domingo, 23 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra

Economia brasileira hoje: inflação em alta, déficit sideral do balanço de pagamentos, nó fiscal, carências agudas de infraestrutura Tudo isso foi produzido no governo Lula-Dilma e deixado para o governo Dilma. Ou não? Os juros reais brasileiros,que já eram os mais altos do mundo, cresceram mais. Até agora,esta foi a medida mais importante do atual governo. A causa? A festança eleitoral do governo Lula-Dilma. Custo? O governo federal vai gastar cerca de 8 bilhões anuais pagando juros. Isso equivale a quase dois terços do que se gasta com o Bolsa Família. É superior ao orçamento de 12 estados. "

SERRA, José. no Twitter, 19-21 Janeiro, 2011

O voto em discussão:: Merval Pereira

Uma reforma no sistema eleitoral à guisa de reforma política está sendo gestada nos bastidores do futuro Congresso, e essa discussão vem para valer já no começo da nova legislatura. PT e PMDB vão voltar a defender o voto em lista fechada, o que daria às direções partidárias o poder de escolher quais seriam os candidatos, e em que lugar eles apareceriam na lista oficial.

Não é à toa que os dois maiores partidos do país, detentores das legendas preferidas dos eleitores, defendem essa modalidade.

Mas os políticos que temem a ditadura dos partidos vão novamente sacar um argumento poderoso, que inviabilizou a aprovação do voto em lista. Defenderão junto ao eleitorado que a medida impede que o povo escolha diretamente seu candidato.

Há ainda uma questão política apimentada na retomada do debate: por que o PT insiste tanto na defesa do voto em lista, além do fato de ser um partido hierarquicamente estruturado e bem montado em todo o país?

A adoção do voto em lista fechada é a única maneira de implantar o financiamento público de campanhas eleitorais, que seria, na verdade, o grande objetivo da cúpula petista.

Isso porque a tese de defesa do mensalão é que o dinheiro que circulou entre os políticos era de caixa 2 para a campanha eleitoral, porque o sistema eleitoral em vigor praticamente conduz a esse tipo de procedimento.

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar o processo do mensalão ainda este ano - caso em que os 40 indiciados, inclusive o ex-ministro José Dirceu, são acusados de terem montado ou participado de um vasto esquema de corrupção para compra de votos no Congresso -, o PT e seus aliados teriam para se defender um bom argumento na mudança do sistema de financiamento de campanhas.

Tanto é assim que a única mudança que se pretende fazer é no sistema eleitoral de escolha de deputado e vereador, mantendo-se o sistema proporcional. Os demais cargos são disputados em pleitos majoritários.

O deputado federal Miro Teixeira, um estudioso dos sistemas eleitorais, e um dos principais opositores do voto em lista fechada desde o primeiro momento em que ele foi colocado em discussão, defende que qualquer que seja o sistema eleitoral, tenha que obedecer ao voto direto do eleitor.

As dificuldades políticas para aprovar o voto em lista estão fazendo com que cresça entre os parlamentares que querem mudar o sistema de votação a proposta do voto distrital.

O PSDB defende o distrital puro, considerando que o misto - onde uma parte dos deputados continua sendo escolhida pelo voto proporcional - é de difícil entendimento para o eleitor médio.

Já o PP está defendendo o chamado "distritão", onde cada estado se transforma em um grande distrito, e os mais votados são eleitos.

O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito de 800 mil eleitores em São Paulo e outro de oito mil no Amapá.

O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.

Tendo em vista o pluripartidarismo brasileiro, há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa complexa e polêmica.

Com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga, como o eleito representará a maioria?

Cairíamos na contradição de dizer que um sistema majoritário elege um candidato que tem apenas 15% do eleitorado. A não ser que a eleição distrital fosse disputada em dois turnos.

No entanto, o voto distrital tem, entre suas vantagens, a de abrir ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato, o que no atual sistema brasileiro simplesmente não existe.

As vantagens do sistema distrital majoritário são muitas, segundo os formuladores do projeto: é simples e de fácil implantação; incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito.

Cada partido só poderá apresentar um candidato por distrito, reduzindo drasticamente o número de candidatos nos estados e no país.

Além disso, o candidato concentrará sua campanha no distrito ao qual concorre, tendo fim as campanhas eleitorais milionárias em que os candidatos, no sistema atual, se veem obrigados a fazer campanha em todo o estado.

O sistema do distritão tem a vantagem de equalizar os sistemas eleitorais, pois todas as demais eleições já são majoritárias.

E evita a distorção de eleger deputados e vereadores com poucos votos, por causa da legenda, ou pela coligação.

O distritão até resolve um problema de nosso pluripartidarismo: os partidos deixarão de ficar enchendo as chapas para amealhar votos para a legenda e, com isso, ganhar mais cadeiras. Condensa o número de candidatos e acaba com as coligações. Haveria a valorização dos melhores quadros, e o tempo de televisão da propaganda eleitoral seria mais bem aproveitado.

Partidos que só sobrevivem pela coligação desaparecerão, o que, paradoxalmente, pode funcionar contra a aprovação do distritão.

É como o vestibular e concurso público, os primeiros aprovados entram até o número de vagas. O senador Francisco Dornelles acha que com a adoção do distritão haverá uma natural redução dos partidos políticos no Congresso.

Hoje, nada menos que 21 partidos estão representados no Congresso, sendo que sete legendas têm quatro ou menos deputados, a maior parte deles eleita por coligações proporcionais: PHS (2); PMN (4); PRP (2); PRTB (2); PSL (1); PSOL (3); PTdoB (4).

FONTE: O GLOBO

Dias piores virão:: Dora Kramer

A propósito da disputa entre os dois principais partidos da aliança governista, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves, admitiu na semana passada - em plena vigência da trégua combinada entre PT e PMDB até o início de fevereiro - que a relação entre os dois partidos não tem sido "fácil".

Até aí, apenas corroborou a evidência dos fatos.

Em seguida, porém, fez um prognóstico tão distante da realidade e da capacidade de avaliação acumulada em décadas de experiência política, que soou como ironia. "Não acredito que os conflitos se agravem, vem aí o novo ano legislativo e a tendência é amenizar."

A referência ao "novo ano legislativo" faz algum sentido, mas tem prazo de validade. A chegada dos novatos de fato pode reduzir a tensão e amenizar as pressões da bancada "velha" cheia de vícios e de contenciosos acumulados.

Mas não modificará a natureza do partido. Assim como o PT não mudará sua visão das coisas: a de que o PMDB bem ou mal tem muito a perder e, portanto, sempre tenderá a recuar. Por essa avaliação, o parceiro deve ser contido por insaciável. "Se dermos a eles 90% do governo, ainda são capazes de reclamar", diz um ministro.

É verdade, mas há um detalhe essencial: o PMDB não é um partido disciplinado nem disposto a pagar qualquer preço eternamente sem reagir. Michel Temer, mesmo sendo sido indicado vice-presidente da República em uníssono, precisa administrar permanentemente a tropa para não perder sustentação interna.

Recuou agora porque a batalha da comunicação estava perdida, mas registrou o gesto do governo como uma tentativa de afirmação de autoridade exclusivamente em cima do partido, como se nas outras legendas, PT inclusive, não houvesse questionamentos de conduta e fisiologismo desenfreado.

O revide, ponderam dirigentes, não pode ser dado de maneira barulhenta. "Isso é papel da oposição." O dos peemedebistas será, mais adiante, escolher um assunto de apelo popular, mas não do interesse do governo de firmar posição no Congresso.

O governo já deixou as reformas de lado, mas sempre haverá uma agenda, uma investigação, uma convocação a abrir campo para a atuação do PMDB no Congresso, onde é forte.

E é aí onde se darão as batalhas e se expressará a tensão, contrariando o prognóstico otimista (ou irônico?) feito por Garibaldi Alves de que dias melhores virão. Não há risco.

Bandeirantes. Alguns tucanos simpatizantes de José Serra reclamam, mas o propriamente dito não está nem um pouco insatisfeito com a montagem do governo Geraldo Alckmin. Serra e o governador de São Paulo estão afinados, inclusive para se ajudar mutuamente.

Eleitoral e partidariamente falando. Serra não decidiu ainda o que fará da vida. De imediato, pois em médio prazo será candidato ao governo de São Paulo ou a presidente outra vez.

O caminho para chegar lá pode passar ou não pela presidência do PSDB. Depende do que conferir mais liberdade para fazer o debate de posição.

Novo modelo. Fala-se, até com ênfase, no governo Dilma Rousseff em uma mudança nas relações com os movimentos sociais. Não se especificam ainda quais, mas diante da curiosidade de um interlocutor, um ministro muito próximo da presidente rebateu enigmático depois de ter dado a pista: "E você acha que está bom, que não precisa mudar?"

Mais não foi dito, numa demonstração de que as mudanças não são para ser anunciadas e sim executadas.

A reação agressiva das centrais sindicais por não terem tido da presidente tratamento de portas abertas ao qual estavam acostumadas com o antecessor parece indicar que já sentiram o aroma de distanciamento no ar.

Correção. Os ex-governadores de Minas Itamar Franco e do Paraná Jaime Lerner informam que não recebem aposentadorias dos Estados. Os nomes constavam dos dados passados à OAB.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O resgate da elite:: Clóvis Rossi

O leitor Heli Roberto da Silva escreve para descrever a reação de sua filha de 18 anos quando Fátima Bernardes anunciou, no "Jornal Nacional" do dia 14, que "os alunos que moram nas cidades do Estado do Rio afetadas pela enchentes poderão se inscrever no Sisu acessando em lan house, de graça".

A reação da filha: "pai, esse povo [o do governo] tá brincando. Acessar internet em lan house como, se em algumas cidades a energia elétrica nem foi totalmente restabelecida, os telefones funcionam precariamente e a pessoas de lá têm, no momento, outras prioridades?".

Comentário do pai, técnico em contabilidade de 46, morador de Formiga (MG):

"Noto com preocupação o descrédito das autoridades políticas. A sociedade não acredita mais na mediação política entre ela e os meios de solução dos problemas que a afligem. Há uma tendência crescente e, quem sabe, até majoritária de que sozinhos resolveremos nossas mazelas e carências".

Heli lembra "o protagonismo assumido pelos voluntários nos trabalhos de socorro, resgate e assistências às vítimas da catástrofe da região serrana do Rio", o que, acha ele, "é o exemplo acabado e eloquente de que o Estado brasileiro, se é que um dia existiu, está falido, despreparado, mal gerido, incapaz de reagir rapidamente a uma situação extrema".

O leitor passa a resgatar o sentido de "elite" e lamenta que "a esquerda tenha amaldiçoado e deturpado o vocábulo, a ponto de transformá-lo em anátema.

Pergunta Heli: "Se elite é o melhor que uma sociedade ou um grupo é capaz de produzir, onde está nossa elite? Por que os melhores não se sentem atraídos para o serviço público? É ela quem deve nos representar, nos conduzir, apontar caminhos e discutir soluções, liderar o debate, os grandes temas. Está faltando política".

Tem razão, Heli. Está faltando política e está sobrando politicalha. O mundo político, quintessência da elite, está a serviço dele próprio.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Da animação à gestão:: Renato Lessa

No lugar da cultura de hiperexposição do antecessor, Dilma assinala sua tendência a um governo mais administrativo

Da lavra do politólogo Sérgio Abranches, na altura da década de 80, a expressão "presidencialismo de coalizão" acabou por se fixar no vocabulário político geral da nação. Não apenas cientistas políticos a utilizam, mas jornalistas, políticos e o povo em geral. As intenções originais, contudo, eram mais modestas. Tratava-se de entender o funcionamento do sistema político brasileiro implantado em 1946 e destruído pelo republicídio de 1964. A expressão buscava tão somente fixar de modo conceitual o amalgama institucional brasileiro, um composto confuso que incluía federalismo, bicameralismo, presidencialismo e representação proporcional.

Trocando em miúdos, a fragmentação política e social brasileira - tanto regional como partidária - encontrava abrigo em um sistema eleitoral que, dada sua característica proporcional e não majoritária, aparecia como mais inclinado a representação inclusiva, e igualmente fragmentada, do que à geração de maiorias para governar. Dessa forma, o presidente, eleito pelo voto direto, era obrigada a compor maiorias parlamentares e desenhar seu próprio ministério, com base em ampla coalizão partidária e regional. Essa, a essência do presidencialismo de coalizão, vigente na República de 1946 e reposto na vida política brasileira com o fim do aziago consulado de 1964. Coube ao insigne estadista brasileiro José Sarney e aggiomamento do arranjo. Nenhum dos governos que se lhe seguiram dispensaram a utilização do artifício.

A faceta analítica original da expressão - e seu leve travo crítico - deu lugar, entre os politólogos conservadores, a um verdadeiro efeito de naturalização. A expressão parece hoje mais designar um desígnio inamovível da natureza do que um arranjo histórico sujeito a obsolescência. Toma-se a expressão como descritiva e, mais do que isso, como estado de natureza irrecorrível, quando não revestida de justificativas que, mais do que apego obsessivo ao realismo, revelam preferências estético-políticas. Não é infrequente ouvir politólogos a corrigir a imperita opinião dos seres ordinários a desancar o que ingenuamente lhes parece ser uma ignóbil porcaria, seja ela a desenvoltura de parlamentares predadores ou a criminosa captura de sufrágio, inscrita de forma indelével nas práticas eleitorais. Há sempre uma voz ponderada, com suposto fundamento cientifico, a dizer que "a" democracia, em todos os países, convive com tais pormenores e o que importa e a qualidade das instituições no atacado, e não varejo do comportamento individual predatório. Lembra bem os pobres passageiros do bonde de Seveso, em um belíssimo conto de Italo Seveso, que, diante do atraso regular de horas de seu único transporte, diziam coisas do seguinte tipo: ouvi falar que o trem que vai para Vladivostok, de uma feita, atrasou três dias...

Vida que segue, as artes da coalizão, no governo Lula, foram acompanhadas de uma modalidade de presidencialismo dotada de atributo contido na ideia de arrumação. Um pouco à moda de Montesquieu, pode-se dizer que, se a coalizão constitui a natureza do governo em questão, a animação o põe em movimento. Lula foi inexcedível nas artes do presidencialismo de animação.
A presidente Dilma Rousseff não possui - e, ao que tudo indica, não pretende possuir - proficiência na matéria. Seu primeiro mês, se comparado ao ruído e à ubiquidade do antecessor, dá a impressão de que a governo está em estado de pré-temporada, recluso em alguma estância hidromineral erma. Isso não é necessariamente mau. Governos lidam com frequencia com temas e questões enfadonhos, que exigem mais focalização competente do que o recurso recorrente à fanfarra.

Dilma Rousseff montou sua equipe de governo dentro dos padrões da ortodoxia. Reservou para os de maior confiança ministérios estratégicos e, na maioria dos demais quase duas dezenas -, procedeu à praxe. A desenvoltura de predadores notórios deve ser vista tal como os médicos interpretam nossos hemogramas; em busca de marcadores que indicam más, notícias. Na primeira reunião da equipe, no entanto, a presidente deu sinais de que pretende se demarcar, se não da prática das coalizões, ao menos da alegria e do estar à vontade que a acompanhavam quando conduzida por seu antecessor. Seu enfado com o inacreditável ministro do Turismo, a discorrer sobre mais de urna centena de metas, e 0 aviso dado aos que cogitam de delinquir podem ser interpretados como bons sinais. Necessários, mas se calhar, insuficientes.

No lugar do presidencialismo de animação, Dilma Rousseff, aos poucos, afirma sua própria versão do regime: um presidencialismo de gestão. Mais do que interromper a cultura da hiperexposição de seu antecessor em uma república que se acostumou favoravelmente à animação, o presidencialismo de gestão, se levado a sério, choca-se com a natureza do regime, fundado na grande coalizão. A não ser que seja um rótulo vazio, em movimento retórico de baixa extração, a afirmação da gestão como núcleo da experiência republicana, pace Dilma, é incompatível com a demografia do próprio governo. De modo mais direto, alguém vai ter que sobrar: republicanos ou republicidas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Neorrepublicanismo, tolerância e diálogo:: Ivo Coser

Phillip Pettit. A teoria da liberdade. Trad. Renato Sérgio Pubo Maciel. Coordenação e supervisão Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 272p.

Abordar o pensamento neorrepublicano implica analisar um pensamento em movimento. Em outras palavras, diferentemente de autores cujas obras já estão fechadas, às quais se sobrepõem interpretações sobre ideias já conhecidas, os principais autores do pensamento neorrepublicano estão produzindo. Portanto, formulações consideradas chaves podem ser reformuladas em razão de novos argumentos.

O pensamento neorrepublicano emerge a partir de duas linhas de pesquisa. Uma se desenvolve no campo da História das Ideias, cujo principal expoente é Quentin Skinner, que tem sua obra bastante difundida no Brasil. A segunda envolve a Teoria Política, cujo principal expoente é Phillip Pettit. O principal esforço teórico em delinear esta corrente partiu de Phillip Pettit, e, foi o seu trabalho que forneceu elementos chaves para as pesquisas de Quentin Skinner no campo da História do Pensamento Político. Em 1997, Philip Pettit publicou Republicanism [1]. Esta obra desencadeou uma série de trabalhos que retomavam a tradição republicana em novas bases. O termo “republicanismo” invadiu o vocabulário acadêmico e, mesmo, o do debate político mais amplo. Hoje tornou-se comum lermos ou ouvirmos o termo “republicanismo” nos jornais, revistas e debates parlamentares. A publicação em 2001 de Theory of Freedom possibilita redefinições relevantes tanto no seu aspecto teórico como nas pesquisas em história do pensamento político.

Na sua obra hoje já clássica Republicanism, Pettit apresentou como um dos seus aspectos distintivos para com o pensamento liberal o conceito de liberdade como não dominação. Esta definição enfatiza a ideia de que o cidadão é livre quando não sofre uma interferência arbitrária. Um sujeito afeta arbitrariamente outro quando constrange as escolhas que este realizaria, através de uma interferência direta ou velada. A ideia de arbitrariedade está associada à negação de que o outro sujeito deva possuir autonomia para realizar suas escolhas e que estas devam ser levadas em conta na formulação das alternativas. O pensamento republicano estabelece esta distinção a partir do principal perigo a ser evitado: a dominação. A dominação seria caracterizada por uma relação entre senhor/amo e servo. Nesta o senhor pode intervir de maneira arbitrária nas escolhas do dominado, sem que tenha que considerar as opiniões da pessoa afetada. Pettit enfatiza que a dominação pode ocorrer sem que seja necessária a ocorrência da intervenção, pois a ameaça e o sentimento de temor conduzem o sujeito a restringir suas escolhas, buscando satisfazer aquele que pode, sem a necessidade de ponderar os interesses do outro, forçá-lo a um dado comportamento [2].

Para os republicanos pode-se permitir a interferência de uma instituição com a condição de que esta promova os interesses dos cidadãos e a realize de acordo com critérios compartilhados entre os cidadãos [3]. Os instrumentos de um Estado democrático são meios para promover a liberdade dos cidadãos e não fins em si mesmos. A liberdade do cidadão é distinta da participação no governo a qual é entendida como um meio para assegurar a primeira.

O pensamento neorepublicano construiu intencionalmente sua definição em oposição à concepção teórica de Isaiah Berlin, que foi talvez o mais importante teórico político liberal do pós-segunda guerra mundial. Hoje, é clássica sua distinção entre os dois conceitos de liberdade, a liberdade positiva e a negativa. Nesta formulação, o polo principal deste conceito reside na liberdade negativa, ocorrendo uma equação política, na qual quanto maior a interferência menor o espaço da liberdade. Em outras palavras, o silêncio da interferência é o campo da liberdade.

Os neorrepublicanos avaliam positivamente a possibilidade de intervenção como um reforço para o exercício da liberdade. A necessidade de intervenção decorre da existência de poderes assimétricos na sociedade, que afetariam a autonomia do cidadão — poderes tais como o de patrões sobre trabalhadores ou o de maridos sobre as esposas. Essa intervenção não representaria uma perda de liberdade.

Neste sentido, o pensamento republicano estabelece dois aspectos para evitar a arbitrariedade: a importância dos procedimentos formais e a ausência de fins últimos na condução da interferência. A formulação do pensamento neorrepublicano esteve assentada em aspectos formais. Tal procedimento foi movido pela ideia de que deveria ser afastada qualquer sombra de um conteúdo substantivo para o exercício da liberdade. Quaisquer metas, tais como liberdade do povo, liberdade como participação política, seriam vistos como um retorno ao conceito antigo de liberdade. Ao cidadão não lhe seria demandado nenhum conteúdo para a sua ação, mas simplesmente o respeito às regras formais que sustentariam o espaço de liberdade, o qual seria preenchido por cada cidadão livremente.

Esta formulação foi modificada recentemente. A publicação do livro Theory of Freedom (2001) apontou para um deslocamento importante na sua argumentação. Neste trabalho a ênfase na formulação do conceito de liberdade se desloca dos aspectos formais do Estado e da sua organização para os pré-requisitos de que o cidadão deve dispor para exercer essa liberdade. A ideia da liberdade como não dominação asseguraria a autonomia do cidadão, entretanto esta deve estar diretamente associada ao controle discursivo. O aspecto principal desta ideia consiste na capacidade relacional com outros cidadãos. Num sistema republicano, o cidadão deve ser capaz de dialogar amistosamente e de agir com outros cidadãos, que, porventura, possam postular valores distintos [4].

Dessa maneira emerge no pensamento neorrepublicano o tema do diálogo. Um tema importante que foi trabalhado principalmente por Hannah Arendt e, sob influência, desta, mas em outra direção, por Jürgen Habermas.

A ideia do diálogo, formulada por Hannah Arendt, emerge como um passo além da tolerância. A ideia de tolerância desempenha um papel importante na reflexão política ocidental. Os cidadãos, possuindo crenças e valores distintos, de maneira a evitar um conflito que colocaria em risco a vida em comum, aceitam o convívio em bases de tolerância às diferenças. Entretanto, a ideia de diálogo envolve um aspecto distinto. A esfera da política é permeada pela capacidade dos cidadãos em sairem da sua visão do mundo e serem capazes de compreender o ponto de vista dos demais, ampliando seu conhecimento dos assuntos públicos. O agir em conjunto, característico da política, somente pode ocorrer através deste deslocamento, o qual requer mais do que a mera tolerância, mas a incorporação dos valores dos outros cidadãos num novo patamar.

A formulação de Hannah Arendt pode oferecer elementos novos para a teoria política neorrepublicana. Conforme os neorrepublicanos enfatizaram, participar nos assuntos públicos era um meio para proteger sua esfera de não dominação; com a introdução do tema do diálogo este aspecto ganha uma nova dimensão. O cidadão participa dos assuntos públicos não apenas para dispor de uma esfera de autonomia, mas para ampliar seu conhecimento e sua ação na esfera pública. Somente através diálogo o cidadão incorpora a visão de mundo dos demais, ganhando uma mirada que jamais obteria caso permanecesse preso aos seus interesses. A ideia da liberdade como não dominação passa a a ser um primeiro passo, o qual requer, em seguida, que o cidadão disponha da capacidade de dialogar amistosamente com outros cidadãos, portadores de valores distintos, implicando a incorporação destes na sua nova opinião.

A leitura de A teoria da liberdade, em que pese sua linguagem teórica, permite ao leitor o acesso a um aspecto novo nesta importante corrente do debate político contemporâneo.

Ivo Coser é cientista político e autor de Visconde do Uruguai. Centralização e federalismo no Brasil 1823-1866 (Belo Horizonte, 2008).

Notas

[1] Republicanism. A Theory of Freedom and Government. Oxford, 1997.

[2] Pettit, 1997, cap. 1.

[3] Pettit, 1997.

[4] Pettit, 2001, cap. 4 e 6 .

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

O direito do abutre:: José de Souza Martins

Saques e especulação contra vítimas do desastre ambiental no Rio mostram que, ante a lei da força, a civilização vira quimera

Parece que este país se renova em suas tragédias. Alguém já disse isso mais de uma vez. Este povo, na maioria, aparentemente recolhido ao mesmismo do cotidiano, que só sai da toca nos carnavais para pôr a máscara do que não é, nas tragédias se revela de fato. Tradições antigas de pertencimento e solidariedade ganham vida nessas horas, põem-nos para fora de nossos limites e de nossas contenções. Vimos isso nesses dias da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro. Mesmo pessoas golpeadas profundamente pela dor da perda de gente muito próxima, que nem haviam enterrado seus mortos, já estavam ajudando a resgatar outros e salvar vidas.

Mas do fundo de nossas tradições vem também um dos nossos mais deploráveis traços culturais. Em primeiro lugar, sem dúvida o saque do que restava das casas das vítimas, com gente até se oferecendo como voluntária para ajudar apenas para ter a oportunidade de saquear. Maculando a generosa dedicação de outros. Ou o roubo, pura e simples, como fez aquele funcionário da Uerj que, antes de levar as doações aos destinatários na área flagelada, desviou parte da carga. Ou os oportunistas que oferecem água à venda por preços multiplicados e casas para alugar pelo dobro do preço de mercado. Se fosse crime contra o Estado, a história seria outra. Como é crime contra a sociedade, fica por isso mesmo. Até o oportunismo político de alguns deve ser situado na mesma lógica da predação contra os que foram vitimados pelos escorregamentos, enxurradas e desabamentos.

O saque surge do nada. A rapina de cargas de veículos acidentados é outra modalidade de sebaça, multidões repentinas carregando o que podem. Não se trata de ladrões profissionais. Trata-se de algo pior: da prontidão de pessoas comuns, que nunca sairiam de casa para assaltar alguém, mas o fazem simplesmente porque a oportunidade se apresenta. Isso envolve não só a prática de despojar alguém indefeso daquilo que lhe pertence, mas também a de se aproveitar de alguém em situação de desvantagem para aumentar preços e extorquir legalmente em nome da lei da oferta e da procura. Do especulador impiedoso ao saqueador, estamos em face da ação motivada pelo mesmo sistema de valores, os da lei do mais forte, em face da qual a civilização é uma quimera.

Essa prática tem entre nós raízes culturais profundas. Herdamos da Europa medieval o direito à sebaça, ao saque dos bens dos vencidos. Na história social e política brasileira temos vários episódios e ocorrências desse tipo nas chamadas lutas de famílias. O caso mais emblemático, ocorrido em Dianópolis, no norte do antigo Estado de Goiás, virou enredo de obra clássica da literatura, O Tronco, de Bernardo Élis. Também no cangaço, a sebaça se propunha como um direito do vencedor sobre o vencido. O grave, no caso do Rio, é que a vítima do desastre seja tratada por alguns como um vencido em guerra justa. Essa é a grande anomalia social.

Ainda menino, quando morava na roça, e fazia o curso primário no Grupo Escolar Pedro Taques, em Guaianases, na periferia de São Paulo, mais de uma vez vi multidões carneando nos pastos bois e vacas que haviam morrido por ingestão de ervas venenosas, o gado ervado, ou picados de cobra. Bastava que alguém visse um urubu solitário voando em círculos, bem alto, que as mulheres saíam de casa com facas e bacias em direção àquele ponto. Amontoavam-se ao redor do animal, numa pacífica divisão do trabalho, para abri-lo e cortar os pedaços do que era a única carne que comiam de vez em quando. Deixavam para as aves de rapina apenas as vísceras,por serem, diziam, as partes em que o veneno se localizava. Nunca o dono do gado se opôs a essa prática.

O saque das mercadorias de caminhões acidentados, mesmo dentro das cidades, reproduz, revigora e amplia esse direito popular e antigo. O dono perde o direito de propriedade em relação aos seus bens a partir do acidente. São muitas as evidências desse primitivismo também em relação aos mortos, como a indicar que o direito aos bens de alguém cessa quando esse alguém morre, os bens caindo em comisso como uma espécie de bem público que entra no circuito de reapropriação privada. Em outras sociedades, essas formas primitivas de direito foram banidas e superadas pelas revoluções sociais e políticas. Aqui, historicamente as coisas foram diversas. A superficialidade das mudanças sociais sempre facilitou a agregação do direito velho ao direito novo, traço profundo da nossa cultura política da conciliação. Os saques e a especulação econômica contra as vítimas sobreviventes do desastre ambiental na região serrana do Rio de Janeiro nos mostra a vitalidade entre nós do direito do abutre a se nutrir da carniça das tragédias sociais.

José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo, é autor de a Sociabilidade do Homem Simples (Contexto).

FONTE: O ESTADO DE SÃO PAULO/ALIÁS

Alerta geral:: Míriam Leitão

Na noite que começou a grande chuva, o prefeito do Rio só dormiu quando foi informado que poderia se desmobilizar. Na cidade, dois mil agentes comunitários receberam um torpedo de que a tempestade vista pelo radar não cairia sobre a capital, tinha se afastado. Se todos os municípios do Brasil tivessem o mesmo sistema, a Região Serrana teria tido tempo de se preparar.

Os sinais do novo radar do Sumaré, a 400 metros de altura, podem ver muito além do Rio, mas o Sistema de Alerta que o Rio está acabando de implantar tem várias fases. Nada é simples; tudo é urgente. O ministro Aloizio Mercadante diz que o país precisa de mais 15 radares. Cada um custa US$1,5 milhão. Os radares são um passo. O outro é o levantamento geotécnico. O terceiro é o fortalecimento da Defesa Civil.

Preparar-se para grandes chuvas e deslizamentos num país continental, que continua acreditando estar livre das catástrofes que atormentam outros países, é o desafio. De fato, está livre de terremotos, vulcões, nevascas, mas 37 grandes eventos climáticos aconteceram no Brasil desde 2000, segundo a pesquisadora da Universidade de Louvain, em Bruxelas, Deborati Guha Sapir, ouvida por Alexei Barrinuevo do "New York Times".

A boa notícia é que o ministro da Ciência e Tecnologia parece convencido que essa é uma parte prioritária do seu trabalho. Os cientistas já vinham pensando nisso, já há estudos avançados sobre o assunto, mas Mercadante e Eduardo Paes mostraram, na entrevista que fiz com eles na Globonews, a convicção de que o item permanecerá na agenda, mesmo após a imprensa parar de falar na tragédia.

Na sexta-feira, os dois se encontraram no Rio para conhecer o moderno centro de operações que Paes vem implantando na cidade nos últimos meses.

- Esse sistema de alerta é a ponta final de um conjunto de ações. Primeiro, sofisticamos o Alerta Rio, que existe há 13 anos, quando compramos um radar próprio. O segundo passo foi montar um centro de operações moderno com meteorologistas, geólogos e Defesa Civil 24 horas por dia, sete dias por semana. O centro opera com um sistema da IBM de previsão de tempo de alta resolução. Antes disso, toda a cidade tinha sido mapeada geotecnicamente num trabalho sofisticado que envolveu até feixes de laser emitidos de helicópteros sobre as áreas montanhosas do Rio. Foi assim que chegamos à conclusão de que há 18 mil famílias em áreas de risco no Maciço da Tijuca - disse o prefeito.

O plano de alerta instalou pluviômetros por toda a cidade e treinou até agora dois mil agentes comunitários que recebem celulares para que possam receber e mandar informações para a central em caso de chuva forte. Mas são 117 comunidades. Na quinta-feira, houve o primeiro teste no Morro do Borel. Ainda há muita coisa a ser feita. Tanta, que o prefeito diz que sabe apenas que está no caminho certo, mas longe do final.

Mercadante tem a missão de olhar o Brasil todo. É aflitivo, porque estamos muito atrasados. O Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais só pode começar a ser implantado em área que teve mapeamento geotécnico. E no Brasil apenas a Região Metropolitana de São Paulo, pelo IPT, a cidade do Rio, e o Vale do Itajaí foram mapeados.

- Precisamos fazer para o Brasil inteiro isso que o Rio fez. O litoral do Nordeste todo está exposto. Algumas cidades, como Fortaleza, já estão tendo chuvas intensas agora. No ano passado, uma forte inundação atingiu Pernambuco e Alagoas. Em São Paulo, no ano passado foram 79 mortos e 25 mil desabrigados - disse o ministro.

Alguns passos importantes foram dados. O governo comprou um supercomputador, o Tupã, que está no Inpe e vai melhorar em muito a precisão das previsões. Mas tudo tem que estar associado aos radares que precisam ser instalados, mesmo após a integração com a rede de radares da Aeronáutica. Ver com antecedência que uma grande chuva está vindo é uma parte do trabalho. Saber se cairá em áreas com risco de deslizamento e desabamento é outro. Ter um plano viável de evacuação é a terceira parte do desafio. Mas mais importante será corrigir a imensidão dos nossos erros na ocupação do solo urbano. Tudo está errado.

Sabemos isso desde sempre, confirmamos a cada verão que as escolhas que temos feito desequilibraram os sistemas naturais e colocaram milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Esse início de 2011 é uma fratura exposta. Por muito tempo será. Os relatos de quem vai, de quem viu os primeiros momentos, e mesmo de quem chega agora, tantos dias depois, são dilacerantes. Lembram cenários de guerra. As histórias pessoais trágicas se acumulam diariamente nos registros da imprensa. Perdemos nessa grande chuva mil pessoas. Ou mais. Ainda se contam os mortos e se calculam as perdas.

Pela geografia da cidade do Rio e pela insensatez da ocupação descontrolada das encostas, a cidade já viu grandes tragédias. Como a de 1966. Naquela inundação, foi criada a Geo-Rio, que até hoje presta serviços e que tem um banco de dados importante.

Há possibilidades tecnológicas de mitigação dos efeitos de eventos extremos. A esperança de que essa tragédia crie a cultura da prevenção e a política de correção dos excessos pode ser vã, pode ser sonho de uma noite de verão. Mas como disse o "New York Times", o Brasil não é um país pobre, nem um país ao qual falte conhecimento e recursos, mesmo assim pareceu espantosamente despreparado para o que houve na Região Serrana. No Katrina, a nação mais rica do mundo também pareceu despreparada.

O Brasil está numa encruzilhada: ou acredita na urgência e escala a preparação, ou terá de se acostumar com tragédias cada vez piores.

FONTE: O GLOBO

A opção de Dilma pelo varejo :: Suely Caldas

Tem lógica a estratégia pragmática, que Dilma Rousseff parece decidida a seguir, de priorizar o envio ao Congresso de medidas pontuais em substituição a grandes projetos. A experiência dos últimos 16 anos de tramitação de reformas e projetos abrangentes na Casa funcionou na gestão de FHC, mas se esgotou com o tempo e Lula tratou de liquidá-la ao institucionalizar o método toma lá dá cá de saciar o inesgotável apetite de parlamentares oportunistas e aproveitadores para aprovar qualquer coisa. Dilma quer trocar o atacado pelo varejo, de preferência sem muito alarde.

Segundo assessores, ela avalia que a aprovação de grandes projetos envolve custos políticos bem maiores do que os benefícios gerados. Por isso prefere fragmentar, identificar carências pontuais, definir prioridades e seguir passo a passo, em vez de tentar aprovar tudo de uma só vez, arriscando multiplicar a ação de lobbies e de seus sócios parlamentares, prolongar indefinidamente a tramitação e transformar as reformas em monstrengos inúteis. Foi o que aconteceu com as reformas da Previdência de Lula, até hoje não implementada, e a tributária, abandonada. A estratégia do varejo teria também a vantagem de aprovar por lei ordinária e maioria simples matérias relacionadas às reformas, mas que não necessariamente mudam a Constituição, dispensando a maioria de três quintos na votação.

Há lógica no pragmatismo de Dilma. Afinal, ela passou quatro anos assistindo a morrerem projetos de que o País precisa para se modernizar, reduzir o custo da produção e dar eficiência e agilidade ao desenvolvimento. Agora que chegou à Presidência, ela tem pressa, não quer repetir a experiência fracassada. Mas será que seu método vale para tudo? Há contraindicações?

Primeiro, se quer alcançar seu objetivo, Dilma não pode repetir o que foi o mais primário, amador, rasteiro e maior erro político do governo Lula: o mensalão, a propina, a mesada para subornar e domesticar parlamentares. Por ter sido no início do primeiro mandato, o caso e seus desdobramentos inviabilizaram reformas nos oito anos de Lula. A previdenciária não avançou, dependia de regulamentação, e a sindical e a trabalhista morreram nas mãos de Osvaldo Bargas, um sindicalista amigo de Lula, flagrado entre os aloprados. O pouco que restou da tributária não tinha a menor chance de passar no Congresso sem ser ainda mais mutilado. E a política nem sequer foi cogitada. Para aprovar qualquer matéria de porte no Congresso, Lula aceitou a chantagem, a barganha de votos e viciou parlamentares a usar o poder de legislar para levar vantagem e rejeitar outro tipo de convívio.

Mais do que um crime contra o erário, o caso representou um método condenável de cooptar o Congresso que fracassou, mas seu pior legado foi o enorme retrocesso político-institucional.

Para inverter esse retrocesso, contestar esse método, Dilma deve ser dura, firme, decidida e inabalável. É o necessário e o que o País espera de uma mulher na Presidência. Pressões e chantagens virão e ela precisa responder à altura, mostrar que está disposta a não ceder em defesa do interesse público.

Quanto ao método do varejo, da fragmentação de grandes projetos, é uma estratégia que deve ser testada, mas com cuidado, pois há contraindicações, sim. E a maior delas é o risco de montar estruturas para conceber projetos que atraiam lobbies (nesse caso, estendido a ministros e funcionários do alto escalão), que desviem o foco do bem comum para atender a interesses privados. Como ocorreu com as câmaras setoriais, em que grupos de funcionários, sindicalistas e empresários decidiam bondades tributárias e fiscais para si em detrimento do interesse público.

Nesses primeiros dias de governo, Dilma tem marcado sua diferença em relação a Lula. Por enquanto mais em estilo e discurso do que em ações. O adiamento da compra de 36 aviões de caça para a FAB foi além do discurso. Se seguir essa linha na relação com o Congresso e nas nomeações do segundo escalão, a diferença vai provar que ela realmente optou pelo País.

Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A ameaça inflacionária é maior do que parece::José Roberto Mendonça de Barros

Pretendia iniciar o ano falando do crescimento de longo prazo. Entretanto, a elevação da taxa Selic, decidida pelo novo Copom, bem como os números da inflação de 2010 e das expectativas para o ano corrente me levam a tratar deste assunto.

Desde julho passado tenho mantido um cenário bastante diverso daquele exposto pelo BC e pelo Ministério da Fazenda. As autoridades, frente às elevações da inflação, sempre mantiveram o discurso de que o fenômeno era temporário e que a alta dos preços convergiria, com certa facilidade, para a meta, em virtude dos seguintes fatores: (i) as elevações dos preços de commodities eram choques de oferta que não contaminariam a inflação e seriam naturalmente reduzidas quando a produção se elevasse; (ii) o mundo estaria vivendo uma tendência deflacionária que ajudaria a esfriar as coisas no Brasil; e (iii) a economia brasileira estaria desaquecendo, havendo inclusive folga de capacidade produtiva e que importações facilitadas pelo dólar barato e os novos investimentos resultariam no equilíbrio entre oferta e demanda.

Como resultado, não só não haveria necessidade de se elevar os juros, como seria possível reduzi-los em algum momento de 2011.

Discordei e continuo a discordar de todos estes pontos.

Comecemos com as commodities. Em muitos anos de trabalho, confesso que nunca vi tantos problemas climáticos de diferentes naturezas (seca e chuva, calor e frio) afetando todas as principais culturas (exceto arroz) no mundo todo por prazo tão longo. Ainda hoje temos a seca na Argentina e as inundações na Austrália.

Problemas de produção, baixos estoques e forte demanda de alimentos trouxeram as cotações para níveis semelhantes aos prevalecentes antes da crise. Por tabela, até as cotações do aço foram afetadas pela recente inundação das minas de carvão metalúrgico na Austrália. Está ficando claro que os constantes problemas climáticos resultam do processo de aquecimento global do planeta, que elevam a ocorrência de eventos extremos. Neste caso, os choques de oferta serão muito mais frequentes e seus efeitos secundários sobre a inflação, piores, dada a combinação destes eventos com uma demanda global crescente e baixos estoques no mundo.

Há muito mais fundamento nestas questões do que apenas especulação.

Tendência deflacionária no mundo: já não se fala mais nisso. Ao contrário, a inflação é a grande preocupação nos emergentes e começa a incomodar o mundo rico, até no norte da Europa e o BCE (Banco Central Europeu). Ademais, está cada dia mais claro que a economia americana consolida uma recuperação mais forte; o Fed projeta crescimento de 3% a 3,6% que, na visão da MB, pode chegar a 4%.

Tratei recorrentemente destes assuntos neste espaço: ainda no dia 6 de agosto, escrevi que "o país segue ganhando termos de troca com a valorização das commodities" e que "não existe vento frio vindo do exterior".

Logo depois, no dia 20 de agosto, na coluna "Existe uma desaceleração na economia brasileira?", argumentei que as autoridades estavam confundindo uma certa estabilidade da produção local com desaquecimento, quando na verdade o que ocorria (e ainda ocorre) é uma explosão das importações para atender a uma demanda que crescia a mais de 10%.

Assim, o excesso de aquecimento foi mantido pelo ciclo fiscal eleitoral (que não será facilmente revertido) e pelo mercado de trabalho, resultando numa inflação no custo de vida de quase 6% em 2010. O IGP-M subiu, por sua vez, quase 12%.

Assim chegamos a janeiro. E daqui para frente?

Nossa inflação está muito mais para testar o topo da meta do que caminhar na direção do seu centro neste momento, mesmo após o movimento do Banco Central de elevar os juros em 50 pontos básicos na reunião realizada na quarta-feira passada.

Vejamos primeiro as commodities: como já mencionado, o La Niña ainda está ativo, afetando Argentina e Austrália. Mesmo com os esforços da China para conter a inflação, a demanda de alimentos vai continuar forte, dada a evolução dos salários naquele país. Se considerarmos que a demanda brasileira também continuará forte e que os estoques seguem com níveis baixos, resulta que os preços de alimentação dificilmente se elevarão menos que os 10% observados no ano passado, tal como apontado pelo excelente Luiz Roberto Cunha. Os preços dos metais também estão muito salgados. Finalmente, com a recuperação americana a demanda de petróleo vai crescer (os EUA ainda consomem mais de 20% do total mundial) e o seu preço deve varar facilmente os US$ 100, inclusive pelas dificuldades de elevação da produção global no curto prazo. Em resumo, alimentos, metais e petróleo continuarão incomodando.

Em segundo lugar, nosso mercado de trabalho está muito forte, o que pressiona os preços de serviços, que se elevaram 7,6% em 2010. A falta de mão de obra está atrasando a produção de vários itens (como imóveis) apesar de se pagar salários mais elevados. O mercado está tão apertado que mesmo um crescimento do PIB mais modesto em 2011, perto de 4,5%, manterá os preços dos serviços acima do topo da meta. Finalmente, contratos regulados pelo IGP-M, terão reajustes muito elevados. Em resumo, até o fim do primeiro semestre a inflação anual vai subir antes de cair.

O pior é que começo a ver ligeiros sinais de inflação gregoriana. Manifestações recorrentes de empresários relatam que em 2010 o problema não foi vender, mas entregar. Para tanto, todos os esforços foram direcionados para resolver este gargalo, mesmo que isso implicasse em custos maiores, algum atraso, qualidade eventualmente menor e margens mais estreitas. Iniciado um novo ano muita gente está revendo sua estrutura de custos e reposicionando produtos com novos preços. Isto é grave porque ao contrário do período pós 2005 inúmeros agentes não veem mais o centro da meta como o normal da inflação, mas sim algo maior. Uma indicação quantitativa deste fato está na expectativa dos agentes de mercado para a inflação de 2011. Esta encontra-se em 5,40%, ao contrário do que ocorre desde 2005, quando a expectativa do início do ano era muito próxima do centro da meta.

Este cenário de inflação só será devidamente enfrentado se a política monetária for complementada por um ajuste fiscal significativo, tal como prometido pelo governo. Só o futuro dirá o que de fato ocorrerá na área do gasto. Acredito ser muito pouco provável a ocorrência de um ajuste de envergadura, por várias razões. Como não tenho espaço suficiente para uma análise mais detalhada deste tópico, apenas aponto suas linhas gerais: a conta de pessoal seguirá aumentando por conta de compromissos anteriores, de contratações em curso e pela elevada probabilidade de aprovação de algum dos diversos projetos em andamento no Congresso, como o caso do Judiciário. Ademais, dos R$ 40 bilhões anunciados, pelo menos R$ 23 bilhões são gastos que o Congresso acrescentou ao orçamento sem nenhuma contrapartida de arrecadação. O próprio governo anuncia que não cortará os gastos de investimento. Finalmente, a conta de restos a pagar se elevou para a bagatela de R$ 137 bilhões contra algo como R$ 90 bilhões no ano passado, uma variação maior que o anunciado corte. Como me colocou Fernando Rezende, os restos a pagar viraram uma espécie de dívida flutuante não consolidada, cuja execução não tem qualquer restrição legal.

Encaminhar a inflação para o centro da meta e ancorar as expectativas vai dar muito mais trabalho do que parece.

José Roberto Mendonça de Barros é economista.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

OAB de volta ao ringue político

Fabiano Costa Brasília

Nas últimas três semanas, as principais contendas nacionais tiveram de um lado do ringue um mesmo personagem: a Ordem dos Advogados do Brasil. No papel de desafiante que busca retomar seu lugar sob os holofotes, a entidade que ficou conhecida pela combatividade durante a ditadura militar não recusou adversários. Saiu ao ataque contra a Câmara, ex-governadores e o Tribunal de Contas da União.

A ofensiva rendeu críticas e um debate sobre o papel da entidade num regime democrático estabilizado. O presidente da OAB garante: a organização vai permanecer no cenário político brasileiro.

Infiltrando-se no vácuo deixado pela desarticulação da oposição e pela complacência dos sindicatos e do movimento estudantil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) voltou a atuar como protagonista do palco político.

Com o objetivo de reassumir seu papel de guardiã da Constituição, a entidade tenta afastar uma apatia de quase duas décadas.

E a reação não escolheu adversários. Em menos de um mês, a entidade se voltou contra regalias na Câmara, privilégios de ex-governadores em todo o país e até contra uma minifarra das passagens aéreas no Tribunal de Contas da União. Entre os alvos das críticas, as manifestações do presidente da Ordem, Ophir Cavalcante, provocaram indignação. Há quem acredite que a OAB optou por um caminho fácil: surfar em polêmicas levantadas pela imprensa.

O fato é que qualquer declaração da entidade ganha espaço no debate político nacional por conta do cenário árido. Se os sindicatos e o movimento estudantil foram adestrados pelo lulismo, neste início de governo Dilma Rousseff nem mesmo a oposição demonstra ter voz. Atônitos com a derrota de José Serra (PSDB) na disputa pelo Planalto, os oposicionistas ingressaram em um período sabático desde o triunfo petista. Acéfalas, as legendas que sustentaram a candidatura tucana têm se furtado de tomar a frente nas recentes polêmicas envolvendo o poder público.

Diante da oportunidade, Ophir enxergou espaço para recolocar a entidade na vitrine política. Desde 1992, a Ordem estava praticamente muda. No seu último grande ato político, se consagrou como uma das autoras do pedido de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor. O auge da OAB, porém, ocorreu antes.

Dirigente critica Tarso Genro

Após aplaudir o golpe militar em 1964, a Ordem se rebelou nos anos que se seguiram contra o endurecimento da ditadura. Sob o comando do advogado Raymundo Faoro, um dos maiores intelectuais do país, em meio ao governo Ernesto Geisel (1974-1979), a entidade encarou de frente os militares, denunciando atentados aos direitos humanos, exigindo a apuração de responsabilidades e combatendo o arbítrio dos aparelhos de coerção.

Retomada a democracia, a OAB viveu seu apogeu em 1988, ano em que a então recém promulgada Constituição legitimou a entidade a questionar inconstitucionalidades no Supremo Tribunal Federal, transformando-a, ao lado do Ministério Público, em protetora da nova Carta.

Agora que a entidade emite sinais de que pretende abandonar o limbo do debate nacional, já acumula insatisfeitos com o ataque a privilégios. Uma das primeiras vozes a se insurgir contra as críticas da OAB foi a do presidente da Câmara, Marco Maia (PT). Em campanha para se manter no cargo, o petista gaúcho rebateu a declaração de Ophir de que a emissão de passaportes diplomáticos no país se comparava às práticas do Brasil colônia.

Na última quarta-feira, ao abrir um encontro nacional de Legislativos, o governador gaúcho, Tarso Genro, também alvejou a atuação da Ordem. Segundo ele, a OAB, “que esteve à frente de grandes questões constitucionais do país”, assumiu como pauta a desconstituição dos poderes Legislativo e Judiciário. Calejado, o presidente da OAB lamentou o comentário:

– Essa crítica do governador é uma demonstração de que, muitas vezes, quando chegam ao poder, as pessoas tendem a perder a sensibilidade em relação ao fato social, ao respeito à Constituição e, lamentavelmente, passam a defender privilégios que estão na contramão da democracia.

FONTE: ZERO HORA (RS)

“A Ordem nunca deixou de estar presente”

ENTREVISTA: Ophir Cavalcante, Presidente nacional da OAB

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, rebate as acusações de que tem promovido uma gestão “marqueteira”.

Nascido em Belém, o advogado completa 50 anos na terça-feira. Formado pela Universidade Federal do Pará, Ophir hoje é professor da instituição e procurador do Estado. Está licenciado. A seguir, trechos da entrevista.

Zero Hora – A Ordem quer retomar o protagonismo?

Ophir Cavalcante – A OAB nunca deixou de estar presente no cenário político. Assumi a Ordem em fevereiro do ano passado e, desde o primeiro dia, empreendi uma luta muito grande para garantir o afastamento do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Em seguida, a entidade foi fundamental para a aprovação da Ficha Limpa.

ZH – Como o senhor responde às críticas de que a OAB só encampa polêmicas levantadas pelos jornais?

Ophir – A imprensa é o veículo para informar a sociedade. A OAB não tem como saber dessas situações. A partir do momento em que tomamos conhecimento das informações é que podemos agir.

ZH – Algumas pessoas questionam a interferência da OAB em assuntos que não têm relação com a classe dos advogados, chamando a atuação de “marqueteira”. Como o senhor avalia as críticas?

Ophir – Continuaremos mostrando aos cidadãos que eles são os donos do poder. O voto popular não dá às autoridades privilégios que a Constituição não prevê.

ZH – Por que em temas polêmicos envolvendo o Judiciário, a OAB adota uma postura mais branda?

Ophir – Não temos condições de atuar em todas as matérias. Na medida do possível, combatemos os desvios existentes no Judiciário. Por exemplo, fomos contrários ao reajuste que seria concedido recentemente aos magistrados.

FONTE: ZERO HORA (RS)

OAB ocupa espaço da oposição

A recente onipresença da OAB no cenário político, por meio das polêmicas declarações de seu presidente, Ophir Cavalcante, coloca especialistas em rota de colisão.

No diagnóstico do historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, a omissão da oposição é o anabolizante da Ordem:

– Se a oposição tivesse um parlamentar atuante, ele teria ingressado na Justiça contra os privilégios dos passaportes diplomáticos, como o PT costumava fazer quando estava fora do governo.

Os críticos reclamam que a OAB tem se focado em temas de varejo, em vez de atuar em pautas de atacado, como, por exemplo, a defesa da reforma política. Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, ao se ater a discussões como o pagamento de aposentadorias a ex-governadores, os dirigentes da Ordem aparentam promover “ações de marketing”:

– A OAB existe para defender os interesses dos advogados. Qual é o objetivo de uma posição em torno das pensões dos ex-governadores?

Os críticos que consideram a Ordem uma entidade de classe e não uma porta-voz da sociedade alegam que o protagonismo da entidade fazia sentido em meio ao regime militar. Por outro lado, o jurista Ives Gandra Martins, ex-conselheiro da OAB, defende o retorno da entidade à cena política:

– Não acho que a atual postura seja algo circunstancial, e, sim, inerente às próprias funções estatutárias.

Ao longo de sua história, a OAB oscilou entre momentos de maior e de menor exposição. Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson Calandra, os eventuais destaques estão relacionados à personalidade dos dirigentes:

– Ophir gosta mais da exposição. Como dizia minha avó, galinha que bota ovo e não canta vira canja.

Segundo o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp, o perfil mais discreto da presidente Dilma Rousseff também pode explicar por que a OAB tem se aventurado mais na cena política.

FONTE: ZERO HORA (RS)

'A disputa por espaço no governo é natural'

Vice diz que PMDB tem pecha de fisiológico, mas que todos os partidos "agem assim" na briga por cargos

No dia 31, o vice-presidente Michel Temer assumirá o comando do país, pois a presidente Dilma Rousseff irá à Argentina. Mas, em menos de um mês de governo, já viu que sua missão será mais espinhosa. Caberá a ele administrar a constante insatisfação do PMDB, que vive em eterna disputa por cargos com o PT. Temer diz ser "natural" que os partidos briguem por mais espaço no poder. Na quinta-feira, Temer recebeu O GLOBO por mais de uma hora no amplo gabinete da vice-presidência - bem diferente da acanhada sala que ocupava na Presidência da Câmara. Sobre sua mulher, Marcela, que se destacou na posse, o vice diz que não se incomodou com a superexposição, mas que quer mantê-la longe dos holofotes.

Luiza Damé e Chico de Gois

O senhor está à vontade na função de vice?

MICHEL TEMER: No regime presidencialista, a vice-presidência depende muito do presidente, no caso, da presidente. Ela que vai delegar funções. Tenho duas funções aqui já pré-definidas, nos grupos de Brasil-China e Brasil-Rússia. Vamos retomar as reuniões sobre esses dois assuntos.
A questão das chuvas, por exemplo...

TEMER: Queremos propor medidas legislativas que previnam esses acidentes que ocorreram no Rio e em outros estados. Não ficar apenas na palavra, mas passar à ação legislativa. Na próxima semana faremos uma reunião mais ampla, com muitos ministros. Essa é uma tarefa que a presidente me delegou. Eu não avanço o sinal e não avançarei nunca.

Automaticamente, o senhor cuida também de relações políticas, não é?

TEMER: Tenho feito isso. Nesses 20 dias tenho ajudado a pacificar as relações entre PMDB e PT, e outros partidos. Isso vem para mim com muita naturalidade. Não que seja exatamente uma delegação, mas vem.

O senhor acha que conseguiu pacificar PT e PMDB? Nos bastidores, a intriga continua...

TEMER: É verdade. Eu até brinquei: antes era como se fosse uma guerra de balas e hoje é uma guerra de flocos de algodão. Ficou mais suave. A gente ainda tem problemas, precisa ir conversando. Mas o que proponho é que, toda vez que se queira tomar uma posição radical de ambos os lados, precisamos ter calma e dialogar.

O senhor acha que o PT tem dificuldade de administrar a coalizão com o PMDB, de ceder espaços?

TEMER: A presidente Dilma não tem nenhuma dificuldade. Ela tem plena consciência, e já disse isso, que hoje nós não somos simplesmente aliados. Fomos aliados do governo Lula. Somos governo, portanto, partícipes do governo. Como consequência, nós todos queremos que o governo dê certo. Todos do PMDB querem ser tratados como governo.

Mas os petistas ainda resistem em dividir o espaço?

TEMER: Sim, porque a disputa por espaço é natural. Só precisamos, como governo, saber administrá-la e compor o governo de acordo com as forças que o compõem. Simplesmente isso. É uma equação muito fácil.

A imagem que passa é que o único que disputa espaço é o PMDB.

TEMER: Algumas pessoas começaram a dizer que o PMDB é fisiológico e isso pegou. Por mais que se diga o contrário, fica que o PMDB é o ávido por cargos. E o que o PMDB faz é apenas disputar um espaço que ele acha que lhe é devido pela campanha que fez, pelo apoio que dá no Congresso. Ainda mais agora que somos governo, o que o PMDB postula é espaço. E os outros partidos? Postulam espaço, tal como o PMDB.

Essa pecha está virando para o PT?

TEMER: Acho que está saindo do PMDB. Para onde vai, não sei.

Esse é um comportamento padrão, então?

TEMER: Em qualquer governo. Se eu for recordar quando o governo era outro, a questão era a mesma. Todos agem assim.

O PMDB hoje está satisfeito com o tamanho que tem no primeiro escalão?

TEMER: Numericamente, o PMDB manteve o mesmo número de ministérios. O PMDB perdeu um pouco de densidade política na atribuição dos ministérios. O número é o mesmo.

O PMDB tem quadros técnicos para atender à exigência da presidente?

TEMER: Pode procurar quadros técnicos para isso, sem a menor dúvida. O exemplo clássico é do ministro Lobão. Quando ele foi para o Ministério de Minas e Energia, diziam que ia ser um desastre. Fez uma gestão extraordinária, tanto que foi chamado de volta.

Como tem sido a participação da presidente nas discussões políticas? Ela mais ouve do que fala?

TEMER: Ela ouve e dá a palavra final.

Ela está tomando gosto pelo debate político?

TEMER: Acho que ela tem jeito. Ela é técnica, mas sabe, tanto quanto todos nós, que para exercer essa função de presidente tem que ter um ângulo de atuação política. Ela age com muita adequação.

O senhor está se acostumando com a rotina de vice?

TEMER: Estou sentindo falta da agitação da Câmara.

Quando o senhor vai se mudar para o Jaburu?

TEMER: Estão mudando uns canos lá. Acho que daqui a um mês, um mês e meio.

Sua esposa pretende ter alguma participação na área social?

TEMER: Ela já teve tanto visibilidade na posse...

O senhor se incomodou?

TEMER: Não. Minimamente. Eu disse a ela que é assim mesmo. Ela não está acostumada. Nós sempre tivemos uma vida muito discreta em oito anos de casamento. E pretendemos manter uma vida discreta.

Em menos de 30 dias, o Copom elevou os juros, o governo é pressionado por um mínimo maior, terá que fazer corte rigoroso no Orçamento e ainda tem polêmicas como a compra dos novos caças. Como está a administração desses pepinos que vieram do governo Lula?

TEMER: O governo está administrando. O salário mínimo, o presidente Lula reformulou até onde foi possível. Quando ele mandou o salário mínimo de R$540, era o possível. Há naturais pleitos, mas o governo será muito rigoroso, vai dar o que for compatível com as finanças públicas. Não há outra tese.

FONTE: O GLOBO

Órgãos mais disputados por partidos desviaram R$ 1,3 bi

Os dez órgãos do segundo escalão mais disputados pelos partidos que apoiam a presidente Dilma Rousseff tiveram de responder à Controladoria-Geral da União (CGU) por irregularidades no repasse de R$ 1,35 bilhão a Estados, municípios e entidades nos últimos quatro anos. O órgão mais comprometido foi o Fundo Nacional de Saúde. De 2007 até 2010, a CGU concluiu que R$ 663,12 milhões dos repasses do FNS tiveram algum tipo de irregularidade nos pagamentos a conveniados do Sistema Único de Saúde e Autorização para Internação Hospitalar, desvios de finalidade e não prestação de contas. O levantamento foi feito com base nos últimos quatro anos, porque os partidos em torno de Dilma hoje já formavam a aliança que garantiu a reeleição do então presidente Lula. O resultado das investigações da CGU foi enviado ao Tribunal de Contas da União, ao qual cabe abrir as auditorias sugeridas.

Alvos de disputa no segundo escalão somam R$ 1,3 bi em irregularidades

Principais órgãos federais cobiçados por PT e PMDB encabeçam a lista de desvios de recursos investigados pela CGU nos últimos quatro anos; recordista é o Fundo Nacional de Saúde (FNS), com R$ 663, 12 milhões desviados de 2007 a 2010

João Domingos

Os dez órgãos do segundo escalão mais disputados pelos partidos que apoiam a presidente Dilma Rousseff tiveram de responder à Controladoria-Geral da União (CGU) por irregularidades no repasse de R$ 1,35 bilhão a Estados, municípios e entidades nos últimos quatro anos.

Conforme levantamento feito pelo Estado nos documentos da CGU sobre auditorias e tomadas de contas especiais, o órgão campeão de irregularidades foi o Fundo Nacional de Saúde (FNS). De 2007 até 2010, a CGU concluiu que R$ 663,12 milhões em repasses tiveram alguma irregularidade nos pagamentos a conveniados do Sistema Único de Saúde e Autorização para Internação Hospitalar (AIH), desvios de finalidade e não prestação de contas.

O levantamento foi feito com base nos últimos quatro anos porque os partidos em torno de Dilma hoje já formavam a aliança que garantiu a reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles desejavam manter os mesmos ministérios e órgãos do segundo escalão, mas a presidente resolveu fazer algumas trocas de comando. Isso aumentou a guerra pelo butim do atual governo.

O resultado das investigações da CGU foi enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU), ao qual cabe abrir as auditorias sugeridas pela controladoria. Também compete ao TCU aplicar as sanções tanto aos órgãos investigados quanto aos conveniados, quando culpados pelos desvios. Em vários ocasiões, a CGU acionou a Polícia Federal (veja reportagem abaixo).

Nomeação. O FNS vinha sendo disputado pelo PT e pelo PMDB. Venceu o PT. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, assinou na sexta-feira a nomeação de Antonio Carlos Rosa de Oliveira Júnior para a diretoria do FNS, em substituição a Arionaldo Bomfim Rosendo, indicado pelo PMDB na gestão do ex-ministro José Gomes Temporão. Rosa de Oliveira era diretor da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), que cuida do programa Bolsa Família.

O FNS funciona como caixa do dinheiro repassado ao SUS em todo o Brasil. Por isso, o partido que o controla consegue uma visibilidade muito grande. O PMDB, que é muito forte em todos os Estados, principalmente no interior, costuma utilizar esse tipo de prestígio dado pela direção de um órgão repassador de verbas para obter votos.

Em segundo lugar na lista de órgãos cujo repasse de verbas foi considerado irregular pela CGU em suas auditorias e tomadas de contas especiais está a Fundação Nacional da Saúde (Funasa). Entre 2007 e 2010 a CGU constatou que R$ 486,6 milhões repassados por ela tiveram desvios ou não cumpriram os objetivos dos convênios.

Entidade mais disputada até agora pelo PT e PMDB, o processo de sucessão na Funasa está paralisado por determinação da presidente da República. A briga pelo comando da fundação foi tão acirrada que Dilma chegou a temer pelo futuro da coligação que a elegeu. O PMDB, que tem o vice-presidente Michel Temer, chegou a ameaçar com a derrubada do salário mínimo de R$ 545 defendido pela presidente Dilma caso houvesse mudança na direção do órgão.

Outros órgãos disputados pelos partidos que formam a base de apoio de Dilma Rousseff também tiveram repasses milionários suspeitos de irregularidades, segundo a CGU. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que saiu agora do comando do PT e foi para o do PMDB, fez mau uso de R$ 87, 3 milhões nos últimos quatro anos.

Escândalos. Nos Correios, empresa tirada do PMDB e entregue ao PT, houve desvios de R$ 21,12 milhões nos últimos quatro anos. E no fim do governo de Lula acabaram sendo envolvidos em outro escândalo. Segundo investigações do Ministério Público, Israel Guerra, filho da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, fazia tráfico de influência na empresa.

Ao assumir as Comunicações, o ministro Paulo Bernardo anunciou a substituição de David Mattos pelo sindicalista do PT Wagner Pinheiro, ex-presidente do Petros, o fundo de pensão da Petrobrás. Os Correios têm orçamento de R$ 12,5 bilhões para 2011, dos quais R$ 500 milhões para investimentos.

Nos últimos dias, a disputa pelos cargos chegou ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), controlado pelo líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Incentivado pelo PT, o PMDB do Ceará quer tirar o Dnocs de Henrique Alves. Esse órgão, de acordo com a CGU, foi responsável por irregularidades no repasse de R$ 8,2 milhões nos últimos quatro anos. Dispõe de R$ 852 milhões reservados para investimentos neste ano.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Verbas para água e esgoto acabam no ralo

Das 60 condenações impostas pelo Tribunal de Contas da União no último trimestre de 2010, 25 exigem a devolução de R$ 35 milhões para obras de rede de água e esgoto que não foram realizadas por prefeitos e gestores dos recursos

No saneamento, obras caem num poço sem fundo

Maioria das punições do TCU é por irregularidades na execução de projetos ligados ao setor

Letícia Lins e Marcelo Remígio

Quem chega ao distrito de Sirigi, em São Vicente Férrer, município a 116 quilômetros de Recife, encontra as tubulações de esgoto destruídas. Próximo ao que sobrou da rede, o esgoto das casas jorra em direção ao rio que dá nome ao local. A ausência de saneamento básico não é por falta de verbas. A prefeitura recebeu cerca de R$1,5 milhão para executar a obra. A maior parte dos recursos foi consumida, mas uma inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que o trabalho não foi concluído. A realidade é igual à de muitos municípios brasileiros. Das 60 condenações a prefeituras e gestores de verbas aplicadas entre outubro e dezembro de 2010, 25 estão relacionadas a irregularidades na aplicação de recursos para saneamento e abastecimento de água, o grande ralo das verbas públicas indicado pelas inspeções do TCU. Educação e habitação são os demais ralos, respectivamente.

No último trimestre de 2010, o TCU determinou a devolução de um montante de R$35 milhões em verbas - valor atualizado, correspondente ao liberado pelo governo federal para obras de saneamento e rede de água. Neste ano, a inspeção feita pelo TCU - realizada por amostragem - já condenou o município de Cajazeiras, na Paraíba, a devolver R$448 mil à Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O contrato para a construção de 161 privadas higiênicas não foi executado. Em Minas Gerais, um caso semelhante: a cidade de Lontra recebeu R$223 mil para obras de esgotamento sanitário. O serviço foi pago, mas somente 29% concluídos. Ainda cabem recursos.

Para o pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração e Contabilidade da Universidade de Brasília, José Matias Pereira, que estuda administração pública, a falta de transparência nos gastos e a certeza de impunidade, mais acentuada em regiões distantes dos grandes centros, fomentam as irregularidades. A falta da cultura de fiscalização, por parte da população, é outro motivo apontado para o mau uso das verbas federais.

- O grande problema é a transparência. As prefeituras não prestam contas publicamente sobre o uso das verbas e a população não tem como acompanhar. O TCU não possui estrutura para acompanhar os gastos em mais de 5 mil municípios. Mas quando fiscaliza encontra as irregularidades. Parte dos gestores não está preparada para administrar e a população também erra ao não escolher os melhores governantes. Para piorar, em algumas regiões, os moradores imaginam que o prefeito pode tudo e ele acredita que está acima da lei - afirma o pesquisador que arrisca uma previsão pouco animadora: - Será uma tarefa longa mudar esse quadro no país.
As condenações relacionadas a verbas para saneamento básico e abastecimento de água no último trimestre de 2010 puniram gestores e ex-gestores dos municípios de Paula de Olivança, Boa Vista do Ramos e Coari, no Amazonas; Doverlândia, em Goiás; Itabaiana, no Sergipe; Tocantina, no Tocantins; Cantá, em Roraima; Jaboatão do Guararapes, São Vicente Férrer e Flores, em Pernambuco; Rondon, São Miguel do Guamá e Cametá, no Pará; Barra de São Miguel e Picuí, na Paraíba; São Raimundo Nonato, Luiz Correia e Guaribas, no Piauí; Santo Antônio dos Lopes, no Maranhão; Euclides da Cunha, na Bahia; Ji-Paraná, em Rondônia; São Romão, em Mina Gerais e Wenceslau Braz, no Paraná, além do governo de Alagoas. Porto Velho, em Roraima, teve a verba suspensa.

Sanitários não funcionam

Prefeito de São Vicente Férrer, Pedro Augusto Pereira Guedes (DEM) foi condenado a devolver R$1,576 milhão à Funasa por irregularidades na execução do projeto de saneamento de Sirigi. Até onde foi feita a conexão com a rede o esgoto corre pelas ruas. Morador há 20 anos no local, o aposentado Armando José da Fonseca, 65 anos, resolveu o destino do esgoto com uma ligação clandestina até o Rio Sirigi.

- Tudo aqui foi mal feito. Até que fizeram a ligação, mas não funcionava. Quando a gente dava descarga na privada tudo subia.

O prefeito Pedro Guedes não foi localizado e não retornou as ligações telefônicas, assim como o secretário de Obras, Wladmir Correia.

Já em Jaboatão dos Guararapes, a 20 quilômetros de Recife, o TCU condenou os ex-prefeitos Fernando Rodovalho e Newton Carneiro a devolverem, solidariamente, R$1,5 milhão à Caixa Econômica. Os recursos seriam usados na construção de um conjunto habitacional. Segundo o tribunal, 99,39% do aterro foram concluídos, 66,89% das casas também, mas a pavimentação e as redes de água, drenagem e esgoto ficaram na gaveta.

Moradora em área de risco, Sandra Cléa da Silva, 28 anos, esperou três anos por um imóvel no local.

- Encontrei uma casa com metade do telhado, sem porta nem janela, sem luz e sem água - lembra.

O atual prefeito, Elias Gomes (PSDB), aguarda a conclusão do processo no TCU para providenciar melhorias para o conjunto. Segundo a prefeitura, três outras obras estão na mesma situação. Os ex-prefeitos Rodovalho e Carneiro não foram localizados.

Caso fossem aplicadas corretamente, as verbas amenizariam uma triste realidade brasileira. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) promovida em 2008 pelo IBGE apontou que 32 milhões de domicílios (56% do total) não possuíam rede de esgoto e que 2.495 municípios (44,8%) eram totalmente descobertos pelas redes.

FONTE: O GLOBO

Reeleição de Sarney é 'menos pior' para Dilma

Especialistas afirmam que, mesmo com escândalos, escolha do senador acalma base

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Ruim com ele, pior sem ele. Esse é o raciocínio que deverá garantir a eleição do senador José Sarney (PMDB-AP), pela quarta vez, para o comando do Senado no dia 1º de fevereiro. Mesmo reconhecendo que isso poderá prejudicar a já desgastada imagem da instituição, devido aos escândalos que levaram Sarney a ser alvo de pelo menos seis representações por quebra de decoro parlamentar nos últimos dois anos, parlamentares da base governista e até da oposição se recusam a criticar abertamente a decisão da bancada do PMDB de mantê-lo no posto.

Mas o que os senadores evitam falar, cientistas políticos e especialistas explicam facilmente: por mais desgastes que possa provocar, sua reeleição sem questionamentos é considerada fundamental para que o PT garanta a eleição do deputado Marco Maia (PT-RS) para a presidência da Câmara. E é uma segurança a mais para o governo da presidente Dilma Rousseff.

Reeleição seria um "mal menor", diz especialista

A oposição, com as bancadas de PSDB e DEM reduzidas, adota o discurso de respeito à regra da proporcionalidade - que garante ao maior partido indicar o candidato a presidente -, para não correr o risco de perder seu espaço na Mesa Diretora.

- De fato, a avaliação dos escândalos enfrentados pelo Senado é problemática. Mas Sarney continua sendo uma peça muito importante, não só no PMDB. Não há muita saída para o governo - afirma David Fleisher, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Essa também é a opinião do cientista político Paulo Kramer:

- Do ponto de vista das relações entre o Executivo e o Legislativo, a reeleição de Sarney representa um mal menor.

Apoio mantido, mesmo nos momentos de crise

Para Kramer, o PMDB não teria muitos outros nomes com condições morais e políticas para assumir o comando do Senado. A segunda opção seria o líder da bancada, Renan Calheiros (AL), obrigado a renunciar a presidência da Casa em dezembro de 2007 em meio a suspeitas de que teria contas pessoais pagas por uma empreiteira.

O poder e a influência de Sarney junto ao PT são atribuídas ao papel que exerceu na pior crise vivida pelo governo Lula, entre 2005 e 2006, no escândalo do mensalão. Além da gratidão de Lula, Sarney ganhou a confiança de Dilma, ao se manifestar solidário durante seu tratamento de um linfoma, em 2009.

No auge da crise do Senado - quando foi revelado que foram editados mais de mil atos administrativos secretos para acobertar casos de nepotismo e outras irregularidades - a então ministra Dilma atuou em defesa de Sarney.

Já como presidente, Dilma indicou dois aliados de Sarney para seu Ministério: Edison Lobão (PMDB-MA) na pasta de Minas e Energia e Pedro Novais no Turismo. E aceitou a indicação do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), que poderia ameaçar os planos de reeleição de Sarney, para a Previdência.

FONTE: O GLOBO

Por 2014, Aécio recruta tropa de choque

Senador eleito convoca aliados em Minas para ajudá-lo a tomar controle do PSDB e viabilizar candidatura à Presidência

Front conta com reforço de tucanos de outros Estados incomodados com hegemonia de SP no partido e governistas

Rodrigo Vizeu

O senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG) tem um estilo conciliador e raramente propenso ao embate, mas já tem à disposição uma tropa de choque que trabalhará para ajudá-lo na missão de tomar o controle do PSDB e viabilizar seu nome para 2014.

O exército começa com um núcleo mineiro, que tem como expoente o presidente do PSDB estadual, Narcio Rodrigues, secretário de Ciência e Tecnologia de Minas.

Com um histórico de rusgas com a ala paulista do partido, Rodrigues ocupa o papel de franco atirador.

Passadas as eleições, quando atacava quem pedisse maior apoio de Aécio para eleger José Serra (PSDB) presidente, Rodrigues agora chama a rixa entre Minas e São Paulo de "passageira".

Mas deixa claro que Aécio "é um líder que está à altura de disputar a Presidência".

Mais diplomático é o deputado federal Rodrigo de Castro (MG), homem de Aécio na Executiva Nacional do PSDB, onde é secretário-geral.

Ele faz a ponte com a cúpula tucana e diz que as mudanças do PSDB devem ser feitas com a "experiência" de Serra e do ex-presidente FHC.

Pouco afeito a holofotes, o governador mineiro Antonio Anastasia (PSDB) terá o papel de ser a vitrine do projeto Aécio até 2014.

Para o ex-governador, é importante que seu sucessor no governo siga a cartilha de administração enxuta.

Na retaguarda do exército, estão duas figuras dos governos Aécio que permanecem com Anastasia: o secretário de Governo, Danilo de Castro, que articula politicamente a base aecista local, e a irmã de Aécio, Andrea, que cuida da assistência social.

A eleição ao Senado e a reeleição de seu pupilo em Minas fizeram Aécio ser considerado o vencedor tucano do pleito de 2010. Isso incomodou o PSDB de São Paulo, que teme perder influência.

Nesta semana, Serra retomou ataques ao PT, numa tentativa de assumir o comando do partido.

ALÉM DAS FRONTEIRAS

O front de Aécio se expande entre tucanos de outros Estados, principalmente onde há mais ressentimento com a chamada hegemonia paulista no PSDB.

Podem ajudar os governadores Marconi Perillo (GO), Simão Jatene (PA) e Teotonio Vilela Filho (AL).

Até o governador paranaense, Beto Richa, historicamente mais próximo de SP, disse achar "natural" a ascensão de Aécio.

O senador eleito angaria apoios ainda entre governistas, como líderes do PP, PSB e PDT, cruciais para futura ampliação de uma chapa de oposição.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Espetáculo da vida: João Cabral de Melo Neto

...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;

mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."