segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Marco Antonio Villa

É muito pouco tempo para avaliar qualquer governo. Dilma está tentando construir a sua forma de governar. Não vai ser fácil. Lula foi, como presidente, um excelente comunicador. O silêncio de Dilma foi considerado algo inteligente por alguns jornalistas. Lembrei do Lima Barreto acabando com o Floriano justamente sobre o silêncio do Marechal de Ferro (no clássico Triste fim de Policarpo Quaresma). Dizia o grande Lima que Floriano ficava em silêncio porque não tinha nada a dizer, era limitado.

O saque do Estado continua a todo o vapor. O que Dilma está fazendo é tentar dar uma "racionalidade" a este nefasto processo. Só. nada mais que isso. Falar em ética é piada, como sabemos.

Outro ponto que está claro é a ofensiva contra o governo de São Paulo. Alckmin vai passar 4 anos sob fogo cerrado do Governo Federal, das empresas estatais e dos críticos pagos regiamente pelo Erário. O PT sabe que poderá vencer a próxima eleição presidencial. Mas sabe também que tem de destruir o poder que a oposição tem em SP. Para isso fará aliança até com o demônio.


VILLA, Marco Antonio. Duas semanas. Blog do Villa, São Paulo, 14/1/2011.

A política sem sombra e água fresca:: Luiz Werneck Vianna

Previsões falham, mas ninguém atentaria para elas se nunca se confirmassem. As que tratam do tempo, ressalve-se, estão cada vez mais precisas, amparadas em refinados métodos dos serviços meteorológicos, embora não se possa dizer o mesmo das que têm como objeto os fenômenos da política, uma vez que, por meio da ação humana, o curso dos acontecimentos pode apresentar resultados inesperados até para o ator que procurou intervir consciente e racionalmente sobre eles. Há, contudo, previsões nessa matéria, como a história não nega, que se demonstram acertadas, e um modesto e recente exemplo delas foi a de que a política, como atividade social generalizada, retornaria à cena pública brasileira logo que se cumprissem os efeitos da transmissão do mandato de Lula ao seu sucessor.

Os oito anos da presidência Lula se caracterizaram pela incorporação ao Estado e à sua máquina governamental de representações de classes e categorias sociais, tanto das elites financeiras, da indústria e dos serviços, quanto daquelas com origem no mundo do trabalho e na multiplicidade dos movimentos sociais. Tal formatação de estilo corporativo, ainda se fez reforçar com a criação, em 2003, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com o qual se instituiu um parlamento paralelo, composto por aquelas representações, em que se tentou emprestar à dimensão dos interesses uma vocalização que prescindiria da política e dos partidos.

Sob essa modelagem, a explicitação dos interesses devia contornar o campo da sociedade civil, sendo conduzida para o interior do Estado e de suas agências. Nos casos de conflitos entre eles, seriam submetidos à arbitragem do chefe do Executivo, considerado como um intérprete privilegiado do interesse público, o campo da política convertido em monopólio seu. Tal construção, que evocava antigas práticas e instituições da era Vargas, dependia da reconhecida capacidade de Lula nas artes da negociação e se fazia escorar na legitimação do seu governo pelos sortilégios do carisma.

Agitação política do início da gestão Dilma sinaliza o que virá

O governo Dilma, por suas características pessoais e pelas novas circunstâncias reinantes no mundo, não tem como imprimir continuidade a esse modelo e ao estilo de governo do seu antecessor. Ademais, algumas mudanças na posição relativa de alguns atores, parte delas fruto de políticas levadas a cabo pelo próprio Lula, alteraram a cena anterior. Talvez um dos maiores exemplos disso se encontre no mundo sindical, em que, a partir da abdicação do PT de suas posições reformadoras, como as que foram apresentadas por ocasião do Forum sindical, em 2004, e de suas concessões ao sindicalismo corporativo tradicional, tal como na inclusão das centrais sindicais no rol das entidades a serem contempladas com os recursos extraídos do chamado imposto sindical, conduziu ao fortalecimento de correntes rivais à CUT.

A Força Sindical, além de ancorada em uma representação parlamentar que integra a coalizão governista, conta em seus quadros com importantes militantes vinculados ao PDT, partido do atual ministro do Trabalho, Carlos Lupi, forte indicação de que suas controvérsias com o atual governo sobre o valor do salário mínimo, transcendem uma simples querela sobre matéria salarial. Na verdade, elas já admitem a hipótese de que o modelo Lula de fazer política, sem a presença do seu idealizador, começa a dar sinais de exaustão - os conflitos de interesses já ameaçam escapar do interior do Estado e migrar para o espaço aberto da sociedade.

De outra parte, alguns partidos, até há pouco apendiculares à coalizão governamental, encorparam a sua representação, caso tanto do PSB como do PDT, se se considera a sua crescente projeção no mundo sindical, o primeiro deles com óbvias ambições presidenciais da sua principal liderança, esses e outros emitindo sinais de que aspiram por um tipo de poder que as práticas da mera fisiologia não satisfazem. De passagem, vale notar que a emergência desses partidos, além de tantos outros, caso do PR, devem o seu crescimento ao lugar que ocuparam à sombra de Lula, e não à capacidade de encantamento dos seus programas e/ou do seu enraizamento capilar na vida social.

Mas, sem Lula tendem a escassear a sombra e água fresca, e a agitação política desses primeiros dias de Dilma é um sintoma do que vem por aí, quando esquentar de fato a disputa pela presidência da Câmara Federal e pela tramitação do Código Florestal, a essa altura com a questão ambiental bafejada pelos 20% de votos da Marina e pela tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do Estado do Rio. Sondando riscos no horizonte, a presidente, informa o noticiário político, fez retirar da sua agenda imediata os temas das reformas - tributária, política, previdenciária e trabalhista -, que serão fatiadas, quando possível, ou postergadas para momentos mais propícios.

Ao contrário dos tempos de Lula, perdedores serão selecionados. Os partidos que cresceram à sua sombra, de algum modo, já entenderam isso. Até por eles, e com eles, a política volta, porque fora dela terão muita dificuldade de sobreviver, em particular se a democracia brasileira afinal reagir, como se espera, contra essa aberrante legislação político-eleitoral que aí está.

O nome do novo tempo é racionalização, mais e melhor com menos, política de resultados e não de manipulação simbólica - a ordem burguesa a ser consolidada por Dilma deverá ser implacável com a metafísica que, em nome de uma suposta comunidade nacional, abrigaria todos os interesses em pé de igualdade no interior do Estado. O tempo ainda é curto para que se saiba para onde vai o seu governo, mas, desde logo, está claro: ela não veio para arbitrar, e sim para gerir. Não importa que a tomada desse rumo tenha sido ou não planejada, inclusive porque há poderosos constrangimentos sistêmicos a reclamar a mesma direção. Os interesses são devolvidos às suas instâncias de origem, como as centrais sindicais, talvez surpreendidas, estão percebendo agora, e cabe a seus autênticos portadores zelar por eles. Essa bem pode ser a porta de reingresso da política no nosso mundo, quem sabe até dando a conhecer novos partidos.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Conta a ser paga:: Ricardo Noblat

- Os cariocas assistem, conformados, à reprise de um filme triste e antigo. No fim, são eles que morrem, - (4/1/2011, aqui) –

Se todos são culpados pela repetição de tragédias como a da região serrana do Rio de Janeiro – o Estado e o povo que mora em áreas de risco –, ninguém é culpado. Choremos, pois, os mortos. Que a maioria, devido à situação de emergência, seja sepultada do melhor jeito possível. E vamos à praia pegar um bronze porque o Carnaval está próximo.

No ano passado, quando tragédias semelhantes mataram entre janeiro e abril 53 pessoas em Angra dos Reis e 47 em Niterói, sem contar dezenas de outras na cidade do Rio, o governador Sérgio Cabral falou em “crônica de uma morte anunciada”. Primeiro culpou o volume das chuvas muito superior ao rotineiro. E depois a ocupação de áreas de risco.

Sem esconder a irritação, justificou-se por só ter visitado Angra 24 horas depois do dilúvio: “Eu não faço demagogia. Aqui em Angra estavam dois secretários da área, um deles o vice-governador. Quem deve vir são as autoridades públicas que podem de fato dar solução e comando ao problema”.

Talvez fosse interessante ouvi-lo sobre seu esforço de desta vez marcar presença nas áreas flageladas. Ele esteve por lá com a presidente Dilma Rousseff. E depois mais duas vezes. Ou deu uma de demagogo ou resolveu assumir a condição de autoridade que pode “de fato dar solução e comando ao problema”.

No primeiro momento, sob o impacto daquela já classificada como a maior tragédia natural da história do País, e uma das 10 maiores registradas no mundo desde o século passado, Cabral tentou municipalizar a responsabilidade pelo ocorrido. Isso é coisa “de prefeitos, vereadores e deputados irresponsáveis”, acusou.

Foi corrigido por Dilma. Que reconheceu com bom senso: “(Esse) é um problema do governo Federal de fazer uma política de saneamento e habitação. É um problema do governo estadual de fazer a mesma política e somar esforços. E é um problema do município de ordenar devidamente a ocupação do solo urbano”. Os três falharam.

Em novembro do ano passado, o governo brasileiro confessou à Organização das Nações Unidas por meio de extenso relatório que “grande parte do sistema de defesa civil do país vive um despreparo e não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços”, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo.

Do relatório: “Em 2009, o número de órgãos municipais criados oficialmente no Brasil (para lidar com desastres) alcançou o porcentual de 77,36% dos municípios brasileiros, entretanto, não foi possível mensurar de forma confiável o indicador estabelecido como taxa de municípios preparados para prevenção e atendimento a desastres”.

Adiante: “A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos”.

E por fim: “Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção”.

Encomendado pelo governo do Rio, um estudo de novembro de 2008 alertou para os riscos de a região serrana passar em breve pelo que está passando. Que lugares foram apontados como os de mais elevado risco? Justamente Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, essa quase que inteiramente destruída.

"A hora não é de buscar bodes expiatórios nem de se olhar pelo retrovisor”, ditou Cabral antes que o número de mortos na região serrana batesse na casa dos 600. A hora é, sim, de se nomear culpados e de processar o Estado. Um americano que quebre o pé num buraco que a prefeitura não fechou vai à Justiça e arranca gorda indenização.

Aqui, o descaso do Estado mata e tudo fica por isso mesmo.

FONTE: O GLOBO

Algozes da verdade:: Paulo Sérgio Pinheiro

O passado não está nunca morto. Nem passado é ainda. No Brasil, em toda a República, se sucedem ciclos de violência política, com casos de assassinatos e tortura, sobre os quais paira o esquecimento, sem a luz da verdade. Especialmente nas transições políticas de regimes autoritários para a democracia, tudo se procura apagar e esquecer.

Assim foi na transição do Estado Novo (1937-1945) para o regime constitucional de 1946. Sobre sequestros, tortura por agentes públicos, justiça de exceção, condenações sem defesa, nada foi feito até hoje em termos de resgate da memória ou de reparação das vítimas.

Diante desses horrores cumpre esquecer, assim propõem o ditador Getulio Vargas, que anistia todos os seus sequazes que cometeram aqueles crimes, e o líder comunista Prestes, que declara: "A anistia é o esquecimento, e eu, da minha parte, estou disposto a esquecer".

Destoando dessa celebração do esquecimento, no início da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, o deputado Euclydes Figueiredo (pai do general-presidente João Batista Figueiredo) requereu a criação de uma comissão de inquérito que examinasse os crimes do Estado Novo.

Também pediu investigações no Departamento Federal de Segurança Pública, "no sentido de conhecer e denunciar à nação o tratamento dado aos prisioneiros políticos", afirmando que "a matéria não é daquelas que podem ser esquecidas.

Trata-se de fazer justiça, descobrir e apontar os responsáveis por crimes inomináveis, praticados com a responsabilidade do governo; e, mais que isso, defender nossos foros de povo civilizado".

Em 7 de maio de 1946, foi criada aquela comissão para examinar o período de 1934 a 1945, que poderia ter sido a primeira "comissão da verdade" no continente.

Mas a falta de quorum fez com que a comissão encerrasse suas atividades sem conclusões.

Na transição do regime militar para a Nova República, em 1985, reaviva-se a mesma cantilena do esquecimento pregado para os "dois lados", visando particularmente livrar o aparelho de Estado envolvido em sequestros, desaparecimentos, tortura e mortes.

Mas, ao contrário do que ocorreu em 1946, houve o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos crimes da ditadura, pela lei nº 9.140 de 1995, no governo FHC, que estabeleceu uma comissão que concedeu reparação aos desaparecidos políticos, por meio de indenização aos familiares.

A proposta de Comissão da Verdade encaminhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso conclui o círculo virtuoso iniciado com a lei nº 9.140, pois visa o esclarecimento circunstanciado e histórico daquelas práticas arbitrárias cometidas sob responsabilidade do Estado na ditadura militar, situando-as no contexto mais amplo de luta política do período.

A Comissão Nacional da Verdade, projeto de lei integralmente aprovado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não tem caráter revanchista nem mandato judicial ou persecutório, sendo falso afirmar, como tem sido alegado, que haverá réus sendo julgados.

O projeto acolhe o melhor da experiência de 40 comissões da verdade no mundo, como a composição transparente e pluralista dos membros, nomeados pela presidente da República, Dilma Rousseff, com plena legitimidade. Como ocorreu na Argentina, na Bolívia, no Chile e e no Peru, sem participação das partes em causa, vítimas ou agentes do Estado.

Quanto mais cedo o Congresso discutir e aprovar a Comissão da Verdade, melhores condições teremos de consolidar o passado em passado de verdade.

Paulo Sérgio Pinheiro, 67, é pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/ USP). Foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Reforma política como?::Arthur Virgílio

Fernando Henrique terminou seu período com 26 órgãos de primeiro escalão, entre ministérios e secretarias especiais. Para mim uma demasia, pois 20 repartições desse porte significariam máquina enxuta e funcional, sem ser mínima.

Lula deixa o governo com 37 ministérios, muitos deles inócuos, abrigos de sindicalistas, cabides de companheiros e aliados dessa esquisita governabilidade. Lembremo-nos de que cada unidade dá origem a uma infinidade de cargos de confiança que, faz tempo, deixaram de ser preenchidos pelo critério da competência e da experiência administrativas.

Montaram formidável base de apoio parlamentar e, paradoxalmente, não têm projeto estratégico a executar. Nada que exija maioria tão acachapante. Nenhuma reforma estrutural que exija mexida constitucional e, portanto, apoio de três quintos em cada Casa.

O que se vê é o vale-tudo entre as inúmeras legendas na busca de cargos, agora os de segundo escalão: presidências e diretorias de poderosas empresas estatais e espaços que garantam boas dotações orçamentárias.

Fico sem entender. Se Dilma não tenciona propor ao Congresso leque arrojado de reformas, por que o ajuntamento variado, complicador e desnecessário? Medo de CPIs? Mas se Lula, após o susto do mensalão, cuidou de desmoralizar esse instituto secular dos parlamentos ocidentais.

Seria, porventura, desejo de impor projeto de poder à nação, talvez castrador de liberdades, relegando as vozes da oposição ao limite do esperneio? Ora, não posso e não devo crer nisso. Nossos governantes, certamente, leram Barbara Tuchman e seu imortal A marcha da insensatez: nada vingará no Brasil se for contra a democracia, já tão testada, que nos rege.

O ministério é medíocre. Tenho esperanças, por exemplo, no jovem ministro da Justiça, que é talentoso e sempre me pareceu correto e amplo. Não o imagino coordenando perseguições ou dossiês falsos contra adversários políticos.

Recebi, porém, com estupefação o episódio bizarro envolvendo Pedro Novais, de 80 anos de idade, em peripécias pagas com recursos da verba indenizatória da Câmara dos Deputados. À época indicado para o Ministério do Turismo, tudo se passou como se nada estranho tivesse acontecido no reino da Dinamarca. Os líderes do seu partido minimizaram o fato, sob o mantra de que “ele é da cota do Maranhão”, Dilma o confirmou e ei-lo guapo e disposto a revolucionar a indústria do turismo.

A presidente pode não se ter dado conta da gravidade do incidente: para a imprensa e parte da opinião pública, o padrão ético do governo está, infelizmente, balizado. A política das “cotas” ganhou novas nuances: cotas partidárias, estaduais, grupais, que dão imunidade extra aos beneficiários dessa visão política canhestra e caolha. Unem-se em torno de nada, a não ser o desejo governamental de preferir a chantagem diária de aliados de ocasião ao diálogo saudável com oposição que representou 43 milhões de votos no último pleito.

Tempos difíceis virão. A economia internacional mostra-se instável. O quadro fiscal interno, fruto da gastança desenfreada recente, não é confortável. O crédito já sofre restrições. Juros subirão. O ministro da Fazenda fala em cortes no Orçamento que, sem a retomada das reformas, significarão economia de palitos.

Lula tem tido sorte. O terceiro mandato, que intimamente tanto almejou, começaria velho. Dilma terá de se reinventar para não iniciar gerenciando os nanismos de um governo que poderá caducar antes do fim. Com a fisiologia correndo solta desse jeito, dá para pensar numa reforma que ordene e moralize a política brasileira?

É Senador

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Maneiras de dizer::Denis Lerrer Rosenfield

Maneiras de dizer são essenciais à sociabilidade humana e, com mais razão ainda, ao mundo político. Uma ação bem-sucedida, a que alcança seus objetivos, depende, e muito, de como as coisas são apresentadas, do tom da voz, do modo de escrever ao argumento propriamente dito. Quantas vezes observamos em nossa vida cotidiana que algo saiu "errado" pelo uso de uma palavra inconveniente, uma frase mal colocada ou um gesto indevido.

Uma aproximação amorosa se vê freada, quando não literalmente fracassada, pelo emprego de uma expressão mal usada, produzindo o afastamento. Quantos amigos de longa data nunca mais se falaram porque não se entenderam, porque suas falas ou seus escritos não foram devidamente "compreendidos". As histórias da literatura e da filosofia estão cheias de casos desse tipo.

No mundo político, por sua vez, a forma de dizer e a de escrever são, por assim dizer, tudo, sobretudo em Estados democráticos que adotam procedimentos baseados em discursos, eleições, formação da opinião pública, efeitos retóricos e demagógicos. Instituições independentes como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário empregam suas respectivas linguagens. Se um discurso não "pega", um político e um partido podem ver frustrados os seus projetos.

Assim, políticos e partidos, em vez de mostrarem o seu voraz apetite pelo poder, por cargos e privilégios, dizem que estão adotando uma "responsabilidade conjunta de governar", quando se trata de mero fisiologismo. A expressão "responsabilidade conjunta de governar" procura produzir um efeito positivo, enquanto a palavra fisiologismo tende a produzir o efeito contrário.

No mundo jornalístico e da mídia em geral, o uso de determinadas palavras já é dirimente na apresentação dos fatos, pois os próprios fatos são a sua forma de apresentação. O convencimento, frequentemente, já se produz mediante a utilização de certas palavras, expressões e frases. O leitor, o ouvinte e o telespectador são induzidos a adotar uma determinada posição positiva ou negativa em relação ao fato. Dependendo da palavra ou frase, o seu efeito já está garantido.

Vejamos, por exemplo, como as palavras "progressistas" e "conservadores" são empregadas por certos formadores de opinião e por atores políticos e sociais. Aqui, aliás, já está subjacente a ideia de que ser "progressista" é um valor positivo, enquanto ser "conservador" é um valor negativo.

Nessa perspectiva, querer conservar uma relação amorosa poderia ser considerado algo moralmente negativo, pois a mudança estaria do lado do positivo, o que poderia até, se o argumento for levado ao seu extremo, conduzir à consideração da libertinagem ou da promiscuidade enquanto valor moral superior. Neste caso, salta aos olhos a inadequação do uso desses conceitos. Mas será que a situação é substancialmente diferente quando nos movemos para outras esferas da atividade humana?

Peguemos o caso da legislação trabalhista brasileira. Datada do período Vargas, isto é, de um outro país e de um outro mundo, ela continua a vigorar, apesar de reformas menores. Ela está imbricada com toda uma legislação sindical, atrelando os sindicatos ao poder do Estado, passando ele a controlar os seus passos e também os seus recursos. Trata-se, evidentemente, de um projeto político que, num determinado momento, produziu resultados sociais satisfatórios. Aqui surge a ideia da mudança enquanto necessária em função de um mundo essencialmente outro, com novas tecnologias e novos meios de comunicação de massa. As atividades produtivas e empresariais mudam, então, essencialmente.

As transformações são de tal ordem que eram, há meio século e mais, literalmente impensáveis. O exemplo do computador é, talvez, o mais notável. Temos, porém, também as viagens aeroespaciais, os novos medicamentos e os novos exames médicos. Tudo mudou. No entanto, quando se pensa em adequar as legislações trabalhista e sindical a este novo mundo, surgem as vozes da discordância, dizendo-se "progressistas". Na verdade esse tipo de posição é profundamente "conservador", sendo os seus representantes sindicais tudo menos progressistas.

O novo sindicalismo que nasceu no ABC paulista, sendo Lula o seu mais célebre representante, advogava pelo fim do imposto sindical, pela liberdade de escolha e considerava os representantes sindicais daquele então "pelegos", termo claramente depreciativo. Os "pelegos" estavam atrelados ao Estado, obedecendo aos governantes e usufruindo o imposto sindical e os privilégios desses cargos. Ora, o governo Lula terminou por aprofundar esse processo, fazendo as centrais passarem a gozar diretamente o imposto sindical, sem passar sequer pela fiscalização do Tribunal de Contas. Veja-se a situação curiosa. A palavra pelego desapareceu e os "novos pelegos", agora, se apresentam como "progressistas". Ou seja, "o pelego é o progressista"!

Outro caso particularmente notável é o de invasões de terras, porque é bem disso que se trata. Os "invasores" apresentam-se como "ocupadores", pois na primeira acepção haveria uma conotação negativa, enquanto na segunda apareceria uma acepção positiva, a de ocupar, por exemplo, um espaço vazio. Alguns jornalistas usam a palavra "ocupação de terras" porque já partem para a defesa da "invasão", procurando, evidentemente, velá-la. Trata-se de uma operação ideológica que, para ser bem-sucedida, depende de que os cidadãos passem a compreender "ocupação" em vez de "invasão". Poderíamos radicalizar o argumento mostrando que, nesse caso, a invasão de domicílios passaria a ser compreendida como uma "ocupação", em que os direitos dos proprietários cessariam de valer.

O mais esdrúxulo, todavia, é que os invasores são tidos por "progressistas", como se a invasão da propriedade alheia e a apropriação do trabalho e do esforço dos outros fosse um sinal inequívoco de "progresso". Que país pode, assim, progredir?

Professor de Filosofia na UFRGS.

FONTE: O GLOBO

O fosso entre universidade e indústria::José Goldemberg

O IBGE divulgou recentemente os resultados de uma pesquisa realizada com as indústrias brasileiras - mais de 100 mil - para verificar quais delas investiram em inovação e quais simplesmente se restringiram a fabricar os mesmos produtos ano após ano. A pesquisa cobriu o período de 2006 a 2008.

Inovação é um fator decisivo para aumentar a competitividade das empresas e inclui desde produtos ou processos novos até o desenvolvimento de novos usos para produtos já existentes. Na generosa definição usada pelo IBGE, são considerados como inovação a pesquisa e o desenvolvimento, a aquisição de pesquisas externas, os investimentos em máquinas, o treinamento de pessoal e a introdução de produtos no mercado, entre outros.

Os resultados da pesquisa são interessantes: cerca de 38% das empresas fizeram algum tipo de inovação - nos anos de 2003 a 2005 esse índice era de 34% e, portanto, aumentou. Na Alemanha, por exemplo, mais de 70% das empresas, porém, são inovadoras. Pior ainda, somente cerca de 5 mil empresas nacionais realizaram atividades internas de pesquisa e desenvolvimento. As atividades de inovação não se devem, por conseguinte, de forma significativa a pesquisas, mas a desenvolvimento e licenciamento de programas de computador, telecomunicações, outros serviços de tecnologia da informação e tratamento de dados, que não são realmente muito criativos e não deram origem a um grande número de patentes, área em que o Brasil continua com índices muito baixos.

A pesquisa do IBGE nos diz ainda que, no tocante aos recursos humanos envolvidos com as atividades internas de pesquisa e desenvolvimento, havia aproximadamente 70 mil pessoas ocupadas nessa área, das quais apenas 10 mil tinham pós-graduação.

É aqui, a nosso ver, que se encontra o calcanhar de aquiles que retarda a modernização do País, como observaram corretamente o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, e o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, Ronaldo Mota, em artigo publicado recentemente: "A atividade de inovação tecnológica requer a participação de engenheiros e cientistas, preponderantemente com formação pós-graduada. Apesar do início tardio, a pós-graduação brasileira avança rapidamente. O número de mestres e doutores formados passou de cerca de 5 mil em 1987 para quase 50 mil em 2009. A ciência avançou muito no Brasil; no entanto, a inovação tecnológica em nossas empresas ainda é tímida. Tal situação decorre da carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e da insuficiente articulação entre política industrial e ciência e tecnologia." (Folha de S.Paulo, 8/11/2010)

A nosso ver, no entanto, o problema não é de cultura empresarial, o que há é um descompasso entre oferta de cientistas (e de ciência) e demanda pela indústria. E isso se deve à ausência de políticas públicas que induzam a indústria a procurar atividades inovadoras e modernizantes que aumentem sua competitividade.

O sistema universitário brasileiro está produzindo, de fato, um grande número de mestres e doutores, e a produção científica desses mestres e doutores é apreciável, mais de 10 mil publicações por ano, colocando o Brasil numa posição confortável como o 12.º maior contribuidor mundial nesse campo. A maioria, contudo, continua nas universidades, e não na indústria, onde eles poderiam servir como alavanca do desenvolvimento.

A principal razão para tal é que as universidades brasileiras, de modo geral, incluindo a Universidade de São Paulo (USP), foram pensadas como projetos culturais, e não como projetos modernizadores na área de tecnologia, com a exceção do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dos trabalhos de Carlos Chagas e de Manguinhos e poucos outros.

Esse foi um grande problema na extinta URSS, cujo amplo sistema de apoio à ciência - que sempre foi privilegiada por Josef Stalin - teve sucesso em realizar grandes avanços na área militar (bombas atômicas, Sputnik e outros), mas foi incapaz de modernizar a indústria e a agricultura soviéticas. O fracasso desse sistema em melhorar o nível de vida da população contribuiu muito para a derrocada da União Soviética, como, aliás, reconheceu o próprio presidente Mikhail Gorbachev na ocasião.

Quando políticas públicas adequadas existem, a inovação "explode", e há bons exemplos disso no Brasil. Segundo o IBGE, no seu estudo, um dos setores líderes da inovação na indústria foi o farmacêutico, com o desenvolvimento de medicamentos genéricos. Em outras palavras, uma política governamental, que foi a introdução dos genéricos no País, realizada quando José Serra era ministro da Saúde, abriu caminho para que um grande número de laboratórios nacionais passasse a competir no mercado.

Outro exemplo é a Lei de Mudanças Climáticas adotada pela Prefeitura de São Paulo, que prevê a instalação de coletores solares para aquecimento de água para fins residenciais. Isso estimulará os fabricantes a produzir mais e melhores equipamentos, o que, por consequência, levará a uma redução de custos. A Lei de Mudanças Climáticas adotada pelo governo do Estado vai no mesmo sentido e sua implementação na direção de uma economia de baixo carbono contribuirá para a modernização do parque industrial paulista.

Como facilitadores desse processo, as incubadoras de empresas e os parques tecnológicos são agentes capazes de desempenhar um papel relevante no apoio à solução de problemas novos na fabricação e comercialização de produtos exigidos por um mercado interno crescente. Como atualmente o número de inovações na indústria brasileira é limitado, a tendência é depender crescentemente da importação de produtos, como já está ocorrendo em vários setores, o que não é um bom caminho a longo prazo.

Professor da USP, foi Secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Fantasmagoria monumental::Paulo Brossard

Os cientistas podem arrolar as causas das tragédias que se repetem pelo mundo afora, mas, independentemente das explicações ou suposições apresentadas, elas impressionam o mais frio dos observadores pelo caráter proteiforme com que se têm apresentado.

Ontem, geleiras eternas foram se despedindo da eternidade em que dormiam e entraram a liquefazerem-se em blocos imensos para desaparecerem no oceano.

Agora, o que sucede nas duas maiores cidades do país é de desnortear. As chuvas, em regra benfazejas, converteram-se em horrores diá-rios. Insatisfeito com os desequilíbrios causados na orla marítima, o fenômeno subiu a serra que era o alívio do carioca desde o tempo de Dom Pedro, para estender o flagelo a Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo com o inacreditável desmonte de morros, desfeitos em lama, para sepultar populações de maneira e em proporções nunca vistas.

E ninguém pode dizer que o flagelo infernal tenha acabado. Longe da catástrofe, a minha situação é de comiseração e perplexidade, sem apetite para ocupar-me de coisas mais correntes. E assim, com lenço ao nariz, limitar-me-ei a reproduzir uma pergunta que me tenho feito.

Passado o alarido das festas, quase nada se pode dizer do novo governo, a não ser que houve uma visível mudança no estilo. O parlapatão de ontem, que se endeusava com uma campanha publicitária própria dos césares da decadência, foi sucedido, até agora, pela discrição. Não opino, limito-me a registrar o dado objetivo. E me pergunto: quem elabora a opinião pública no Brasil e qual seu valor?

Não faz muito, eminente professor paulista, participando de melhor programa de entrevistas na televisão, a meu juízo, declarou que a mais importante figura do governo findo era a do marqueteiro João não sei do quê. Tudo era feito conforme seu ditado soberano. O resultado é que o saldo negativo, querendo ou não, passou à sucessora do maior e melhor de todos os governos do Brasil em todos os tempos!

A inflação levantou a cabeça (5,9% não é desprezível) e coincidiu com a orgia de gastos federais precipuamente no segundo semestre do ano passado. Os saldos a pagar, dizem fontes oficiais, somam R$ 137 bilhões(!), dos quais, R$ 57 bilhões referentes a investimentos. Não era novidade o expediente, pois de 2005 a 2009 as contas a pagar aumentaram 195%, praticamente triplicando em cinco anos, e em 2011 o total dos restos a pagar foi estimado em 252% maior do que 2005.

É inegável o abandono das fronteiras, com 15.719 quilômetros e, a despeito do heroico esforço do minúsculo segmento militar, os oito anos do governo findo resumiram-se num imenso nihil, nada de nada. No momento em que escrevo (dia 14) leio em jornal de São Paulo que “Fazenda sugere a Dilma que cortes cheguem a R$ 50 bilhões”. E, segundo foi publicado, a missão a que se reservou o ilustre ex-presidente foi demonstrar agora que o mensalão... não existiu!!! Fico por aqui, deixando em silêncio chagas e chagas graves, como o arbitrário remanejo de recursos para ludibriar as contas públicas, da ordem de bilhões.

Para terminar, volto à pergunta que me tenho feito, quem e como se formula entre nós a opinião pública, sem a qual a vida nacional não passa de uma fantasmagoria monumental?

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

A vanguarda do atraso – II:: Paulo Guedes

Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e da Unicamp, atribui ao "peemedebismo" toda a acomodação, o fisiologismo e a continuidade das más práticas políticas brasileiras que persistem desde a redemocratização. Em artigo publicado na revista "Piauí", registra que nem o Plano Real dos tucanos nem agora o "lulismo" teriam permitido a superação dessa cultura nefasta, cujo símbolo seria o presidente do Senado, José Sarney, "com doutorado, livre-docência e titularidade sobre seu funcionamento". Pouco mais restaria à "vanguarda progressista", as elites políticas do PSDB e do PT, do que o "cortejo ao atraso".

A argumentação tem méritos, mas também sérias deficiências. O PSDB e o PT se revezam no poder há cinco eleições presidenciais com alianças que consideram oportunistas, retrógradas e, conforme acusações recíprocas, visceralmente corruptas. Por que não houve uma proposta de reforma política? Por que não se uniram contra tudo isso? Por que as batalhas partidárias têm se limitado à tomada de poder? Por que prossegue ininterrupta a sequência de escândalos de corrupção envolvendo o uso de recursos públicos?

Nunca houve uma agenda positiva de reformas. Foi sempre uma guerra de extermínio entre espécies semelhantes (tucanos e petistas) pelo domínio de um nicho ecológico: a hegemonia social-democrata. E, uma vez no poder, aí sim, o "cortejo ao atraso" para manter o vazio de sua agenda, para explicar sua omissão quanto às reformas necessárias, principalmente a reforma política.

Estamos diante de uma transição incompleta. É no apoio à inoperância, à blindagem contra escândalos, à manutenção do muito que há do Antigo Regime que se destaca e ganha relevo o "peemedebismo". O fascinante é que o filósofo se ressente da falta de polarização necessária ao funcionamento da democracia, sem sequer perceber que o problema está exatamente na ausência de alternativas aos partidos social-democratas e seus programas obsoletos, preferindo culpar atores secundários que emergiram no vazio das "vanguardas progressistas".

"Cedo ou tarde Dilma terá de entregar ao PMDB o que ele pede", prevê Nobre. "É a presidente com possibilidades mais restritas que já assumiu. Suas mãos estão acorrentadas." Discordo novamente. Dilma Rousseff pode escapar desse arranjo que atrasa a modernização do país. De novo, é uma questão de liderança e agenda de reformas.

FONTE: O GLOBO

A inflação no topo da agenda:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Os indicadores econômicos do último trimestre de 2010 começam a ficar disponíveis e apontam para uma mudança na agenda de prioridades no chamado mundo emergente. A preocupação maior nos próximos meses não será mais a consolidação da recuperação da atividade e sim a preservação de um ambiente de inflação baixa. E os mercados financeiros já acordaram para esse fato.

A inflação já é um problema grave em países como a China, a Russia, a India e o Brasil. Embora o grande vilão seja a elevação dos preços de alimentos em função do fenômeno La Nina, claramente existe hoje uma componente de defasagem entre oferta e demanda de outros produtos primários como petróleo, minério de ferro e cobre. Os preços em dólares dessas commodities - menos o petróleo - já estão no mesmo nível de 2007 quando a inflação representava um problema para todos.

Esse cenário não ocorre ainda no mundo desenvolvido em função da menor relevância dos preços dos alimentos na cesta de consumo do cidadão médio. Números recentes mostram nos Estados Unidos uma participação de algo como 16% dos alimentos no CPI contra 23% no Brasil, 35% na China e mais de 40% na Índia. Além desse peso menor dos alimentos, a economia americana convive também com uma demanda enfraquecida pelos elevados níveis de desemprego. Por essa razão, os Estados Unidos, Europa e Japão estão ainda fora do circuito das economias que estão passando por essa mudança de prioridades na agenda econômica de curto prazo.

Mas no mundo emergente o quadro é diferente. A demanda agregada dessas economias já superou os níveis que prevaleciam antes da crise. Não por outra razão estamos assistindo a essa pressão brutal sobre preços de alimentos em uma situação de oferta prejudicada por questões climáticas. A combinação desses fatores externos com questões internas de excesso de demanda, está forçando os Bancos Centrais desses países a iniciar um novo ciclo de elevação de juros. É o velho e eficiente instrumento, o de moderar a demanda interna via política monetária, de volta ao topo da agenda.

A combinação de fatores externos e internos está forçando os BCs dos emergentes a retomar a elevação dos juros

Esse quadro de inflação comum a várias economias emergentes apresenta variações em função de circunstâncias internas particulares de cada país. Tomemos o exemplo do Brasil que me parece ser um dos casos potencialmente de maior dificuldade de ajuste. Embora a participação dos alimentos na cesta de consumo seja menor do que em outras economias emergentes - e a política de preços da Petrobras represente um anteparo aos efeitos de alta do petróleo nos mercados internacionais -, outras variáveis microeconômicas tornam a questão da inflação mais difícil de ser enfrentada. E quais são essas outras variáveis?

A primeira e a mais importante delas é o mercado de trabalho, com uma situação de pleno emprego na prática. Com isso o hiperativo sistema sindical brasileiro consegue impor uma correção generalizada dos salários acima da inflação passada. Agrava ainda esse quadro a verdadeira batalha que ocorre nas empresas privadas para manter seus quadros técnicos mais qualificados. Em um ambiente de sólido otimismo em relação à renda futura e de crescimento da oferta de crédito, os brasileiros continuam a aumentar seus gastos. Os dados de vendas ao varejo de outubro passado mostram isso de maneira clara.

Além dessa dinâmica do lado do consumo privado, os gastos do setor público continuam em ritmo elevado, reforçando o crescimento da demanda interna. Também o investimento - privado e das estatais federais - cresce a taxas elevadas e assim deve continuar por todo o ano. Os setores de petróleo e de energia elétrica devem aumentar a velocidade de seus gastos com o amadurecimento da exploração do pré-sal e o início das obras das duas hidrelétricas do rio Madeira.

Temos, portanto, uma situação muito particular no Brasil com três forças independentes pressionando simultaneamente os preços internos: uma demanda super excitada em função dos elevados níveis de consumo e investimento (*), a limitação de oferta de importantes insumos de produção como mão de obra e energia elétrica mais barata (**) e o choque externo dos preços de alimentos com a taxa de câmbio estabilizada pela intervenção do governo.

Para os que ainda guardam na memória o que aconteceu em 2007 e primeiros meses de 2008, a dinâmica da inflação hoje é pior por três razões pelo menos. A primeira é que o real naquele momento vivia ainda um processo de valorização em relação ao dólar; em segundo lugar os gastos do governo - consumo e investimento - eram bem menores do que hoje. Finalmente, a situação do mercado de trabalho era bem mais folgada, com a taxa de dezembro por volta de 8% da força de trabalho.

Pouco antes da crise de Wall Street esfriar a economia brasileira em junho de 2008, a expectativa de aumento dos juros pelo Copom já tinha chegado a 400 ou 500 pontos. E agora? Será que 200 precificados hoje pelo mercado serão suficientes?

(*) investimento público, inclusive estatais e privado

(**) o aumento da oferta de energia elétrica hoje é majoritariamente térmica e pelo menos 30% mais cara do que a gerada por hidrelétricas;

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Os livros leem Lula

Falta a narrativa independente do lulo-petismo

Resumo

Lançados em profusão nos últimos meses, livros procuram fazer um balanço supostamente crítico dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, mas ora pecam pelo adesismo e pelo tom laudatório, ora por um oposicionismo exacerbado, que impede uma avaliação equilibrada da sociedade brasileira durante o período.

Clóvis Rossi

Em entrvista de intelectuais do PT com a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o historiador Marco Aurélio Garcia fez uma pergunta precedida do seguinte preâmbulo:

"Nós tivemos, na história da República, três grandes momentos de mudança: os anos 1930, o final dos 1950 e o começo dos 1960 e agora [o período Lula]. É interessante observar que, nas duas primeiras conjunturas, houve grandes movimentos de reflexão sobre o país. Caio Prado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque são figuras emblemáticas daqueles anos. Grandes expressões culturais, como Villa-Lobos, e mesmo o surgimento da arquitetura brasileira marcam aquele momento"."Na virada dos 50 para os 60", prosseguiu Garcia, "temos o Raymundo Faoro, o Celso Furtado, o Iseb [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], a sociologia paulista e, do ponto de vista cultural, o cinema novo, a bossa nova, a pintura e as artes visuais. No momento atual, porém, vive-se um retraimento do pensamento crítico."

SUBINTELECTUALIDADE

É claro que, para um historiador de esquerda, ainda por cima membro do governo Lula -como assessor diplomático do presidente, função que manterá no próximo governo-, Marco Aurélio culpa pelo "retraimento do pensamento crítico" apenas "uma subintelectualidade de direita, de muito baixa qualidade". A entrevista com Dilma faz parte de "Brasil, Entre o Passado e o Futuro" [Fundação Perseu Abramo, 200 págs., R$ 35], um dos muitos livros de balanço dos anos Lula recém-editados pela Fundação Perseu Abramo, o centro de estudos do PT.

Se tivesse estendido também à parte da esquerda que se manteve fiel ao PT o seu lamento pelo "retraimento do pensamento crítico", Garcia teria acertado em cheio. É quase impossível encontrar na profusão de livros sobre Luiz Inácio Lula da Silva e/ou sobre seus oito anos de governo uma narrativa que não seja nem a propaganda descarada daqueles que a direita chamaria de "subintelectuais de esquerda" nem a raiva incontida dos oposicionistas ao presidente e a seu partido.É possível que a lacuna se explique pela falta, como é óbvio, do distanciamento que só o tempo permite para que se faça um balanço mais objetivo dos anos Lula, tão objetivo quanto possível num território tão carregado de emoções como a política.

ESPÍRITO CRÍTICO

Mas falta, principalmente, o espírito crítico que deveria ser a característica essencial do intelectual. Não a crítica para destruir um governo que, a todas as luzes, teve bom desempenho, a ponto de terminar com aprovação de 83% do eleitorado. Falta é a crítica que ilumine o que saiu errado, as lacunas deixadas, os desafios que foram pouco ou nada enfrentados -e assim por diante.Talvez o exemplo mais eloquente da lacuna no espírito crítico da intelectualidade petista se dê no tratamento da queda da desigualdade, uma lenda, pura lenda.

Para entender por que é lenda, basta ler artigo de Marcio Pochmann, hoje presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), escrito quando ainda era professor da Unicamp e não membro do governo. Publicado no jornal "Valor Econômico", em 12 de julho de 2007, isto é, já no segundo mandato de Lula, o artigo de Pochmann fazia uma perfeita análise do fenômeno da redistribuição de renda.

Assim: a melhora na redistribuição "parece estar, todavia, circunscrita ao fenômeno da redistribuição fundamentalmente intersalarial". Ou seja, reduzia-se a diferença entre os assalariados, mas não se tocava na verdadeira obscenidade que é a diferença de renda entre o capital e o trabalho.

Dizia Pochmann: "A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras)".

Continuava: "De fato, verifica-se que, em 2005, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional foi de 39,1%, enquanto em 1980 era de 50%. Noutras palavras, a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu mais rapidamente que a variação da renda nacional e, por consequência, do próprio rendimento do trabalho".

De 2005 em diante, a situação não mudou, até porque o capital continuou sendo contemplado, do primeiro ao último ano de governo de Lula, com os mais altos juros do mundo.

LOUVAÇÃO

Se a situação não mudou, Pochmann mudou ao ser alçado a um posto importante no governo. Em um dos muitos livros que a Fundação Perseu Abramo editou para comemorar os anos Lula, o economista gastou 102 páginas para exercer impiedoso espírito crítico sobre gestões anteriores e inoxidável louvação ao governo de que faz parte.

O livro chama-se "Desenvolvimento, Trabalho e Renda no Brasil - Avanços Recentes no Emprego e na Distribuição dos Rendimentos" [Fundação Perseu Abramo, 102 págs., R$ 10], mas, apesar de título e subtítulo, omite escandalosamente a diferenciação que Pochmann fazia quando não era do governo.

Não diz em momento algum que "a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis)" continuou crescendo mais rapidamente do que o rendimento do trabalho.

Essa característica de propaganda despudorada impregna todos os oito livros editados em duas coleções da Fundação Perseu Abramo, "Brasil em Debate" e "2003/2010 - O Brasil em Transformação" .

Os livros de ambas as coleções seriam perfeitamente substituídos, com vantagem para o leitor, pelos calhamaços (mais de 2 mil páginas) que Lula registrou em cartório como feitos de seu governo. Pelo menos, o leitor fica avisado de antemão que é a história oficial acrítica, não uma suposta análise dos anos Lula.Nessa historiografia oficial, corre solto o culto à personalidade, com momentos que seriam até ridículos, se houvesse senso do ridículo entre quem se dedica a esse tipo de culto.

GROTESCO

O exemplo mais grotesco está numa legenda do livro "Lula, o Filho do Brasil", escrito por Denise Paraná e que serviu de base para cinebiografia de mesmo nome, que, como não poderia deixar de ser na era do culto à personalidade, representará o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro.

O livro, em si, é até útil, porque mostra a vida de Lula e família antes de se tornar personagem frequente na mídia, a partir das greves promovidas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. É claro que, como biografia autorizada, desenha um perfil extremamente favorável, inevitável nesse tipo de livro.

Mas, na seção "álbum de fotos", vem o escorregão: uma fotografia de 1974 mostra Lula oficializando em cartório seu casamento com Marisa Letícia. A legenda: "O sorriso feliz já indicava uma relação duradoura".

Como se o sorriso pertencesse a um visionário, o novo Messias, capaz de divisar o futuro.

EXACERBAÇÃO

No lado contrário, o do espírito crítico exacerbado demais, uma obra também é eloquente a partir da capa. O livro do colunista do jornal "O Globo" Merval Pereira tampa o rosto do presidente com o carimbo do título, "O Lulismo no Poder", e do nome do autor.

Merval é quase sempre impiedoso. Raramente faz concessões às qualidades do governo e de seu chefe, o que acaba sendo um contraponto aos livros da intelectualidade petista. Mas tem o mérito de relembrar assuntos que o lulo-petismo cuida de jogar para baixo do tapete, como, por exemplo, o escândalo do mensalão.

"O Lulismo no Poder" [Record, 784 págs., R$ 79,90] repassa todos os principais momentos do período 2003/2010, até porque é a reprodução das colunas que o jornalista escreveu para "O Globo". Esse tipo de, digamos, "história não oficial" tem a vantagem de apresentar os fatos na temperatura ambiente de cada época.

O problema é que a história do lulismo não é linear. Ziguezagueia da esquerda para o centro, do centro para a direita e volta ao centro-esquerda, na crise mundial de 2008/2009.

ZIGUEZAGUE

Esse ziguezague, ao menos no território da economia, é mais adequadamente capturado em "Os Anos Lula" [Garamond, 424 págs., R$ 35], editado pela Garamond, por iniciativa dos economistas do Rio Janeiro, reunidos no Conselho Regional de Economia, no Sindicato dos Economistas e no Centro de Estudos para o Desenvolvimento.

Este, sim, contém o espírito crítico reclamado por Marco Aurélio Garcia. Até no subtítulo, que é "Contribuições para um balanço crítico 2003/2010". São 25 autores, o que tem a vantagem do pluralismo e a desvantagem de uma certa dispersão de enfoques. Na apresentação, Paulo Passarinho, ex-presidente do Conselho Regional de Economia, enfatiza com precisão e firmeza o papel que os intelectuais deveriam desempenhar:

"Nossa pretensão foi procurar nos reportar ao que experimentamos ao longo desses quase oito anos de governo, dentro de uma visão crítica e independente e a partir de premissas políticas e proposições que sempre julgamos mais adequadas ao país, e das quais jamais abrimos mão".

Emenda: "Com isso, queremos também reafirmar que não compactuamos e não concordamos com qualquer tipo de silêncio [palavra grifada no original], ou perplexidade, ante os aparentes paradoxos que o mundo da política nos reserva.

[...] Queremos explicitamente resistir às tentações de compatibilizar o necessário e permanente exercício da crítica às conveniências e interesses políticos de ocasião".

É uma bela definição, que permeia os diversos textos. É uma pena que o livro fique limitado à análise da economia dos anos Lula.

Os acadêmicos brasileiros ficam devendo "uma visão crítica e independente" do conjunto da obra lulista.

Talvez o exemplo mais eloquente da lacuna no espírito crítico da intelectualidade petista se dê no tratamento da queda da desigualdade -uma lenda, pura lenda

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

MST intensifica ação e ocupa 35 fazendas em SP

Reunião do grupo de José Rainha, no Pontal de Paranapanema, integra a ação chamada "Janeiro Quente"

João Alberto Pedrini*

PRESIDENTE PRUDENTE (SP). A onda de ocupações será intensificada esta semana, segundo José Rainha, dissidente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) que ainda exerce liderança junto a grupos que lutam pela reforma agrária. Ontem, com uma nova ofensiva, o grupo de Rainha passou a ocupar 35 áreas na região do Pontal do Paranapanema, onde será realizada hoje uma reunião para planejar novas ocupações no chamado "Janeiro Quente".

A Polícia Militar não tem ainda um balanço com o número oficial de invasões, mas pretende reforçar o efetivo para as próximas semanas. O governo paulista, através do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), aguarda uma decisão da Justiça para discutir o programa de reforma agrária naquela região. Segundo a assessoria do Itesp, "os 92 mil hectares que o MST reivindica no Pontal foram julgados terra devoluta em favor do estado pelo Superior Tribunal de Justiça em agosto de 2010 mas, como ainda cabe recurso, o governo estadual só reivindicará as terras após julgamento."

- No meu entendimento, temos que fortalecer a luta pela terra e continuar agindo para pressionar o governo a agilizar as arrecadações para fins de reforma agrária - disse José Rainha.

Ninguém da direção nacional do MST foi encontrado ontem para comentar a ação comandada por ele.

Já foram registradas ações em diferentes cidades paulistas. Na sexta-feira à noite, em Tupã, a 514 quilômetros de São Paulo, cerca de 350 pessoas invadiram a fazenda Santa Elza. O grupo já começou a montar barracas, assim como em áreas nas regiões de Araçatuba e Agudos.

* Especial para O GLOBO

FONTE: O GLOBO

Governo Lula inchou conselhos de estatais

Lei aprovada no final do mandato do ex-presidente amplia participação de servidores públicos nessas instâncias

Com 240 cargos em 40 estatais, gastos com a remuneração dos conselheiros somam R$ 9 milhões anuais

Cirilo Junior e Janaina Lage

RIO - Uma lei aprovada nos últimos dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai aumentar ainda mais o total de cargos e gastos com conselheiros de administração de empresas estatais.

Alvo da cobiça de partidos, cerca de 240 cargos em 40 estatais complementam a renda de ministros e funcionários do segundo escalão, além de fornecer acesso a informações estratégicas de algumas das principais empresas do país.

Levantamento feito pela Folha mostra que os gastos com a remuneração de conselheiros somam cerca de R$ 9 milhões por ano para o pagamento de funções que exigem a presença do conselheiro de quatro a, no máximo, 12 vezes por ano.

O valor contabiliza apenas a remuneração direta dos conselheiros e não inclui os valores com passagens e hospedagens, por exemplo.

No dia 29 de dezembro foi publicada a lei 12.353/2010, que prevê a criação de vagas para um representante dos funcionários de empresas públicas nos conselhos de administração. A medida é associada a boas práticas de gestão e foi comemorada entre os sindicatos, mas, além das vagas para os empregados, a lei abre uma brecha para a criação de um número maior de cargos.

Se o acionista majoritário perder a maioria do conselho com o acréscimo do representante dos empregados, ele poderá aumentar o número de vagas até assegurar que conte com a maior parte dos assentos.

Normalmente o acionista majoritário destas empresas é a própria União. Nos casos de subsidiárias ou empresas controladas indiretamente, o papel pode caber a outra empresa estatal.

O representante dos empregados será escolhido por voto direto e não poderá interferir em discussões sobre salários e benefícios.

CONSELHO INCHADO

Se cada uma das 40 empresas contabilizadas pela Folha adicionasse um funcionário ao conselho, isso representaria um aumento de 16% no total de vagas.

Empresas com menos de 200 funcionários não precisam seguir a regra.

Procuradas ao longo de duas semanas pela reportagem, CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), Conab e Alcântara Cyclone Space não prestaram qualquer informação.

Outras empresas forneceram dados, mas não os salários, como Liquigás, Eletronorte, Furnas e Correios.

Nesses casos, a reportagem considerou uma remuneração mensal de R$ 2.000, um valor base adotado em empresas de porte médio.

Segundo Eliane Lustosa, do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), informar dados sobre a remuneração faz parte dos princípios de prestação de contas e de transparência.

"Mesmo que a divulgação não seja de valores individuais, é muito importante que a empresa informe a remuneração do conselho."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Brasil não tem como evitar tragédias, admite governo

O governo não tem um sistema para alertar populações em risco, não há preparação local de comunidades nem sistemas de comunicação. A segunda parte de um documento enviado pelo Brasil a ONU em novembro de 2010, obtido pelo correspondente em Genebra Jamil Chade e publicado em parte ontem, revela que as falhas são ainda mais profundas e que, além do admitido "despreparo", não há formas de evitar tragédias climáticas no País.

Brasil não tem como evitar tragédias, diz documento oficial

País admitiu à ONU que não dispõe de sistema de alerta a comunidades em área de risco nem fez ações de prevenção

Jamil Chade

O governo brasileiro não tem sistema para alertar populações em risco sobre desastres, nem preparar as comunidades. O reconhecimento da falência da Defesa Civil faz parte de documento enviado pelo Brasil à Organização das Nações Unidas (ONU) em novembro. Parte das informações foi publicada na edição de domingo do Estado. Mas um segundo capítulo, divulgado ontem, aponta que as falhas são ainda mais profundas e o Brasil deixa de cumprir muitas das recomendações feitas pela ONU em 2005 para reduzir impactos de desastres naturais.

Uma das principais é a criação de sistemas de alerta para indicar a comunidades em áreas de risco possíveis ameaças. Ao responder ao questionário, o Brasil deixou claro que esse projeto não havia sido implementado, que não há sistema de alerta funcionando, nem padrão sobre como comunicar riscos. Tampouco existe um mecanismo no País para informar sobre eventuais desastres e ameaças, como pede a ONU. Nem mesmo um site.

O governo admite que, no campo dos investimentos, como construção de estradas e barragens, não há exigências de redução de risco nas obras. No plano ambiental, por exemplo, não se verifica se as obras garantem o escoamento das águas em áreas potencialmente afetadas por enchentes. E não há garantias de que encostas serão reforçadas.

No campo da prevenção, o governo admitiu que não cumpre a recomendação da ONU de colocar nos currículos das escolas programas de conscientização e preparação, de fazer campanhas educativas da população e de treinar funcionários públicos.

Recursos. Dinheiro também é problema. Uma das ações sugeridas pela ONU era destinar "recursos adequados" aos planos de redução de desastres. O documento apresentado pelo Brasil admite que 0% do orçamento foi destinado a isso. E nenhum centavo seria usado para avaliar riscos em setores específicos, como transporte e agricultura.

A proporção da catástrofe que atingiu o Vale do Cuiabá, em Itaipava, provoca dúvidas sobre se era possível evitar tamanha tragédia. Em Petrópolis, o coordenador da Defesa Civil de Petrópolis (RJ), coronel Carlos Francisco de Paula, acredita que não. "Nada nos prepararia para o que vemos agora", diz, no trailer que serve hoje como ponto de partida para as equipes que partem rumo às áreas mais devastadas.

Ele conta que na terça-feira, recebeu, como recebe com frequência entre dezembro e março, um alerta de chuva moderada a forte do Sistema de Meteorologia do Rio de Janeiro. O boletim não informava, porém, o volume de chuva por distrito, ou seja, não se sabia que a enxurrada seria mais forte no Vale do Cuiabá. "Além disso, nós não repassamos todos os alertas que recebemos para a população, porque, como às vezes nem chove, eles começariam a ignorar nosso aviso", diz o coronel.

Colaborou Flavia Tavares

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Falta de coordenação afeta ajuda a desabrigados no Rio

Problemas de organização atrasam resgate de vítimas e distribuição de donativos

A desorganização fez com que doações a vítimas da tragédia no Rio permanecessem, até a manhã de ontem, a céu aberto, informa o enviado especial Marcelo Auler. Enquanto isso, várias aeronaves, incluindo cinco do Exército e outras da Força Nacional, estavam paradas no campo da Granja Comary, transformado em base aérea das operações. Ontem, já eram 626 mortos e 7 municípios em estado de calamidade pública. Autoridades do Exército culparam o mau tempo, mas helicópteros da Polícia Civil e dos Bombeiros conseguiram voar. Para acelerar os resgates, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, anunciou a criação do Centro de Coordenação Operacional em Teresópolis.

Falta de coordenação prejudica resgate de vítimas e distribuição de donativos

Marcelo Auler, Enviado Especial

A falta de organização fez com que doações para vítimas da tragédia no Rio permanecessem, até a manhã de ontem, entulhadas a céu aberto e mal protegidas da chuva persistente em Teresópolis. Enquanto isso, várias aeronaves, incluindo cinco do Exército e outras comandadas pela Força Nacional, estavam paradas no campo da Granja Comary, transformado em base aérea das operações de resgate. Local de treinamentos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o campo virou depósito de água, comida, material de higiene e roupas. Ontem, já eram 633 mortos e sete municípios em estado de calamidade pública.

Para justificar os helicópteros parados, autoridades do Exército culparam as péssimas condições meteorológicas. Mas helicópteros da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros voaram à vontade, ignorando a chuva que caiu ontem de manhã. Comandado pelo experiente piloto Adonis Oliveira, da tropa de elite da polícia, o Caveirão da Polícia Civil fez dois voos para levar mantimentos a pessoas isoladas em Santa Rita e Santana, resgatar idosos e transportar médico, enfermeiros e remédios. No início da tarde, partiu para mais uma missão, carregado de comida, água, remédios e óleo diesel para geradores. Enquanto isso, das cinco aeronaves do Exército, duas só alçaram voo no início da tarde para levar um médico da polícia à Vila Salamaco e resgatar uma jovem doente mental.

Os próprios soldados comentavam na Granja Comary o absurdo de os helicópteros permanecerem parados. Segundo um deles, uma das aeronaves grandes estava havia dois dias sem voar, com toda a tripulação à disposição. Quem também reclamava muito era o engenheiro Antônio José Fusco, de 42 anos, morador da granja. "É inacreditável ver esses helicópteros parados quando há tanta coisa para carregar."

Segundo o capitão Eric Lessa, o helicóptero Esquilo até tentou ajudar a Cruz Vermelha, mapeando estradas e descobrindo comunidades isoladas, mas a missão não foi concluída por causa do mau tempo. Em sua contabilidade, no sábado o Exército resgatou 65 pessoas e transportou 700 litros de água, 200 de combustível, 200 de leite, além de 20 cestas básicas e 30 quentinhas. Ontem o Exército disponibilizou o telefone (21) 2742-7351 e o e-mail copserraeb@gmail.com para quem souber de vítimas que precisam de socorro aéreo.

Para tentar agilizar os resgates, à tarde o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, anunciou a criação do Centro de Coordenação Operacional em Teresópolis. Ninguém mais poderá decolar para a cidade sem autorização do Centro, que será coordenado pela prefeitura. Ex-comandante das Forças Armadas no Haiti, ele ressaltou que o trabalho pode durar meses e é preciso cooperação de todos os setores, incluindo das empresas de água e luz. A Petrobrás vai fornecer combustíveis às aeronaves de Teresópolis e Nova Friburgo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tragédia expõe falhas na política habitacional

Janes Rocha Do Rio

"Onde o pobre vai morar?"

Há anos o jurista Edésio Fernandes, um dos maiores especialistas brasileiros em questões urbanísticas e ocupação do solo, vem colocando essa questão em todos os fóruns nacionais e internacionais de que participa.

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Fernandes é professor e pesquisador da Universidade de Londres, cidade onde vive há mais de 20 anos. Membro do conselho consultivo do grupo sobre despejos forçados do Habitat, o programa de assentamentos populacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), ele já assistiu a projetos de assentamento em vários países em desenvolvimento nos quais o problema da ocupação irregular se repete em padrões parecidos com os brasileiros.

Ao ver a tragédia da região serrana do Rio, que com mais de 600 mortos encontrados já se configura na maior do tipo na história do Brasil, Fernandes alerta que é preciso discutir urgentemente alguma alternativa para a ocupação desordenada. E que os planejadores urbanos em todo país, seja a nível federal, estadual ou municipal, têm que apontar claramente os espaços que as pessoas mais pobres podem ocupar nas cidades de forma digna, com acesso a serviços e à infraestrutura.

Para ele, apesar dos investimentos recordes em infraestrutura e produção habitacional realizados no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil ainda está longe de atender às necessidades de moradia das pessoas que ganham abaixo de cinco salários mínimos, a faixa populacional mais numerosa e maior vítima de catástrofes naturais como as que a cada verão se intensificam.

"Sem opção de acesso à moradia, os mais pobres têm cada vez mais ocupado as áreas excluídas dos mercados imobiliários formais, especialmente áreas de preservação ambiental e áreas públicas, ficando assim muito mais vulneráveis aos desastres naturais", diz este especialista. Ele lembra que, ao contrário do que costuma pensar a classe média, não é barato morar mal assim.

"Comprar, alugar ou contratar equipamentos e serviços públicos como saneamento básico, um caminhão-pipa ou a coleta de lixo são muito mais caros nas favelas do que em áreas mais adequadas à moradia", afirma. Também a regularização fundiária costuma ser, segundo seus cálculos, três vezes mais cara do que a construção de novas habitações. "No fim todos nós pagamos caro".

Ele defende que o governo tem que atacar o problema em pelo menos duas frentes fundamentais. Primeiro ter um programa habitacional específico para a população de baixa renda. Segundo, ter uma programa de gerenciamento de riscos.

Construir casas para os pobres é importante, mas não é a única solução, diz Fernandes. Os números mostram que mais de 90% do déficit habitacional, equivalente a cerca de 6 milhões de moradias, estão concentrados na população que ganha entre zero e três salários mínimos.

"Mas existe um estoque de 5,5 milhões de imóveis públicos vazios, sem utilização, pertencentes por exemplo ao INSS ou à extinta Rede Ferroviária Federal, que poderiam ser usados para fazer uma política de habitação social", diz.

Isso sem contar os imóveis privados localizados em áreas centrais ou portuárias nas grandes cidades e há anos desocupados. Segundo ele, na Alemanha, França e Inglaterra, os governos têm políticas habitacionais para a baixa renda, inclusive utilizando imóveis abandonados através do chamado aluguel social.

"Precisamos de uma política habitacional que explore todas estas opções, mas tem que ser pensado de maneira integrada". E neste ponto ele faz uma crítica ao Minha Casa Minha Vida. Para Fernandes, falta ao programa uma articulação com políticas fundiárias que permitam ao estado construir casas em locais já abastecidos de infraestrutura e serviços urbanos.

"Como os terrenos mais próximos aos grandes centros são caros, o Estado tem que comprar terras nos subúrbios, repetindo-se a velha mania de levar o pobre para locais distantes, sem transporte, sem serviços públicos, condenando-os às áreas fora do mercado formal, de várzeas, encostas dos morros, fundos de vales e margens de rios".

Por outro lado, diz Fernandes, independentemente da política habitacional, falta também no Brasil uma política de gerenciamento de riscos e prevenção de desastres que faça frente aos novos desafios ambientais.

A intensidade dos desastres naturais está aumentando em todo mundo devido ao aquecimento global. No Brasil este fenômeno está chegando na forma de eventos antes inexistentes no país como ciclones, tornados e chuvas em intensidade inédita. "O Brasil tem que incorporar estes fatores em sua legislação ambiental e de construções", afirma Edésio Fernandes.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Últimos momentos ::Graziela Melo

Vivendo
os últimos
momentos

que me
restam

no formoso

cenário
desta
vida,

cada
instante
vivido
me
desperta

a amarga
sensação
de
despedida...

recordo
com carinho
os amigos

que me amaram
e
perdoaram
ao
mesmo
tempo,

pelos
papos
amistosos
ao
ar livre,

ao sabor
da chuva
ao sabor
do vento...

De tudo
me entristecem
as saudades,

que
por ventura
me atormentem...

em futuros
tristes
dias
cinzentos!!!

É que
me esqueço
de um
detalhe:

mortos
são
Imunes
aos
sentimentos!!!


Rio de Janeiro, 12/1/2011


É autora do livro Crônicas, contos e poemas. Editora Abaré, Brasília, 2008