultas depois do anúncio feito pelo governo brasileiro, que no meio diplomático é considerado gesto grave.

Além disso, o governo italiano decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar a decisão de Lula. O advogado Nabor Bulhões, que defende a Itália no processo, informou que deve protocolar em breve uma ação contestando a medida. Ele questionou o argumento de que Battisti poderia correr riscos e sofrer perseguição política se fosse entregue às autoridades italianas. "É uma fraude ao tratado", afirmou.

Julgamento. Não bastasse a crise diplomática com os italianos, a presidente que toma posse hoje terá de contornar um embate com o próprio STF em relação ao caso. Na audiência com Lula, na quinta-feira, o presidente do STF, Cezar Peluso, adiantou que levará o caso ao plenário do tribunal. Até lá, antecipou, não soltará Battisti, preso desde 2007 à espera do julgamento do processo de extradição.

De acordo com outro integrante da corte, os ministros precisarão avaliar se o governo afrontou o tratado de extradição entre os dois países e se os argumentos registrados por Lula são diferentes dos usados pelo Ministério da Justiça para reconhecer o status de refugiado de Battisti em 2009, ato que foi julgado ilegal pelo próprio STF. Este será um dos primeiros julgamentos do Supremo no mandato de Dilma Rousseff. Como o ato da Presidência da República será contestado, caberá à AGU fazer a defesa no tribunal.

Escalado para anunciar a resolução de Lula de não entregar Battisti para a Itália, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou não haver motivos para o Brasil se preocupar com a reação italiana. "O Brasil tomou uma decisão soberana, dentro dos termos previstos do tratado e as razões estão explicitadas no parecer da AGU", disse o ministro, também em seu último dia no cargo.

Apesar do tom conciliatório, a nota divulgada pelo governo para anunciar a permanência de Battisti demonstrou insatisfação com a reação da Itália um dia antes de a decisão ser confirmada por Lula. "O governo brasileiro manifesta sua profunda estranheza com os termos da nota da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, de 30 de dezembro de 2010, em particular com a impertinente referência pessoal ao presidente da República", concluiu a nota.

Assim que a decisão for publicada no Diário Oficial, o Ministério da Justiça comunicará oficialmente o STF e pedirá a libertação imediata de Battisti. No entendimento de fontes do governo, o Supremo nem precisaria ser acionado para que Battisti fosse solto, mas decidiu-se por esse caminho para evitar problemas futuros.

PONTOS-CHAVE

Condenação

A Justiça italiana condenou Cesare Battisti a prisão perpétua, em 1983, por 4 assassinatos. As mortes ocorreram entre 1978 e 1979 e foram atribuídos ao Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Ele nega os crimes.

Fuga

Em 1981, Battisti havia fugido para a França. Veio para o Brasil em 2004, ao perder o status de refugiado. Foi preso no Rio em março de 2007 e levado a Brasília, à espera de uma decisão sobre sua extradição.

Processo

Em 2008, o Comitê Nacional para Refugiados nega pedido de refúgio, concedido depois pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro. O governo italiano critica decisão e leva o caso ao Supremo.

Decisão

STF julga que Battisti pode ser mandado de volta à Itália, mas decisão cabe ao presidente da República. No último dia de governo, Lula nega a extradição. Para Cezar Peluso, STF deve reavaliar o caso.

No adeus, Lula deixa para Dilma crise diplomática com a Itália

DEU EM O GLOBO

Em seu ultimo dia no cargo, o presidente Lula abriu uma crise diplomática com a Itália ao decidir não extraditar o ex-ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua em seu país. O governo italiano protestou duramente e chamou de volta seu embaixador. Battisti ficará no Brasil com status de estrangeiro. Em meio a crise e sob a sombra do presidente que sai com popularidade recorde, Dilma Rousseff toma posse hoje como a primeira mulher no Planalto. E herda os desafios de conter os gastos públicos, elevar o investimento em infraestrutura, além de melhorar a qualidade da educação e da saúde.

Na saída, crise diplomática

Lula mantém Battisti, e Itália chama seu embaixador; conflito ficará para Dilma resolver

Luiza Damé, Chico de Gois e Vera Gonçalves de Araújo*

Apresidente eleita, Dilma Rousseff, assume hoje o cargo em meio a uma crise diplomática com o governo da Itália. Ontem, no último dia como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva oficializou a decisão de não extraditar o ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado em 1988 à prisão perpétua, na Itália, por quatro assassinatos. Battisti ficará no Brasil com o status de estrangeiro. Foi o suficiente para o governo italiano fazer um protesto diplomático, chamando de volta seu embaixador no Brasil.

O governo italiano foi informado com antecedência da decisão. Embora o Palácio do Planalto contasse com uma reação, estranhou o teor da nota do Conselho dos Ministros da Itália, considerando-a acima do limite. O governo italiano considerou a decisão "inaceitável" e afirmou que Lula teria de dar explicações "a todos os italianos, e, em particular, às famílias das vítimas", o que motivou uma dura nota do governo brasileiro.

O anúncio da decisão de Lula foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ontem de manhã. No hall do Planalto, Amorim leu a nota do governo, que considera "impertinente" a referência pessoal a Lula no comunicado da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália. Lula se baseou em parecer da Advocacia Geral União (AGU) sobre o caso.

O presidente da República da Itália, Giorgio Napolitano, expressou "amargura e contrariedade":

- A decisão do presidente Lula provocou em mim uma grande decepção - afirmou Napolitano, ex-comunista, para quem a negativa da extradição é incompreensível.

Berlusconi: "A Itália não se rende"

Na mesma linha, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi enfatizou que haverá recurso contra a decisão. Os advogados do governo italiano já adiantaram que recorrerão ao Supremo Tribunal Federal (STF):

- Expresso profunda amargura e pesar pela decisão do presidente Lula de negar a extradição do assassino Cesare Battisti, apesar de nossos pedidos e solicitações insistentes, em todos os níveis. Trata-se de uma opção contrária ao mais elementar sentido de justiça. Não considero concluído o caso: a Itália não se rende e fará valer seus direitos em todas as instâncias - disse Berlusconi.

Segundo o governo brasileiro, o parecer da AGU "considerou atentamente" as cláusulas do Tratado de Extradição entre os dois países, em particular o artigo que cita, entre os motivos para a não extradição, a condição pessoal de Battisti. O Planalto entende que "esse tipo de juízo não constitui afronta de um Estado ao outro, uma vez que situações particulares ao indivíduo podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados".

Na nota, o Planalto manifesta "profunda estranheza" com o comunicado do governo italiano, "em particular com a impertinente referência pessoal ao presidente da República". Apesar da troca de farpas, Amorim disse que o caso não afetará as relações entre os dois países, pois o Brasil tomou uma decisão soberana. O anúncio da decisão de Lula deveria ter sido feito pela AGU, segundo Amorim. Mas, explicou o chanceler, coube a ele a tarefa por causa do comunicado da Presidência do Conselho de Ministros da Itália:

- Não temos nenhuma razão para estarmos preocupados com a relação com a Itália. O Brasil tomou uma decisão soberana dentro dos termos previstos no tratado. As razões estão explicadas no parecer da AGU - afirmou Amorim.

Para o governo brasileiro, Battisti não é refugiado nem exilado, pois o STF negou-lhe, em novembro de 2009, a condição de refugiado, revogando a decisão do Ministério da Justiça. Em janeiro de 2009, o ministério havia concedido refúgio a Battisti, mas o governo italiano recorreu ao STF.

Agora, Battisti passa a ser tratado como imigrante que precisa tirar o visto brasileiro para continuar no país - o que será concedido automaticamente, porque, caso contrário, não teria sentido o presidente decidir pela não extradição.

Battisti está no Presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007, quando foi preso no Rio. A autorização de soltura depende de despacho do STF. Depois de publicada a decisão de Lula no Diário Oficial, o Ministério da Justiça mandará um comunicado ao Supremo.

Caberá a Dilma cuidar dos próximos passos. O governo sabe que o STF pode julgar a polêmica no plenário e já espera que o governo da Itália recorra. O presidente do STF, Cezar Peluso, avisou que o caso será submetido aos demais ministros em fevereiro. Até lá, Battisti continua preso. Em nota, o advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, comemorou a decisão e reiterou a tese de que seu cliente é inocente.

* Especial para O GLOBO

Começa o governo Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dilma Rousseff assume hoje como a primeira mulher presidente do Brasil. O mandato da petista, que quer ser chamada de “presidenta”, começa sob a sombra do enorme carisma de seu antecessor e padrinho político, Lula. “Eu não posso errar”, diz Dilma – que, fiel a sua fama de durona, já planeja reuniões de trabalho para “ontem”. Após oito anos, Lula passará a faixa à sua criatura deixando um legado de acertos e descompassos políticos, econômicos e sociais. Lula teve como marca os solavancos de sérias crises políticas, como a do mensalão, mas também a inegável redução da desigualdade social e a manutenção da estabilidade econômica. Para compensar o peso dessa herança, Dilma terá a maior base de apoio já formada em torno de um presidente desde a redemocratização do Brasil.

Presidente abre mandato com a maior base de apoio após redemocratização

Primeiro desafio de Dilma no Legislativo será administrar anseios e conflitos de seus 366 deputados e 52 senadores aliados

Marcelo de Moraes

Dilma Rousseff assume a Presidência da República com a maior base de apoio já formada em torno de um chefe do Poder Executivo desde a redemocratização do Brasil. O problema é que ter 366 deputados e 52 senadores aliados não significa garantia de lealdade. Se, de fato, a coalizão é grande, essa bancada de apoiadores também tem a característica de cobrar favores, através da liberação de emendas parlamentares e de outros tipos de recursos federais, para garantir sua fidelidade ao Planalto.

Já foi assim durante os oito anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num processo que teve seu pior momento em 2005, durante o chamado escândalo do mensalão. O caso revelou a existência de um esquema de repasse de verbas públicas em troca do apoio de políticos da base. Seus efeitos derrubaram poderosos integrantes do governo, como o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e atingiram a cúpula de partidos como PT, PR, PP e PTB.

Se hoje não existe mais o esquema do mensalão, a pressão por liberações continua sendo uma regra dentro do Congresso e o governo não tem se incomodado em ceder quando julga necessário. Não será diferente no governo de Dilma. A questão será estabelecer os termos dessa relação.

Teste de resistência. Segundo um de seus principais interlocutores dentro do Congresso, existe a expectativa por uma espécie de "teste de resistência" do novo governo. Na prática, isso significa que, na primeira votação importante de interesse de Dilma, setores influentes da base aliada deverão pressionar o governo para medir o quanto ele aceita ceder.

Além disso, alguns partidos acham que não foram contemplados adequadamente na formação da nova equipe de governo. O PMDB, dono da maior bancada do Senado e segunda maior da Câmara, reclama por maior espaço no controle de estatais. O PSB achou pouco ocupar dois ministérios, já que elegeu seis governadores.

Em compensação, o governo já conseguiu aplacar um foco importante de insatisfação. Para atender a bancada do PP, que tem 41 deputados e cinco senadores, Dilma aceitou substituir o ministro Márcio Fortes, de perfil técnico, e nomeou o líder da bancada do partido, o deputado federal Mário Negromonte (BA), para o comando do Ministério das Cidades. Parlamentares do PP reclamavam que Fortes não atendia os pedidos do partido.

A troca produziu ainda outro efeito. Fortes era muito próximo do presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), parente do tucano Aécio Neves. Assim, além de ganhar o apoio da bancada do partido, a nomeação enfraqueceu a ala próxima de um importante adversário da oposição.

Mais senadores. Se conseguir ajustar sua sintonia com a base de apoio, Dilma terá uma situação francamente favorável dentro do Congresso. Terá votos suficientes para aprovar, por exemplo, propostas que alteram a Constituição, prerrogativa que nem Lula teve durante os seus dois mandatos.

Se na Câmara, Lula sempre teve maioria clara, no Senado essa hegemonia não se repetiu. Em dezembro de 2007, o governo foi derrotado na votação da proposta que estabelecia a prorrogação da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que garantia recursos extras para a Saúde.

Agora, Dilma ampliou sua base de apoio na Câmara e larga com um patamar de 52 senadores aliados, mais do que os três quintos (ou 60%) de votos necessários para aprovar qualquer modificação constitucional.

Essa vantagem poderá até se tornar mais confortável ainda se o governo receber a provável adesão dos seis senadores do PTB. Na campanha presidencial, o partido apoiou a candidatura do tucano José Serra. Mas a maioria dos seus parlamentares deseja compor um acordo com o governo. Com isso, o futuro governo teria votos para aprovar propostas polêmicas, como a própria volta da CPMF ou alterar até mesmo o número de mandatos de um mesmo presidente.

Lula dribla greves e seduz sindicatos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente chegou a enfrentar paralisações do funcionalismo no início do governo, mas recuperou apoio com concessões às centrais sindicais

Roldão Arruda

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, não enfrentou grandes greves. O último movimento grevista importante, segundo o sociólogo, teria ocorrido em 1995, no primeiro ano de seu governo.

Há controvérsias. De um lado, a greve deflagrada naquele ano pelos petroleiros é vista por estudiosos como um marco inegável na história das disputas trabalhistas no País. Por outro lado, porém, líderes sindicais consideram errada a afirmativa de que não houve nada de peso desde então. Asseguram que a combatividade se manteve durante todo o governo Lula.

O professor Ricardo Antunes, especialista em sociologia do trabalho na Unicamp, tem outra visão. Observando o que aconteceu nos últimos oito anos, diz que o governo Lula pode ser dividido em dois momentos. No primeiro, de 2003 a 2005, ele enfrentou greves consideráveis, quase todas organizadas por funcionários públicos, descontentes com medidas que mexiam com seus direitos - como a reforma da Previdência, a taxação da renda dos aposentados, a recusa em recompor a força de trabalho nas universidades públicas. Uma parte do funcionalismo que integrava a base do PT chegou a romper com o governo.

O corte para o segundo momento ocorre com o escândalo do mensalão, que municia a oposição com material inflamável e provoca uma crise hemorrágica no apoio político ao governo. Isolado, Lula faz então dois movimentos decisivos para costurar uma nova base de sustentação.

O primeiro deles dá força total ao Bolsa-Família, beneficiando famílias pobres, despolitizadas e sem vínculos com o PT. O segundo amplia as concessões aos líderes da classe trabalhadora organizada.

Em 2008, com o empurrão do governo, o Congresso aprova a lei de reconhecimento jurídico das centrais sindicais, como elas desejavam. Em seguida, quando a lei vai à sanção presidencial, Lula também faz o que elas pleiteiam e veta o artigo que as obrigaria a prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). O passo mais importante dessa movimentação, porém, foi decisão de repassar a essas centrais parte do bolo da contribuição sindical obrigatória - algo em torno de R$ 100 bilhões anuais.

No campo sindical, o ex-metalúrgico também atendeu parte das reivindicações do funcionalismo público que havia ignorado nos primeiros anos de governo (um dos casos mais notáveis foi o aumento de recursos para as universidades públicas) e ampliou a presença de sindicalistas em cargos de governo e conselhos diretores de estatais.

O esforço funcionou. Ele está terminando o segundo mandato com o apoio das seis centrais sindicais legalizadas. Conseguiu até unir sob seu guarda-chuva as arqui-inimigas CUT, do PT, e Força Sindical, que apoiou o governo de Fernando Henrique.

A única central na oposição é a Comlutas, que não pretende se legalizar e critica o imposto sindical. Segundo um de seus principais dirigentes, José Maria de Almeida, Lula consolidou uma estrutura sindical burocrática sem precedentes no Brasil. Pela análise de Antunes, no campo trabalhista ele intensificou e ultrapassou o populismo de Getúlio Vargas (1882-1954).

Sem-terra. A crise também levou o presidente a dar mais atenção aos movimentos sociais, como os dos sem-terra. Já no início do governo ele havia freado a repressão policial, nomeado pessoas ligadas aos movimentos para cargos no Incra e reaberto as torneiras dos cofres públicos para o repasse de verbas a entidades controladas pela militância da reforma agrária, que haviam sido fechadas no segundo mandato de Fernando Henrique.

Lula não atendeu, porém, às principais reivindicações dos movimentos, como a revisão do índice de produtividade rural e o aumento das desapropriações de terras. Na opinião do professor Marco Mitidiero Junior, estudioso de movimentos sociais, da Universidade Federal da Paraíba, o segundo mandato foi caracterizado pela liberação rápida e em maior escala de recursos para assentamentos já existentes, com uma clara opção pela não realização da reforma agrária.

Isso não provocou, no entanto, reações em escala. O número ocupações até diminuiu.

No caso da União Nacional dos Estudantes (UNE) o presidente nem precisou se movimentar. Poucas entidades foram tão alinhadas com seu governo quanto a que representa os universitários. Em retribuição, Lula apoiou o pedido de seus líderes por uma indenização por danos sofridos durante a ditadura militar. Dias atrás, no Rio, entregou-lhes um cheque de R$ 30 milhões, primeira parcela de um total de R$ 44,6 milhões que serão pagos pela Comissão de Anistia para a reconstrução da sede, destruída por um incêndio provocado por agentes da ditadura.

O encontro festivo ocorreu na Praia do Flamengo, no terreno da antiga sede da UNE, coincidentemente doado aos estudantes por Vargas. A entidade, que, sem dispor de sede oficial, se destacou no combate à ditadura militar e na oposição ao governo de Fernando Collor de Mello, com os caras pintadas, vai construir ali um edifício de 13 andares.

Do mensalão ao ''Erenicegate'', uma crise por ano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com mais de 60 denúncias graves de corrupção em dois mandatos, imagem de honestidade construída pelo PT termina gestão abalada

Vannildo Mendes

Desde a redemocratização do País, o governo Luiz Inácio Lula da Silva foi o mais afetado por escândalos e, paradoxalmente, o que mais teve capacidade de sair ileso deles. O ex-sindicalista do ABC, que sustentou por mais de vinte anos uma dura oposição contra desvios éticos de governantes, enfrentou mais de 60 denúncias graves de corrupção nos seus dois mandatos - média de oito por ano. Elas causaram baixas no staff e abalaram a imagem de probidade dos petistas.

O antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, sofreu um número três vezes menor de inquéritos anticorrupção da Polícia Federal e viveu sua pior crise no episódio das privatizações. Atingido pelo esquema de arrecadação de propina montado por seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o ex-presidente Fernando Collor sofreu um impeachment.

Para a ONG Transparência Brasil, que monitora a corrupção no País em parceria com a Controladoria Geral da União (CGU), não se pode dizer que o governo Lula se caracteriza pelos escândalos, porque teve méritos em diversos outros setores e muitos dos casos investigados são herdados de gestões anteriores, ou derivam de práticas políticas de difícil solução. Mas num ponto fracassou: "Ele manteve a forma espúria de loteamento do poder, a principal causa de corrupção no Brasil", diz Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG.

Do caso Waldomiro Diniz, em 2004, ao chamado "Erenicegate", em 2010, os escândalos da era Lula começaram e terminaram na Casa Civil, o ministério que, não por acaso, centralizou as negociações de cargos e divisão de poder com os partidos da base aliada. O maior de todos foi o escândalo do mensalão, pelo qual 40 membros e colaboradores do primeiro mandato de Lula tornaram-se réus em processo por corrupção e formação de quadrilha que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

A gravidade dos escândalos pode ser medida pelo fato de terem tirado de combate duas estrelas do partido, candidatos naturais à sucessão presidencial, os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), apontado como cabeça do mensalão, e Antônio Palocci (Fazenda), envolvido na quebra de sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa. Isso teria obrigado Lula a buscar em Dilma Rousseff o plano C para a sucessão.

Lula termina o governo com popularidade recorde, mas tanto ele como sua sucessora pagaram um preço. Dilma, em 2010, assim como Lula, em 2006, deixou de faturar a eleição no primeiro turno por conta de denúncias de corrupção. Ele, envolto com os casos do mensalão e dos aloprados, grupo de petistas presos com uma mala de dinheiro para compra de dossiês contra dirigentes tucanos. Ela, também por conta da acusação de montagem de dossiês e do escândalo de tráfico de influência na Casa Civil na gestão de Erenice Guerra, sua sucessora na pasta e braço direito no governo desde o primeiro mandato de Lula.

Muitas das denúncias da Era Lula foram filmadas em vídeo e difundidas na internet. Foi o caso do escândalo dos Correios, embrião do mensalão. Seis outros episódios tiveram idêntico teor explosivo, o que marcou a Era Lula com pelo menos uma crise grave por ano. "Foi o governo da lassidão moral e da tolerância com a corrupção", definiu o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O DEM também protagonizou um escândalo de proporções homéricas, o "mensalão do DF", envolvendo o governador José Roberto Arruda, o primeiro a ser preso no exercício do cargo.

Protagonista do primeiro grande escândalo no governo Lula, o ex-assessor parlamentar da Casa Civil Waldomiro Diniz foi exonerado em fevereiro de 2004, após divulgação de fita de vídeo em que ele aparece pedindo propina ao empresário de jogos Carlos Cachoeira. O segundo caso também teve audiência eletrônica, com a divulgação, em 2005, de fita de vídeo em que o ex-diretor de Administração dos Correios, Maurício Marinho, aparece enfiando propina nos bolsos e narrando como funcionava o esquema de corrupção na estatal.

Indiciado como mentor do esquema dos Correios, o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi à forra e denunciou ampla arrecadação de propina junto empresas que tinham negócios com o setor público para pagamento de mesada à base aliada e compra de apoio no Congresso, o chamado mensalão.

Ainda em 2005, a Operação Vampiros, que revelou fraudes na compra de hemoderivados, derrubou o ministro da Saúde, Humberto Costa (PT-PE). Recentemente inocentado na Justiça, ele se elegeu senador.

Em 2006, a Saúde gerou outro escândalo, o das Sanguessugas - venda de ambulâncias superfaturadas para prefeituras. O caso deu origem a outro escândalo, o do dossiê antitucano montado pelos "aloprados", para citar a maneira como o próprio Lula se referiu aos petistas envolvidos. Ainda em 2006, Palocci foi demitido após confirmação do seu envolvimento na quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo, testemunha da CPI dos Bingos, na qual foi denunciada a "República de Ribeirão Preto".

Em 2008, o escândalo dos gastos com cartões corporativos, denunciado pelo Estado, derrubou a ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial. A era dos escândalos termina em 2010 com o abertura de dois inquéritos pela PF. Um investiga quebra de sigilo e montagem de dossiês contra dirigentes tucanos. O "Erenicegate" investiga esquema de tráfico de influência no governo.

CRONOLOGIA

Os escândalos da era Lula

Waldomiro Diniz
Fevereiro de 2004
Fita de vídeo mostra o então assessor de Assuntos Parlamentares da Casa Civil negociando propina com o empresário de jogos Carlos Cachoeira em troca de apoio a projetos

Vampiros
Maio de 2004
Esquema de fraudes na compra de hemoderivados, derrubou o ministro da Saúde, Humberto Costa. Deu origem à operação Sanguessugas, que apurou o caso de ambulâncias superfaturadas

Correios
Maio de 2005
Vídeo mostra o diretor de Administração dos Correios, Maurício Marinho, recebendo propina e detalhando esquema de corrupção na estatal

Mensalão
Junho de 2005
Deputado Roberto Jefferson (PTB), denuncia arrecadação de propina de empresas com negócios no governo para pagamento de mesada à base aliada e compra de apoio de parlamentares no Congresso

Palocci e o caseiro
Março de 2006
O caseiro Francenildo Santos Costa tem sigilo bancário quebrado após revelar, ementrevista ao Estado, encontros do ministro Antonio Palocci para festas e partilha de dinheiro numa mansão do Lago Sul. O escândalo derrubou o ministro

Aloprados
Setembro de 2006
Grupo de petistas, alguns das relações pessoais de Lula, são presos num hotel em São Paulo com uma mala de dinheiro para compra de dossiês contra dirigentes tucanos

Cartões corporativos
Janeiro de 2008
Gastos abusivos, denunciados pelo Estado, causam demissão da ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e desconforto em membros do primeiro escalão

Erenice Guerra
Setembro de 2010
Filhos da ministra e assessores da Casa Civil são acusados de operar esquema de cobrança de pedágio e tráfico de influência no governo em favor de empresários

Geraldo Alckmin: 'É preciso atualizar o PSDB'

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. Ao meio-dia de ontem, Geraldo Alckmin ainda trabalhava nas costuras finais de seu governo. Ele se mostrou disposto a ser um dos principais articuladores da reestruturação do PSDB.

Gilberto Scofield Jr.

Qual o seu papel no processo de mudanças pelo qual passará o PSDB de agora em diante?

GERALDO ALCKMIN: O PSDB é o terceiro maior partido do Brasil, com oito governadores eleitos, e é preciso que a oposição seja propositiva e preparada para a natural alternância no poder, sem ser aquele tipo de oposição que apenas reclama ou reverbera as notícias que saem na mídia. O que o partido tem que amadurecer é o processo de escolha para o cargo majoritário. A instância de consulta ao partido precisa ser mais ampla de modo que quem for escolhido candidato saia fortalecido legitimamente, e quem não saia tenha o compromisso moral de dar todo o seu apoio ao escolhido.

Não é o que se vê hoje no PSDB. O senhor vai trabalhar como ponte tentando aproximar os tucanos Serra e Aécio?

ALCKMIN: A nossa tarefa imediata é a atualização do partido, porque ele foi fundado em 1988, e seu programa deveria refletir a realidade da época.

E o que pode mudar?

ALCKMIN: Como sou parlamentarista, defendo o que se chama de "shadow gabinet", ou seja, que o partido escolha representantes das várias áreas de governo, como educação, segurança, saúde, política externa, e esse grupo acompanhe de perto as ações de governo em cada área. Uma das funções dos partidos, afinal, é monitorar o governo. Fazer oposição não é fácil porque o sistema é muito atrelado à máquina do governo.

O senhor acha que será difícil governar o estado mais rico do país com a petista Dilma Rousseff na Presidência?

ALCKMIN: Nao vejo problemas. Pretendo ter um excelente relacionamento de cooperação com o governo federal, e eu mesmo já disse isso a Dilma. O que não significa um governo de adesão ou subserviência. Não vejo contradições nisso.

O senhor vê dificuldades na composição de um nome para a disputa da Prefeitura de São Paulo, em 2012?

ALCKMIN: Não sou de antecipar debate sucessório. Vamos tentar construir uma candidatura não apenas com os partidos mais próximos, mas também com penetração na população. Acabei de criar a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano para cuidar de ações na região metropolitana de São Paulo, incluindo Campinas e Santos, para aprofundarmos as parcerias.

Oposição controlará mais da metade do eleitorado e fará contraponto a Dilma

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Os governadores de oposição que tomam posse hoje vão comandar a maior parte do eleitorado brasileiro e serão um contraponto à gestão federal petista.

Juntos, os dois maiores partidos da oposição, PSDB e DEM, controlarão dez Estados e 52,5% dos eleitores.O governador reeleito de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), também apoiou José Serra (PSDB) na campanha, contrariando orientação do seu partido.

O PSDB elegeu oito governadores e será o partido com o maior número de Estados sob seu comando, entre eles os maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e Minas.

Governadores que apoiaram Dilma Rousseff (PT) na eleição venceram em 16 Estados, que representam 46,2% do eleitorado nacional.

O PT manteve o número de Estados governados, cinco. Não conseguiu reeleger Ana Júlia Carepa (PA), mas conservou sob seu comando a Bahia e conquistou importantes vitórias no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul.

O PSB dobrou o número de governadores (de 3 para 6) e é agora o segundo maior partido entre os Estados. Conseguiu também as duas maiores vitórias em percentual de votos, em Pernambuco e no Espírito Santo.Os governadores tucanos já anunciaram que não farão oposição ao Executivo federal, deixando a tarefa para os congressistas. A disposição em manter uma boa relação se deve à necessidade de fazer parcerias e convênios com o governo federal.

Uma demonstração disso é a presença da maioria dos tucanos na posse de Dilma. Apenas o mineiro Antonio Anastasia, afilhado político do ex-governador Aécio Neves (PSDB), disse que não comparecerá à cerimônia.A posse de Dilma promete ser mais concorrida do que a de Lula, em 2007. Dezoito dos 27 governadores eleitos já confirmaram presença.

A maioria deles que apoiou a campanha de Dilma agendou a posse nos Estados pela manhã. De acordo com a equipe de transição, os governadores eleitos do Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais Justificarjá afirmaram que não irão à Brasília.

Entre os 27 governadores que tomam posse hoje, 13 se reelegeram. Entre eles estão aqueles que assumiram o governo no ano passado, após a saída dos titulares para concorrer a outros cargos.

Os desaparecidos:: Affonso Romano de Sant'Anna

(Fragmentos)

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas. Estranhamente
desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
mal ligavam o torno do dia.
Desaparecia. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Desparecia-se a olhos vistos
e não era miopia.Desparecia-se
até à primeira vista. Bastava
que alguém visse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes evanesciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, aerefeitos, constatar no além
como os pecadores partiam.

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Se fosse ao tempo da Bíblia,eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto,em pânico, fingiam
que não viam.Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.

Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
-nas salas mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos
boiavam
-na sopa do presidente.

As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
-no que não viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas,
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.

O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome.O nome
habita as vísceras da fera
como a vítima corrói o algoz.

E surgiram sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.


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Desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil
ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo,
-desapareciam.


* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".