domingo, 16 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Rubem Barbosa Filho

O governo Dilma não poderá se basear na manipulação desabusada e enviesada da linguagem dos afetos, no saque descontínuo e arbitrário do passado, na ausência de competição política que, de algum modo, preservou Lula como o único ator político do segundo governo. Na verdade, a presidente e seus principais assessores parecem estar orientados por um programa de rotinização do carisma de Lula e de administração racionalizada de seu enredo. Não se trata de uma operação fácil, de uma sequencia automática e destinada inelutavelmente ao sucesso. Em primeiro lugar, e pelo próprio perfil da presidente, essa operação implica uma atenção maior a demandas sistêmicas, provenientes da economia e da administração política do condomínio no poder e dos setores sociais em ascensão social. Estas demandas não são facilmente conciliáveis por carregarem lógicas distintas, e na ausência de uma expressiva virtù política da presidente, o resultado pode ser um curto-circuito no enredo recebido de Lula. Em segundo lugar, uma negociação extremamente flexível entre todos os atores e todas as demandas pode desfigurar, na perspectiva de Lula, a herança por ele deixada, o que poderá torná-lo um fator de turbulência ao reclamar a preservação do sentido e do alcance da trama imaginada por ele como início de um novo Brasil. Em terceiro lugar, a cena política do governo Dilma será constituída por atores políticos dotados de maior ambição e dispostos a fixar, com clareza maior, alternativas à administração da herança lulista.

BARBOZA FILHO, Rubem. Dilma: chance para a democracia?. Boletim CEDES/UERJ. Rio de Janeiro, dezembro-janeiro.

Sem Guerra Fria:: Merval Pereira

A possibilidade de surgir um cenário de crise internacional na América do Sul, com Estados Unidos e Rússia envolvidos em uma disputa de poder do tipo da Guerra Fria - com os dois países instalando bases militares na região -, é vista por especialistas como bastante remota, embora seja verdade que os russos estão interessados em vender equipamentos militares na região, e contam com um certo apoio de Venezuela e Equador, dentro de uma política antiamericana dos governos bolivarianos da área.

As fronteiras brasileiras se estendem por mais de 16 mil quilômetros, são motivo de orgulho de nossa diplomacia por não termos problemas graves com nada menos que dez vizinhos. Mas há também questões políticas que reaparecem numa região em que governos de esquerda, como os de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, têm que conviver com governos conservadores, como os da Colômbia e do Peru.

Mas o fato de o Brasil estar anunciando um extenso programa para a vigilância de nossas fronteiras nada tem a ver com essa suposta tensão, e sim com a tentativa de evitar a entrada de armas e drogas, e de o país servir como refúgio para grupos guerrilheiros tipo Farc e Sendero Luminoso.

O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), orçado em US$6 bilhões, deve ser implantado até 2019 com recursos de financiamento externo.

O projeto inclui radar de imagem, radares de comunicação de diferentes graus de sofisticação, Vants (veículos aéreos não tripulados) e blindados para abranger a fronteira terrestre, com o foco na Amazônia.

Os Pelotões Especiais de Fronteira passarão de 21 para 49. Com o monitoramento do espaço aéreo na região pelo sistema de satélites, e com a Lei do Abate, o contrabando e o tráfico de armas passaram a ser feitos principalmente por estradas e rios, o que explicitou nossas deficiências no controle dos mais de 16 mil quilômetros.

Do ponto de vista brasileiro, diz o professor Francisco Carlos Teixeira, da História Contemporânea da UFRJ, "é absolutamente insuportável uma base russa na América do Sul, como o seria da China ou de Luxemburgo, países "não hemisféricos".

Por isso o Brasil condenou a presença americana na Colômbia e exigiu compromissos e transparência da parte de Bogotá, diz ele.

Para Teixeira, a tentativa de internacionalizar as rivalidades mundiais no nosso continente "é um erro e um risco", daí a importância do projeto do Ministério da Defesa de criação do Conselho Regional de Segurança.

"Creio que a Guerra Fria - um complexo sistema de rivalidades militares, políticas, econômicas e intelectuais em torno de uma utopia de futuro - é um fato do passado e com tal complexidade jamais se repetirá", diz Teixeira, para quem teremos, sim, "rivalidades", como já tivemos a rivalidade anglo-francesa entre 1680-1815, ou a nipo-americana, entre 1922-1945.

"Mas rivalidades não formam Guerra Fria, onde a disputa de supremacia de sistemas sociais e ideológicos era a tônica maior. Hoje, até a China emula o capitalismo".

De qualquer forma, ele considera estranha a notícia de que a Rússia estaria construindo uma base aérea na região amazônica boliviana, inclusive porque o presidente americano Barack Obama "acaba de fazer uma superoferta, aceita, de colaboração com Moscou no âmbito da Otan".
Já o professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que, em relação à construção de bases na América do Sul em diversos países, "há muita especulação e não se tem nada de concreto".

As bases americanas na Colômbia nada mais são, segundo Expedito Bastos, do que bases colombianas, administradas por eles e que servem de apoio para operações americanas no combate ao narcotráfico, com presença de um determinado grupo de americanos. Mas elas são comandadas pelos colombianos.

As bases funcionam da mesma maneira que a existente no Equador (Manta), que não teve seu contrato renovado. "Justamente por isso os americanos ampliaram os acordos com os colombianos, muito embora esses acordos estejam sofrendo pressões internas com o novo governo eleito, o que vai limitar muito os americanos", explica Bastos.

Ele também não vê essas movimentações como uma disputa tipo Guerra Fria, "até porque a região não é tão importante que justificasse uma presença física de americanos e russos, sendo que estes últimos teriam grande dificuldade em manter uma base na região, em razão de custos e de seus problemas fronteiriços, sem que haja um interesse tão profundo que justifique".

Bastos não vê ligação entre os fatos, e considera a região amazônica "muito extensa e complexa" para que se possa tê-la como um fator que se aproximasse com o que representou a Guerra Fria.

"É muito mais fácil termos problemas com questões indígenas na região, e com os velhos problemas fronteiriços não resolvidos entre Colômbia e Venezuela, Venezuela e Guiana, Bolívia e Paraguai, Peru com Equador e Colômbia.

O professor Expedito Bastos também acredita que "estejam criando uma grande especulação sobre este tema" com fins ainda não conhecidos.
FONTE: O GLOBO

Ninguém é de ninguém:: Dora Kramer

O governo Dilma Rousseff avisou aos navegantes: não investirá nas reformas política e da Previdência, bem como deixará de lado quaisquer embates no Congresso que venham a representar alto custo político para baixo benefício público.

Visto assim do alto, tal anúncio parece temerário: uma presidente nem bem toma posse e já admite que não dispõe de capital político suficiente para enfrentar problemas cruciais para o País? Soa a rendição antecipada.

Examinada no detalhe, porém, a decisão pode fazer sentido, pois, por essa ótica, não valeria a pena tentar remediar o que não tem remédio: o modelo absolutamente falido de representação parlamentar que, ao não permitir uma ligação real entre representantes e representados, faz do Parlamento, notadamente da Câmara dos Deputados, uma instituição de regras próprias descolada da realidade do País.

Se o que move a maioria é o fisiologismo, os benefícios obtidos pelos partidos a partir de um jogo de pressão com o Executivo e não o bem-estar da sociedade, o investimento nas reformas pode realmente resultar inútil. E, a fim de não se comprar briga aparentemente perdida, arquiva-se o assunto.

É a lei do menor esforço, porque solução há. Requer compreensão do problema, disposição de enfrentá-lo, habilidade para composição de interesses mediante critério do atendimento do interesse público e, sobretudo, empenho.

E qual o problema fundamental?

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) resume numa expressão: "Crise de representatividade." Desfeito esse nó, acredita, as demais correções nos meios e modos da política brasileira tendem a ocorrer por gravidade.

Madeira não foi reeleito e vai se dedicar ao assunto, pensando até em criar uma ONG para isso."Não precisamos de reforma política, mas de proporcionar aos cidadãos uma democracia representativa de fato."

Como? Substituindo o atual modelo da eleição proporcional em que ninguém é de ninguém pelo voto distrital ou distrital misto.

Complicado? Simplíssimo: divide-se cada Estado por distritos correspondentes ao número de vagas na Câmara e cada um deles elege um deputado. O eleitor sabe em quem votou, o eleito sabe-se o tempo todo cobrado e fiscalizado.

O compromisso do parlamentar passa automaticamente a ser com o grupo de cidadãos que o elegeu. A referência principal deixa de ser o governo e passa a ser a sociedade.

Corrigido o defeito de origem, tudo o mais tende a se ajustar. Entre outros motivos porque suas excelências não terão mais como se "lixar para a opinião pública".

O governo pode induzir esse processo? Basta querer, gastar tempo e dinheiro para explicar ao público que entenderá perfeitamente de que lado se faz o bom combate.
Almas lavadas. Há razoável consenso no governo: Comissão da Verdade, se realmente for criada, deve se ater a recuperar a história dos anos de autoritarismo entre 1964 e 1985, com o objetivo de esclarecer os fatos, mas não de punir os crimes.

Não há disposição de rever a Lei da Anistia.

O raciocínio é resumido numa frase por um ministro na época ligado à luta armada: "Estamos na Presidência da República e, portanto, ganhamos a guerra."

Ver de novo. Perfeitamente: nossas autoridades já chegaram à conclusão de que a culpa pela catástrofe anual das chuvas é da incúria e a da imprevidência do poder público.

Posto isso, chorados os mortos, desfeitas as famílias, infelicitadas milhares de vidas, é de se observar em que medida, com que disposição e consciência haverá mudança de conduta a fim de que em 2012 nessa mesma época não sejam chorados novos mortos.

Não sejam desfeitas outras famílias, destruídas comunidades inteiras enquanto suas excelências se surpreendem com a violência da natureza sem terem feito o que lhes caberia: dar prioridade à segurança da população que lhes delegou instrumentos de poder para executar essa missão.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Passaporte para o perigo:: Marco Aurélio Nogueira

A concessão irregular do documento diplomático não chega a derrubar governantes, mas mostra como certas autoridades veem a coisa pública

No momento em que o País chora, estarrecido, a morte de centenas de pessoas engolidas pelas chuvas e pelos deslizamentos, pode parecer descabido discutir o uso indevido de passaportes diplomáticos por círculos próximos do poder.

A vida, porém, é assim. Dura, implacável, combina sem avisos prévios a tragédia e o ridículo, o drama e a comédia. A virtude de uma boa república também está em saber conviver com essas múltiplas faces, respondendo adequadamente a seus desafios e manifestações.

Se os mortos tragados pelas chuvas revelam a força da natureza e o despreparo do poder público para administrar situações que se repetem há décadas, o caso dos passaportes mostra bem uma das dimensões mais cínicas e sutis do poder como tal.

O passaporte diplomático e concedido basicamente a presidentes, diplomatas, ministros de Estado, militares em serviço, governadores e membros do Congresso Nacional. Trata-se de um documento restrito, de uso extremamente seletivo. Segundo cálculos do Itamaraty, seriam 6 mil as pessoas com direito a ele. O número cresce com os casos de excepcionalidade, quando a concessão fica a critério do ministro das Relações Exteriores.

Que sentido pode haver em portar um documento diplomático quando não se é diplomata, ministro, presidente ou militar em serviço?

Representantes do Estado podem necessitar, quando viajam, que alguns parentes o acompanhem e tenham certas facilidades. Podem desejar, por exemplo, aliviá-los do desconforto de uma fila ou das medidas de segurança em aeroportos, muitas vezes vexatórias. Talvez precisem disso para ganhar tempo. É um procedimento razoável, desde que seguido com critério.

Quando a emissão de passaportes especiais alcança números elevados é porque algo fugiu do controle e já não se tem mais limites éticos consistentes. A prática passa então a ameaçar o próprio instituto, respingando na república.

Se parlamentares, funcionários públicos comuns, filhos, netos e cunhados de pessoas poderosas passam a dispor de privilégios que acompanham determinados cargos de representação, é porque querem usufruir de algo que não lhes é devido.

Em poucas palavras, querem ser tratados de modo especial, diferenciado. Pode-se até aceitar que façam isso sem malícia, por acharem que o dom é lógico, automático, legítimo - não desejam se beneficiar, mas somente fazer cumprir o que julgam ser um "direito". Nesse caso, não estariam a contribuir conscientemente para por em perigo a república, ainda que de fato o estejam fazendo. Não são, porém, inocentes. E, ao fim e ao cabo, quando informados, deveriam devolver os documentos, pedir desculpas e cortar qualquer insinuação.

Um passaporte diplomático concede antes de tudo vantagens operacionais. Dispensa seu portador de obrigações rotineiras para todos os cidadãos, faculta-lhe o acesso a certos espaços e ambientes. Um diplomata ou alguém a serviço do Estado pode perfeitamente necessitar disso, estendendo o benefício a familiares que eventualmente o acompanhem nas viagens.

Mas o passaporte diplomático também traz vantagens simbólicas. Transfere para seu portador uma imagem, um status, um prestígio, empresta-lhe a sensação de superioridade, impulsionada por certas cortesias que distinguem. São privilégios pequenos, quase inexpressivos, mas que valem alguma coisa no mundo de espetáculo e exibicionismo em que vivemos.

Está certo o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), quando observou que há assuntos "mais importantes" a serem tratados no País. Em seu afã de salvar a pele da casa que pretende continuar a presidir, apressou-se em esclarecer que "os outros poderes gozam exatamente do mesmo beneficio", ou seja, a falta de discernimento é generalizada. Tem razão, mas o tema dos privilégios não pode ficar fora de uma pauta republicana. Não derruba governantes, não define o caráter dos governos, não tem peso e densidade para ser tratado como se fosse o principal eixo moralizador da vida pública. Trata-se, no entanto, de um tema que nos ajuda a entender a cultura política prevalecente, o modo como as autoridades governamentais pensam sua relação - sua distância e sua proximidade - com a cidadania e procedem na gestão das coisas públicas. Se deixado ao léu, não destruirá a república, mas poderá impregná-la de hábitos espúrios, que com o tempo se converterão em lama e detrito.

Procedeu bem, portanto, o Ministério de Relações Exteriores quando anunciou que pretende "tornar mais criteriosa" a concessão de passaportes diplomáticos. Não foi uma reação isolada ou motivada exclusivamente pela consciência do ministro Patriota. Com ela fez coro o Ministério Público Federal, que orientou o Itamaraty a analisar todos os passaportes concedidos nos últimos quatro anos e tomar providências num prazo de 60 dias.

Não se sabe se é como isso será feito, mas o mero gesto já e eloquente: confirma que abuso há e que não se deve conviver com ele. Não é muita coisa, mas pode ser o início de uma nova fase.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp e autor de O Encontro de Joaquim Nabuco com a Política (Paz e Terra)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Desleixo assassino:: Eliane Cantanhêde

Como mostrou ontem o repórter Evandro Spinelli na Folha, o risco de um desastre de grandes proporções na belíssima região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foi detectado há dois anos por um estudo técnico encomendado pelo próprio governo do Rio.

E o que o governo fez com o resultado? Largou às traças, deixou pegando poeira na burocracia, empurrou para a gaveta ou simplesmente jogou no lixo -junto com o dinheiro público que o pagou.

Horas antes, as autoridades tiveram nova chance de não dar asas ao azar: o novo radar da Prefeitura do Rio e o Instituto Nacional de Meteorologia identificaram previamente a formação da tempestade.

E o que foi feito? Nada. Os órgãos atuaram isoladamente, não como um sistema integrado, em que o alerta se reproduz entre as várias instâncias, tem consequências e salva vidas. Mas não. É como se o radar fosse de enfeite, e o Inmet, só para inglês ver.

Num ótimo artigo, o colega Marcos Sá Correa defendeu que o remédio é responsabilizar homens públicos -e não abstratamente o Estado- pelos crimes que cometem contra a vida. É crime dar levianamente alvará de construção e "habite-se" para imóveis em encostas, fechar os olhos para casas em áreas de risco, desprezar alertas de tempestades e de outras intempéries.

Para complementar a sugestão do Marcos, a Polícia Federal deveria investigar também esse tipo de crime que pode resultar em 500, 600 mortes, famílias inteiras destruídas, casas despedaçadas, bilhões de prejuízos aos bolsos particulares e aos cofres públicos.

Se não vai por bem, vai por mal -na base da ameaça. Mais ou menos como no caso do cinto de segurança: todo mundo só passou a usar depois de criada a multa.No rastro da Satiagraha, da Sanguessuga, da Castelo de Areia, fica aí a sugestão para o novo diretor-geral da PF, Leandro Coimbra: a operação "Desleixo Assassino".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Cabral e Dilma culparam os outros e o povo:: Elio Gaspari

No ano passado, quando as chuvas provocaram a morte de 148 pessoas em Angra dos Reis e na Ilha Grande, o governador Sérgio Cabral estava em sua casa de Mangaratiba, a pouco mais de uma hora da cena das tragédias, e levou mais de um dia para dar o ar de sua graça. Veio com uma lição:

- Eu não faço demagogia. Houve um tempo em que governador aparecia ao lado de traficante, como se ele fosse o John Wayne. Aqui, estavam dois secretários da área. Quem deve vir são as autoridades públicas que podem de fato dar solução e comando ao problema.

Como dizia John Wayne, "o amanhã é a coisa mais importante da vida". A conta de 2010 fechou com 316 mortos, passou-se um ano e as chuvas voltaram. Desta vez, Sérgio Cabral não estava em Mangaratiba, mas no exterior. Quando desembarcou no Rio, já haviam sido contados mais de 300 corpos por conta de temporais que começaram dois dias antes. (Os mortos passaram de 500.)

Ao chegar, Cabral contrariou sua lição de 2010 e visitou as áreas afetadas. Foi acompanhado pela doutora Dilma Rousseff, que ensinou: "A moradia em área de risco no Brasil é a regra, não é a exceção".

Falta explicar por qual critério Dilma e Cabral definem "áreas de risco". O Centro de Friburgo? A cidade de Areal? Bairros urbanizados onde viviam pessoas que pagam IPTU? Em 2010, a explicação demofóbica para a morte de mais de 30 pessoas no Morro do Bumba, em Niterói, sustentou que a patuleia estava em cima do que fora um lixão. Estava, com a permissão da prefeitura, e ninguém foi responsabilizado.

A essa explicação, somou-se a do catastrofismo ambiental. Para quem gosta de falar em calamidades climáticas, vale lembrar que, na Austrália, onde choveu mais do que no Rio, os mortos foram 25 e há dezenas de desaparecidos.

Como no ano passado, os governantes anunciaram esmolas para já e planos para amanhã. Daqui até janeiro do ano que vem, Sérgio Cabral e Dilma poderiam atender ao pedido que Carlos Lyra e Vinicius de Moraes encaminharam a Xangô:

"Pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou".

FONTE: O GLOBO

A vaga é do partido ou da coligação? :: Gaudêncio Torquato

O imbróglio está no ar: a vaga de um candidato eleito pertence ao partido. Portanto, se ele renunciar ao mandato ou for cassado, por abandono da legenda a que pertence, sua vaga deverá ser preenchida pelo primeiro suplente de seu partido. Se este primeiro suplente for apenas o quinto suplente de uma coligação integrada por, digamos, cinco siglas, continuará ele a ter direito à vaga. Esse entendimento do STF, tomado em dezembro em resposta a um mandado de segurança impetrado pelo PMDB, está causando alvoroço na frente política em decorrência da alteração nas planilhas partidárias, neste momento em que mais de 40 parlamentares foram convocados para compor o secretariado dos Estados. Apesar de abrigar, à primeira vista, sólida fundamentação, eis que candidato não tem vida política fora de uma sigla e nenhuma candidatura se torna viável sem desfraldar a bandeira partidária, a decisão do Supremo ganha questionamentos bastante consistentes em sentido contrário. Ou seja, os fundamentos em favor da tese de que a vaga deve ser ocupada pelo primeiro suplente da coligação, e não do partido, são vigorosos e merecem consideração.

É oportuno lembrar, primeiro, que partidos políticos representam parcelas do pensamento social. Em tese, os eleitos devem levar para os foros que abrigam o mandato popular as teses e as demandas expressas pelos contingentes que os elegeram. E o que significam coligações? Elas são facultadas pelo artigo 6.º da Lei 9.504/97, que permite aos partidos, dentro de uma mesma circunscrição, selar uma união para a eleição majoritária, proporcional ou para ambas. Trata-se de pessoa jurídica pro tempore. Ora, ao se juntarem numa coligação, as siglas assumem na prática as prerrogativas e obrigações de um partido político para efeitos eleitorais, somando tempos a que têm direito no rádio e na TV, para efeito de maior exposição midiática, processo que culmina com a soma dos votos alcançados pelo conjunto. Urge esclarecer que para a eleição majoritária as coligações têm como foco o acréscimo de tempo na propaganda eleitoral gratuita, e para a eleição proporcional o interesse maior está no cômputo geral dos votos.

É evidente a forte relação de causa e efeito que se extrai da coligação eleitoral. Pelo nosso sistema, as vagas são determinadas a partir do chamado quociente eleitoral, que resulta do número de votos válidos pelo número de vagas a preencher em cada Estado. Essa conta - soma dos votos nominais e de legenda - é feita para cada sigla e para as coligações. No caso destas, os candidatos mais votados, independentemente do partido a que estejam filiados, encabeçarão a lista para preenchimento das vagas. Fechando-se o circuito parlamentar de cada Estado, atendendo sempre à ordem decrescente de votação e em consonância com o quociente eleitoral, forma-se, a seguir, a lista dos suplentes, que são convocados a ocupar o cargo em casos de impedimento, renúncia ou morte do titular.

Neste ponto, chega-se à questão factual que se pinça da decisão (de certa forma surpreendente) do STF. A ordem de suplência não se vincula mais à votação nominal obtida pelos candidatos de uma coligação, e sim ao partido político a que ele pertence. Vale esclarecer que a Corte concedeu liminar acolhendo a tese de que, com a renúncia de um parlamentar do PMDB, o deputado Natan Donadon (RO), a vaga deveria ser preenchida por suplente do mesmo partido. Em seu mandado de segurança, o partido alegou que o primeiro suplente, Agnaldo Muniz, se desfiliara do PP, que à época compunha a coligação. Emergiu a interrogação: a decisão do STF valeria para todos os casos? Independentemente do fato de ter deixado ou não um partido que fez parte de uma coligação, o primeiro suplente deve ceder a vaga a outro, do partido que abriu a vaga? Ricardo Vita Porto, experimentado advogado eleitoral com visão discordante do STF, argumenta que a Corte deveria ter permitido a posse do primeiro suplente da coligação. Afinal, esse foi o veredicto das urnas. Se este tiver cometido infidelidade, o ator partidário que se sentir preterido deve procurar seu direito na Justiça Eleitoral. Essa é a liturgia sugerida pela norma.

Se o entendimento é que a decisão do Supremo define os horizontes para todos os casos de suplência, fortes argumentos acabam indo para o baú. Vejamos. A coligação, embora adquira caráter temporário, desfazendo-se logo após o processo eleitoral, assume status de partido político. As consequências geradas por ela devem perdurar no tempo, eis que os parceiros foram legitimados pelo processo eleitoral. Portanto, os eleitos por uma coligação também assumem, à semelhança dos eleitos por um partido, escopos e ideários expressos pelas siglas que a integram. Dir-se-ia, até, que representariam parcelas mais plurais do pensamento social. Portanto, sob o prisma doutrinário, alicerce da democracia partidária, não há razão para questionar a identidade dos perfis eleitos por uma coligação. Como candidatos, apresentaram-se ao eleitor, expuseram ideias, comprometeram-se com demandas. Cada um ficou chancelado com a marca (identidade das parcelas eleitorais) e o tamanho (quantidade) dos votos. Cassar essa condição, desmanchar o jogo depois de jogado, é simplesmente maltratar as regras de nossa incipiente democracia. Ou seria esse mais um exemplo de judicialização da política?

Se a confusão, que mais parece um angu de caroço, começa na mesa da coligação proporcional, por que, então, não extingui-la de nossos códigos? O fato é que privilegiar um suplente com votação bem inferior à de outros é desprezar a vontade do eleitor. Cabe ao Poder Judiciário apreciar os vazios constitucionais e preenchê-los com lições de Direito e, sobretudo, de bom senso. Como a questão foi tratada nos termos de uma liminar, a tomada de decisão não é, portanto, definitiva, pode-se prever um desfecho coroado pela tradição de respeito à vontade popular e ao espírito do tempo.

Jornalista, é Professor Titular da USP,

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quando dois e dois são quatro:: Ferreira Gullar

Talvez seja esta a última vez que escreva sobre o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil. Com alívio o vi terminar o seu mandato, pois não terei mais que aturá-lo a esbravejar, dia e noite, na televisão, nem que ouvir coisas como esta: "Ele é tão inteligente que fala todas as línguas sem ter aprendido nenhuma". Pois é, pena que não fale tão bem português quanto fala russo.

É verdade que tivemos, ainda, que aturá-lo nos três últimos dias do mandato, quando "inaugurou" obras inexistentes e fez tudo para ofuscar a presidente que chegava.

Depois de passar a faixa, foi para um comício em São Bernardo, onde, até as 23h, continuava berrando no palanque, do qual nunca saíra desde 2002.

Aproveitou as últimas chances para exibir toda a sua pobreza intelectual, dizendo-se feliz por deixar o governo no momento em que os Estados Unidos, a Europa e o Japão estão em crise.

Alguém precisa alertá-lo para o fato de que a crise, naqueles países, atinge, sobretudo, os trabalhadores. Destituído de senso crítico, atribui a si mesmo ("um torneiro mecânico") o mérito de ter evitado que a crise atingisse o Brasil. Sabe que é mentira mas o diz porque confia no que a maioria da população, desinformada, acreditará.

Isso dá para entender, mas e aqueles que, sem viverem do Bolsa Família nem do empréstimo consignado, veem nele um estadista exemplar, que mudou o Brasil? É incontestável que, durante o seu governo, a economia se expandiu e muita gente pobre melhorou de vida. Mas foi apenas porque ele o quis, ou também porque as condições econômicas o permitiram?

Vamos aos fatos: até a criação do Plano Real, a economia brasileira sofria de inflação crônica, que consumia os salários. Qual foi a atitude de Lula ante o Plano Real? Combateu-o ferozmente, afirmando que se tratava de uma medida eleitoreira para durar três meses.

À outra medida, que veio consolidar o equilíbrio de nossa economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lula e seu partido se opuseram radicalmente, a ponto de entrarem com uma ação no Supremo para revogá-la. Do mesmo modo, Lula se opôs à política de juros do Banco Central e ao superávit primário, providências que complementaram o combate à inflação e garantiram o equilíbrio econômico. Essas medidas, sim, mudaram o Brasil, preservando o valor do salário e conquistando a confiança internacional.

Lembro-me do tempo em que o preço do pão e do leite subia de três em três dias.

Quem tinha grana, aplicava-a no overnight e enriquecia; quem vivia de salário comia menos a cada semana.

Se dependesse de Lula e seu partido, nenhuma daquelas medidas teria sido aplicada, e o Brasil -que ele viria a presidir- seria o da inflação galopante e do desequilíbrio financeiro. Teria, então, achado fácil governar?

Após três tentativas frustradas de eleger-se presidente, abandonou o discurso radical e virou Lulinha paz e amor. Ao deixar o governo, com mais de 80% de aprovação, afirmou que "é fácil governar o Brasil, basta fazer o óbvio". Claro, quem encontra a comida pronta e a mesa posta, é só sentar-se e comer o almoço que os outros prepararam.

A verdade é que Lula não introduziu nenhuma reforma na estrutura econômica e social do país, mas teve o bom senso de dar prosseguimento ao que os governos anteriores implantaram. A melhoria da sociedade é um processo longo, nenhum governo faz tudo. Inteligente, mas avesso aos estudos, valeu-se de sua sagacidade, já que é impossível conhecer a fundo os problemas de um país sem ler um livro; quem os conhece apenas por ouvir dizer não pode governar.

Por isso acho que quem governou foi sua equipe técnica, não ele, que raramente parava em Brasília. Atuou como líder político, não como governante, e, se Dilma fizer certas mudanças, pouco lhe importará, pois nem sabe ao certo do que se trata. Para fugir a perguntas embaraçosas, jamais deu uma entrevista coletiva.

Afinal, ninguém, honestamente, acredita que com programas assistencialistas e aumento do salário mínimo se muda o Brasil.

O tempo se encarregará de pôr as coisas em seu devido lugar. O presidente Emílio Garrastazu Médici também obteve, em 1974, 82% de aprovação.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ILUSTRADA

Caminho das águas:: Míriam Leitão

Enquanto o Rio enterra seus mortos, no mesmo país, o órgão ambiental é atropelado por querer avaliar melhor se é viável a construção da usina de Belo Monte na Amazônia. As mudanças climáticas, que podem produzir inundações mais frequentes, vão reduzir as chuvas na bacia do rio Xingu. Com secas mais prolongadas, a usina ficaria menos viável economicamente.

Junte-se a economia e o meio ambiente, que jamais devem estar separados, e a conclusão é que Belo Monte ignora os limites do caixa do Tesouro, e os da Natureza. O país pode, no Xingu, fazer um erro duplo: gastar demais com uma usina que produzirá pouca energia, num momento de contenção de gastos, e que será uma agressão ao meio ambiente, num momento em que a Natureza pede mais respeito.

Ninguém tem dúvidas de que foram erros somados, de incúria, desleixo, ocupação desordenada, que deixaram os brasileiros de qualquer cidade expostos à tragédia das perdas humanas e patrimoniais diante dos eventos climáticos extremos. A lista dos erros é conhecida. E, no entanto, o Brasil se move na mesma direção.

Olhando da perspectiva apenas energética, a hidrelétrica, pela qual se derrubam diretores em série no Ibama, pode ser um fiasco. Ela supostamente teria um potencial de 11 mil megawatts, a terceira maior do país. Balela. Nos picos da cheia, a energia firme seria de 4,4 mil. Nos meses de seca, 2 mil. Podendo ser menos. O risco é que, se ouvidos, os climatologistas dirão que os cenários mais prováveis durante toda a vida útil da usina são de redução das chuvas na Bacia do Xingu, o que pode reduzir muito a energia firme.

A briga contra Belo Monte tem 20 anos. O projeto original produziria 20 mil megawatts porque seriam várias usinas. O governo mudou o projeto dizendo que será apenas uma. O que alagará "apenas" um território do tamanho de um terço da cidade de São Paulo. O problema é que não há qualquer garantia de que depois não serão feitas as outras. Até porque, no cenário das mudanças climáticas, ela só tem alguma chance de ser energética e economicamente viável se as outras forem feitas.

Empresas que estudaram profundamente o projeto recuaram da decisão de participar. Aceitam ser fornecedores, mas acham que incorrem em risco de dano à imagem com os conflitos que poderão ocorrer. De todo tipo. Da escavação de 210 milhões de m de terra, da construção de um canal de 100 quilômetros de extensão, do fim da Volta Grande do Xingu, do deslocamento de 20 mil famílias, do fato de que não estão resolvidos os impactos sobre as populações indígenas dos Arara, Juruna e Xikrin di Bacajá.

Segundo um relato que ouvi recentemente, o governo tem prometido estradas e picapes para atrair os mais jovens a aceitar a perda da navegação num certo trecho do rio. Tem dividido tribos.

Em primeiro de fevereiro do ano passado, depois de alguns atropelamentos no Ibama, saiu a licença prévia. Mas foram estabelecidas 40 condicionantes que custariam R$1,5 bilhão para serem atendidas. Não foram atendidas e agora se faz novo atropelamento do Ibama para sair a licença que permitirá o início das obras.

Essa usina que tem tantos riscos ambientais, e que pode encontrar um cenário hidrológico adverso pelas mudanças climáticas, quanto custará? Isso é outro enigma. Pode custar R$19 bilhões como o governo diz, mas ninguém acredita. Nem economistas sem corações ambientais; nem ambientalistas sem corações econômicos; nem empresas que têm apenas bons programas de projeção de custos. Simplesmente parte do custo está embutida nos subsídios e parte está escondida nos riscos que não foram devidamente calculados. Há estimativas de que o preço pode chegar a R$30 bilhões. Se for isso, será com o seu, o meu, o nosso dinheiro, porque o risco foi todo estatizado.

Temos enormes motivos de expansão de gastos pela frente. Alguns inadiáveis. O setor público investe pouco há muito tempo. Deve selecionar seus investimentos cruzando as variáveis. Uma delas é o cenário das mudanças climáticas, outra é a busca de maior competitividade na economia brasileira, outra, a redução de custos futuros, outra, a melhoria da vida da população. Afetar populações indígenas, deslocar milhares de pessoas, agredir o meio ambiente na floresta, ignorar a mudança do regime hidrológico, entrar num gasto que pode ser um buraco sem fundo não parece sensato. Mas é o que o governo está escolhendo fazer.

O que tem isso a ver com o Rio estar contando seus mortos? A Terra é uma só. Os eventos não estão separados. Essa constatação é o grande ganho do conhecimento recente das ligações entre fenômenos climáticos. Ainda estamos aprendendo, mas a cautela é a melhor das atitudes.

A geologia específica da Serra do Mar é camada fina de terra sobre rocha. Pela conformação da serra há muita formação de nebulosidade. A Zona de Convergência do Atlântico Sul e o Sistema de Bloqueio, fenômenos conhecidos, mas mais ativos atualmente, produziram uma queda brutal de água sobre as cidades serranas. Mas a tragédia foi contratada pelos desatinos da ocupação do solo. A Austrália, onde um tufão produziu uma inundação semelhante, teve infinitamente menos mortos.

O Brasil está discutindo seriamente como elevar o grau de desmatamento e redução das áreas protegidas numa extemporânea e amalucada proposta de revisão do Código Florestal.

A promessa do discurso de posse foi bonita. A presidente engalanada e em dia emocionante prometeu crescimento com sustentabilidade. No caminho do crescimento sustentável do governo Dilma Rousseff há, logo na primeira curva, dois incontornáveis rochedos: a mudança do Código Florestal e a construção de Belo Monte.

FONTE: O GLOBO

Dirija com cuidado!::José Márcio Camargo

No final de 2009, o cenário básico para a economia mundial era bastante otimista. A economia americana tinha voltado a crescer a taxas fortes no segundo semestre do ano e a previsão era de que a economia mundial retomaria a trajetória de crescimento sustentável em 2010. Ao contrário do esperado, a realidade foi cheia de altos e baixos. A economia americana desacelerou a partir do segundo trimestre, ameaçando um duplo mergulho na recessão, e a zona do euro entrou em uma crise fiscal profunda, da qual ainda não se livrou. Porém, a partir de meados do terceiro trimestre, as surpresas positivas voltaram a dominar o horizonte, com a Alemanha e a França mantendo um crescimento relativamente forte e os Estados Unidos retomando uma trajetória mais positiva. Com isso, o ano de 2010 se encerrou com renovado otimismo, praticamente repetindo o sentimento do final do ano anterior.

Nesse contexto, o cenário básico para o novo ano é de crescimento próximo a 3,0% nos Estados Unidos e na Alemanha, enquanto os países da periferia europeia devem ter crescimento negativo - ou nulo. Nos emergentes, a taxa de crescimento deve convergir para níveis próximos ao potencial de cada economia, 8,5% na China e 4,5% no Brasil. Nos Estados Unidos, a taxa de inflação deverá se manter próxima a 1,0%, enquanto no Brasil deve atingir 5,3%, acima do centro da meta, apesar de esperarmos um aumento da taxa de juros em 1,5 ponto porcentual a partir de janeiro.

Ainda que esse cenário seja relativamente positivo, os riscos não são desprezíveis. Nos Estados Unidos, 3,0% é um crescimento perigosamente próximo do potencial e insuficiente para reduzir de forma substancial o grau de ociosidade e a taxa de desemprego da economia, mantendo vivo o risco de desaceleração e de deflação. Com isso, o Fed deve manter as taxas de juros próximas de zero ao longo de 2011.

Na periferia europeia a crise fiscal continua a preocupar. Portugal e Bélgica tornaram-se as "bolas da vez" e a pergunta é se as solvências da Espanha e da Itália passarão a ser questionadas. Os riscos que se colocam são de a crise afetar o crescimento da Alemanha e da França, e de algum país ter de reestruturar sua dívida, o que poderia gerar uma nova crise bancária, e a possibilidade de uma ruptura na união monetária, o que parece pouco provável.

As desvalorizações competitivas, a "guerra cambial", põem no radar uma possível "guerra comercial". Controles de capitais e intervenções no mercado de câmbio têm custos elevados e resultados limitados, exigindo aprofundamento sistemático dos controles. A experiência histórica mostra que controles de capitais são seguidos por barreiras comerciais e restrições ao comércio internacional, afetando negativamente o crescimento.

A liquidez excessiva e baixas taxas de juros nos Estados Unidos começam a gerar pressões inflacionárias. Ásia e América Latina são, por enquanto, os principais focos da doença. Mas a inflação na Europa já começa a preocupar (Inglaterra e zona do euro). Quais os efeitos do aumento dos preços das commodities sobre o desempenho das economias e como reagirão os bancos centrais das economias desenvolvidas (BCE, BoE, Fed) diante de pressões inflacionárias?

O risco de que o crescimento da China diminua mais do que o esperado está sempre presente. Nesse caso, cairiam os preços das commodities e o crescimento dos emergentes. O efeito sobre o Brasil seria particularmente importante, com redução dos termos de troca, desvalorização cambial e pressão inflacionária.

Finalmente, no Brasil, além dos riscos vindos do exterior, a mudança de governo tem provocado questionamentos quanto à manutenção da austeridade fiscal e da autonomia do Banco Central, além de levantar dúvidas quanto à capacidade do novo governo de manter controle sobre sua base de sustentação no Congresso e evitar surpresas indesejáveis do ponto de vista fiscal e político.

Em suma, o cenário é promissor, mas a visibilidade ainda é baixa. Dirija com cuidado!

Economista e professor da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tragédia anunciada, no inicio do ano:: Leonardo Barbosa Cavalcante*

Com as chuvas dos últimos dias no estado do Rio de Janeiro e as suas conseqüências, muitas coisas foram faladas sobre a tragédia que se abateu no estado. A grande maioria da imprensa carioca e fluminense sustentou em seu discurso que a culpa seria do volume de chuva, enquanto uma minoria e a imprensa paulista destaca a ineficiência dos governantes frente as catástrofes naturais. Os governos estadual e os dos municípios que sofreram com as chuvas, culpam os cidadãos.

O fato é que vidas humanas foram o preço a pagar pela falta de uma política preventiva, morreram 214 pessoas (até o momento). Como relatou em seu blog a colunista política Miriam Leitão a falta de investimento no estado por parte do governo federal foi absurda 1 porcento, o Ministério da Integração repassou para o Rio de Janeiro a verba para prevenção de desastre 10 vezes menos dinheiro do que para o estado da Bahia, não que o estado baiano não precise, mas com certeza o fato do ministro Geddel Vieira Lima ser baiano pesou muito mais do que estudos técnicos da real necessidade, além disso o dinheiro que era pra ser gasto em prevenção com contenção de encostas, canalização de rios no ano de 2009 apenas 21 porcento desse recurso foi empregado, como publicado no site contas abertas em 5 de janeiro.

A prefeitura da cidade do Rio gastou menos do orçamento previsto para a manutenção da cidade, ou seja, dinheiro empregado para a manutenção dos bueiros e galerias, os dados estão no site da prefeitura.

O governo do estado do Rio de Janeiro também sucateou os gastos com prevenção e controle de acidentes ambientais do total da verba destinada 200 mil não foram aplicados em 2009.

A prevenção terá que ser encarada com muita seriedade, pois estudos apontam mudanças climáticas cada vez mais fortes, já tivemos nesse inicio de ano uma quantidade grande de terremotos de escala 7. Nossos governantes terão que dar mais atenção para as questões climáticas, pois a tragédia ocorrida no município de Angra dos Reis, causando a morte de 50 pessoas, nos primeiros dias do ano, parece que não foi entendido como um alerta pelas nossas autoridades.

Será que realmente podemos só culpar as fortes chuvas pela tragédia ocorrida, pela perda de vidas humanas nos municípios de Niterói, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Magé, Nilópolis, Paracambi e Petrópolis. O momento é de chorar os mortos e de ajudar aqueles que perderam tudo com o desastre, mas também de cobrarmos das autoridades explicações, já que no momento de dor surge a união, onde os indivíduos deixam de lado seus interesses pessoas e passam a pensar nos interesses coletivos."


É Cientista Social, membro do Diretório PPS-Rio, membro do Diretório PPS/RJ e Presidente da JPS/RJ.

(Esse texto foi escrito no inicio do ano de 2010, mas bem que poderia ter cido escrito agora em 2011, bastava alteras alguns dados, pois nada houve de mudança.)

Brasil admitiu à ONU despreparo para tragédias

Relatório enviado em novembro previa o aumento de ocorrências de desastres

O governo brasileiro admitiu à Organização das Nações Unidas que grande parte do sistema de defesa civil do País está "despreparado" para enfrentar calamidades, como a que atingiu a região serrana do Rio na semana passada. Um tratado firmado por 168 países em 2005 prevê a divulgação de um raio X do plano de redução do impacto de desastres naturais. O Estado teve acesso ao documento enviado à ONU em novembro de 2010 por Ivone Maria Valente, da Secretaria Nacional da Defesa Civil. "A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, tem contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas", diz o texto. A não implementação do plano, segundo o relatório, "contribuirá para o aumento da ocorrência dos desastres naturais".

Governo brasileiro admite à ONU despreparo em tragédias

Documento assinado pela secretária Nacional de Defesa Civil já previa "aumento de ocorrência de desastres"

Jamil Chade

O governo brasileiro admitiu à Organização das Nações Unidas (ONU) que grande parte do sistema de defesa civil do País vive um "despreparo" e que não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços existentes. O Estado obteve um documento enviado em novembro de 2010 por Ivone Maria Valente, da Secretaria Nacional da Defesa Civil (Sedec), fazendo um raio X da implementação de um plano nacional de redução do impacto de desastres naturais. Suas conclusões mostram que a tragédia estava praticamente prevista pelas próprias autoridades.

Diante do tsunami que atingiu a Ásia e do aumento do número de desastres naturais no mundo nos últimos anos, a ONU foi pressionada a estabelecer um plano para ajudar governos a fortalecer seus sistemas de prevenção. Em 2005, governos chegaram a um acordo sobre a criação de um plano de redução de risco para permitir que, até 2015, o mundo estivesse melhor preparado para responder às catástrofes.

Uma das criações da ONU, nesse contexto, foi o Plano de Ação de Hyogo (local da conferência onde o acordo foi fechado). No tratado, a ONU faz suas recomendações de como governos devem atuar para resistir a chuvas, secas, terremotos e outros desastres. Ficou também estabelecido que os 168 governos envolvidos se comprometeriam a enviar a cada dois anos um raio X completo de como estavam seus países em termos de preparação para enfrentar calamidades e o que estavam fazendo para reduzir os riscos.

Na versão enviada pelo próprio governo do Brasil ao escritório da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres, no fim de 2010, as constatações do relatório nacional são alarmantes. "A maioria dos órgãos que atuam em defesa civil está despreparada para o desempenho eficiente das atividades de prevenção e de preparação", afirma o documento em um trecho. Praticamente um a cada quatro municípios do País sequer tem um serviço de defesa civil e, onde existe, não há como medir se são eficientes.

"Em 2009, o número de órgãos municipais criados oficialmente no Brasil (para lidar com desastres) alcançou o porcentual de 77,36% dos municípios brasileiros, entretanto, não foi possível mensurar de forma confiável o indicador estabelecido como taxa de municípios preparados para prevenção e atendimento a desastres", diz o documento em outra parte.

Limitações. No relatório, o Brasil é obrigado a dar uma resposta ao desempenho em determinados indicadores sugeridos pela ONU. Em um dos indicadores - que trata de avaliação de risco de regiões - o governo admite ter feito avanços, "mas com limitações reconhecidas em aspectos chave, como recursos financeiros e capacidade operacional". Na avaliação de risco, por exemplo, o governo admite que não analisou a situação de nenhuma escola ou hospital no País para preparar o documento.

O próprio governo também aponta suas limitações em criar um sistema para monitorar e disseminar dados sobre vulnerabilidade no território. O governo também reconhece que a situação é cada vez mais delicada para a população. "A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos econômicos e sociais", diz o documento assinado por Ivone Maria.

Consequência. "A não implementação do Programa (de redução de riscos) contribuirá para o aumento da ocorrência dos desastres naturais, antropogênicos e mistos e para o despreparo dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela execução das ações preventivas de defesa civil, aumentando a insegurança das comunidades locais", afirmou o relatório.

O órgão também deixa claro que o Brasil estaria economizando recursos se a prioridade fosse a prevenção. "Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção. Esses recursos poderiam ser destinados à implementação de projetos de grande impacto social, como criação de emprego e renda", conclui o documento.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Serviços são novos vilões da inflação

Com a alta da renda do brasileiro, preços de itens como cafezinho, mensalidade escolar e salário de doméstica subiram bem acima da inflação. Desde 2006, ingressos para jogos subiram quatra vezes mais que a inflação: 103%.

Preços dos serviços nas alturas

Renda maior faz itens como cafezinho, salário de doméstica e ingresso de futebol subirem até 4 vezes mais que inflação

Vivian Oswald e Martha Beck

A inflação tem mostrado as garras pela alta dos preços de alimentos e outras commodities, mas é nos pequenos hábitos do cotidiano do brasileiro que se apresentam alguns dos verdadeiros vilões do orçamento familiar. Englobados na categoria serviços, prazeres e afazeres simples do dia a dia chegaram a subir quatro vezes mais do que a média da inflação em vários períodos ao longo dos últimos oito anos. Foi o caso dos ingressos para jogos: aumentaram 103,57% entre 2006 e 2010, época mais intensa de crescimento econômico, geração de emprego e ganhos salariais, período no qual a inflação medida pelo IPCA apresentou variação de 26,09%.

A tradicional parada para o cafezinho, por exemplo, ficou 119,57% mais cara desde 2003, liderando a lista de serviços que vêm jogando para cima a inflação, que ficou acima dos 56% nesses oito anos. E nem é preciso ir tão longe no tempo para sentir no bolso que, desde assistir a uma peça de teatro até contratar um profissional para reparos na residência, a alta dos preços não tem dado trégua ao consumidor. O fenômeno é resultado sobretudo do aumento da renda da população e da chegada de quase 30 milhões de pessoas à classe média.

- Houve aumento importante da demanda. Os brasileiros estão consumindo mais. É só ver o movimento nos aeroportos ou tentar reservar hotel no fim do ano no Rio ou Florianópolis - diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas.

Manicure, barbeiro, refeições fora de casa, costureira, empregada doméstica, estacionamento, serviços médicos e laboratoriais e motéis estão entre os principais itens da lista que passaram a ser mais procurados por esse novo exército de consumidores. Especialistas garantem que não se trata de um movimento sazonal. A menos que haja um grave retrocesso na atividade econômica, estes consumidores vieram para ficar.

O coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, explica que o aumento destes serviços passa a ter uma espécie de efeito em cascata para os anos seguintes. Além disso, não se pode esquecer que os prestadores estão de olho nos preços de outros serviços para definir seus custos e passá-los adiante.

A manicure Jaci Bento dos Santos trabalha numa atividade cujo preço avançou acima da inflação. Fazer as unhas ficou, em média, 35,7% mais caro. Mas as despesas de Jaci subiram ainda mais, o que a obrigou a repassar os novos custos para as freguesas. Ela cobrava R$15 para fazer pé e mão em 2003, mas hoje o preço é de R$30:

- Ao longo do tempo, eu tive que subir preços para embutir principalmente meus custos com transporte.

Avanço da classe média puxa valores

Jaci mora em Samambaia (cidade satélite de Brasília), mas trabalha no Plano Piloto, a 30 quilômetros de distância. O trajeto lhe custava R$5 em 2003. Hoje, está em R$9, um aumento de 80%. Jaci, no entanto, acabou por se beneficiar do ganho da renda da população mais pobre (ela é aposentada pelo INSS) e também contribuiu para a inflação como consumidora. Pela primeira vez na vida, tomou um avião em 2008 para visitar a filha em São Paulo. Repetiu a dose no ano passado.

Os ganhos do trabalhador podem acabar por se perder na onda de reajustes do setor de serviços. A secretária Rosilda Conceição conta que a escola do filho aumentou cerca de 15% só este ano.

- Ele está na primeira série de uma das escolas mais baratas da região. Todo ano sobe um pouco, mas, desta vez, foi bastante. E ainda vem o material escolar por aí. Este ano, deve ficar em R$680. A mensalidade do colégio foi a R$267.

Graças ao aumento da sua renda, a depiladora Simone Gonçalves pôde fugir da fila do SUS e pagar R$300 por uma ressonância magnética em uma clínica particular.

- Tive que fazer pesquisa de preços. Variavam de R$300 a R$900.

Mas este não foi o único serviço a pesar no bolso de Simone, que reclama do preço do prato de picanha com feijão e arroz que encomenda em um restaurante próximo: subiu mais de 10% (de R$12 para R$14).

Reajustes mesmo em anos de crise

O conjunto de serviços subiu cerca de 7% em 2010 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado pelo governo como referência para as metas de inflação do governo). Mas o índice global fechou 2010 em 5,91%. Segundo Quadros, é normal a diferença. Mas, em outros países, ela não é assim tão grande - nem tão resistente.

Quando o setor é marcado por pouca concorrência, ou ainda, lida com a confiança do consumidor, a questão é mais complicada. Este é o caso de escolas e médicos, segundo Quadros:

- Você coloca o seu filho naquela escola porque confia nela. É o mesmo caso do médico. Você não vai mudar de profissional porque ele aumentou um pouco.

Alguns analistas atribuem a inércia à cultura inflacionária recente do país. Quadros garante que sozinha esta não pode ser a única explicação para este fenômeno e diz que o problema pode estar na organização dos setores.

- Por que os salões de cabeleireiro nunca baixam os preços, nem em tempos de crise? Por que reajustam seus valores com o aumento do salário mínimo?

Em 2009, quando o país enfrentou uma recessão, os serviços subiram mais de 6%, contra um IPCA de 4,31%.

Para o economista-chefe da Consultoria Austin Rating, Alex Agostini, além da pressão recente dos preços dos alimentos, o aumento da classe média, o ganho de renda e avanço do emprego neste governo sancionaram o reajuste de preços na economia.

- Não vejo com maus olhos a inflação de 2010. Seria muita pretensão querer ter uma inflação de 4,5% com um crescimento de 7%.

O salário das empregadas domésticas também disparou, deixando para trás os índices de preços e o próprio aumento do salário mínimo, que costuma ser usado como balizador. A alta foi de 94,13% pelo IPCA em oito anos. Não ficaram atrás alguns itens de lazer, como ir ao teatro (90,97%), comer um sanduíche na rua (89,98%), assistir a show musical (87,80%) ou a cervejinha do fim do dia (87,51%).

FONTE: O GLOBO

Como Lula, últimos ex-presidentes não conseguiram deixar a política

Sarney, Collor, Itamar e FH deram entrevistas para série da TV Globonews

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está longe de ser o primeiro, e também não deverá ser a último, a manter sua influência sobre os destinos do país, mesmo fora do cargo. Há anos longe do Palácio do Planalto, os últimos quatro antecessores de Lula admitiram - em entrevistas concedidas para a série "Profissão: Ex-presidente", produzida pelo jornalista Carlos Monforte e exibida semana passada no "Jornal das Dez", da TV Globonews - que não conseguiram ficar longe da política após deixar a Presidência.

A política não tem porta de saída, disse um deles, o peemedebista José Sarney, que está terminando seu terceiro mandato como presidente do Senado e deve ser eleito para o cargo pela quarta vez em fevereiro. Ele está no segundo mandato de senador pelo Amapá, cada um de oito anos, depois que deixou a Presidência.

Após sofrer o impeachment e perder os direitos políticos por oito anos, Fernando Collor, hoje filiado ao PTB, também voltou à ativa, como senador, na legislatura passada, e, em 2010, ainda tentou, sem sucesso, eleger-se novamente governador de Alagoas. A partir de fevereiro, Sarney e Collor dividirão a tribuna com mais um ex-presidente: Itamar Franco, eleito senador pelo PPS de Minas.

Dos quatro ex-presidentes, só o tucano Fernando Henrique Cardoso se recusou a disputar novas eleições, mas continua sendo uma das principais estrelas de seu partido, o PSDB. É seu presidente de honra, sempre consultado em momentos importantes. Ele diz que mandato não lhe fez falta, admitindo, sem modéstia, que mantém influência na vida política do país:

- Você acha que, com exceção, talvez, apenas do presidente Sarney, que é presidente do Senado, os outros ex-presidentes influenciam mais que eu? Eu influencio bastante o meu partido e outros partidos. Acho que quem já foi presidente da República desmerece o que era se for para uma função que não é tão relevante e que te obriga a ficar na trincheira o tempo todo. Acho que devemos entender que a vida tem momentos que devem ser vividos plenamente. Eu vivi. Nunca fui um presidente resmunguento. Exerci o governo com prazer - disse Fernando Henrique a Carlos Monforte.

Sarney, Collor e Itamar alegam que a opção pela disputa de novos mandatos acabou sendo feita por pressão de aliados e eleitores. Embora tivesse determinado a se dedicar à carreira literária quando deixou a Presidência, em 1990, Sarney hoje reconhece:

- A política só tem uma porta, a de entrada. Não tem a de saída.

Se deixar o poder é difícil, imagine como foi, então, para Collor, apeado do cargo em 1992, após um processo de impeachment. Ele ainda traz na memória os momentos finais de seu governo:

- O dia seguinte foi muito difícil, foi duríssimo. Um presidente eleito pelo voto popular de um momento para o outro se vê afastado do poder... Foi muito mais que traumático, foi como se o mundo tivesse desabado nas minhas costas.

Collor contou que percebeu, logo após sua saída do Palácio do Planalto, em setembro de 1992 - saída, a princípio, temporária -, que não voltaria mais ao cargo.

- Foi uma dor lancinante: pego o helicóptero para ir à (Casa da) Dinda, peço ao comandante que sobrevoe uma obra perto da Dinda, um Ciac (escola de tempo integral). Queria ver o estágio da obra, e ele diz que não podia, que não tinha combustível. Foi aí que realmente caiu a ficha. Percebi que não tinha volta. Aquele piloto tinha certeza que eu não voltaria. Se eu voltasse, ele seria jogado lá de cima na piscina do Ciac - disse Collor, rindo, agora, da situação.

Empossado após o impeachment de Collor, Itamar fez uma revelação: logo após assumir o cargo, convocou os presidentes de todos os partidos para uma reunião no Palácio da Alvorada, onde indagou se alguém gostaria que fossem convocadas novas eleições:

- Se tivessem me pedido, teria organizado novas eleições.

Itamar, aliás, foi o único dos quatro que tentou voltar à Presidência. Chegou a disputar a convenção do PMDB em 1998, mas foi derrotado pela cúpula do partido, que preferiu apoiar a reeleição de Fernando Henrique.

Foi então que ele decidiu disputar o governo de Minas Gerais e se transformou numa pedra no sapato de FH, justamente a quem ajudara a se eleger em 1994, após o lançamento do Plano Real. Mágoa que Itamar não disfarça até hoje em relação ao tucano, que fora seu ministro da Fazenda:

- Quando elegemos Fernando Henrique, ele não disse que seria candidato à reeleição. Considero que foi um grande mal.

A luta de Monforte - responsável pela série - agora é para conseguir marcar uma entrevista com Lula. Os demais ex-presidentes não resistiram à ideia de falar sobre a vida após a saída da Presidência. Com Lula e seus interlocutores, Monforte ainda não conseguiu contato algum. Mas tudo é muito recente.

- Falta o Lula. Falei com o Franklin (Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação), mas ele disse que não permaneceria mais na assessoria do ex-presidente. Então, liguei para Gilberto Carvalho (ex-chefe da gabinete de Lula), mas não obtive resposta. Acho que é porque Lula ainda nem desencarnou. Ao contrário dos demais, que já estão fora do poder há mais tempo, Lula ainda está na fase de cair em si - diz Monforte.

A expectativa de Monforte é produzir, dentro de 15 dias, no máximo, um novo programa com o que sobrou do material gravado com Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique, sob o título "Depois do Poder".

FONTE: O GLOBO

É difícil sair do Bolsa Família, confirma estudo

Os beneficiários do Bolsa Família passam menos tempo empregados e demoram mais para achar nova vaga com carteira assinada ao perderem o emprego. É o que mostra pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social. O resultado revela as dificuldades para que os beneficiários do programa abram mão dos pagamentos mensais e encontrem a chamada "porta de saída".

Beneficiário do Bolsa Família fica pouco no emprego e demora a achar nova vaga

Transferência de renda. Segundo estudo do Ipea, menos de um ano depois da contratação, metade dos inscritos no programa perde o posto, 30% deles em menos de seis meses. Nos quatro anos seguintes, menos de 25% obtêm recolocação no mercado de trabalho

Marta Salomon / BRASÍLIA

Os beneficiários do Bolsa Família passam menos tempo no emprego e, quando o perdem, demoram mais para encontrar nova vaga com carteira assinada. É o que mostra pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, numa indicação de que será longo e complicado o caminho para que os beneficiários da transferência de renda do governo abram mão dos pagamentos mensais do Bolsa Família e encontrem a chamada "porta de saída" do programa.

As primeiras sondagens sobre a relação do público do Bolsa Família com o mercado de trabalho feitas após sete anos de vida do programa mostram que a maioria dos empregos não tem registro em carteira. Entre os beneficiários ocupados, 75,2% não têm cobertura da Previdência Social, calcula o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na população economicamente ativa do País, o porcentual é de 49,8%.

"A inserção dos beneficiários do Bolsa Família no mercado formal, quando existe, é bastante precária. Menos de um ano depois da contratação, metade dos beneficiários é desligada, 30% perderão seus empregos em menos de seis meses. Fora do mercado de trabalho, menos de 25% são recontratados nos quatro anos seguintes", resume estudo de Alexandre Leichsenring, doutor em estatística e consultor do Ministério do Desenvolvimento Social.

Leichsering pesquisou o comportamento dos beneficiários do Bolsa Família durante quatro anos, de 2003 a 2007, nos registros de emprego do Ministério do Trabalho. A pesquisa identificou entre os beneficiários taxas de admissão menores no mercado formal de trabalho, combinadas com taxas mais elevadas de desligamento do emprego.

A comparação teve como base as demais pessoas com renda até meio salário mínimo inscritas no Cadastro Único do governo: ou seja, pessoas pobres, mas não tão pobres quanto os beneficiários do programa. Durante o período pesquisado, cresceu a participação dos pobres no mercado de trabalho nos dois grupos analisados, anota o estatístico. A passagem pelo emprego é mais rápida entre os beneficiários com menos tempo de estudo e nas Regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste, afirma o estudo Precariedade Laboral e o Programa Bolsa Família.

O modelo matemático não permite avaliar o impacto dos benefícios na dinâmica do mercado de trabalho, avisa Leichsenring. "A impressão que me dá é que as condições sociais piores dos beneficiários são a causa das dificuldades maiores de participação no mercado", diz.

Emancipação. Os dados ajudam a entender por que tão poucos beneficiários do Bolsa Família devolveram voluntariamente os cartões de pagamento nos primeiros sete anos do programa, dos quais o Ministério do Desenvolvimento Social não guarda registros atualizados. A entrega do cartão significaria a emancipação dos repasses mensais entre R$ 22 e R$ 200 pagos às famílias com renda individual de seus integrantes de até R$ 140 por mês.

Por complicada, a chamada "porta de saída" do programa foi colocada em segundo plano durante o governo Lula e voltou com ênfase diferente à agenda do Bolsa Família no discurso de posse da ministra Tereza Campello. "Certamente, o maior desafio continua sendo a inclusão produtiva, a geração de oportunidades de geração de emprego e renda", disse a ministra. "A gente quer que as famílias possam deixar de precisar do benefício."

A inclusão produtiva é prioridade no recém-anunciado PAC da Pobreza, cujas medidas ainda estão em estudo. "Teremos abordagens diferentes para pobrezas diferentes. A pobreza é muito heterogênea, e o tempo de resposta também vai variar", pondera Rômulo Paes, secretário-executivo do ministério.

Mais de um entre cinco brasileiros estão alistados hoje entre os beneficiários do Bolsa Família. As regras do programa não fixam tempo máximo de acesso das famílias aos pagamentos, diferentemente de programas semelhantes na América Latina, nem excluem automaticamente o beneficiário que melhora sua renda. No Bolsa Família, a checagem dos limites de renda ocorre a cada dois anos. "Essa regra tem funcionado bem", avalia Paes.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Pastas do PT têm 60% dos cargos de confiança federais

Levantamento da Folha mostra que, no governo Dilma, os ministérios do PT, que movimentam cerca de 30% do Orçamento, têm 60% dos cargos de confiança. São 13,4 mil postos a serem oferecidos a especialistas do setor privado ou apadrinhados políticos.

Petistas controlam 60% dos cargos do governo federal

De 21,7 mil postos de livre indicação na Esplanada, 13,4 mil estão nas mãos do PT

Essa supremacia ajuda a entender o incômodo de partidos aliados do Planalto, como o PMDB, em busca de cargos

Gustavo Patu

A hegemonia do PT no governo Dilma Rousseff se revela mais pelo domínio dos cargos na administração federal do que pelo controle das verbas orçamentárias.Segundo levantamento feito pela Folha, os ministérios entregues aos petistas, que movimentam pouco mais de 30% de todo o Orçamento da União, abrigam algo em torno de 60% dos cargos de livre nomeação existentes na Esplanada.

Em potencial, são 13,4 mil postos de comando e assessoria, incluindo os do gabinete presidencial, a serem oferecidos a especialistas do setor privado ou apadrinhados políticos, aos servidores públicos mais talentosos ou os mais alinhados às chefias.

No total, o Executivo dispõe de 21,7 mil cargos desse tipo, disputados pelos partidos e conhecidos no jargão brasiliense pelas siglas NES (Natureza Especial) e, principalmente, DAS (Direção e Assessoramento Superiores) -cujos níveis vão de um a seis, crescentes conforme a posição do nomeado na hierarquia federal.

MÁQUINA PÚBLICA

Trata-se de um número elevado para países como Estados Unidos e Holanda (leia texto na pág. A5), onde uma burocracia estável prevalece nos postos de gerenciamento, de forma a preservar o funcionamento da máquina pública nas trocas de governo e reduzir o risco de ingerência partidária na gestão de pessoal.

O levantamento utilizou os dados mais atualizados disponíveis sobre cada ministério, tirando da conta o Banco Central, que possui um sistema próprio de cargos, e os comandos militares. Os resultados estão sujeitos a pequenos ajustes, porque são comuns remanejamentos de funções entre as pastas.

Sob o comando do PT estão os seis ministérios com mais cargos de livre nomeação -pela ordem, Fazenda, Saúde, Planejamento, Justiça, Desenvolvimento Agrário e Educação.

A supremacia ajuda a entender a insatisfação dos aliados, como o PMDB, interessado em manter ao menos os postos no segundo escalão da Saúde que obteve no segundo governo Lula.

Os petistas também encabeçam as pastas onde é maior o peso dos cargos de confiança na força de trabalho, casos da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério do Desenvolvimento Social, além, é claro, do gabinete presidencial e seus arredores, de vocação política mais evidente.

ALIADOS

Juntos, os ministérios entregues a partidos aliados não chegam a abrigar um quarto dos cargos totais (leia quadro nesta página).

Principal sócio do PT no governo, o PMDB conta em suas pastas com 14% dos cargos existentes no Executivo, percentual semelhante ao dos ministros sem partido.

Mais de 3.000 cargos foram criados ao longo da gestão petista, em boa parte devido ao aumento do número de pastas, de 26 para 37.

Entre os partidos brasileiros, o PT é o que tem mais tradição na cobrança de uma parcela do salário de seus governantes, parlamentares e militantes instalados em cargos públicos -a última modalidade foi vedada em 2007 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Com o argumento de que é preciso oferecer remuneração competitiva para atrair profissionais qualificados, a equipe de Dilma Rousseff estuda reajustar os valores dos DAS, atualmente entre R$ 2.116 e R$ 11,5 mil mensais.

Como servidores de carreira podem acumular parcialmente seus vencimentos e as comissões, o ganho médio dos nomeados é mais alto: varia de R$ 10,6 mil (DAS-1) a R$ 21,3 mil (DAS-6).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Novo Código Florestal amplia risco de desastre

Proposta permite construção em encostas; relator nega que projeto trate das áreas urbanas

O projeto do novo Código Florestal amplia a chance de ocupação de áreas de risco, uma das razões das mortes causadas pela chuva no Sudeste, relatam Vanessa Correa e Evandro Spinelli.

O texto em tramitação no Congresso não considera topos de morro como áreas de preservação permanente libera a construção de casas em encostas. Em locais assim, houve deslizamentos que mataram centenas de pessoas no Estado do Rio.O projeto reduz ainda a faixa de preservação nas margens de rios, criando brecha para o uso de áreas como o alagado Jardim Pantanal, zona leste paulistana.

O relator da revisão do Código Florestal, Aldo Rebelo (PC do B-SP), nega que o projeto trate de regras nas cidades. O texto, porém, cita a regularização fundiária de áreas urbanas.


Revisão do Código Florestal pode legalizar área de risco e ampliar chance de tragédia

Texto no Congresso deixa de considerar topo de morro como área de preservação e libera a construção nas encostas

Locais como esses foram os mais afetados pelos deslizamentos que mataram mais de 600 pessoas no Rio

Vanessa Correa e Evandro Spinelli

As mudanças propostas pelo projeto de alteração do Código Florestal -pensadas para o ambiente rural e florestas- ampliam as ocupações de áreas sujeitas a tragédias em zonas urbanas.

O texto em tramitação no Congresso deixa de considerar topos de morros como áreas de preservação permanente e libera a construção de habitações em encostas.Locais como esses foram os mais afetados por deslizamentos de terra na semana passada na região serrana do Rio, que mataram mais de cinco centenas de pessoas.

O projeto ainda reduz a faixa de preservação ambiental nas margens de rios, o que criaria brecha, por exemplo, para que parte da região do Jardim Pantanal, área alagada no extremo leste de São Paulo, seja legalizada.

A legislação atual proíbe a ocupação em áreas de encostas a partir de 45 de inclinação, em topo de morro e 30 metros a partir das margens dos rios -a distância varia de acordo com a largura do rio.

A proposta já foi aprovada por uma comissão especial e deve ser votada pelo plenário da Câmara em março. Se aprovada, vai para o Senado.

PARA QUE SERVE

Nos morros, o objetivo da lei atual é preservar a vegetação natural, que aumenta a resistência das encostas e reduz deslizamentos de terra.

Nas margens dos cursos d"água -rios, córregos, riachos, ribeirões etc.-, a área reservada visa preservar as várzeas, espaços onde os alagamentos são naturais nas épocas das chuvas fortes.

Boa parte da legislação não é cumprida, principalmente nas cidades. Mas as prefeituras, responsáveis por fiscalizar as regras e impedir a ocupação dessas áreas, têm os dispositivos à disposição.

Mesmo que a ocupação irregular ocorra, os limites atuais facilitam a remoção sem necessidade, por exemplo, de desapropriação de terras, afirma Marcio Ackermann, geógrafo e consultor ambiental, autor do livro "A Cidade e o Código Florestal".

Ele diz que as áreas de preservação permanente previstas no Código Florestal coincidem, na maioria, com as áreas de risco de ocupações.

Ackermann cita como exemplo os locais onde morreram pessoas na semana passada em Mauá (Grande SP), e Capão Redondo (zona sul de SP). O mesmo ocorre, diz, na maioria dos locais atingidos pelos deslizamentos na região serrana do Rio.

CRÍTICAS

O secretário do Ambiente do Estado do Rio, Carlos Minc, critica as mudanças. "O que ocorreu no Rio -[já] tinha acontecido antes em Santa Catarina e outras áreas- mostra um pouco onde leva essa ocupação desordenada das margens de rios e das encostas. Eu acho que isso mostra a irresponsabilidade dessa proposta", diz.

O relator do projeto de revisão do Código Florestal, deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), nega mudança nas regras de ocupação das cidades, embora o texto fale, com todas as letras, sobre regularização fundiária em áreas urbanas consolidadas.

Rebelo critica Minc, de quem é desafeto. "Não é por acaso que acontece essa tragédia no Rio, é por causa de secretários incompetentes e omissos como Carlos Minc."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

MST de Rainha invade 23 fazendas na região do Pontal

José Maria Tomazela

A ala liderada por José Rainha Júnior contribuiu com o "janeiro quente" do Movimento dos Sem-Terra (MST) invadindo 23 fazendas no oeste do Estado de São Paulo, na madrugada de ontem.

De acordo com nota divulgada pelo líder, foram ocupadas 5 fazendas no Pontal do Paranapanema, outras 5 na Alta Paulista e 13 na região de Araçatuba. Em algumas, os sem-terra não chegaram a entrar, mas acamparam nas porteiras. Um grande acampamento começou a ser montado em Teodoro Sampaio, no Pontal, no centro de uma área de 92,6 mil hectares de terras que seriam devolutas.

Rainha diz ter mobilizado pelo menos 5 mil militantes do MST e de outros grupos, como o Movimento dos Agricultores Sem-Terra (Mast), Unidos pela Terra (Uniterra), Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) e Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp).

As ações vão continuar, segundo ele. "A jornada deve chegar a mais de 30 latifúndios ocupados ou demarcados para denunciar à sociedade que essas áreas são improdutivas ou devolutas e pertencem à reforma agrária", disse. O objetivo é cobrar agilidade na arrecadação de terras para assentar 8 mil famílias que, segundo ele, estão acampadas.

O comando da Polícia Militar na região confirmou ter havido grande mobilização de sem-terra na madrugada e manhã de ontem, mas não havia notificação de conflitos. Segundo a PM, em várias propriedades os sem-terra se limitaram a acampar próximo dos portões, sem invadir.

A polícia acompanhava a montagem de um acampamento na rodovia de acesso a uma usina de cana-de-açúcar do grupo Odebrecht. Conforme o relato dos policiais, muitos sem-terra procediam de outras regiões. Rainha informou que, na Alta Paulista, policiais militares tentaram impedir que os sem-terra entrassem numa fazenda.

As invasões acontecem após as lideranças dos movimentos terem se reunido, na terça-feira, com a secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania, Eloisa de Souza Arruda, para discutir a questão agrária em São Paulo. Segundo Rainha, a secretária comprometeu-se a acelerar a parte que compete ao Estado na arrecadação de terra. "Estamos mostrando ao governo as áreas que devem ser arrecadadas", disse.

No início da semana, o MST já havia invadido três fazendas e ocupado três órgãos públicos.

O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, disse que as invasões são uma "provocação". A entidade estava orientando os proprietários a pedir a presença da polícia para identificar os invasores e entrar com ações de reintegração de posse.

Os 92,6 mil hectares que o MST reivindica para a reforma agrária no Pontal do Paranapanema foram julgados terra devoluta em favor do Estado pela 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto de 2010, mais ainda existem recursos.

Reivindicação. Só após o julgamento final, sem prazo para ocorrer, o governo estadual pode reivindicar as terras. Rainha acredita que, com as sentenças favoráveis, o governo poderia fazer acordo com os fazendeiros para antecipar a obtenção das terras.

De acordo com lista divulgada pelos movimentos, no Pontal do Paranapanema foram invadidas ou marcadas com acampamentos as fazendas Oito e Meio (Presidente Bernardes), Guiomar (Panorama), Três Sinos (Caiuá), Santa Antonio (Presidente Epitácio) e Bela Vista (Emilianópolis).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

''Espero que Dilma seja coerente''

Andrei Netto

Alberto Torregiani, filho adotivo do joalheiro Pierluigi Torregiani - morto em 16 de fevereiro de 1979, em Milão, em ataque do grupo Proletários Armados pelo Comunismo - é, ele próprio, vítima da violência dos guerrilheiros. Torregiani ficou paralítico ao ser atingido por disparos que visavam seu pai. O autor dos tiros, segundo a Justiça italiana, é Cesare Battisti.

Em entrevista concedida ao Estado na sexta-feira, o militante definiu como "uma vergonha" a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder refúgio a Battisti, no último dia de seu governo. Ele diz ter esperança de que a presidente Dilma Rousseff interfira no caso, em favor das famílias das vítimas. "Durante a campanha, ela afirmou que, se fosse presidente, teria optado pela extradição. Minha esperança é de que a presidente seja coerente com a sua declaração."

Que resultados o sr. percebe até aqui na campanha pela extradição de Battisti?

Tivemos um primeiro encontro com Berlusconi. Decidimos que tomaríamos iniciativas conjuntas: o encontro que estamos prevendo com as delegações europeias é um deles. Queremos explicar à Europa as razões que envolvem o caso e deixar claro para o maior número de países porque a Itália e o povo italiano buscam a extradição. De fato, também cogitamos o recurso na Corte de Haia, porque temos esperança de que o tribunal possa dar um parecer favorável à extradição. É verdade que se trata de um problema bilateral, mas comporta uma questão internacional. Não se trata apenas de uma disputa em torno de uma extradição. O problema é o entendimento que o governo de um país da comunidade internacional está fazendo de uma condenação por outro país. Battisti é um criminoso que foi condenado a mais de 30 anos de prisão. E essa pessoa ainda está livre.

Mesmo após a confirmação da decisão de não extraditar Battisti, o caso pode retornar ao STF. Quais são suas expectativas?

Creio que o Supremo Tribunal Federal tem poderes para reverter a decisão de Lula. Lembremos que em 2009 os juízes já haviam se declarado a favor da extradição. Agora cabe de novo ao Supremo, que é um órgão de alto valor institucional, decidir.

O sr. tem esperanças de que o STF possa inverter a decisão?

É uma questão de integridade, de respeito às instituições e de bom senso. Uma pessoa atirou e matou duas pessoas, foi condenada por esses crimes, foi condenada como mandante da morte de outra pessoa e foi considerada envolvida em um quarto homicídio. Isso sem falar de assaltos, tráfico de armas e outros delitos menores. São fatos. Por que tentam caracterizar esses crimes como questão política? Há testemunhos de membros do próprio grupo que afirmam que ele foi responsável.

Como o sr. reagiu ao receber a notícia de que Lula havia concedido o refúgio a Battisti?

O que mais me incomodou foi o momento em que a notícia foi anunciada. Eram 17 horas do último dia de mandato. Tínhamos uma certa expectativa de que ele optasse por deixar para o próximo presidente. Decidir no último instante, quando a nova presidente já se preparava para assumir, considero algo ignóbil. É a coisa mais vergonhosa que um presidente pode fazer.

O sr. acredita em saída favorável, a seu ver, para esse caso?

Claro que sim! A dificuldade é mostrar a todos que é uma causa justa. Quando tentamos audiências com autoridades no Brasil sobre o caso, não tivemos sucesso. Já os advogados de Battisti conseguiram se encontrar até com os juízes do Supremo. O que me preocupa são os argumentos. Os advogados de Battisti alegam, por exemplo, que há um risco à sua integridade física. E um ministro (o ex-ministro da Justiça, Tarso Genro) defende o mesmo argumento. Convenhamos! Dizer que ele, em um cárcere na Itália, corre o risco de morrer porque ficará deprimido, frustrado, doente ou qualquer outra coisa? Francamente!

O sr. crê que o fato de Dilma Rousseff ter pertencido a movimentos armados no Brasil pode influenciar no caso?

Não sabemos o quanto pode haver diferença de conhecimento em relação ao caso entre Lula e Dilma. Presumo que ela tem conhecimento, já que foi candidata a presidente depois de ser ministra. Durante sua campanha, ela afirmou que, se fosse presidente, teria optado pela extradição. Minha esperança é de que a presidente seja coerente com a sua declaração.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Desencanto ::Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.