terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

Havia, contudo, uma pedra no caminho: o PT, desde suas origens no movimento sindical do ABC, mantinha uma posição doutrinária adversa à legislação da era Vargas, que o levava a questionar durante dois dos seus pilares: o sindicato único por categoria e o chamado imposto sindical, que, em sua avaliação, obstaculizavam o caminho para a conquista de um sindicalismo efetivamente livre de vínculos com o Estado e representativo da vontade do seu corpo associativo. Com efeito, em 2004, fiel a essa política, o governo convoca um amplo Fórum Sindical com a proposta de converter seu programa sindical em realidade.

Tal proposta, diante de uma cerrada oposição de outras correntes do sindicalismo, foi retirada, e, mais que isso, a antiga formatação da CLT se faz ampliar com a incorporação a ela das centrais sindicais, que, além de legitimadas pela legislação, passam a receber uma parcela do que for arrecadado pelo imposto sindical.

VIANNA, Luiz Werneck. Dilma e os sindicatos. Valor Econômico, 23/1/2011.

Maconha, legalizar ou reprimir? :: Merval Pereira

A Comissão Global sobre Drogas encerra sua primeira reunião hoje, em Genebra, sob a coordenação do ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, com uma clara tendência, que certamente vai gerar muita polêmica: trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha como a melhor maneira de combater o tráfico de drogas e suas consequências.

Esse é um passo adiante do já dado pela Comissão Latino-Americana, que, além do ex-presidente brasileiro, tinha na sua coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e defendeu a descriminalização da maconha, por ser a droga de uso amplamente majoritário no mundo (90% do consumo mundial de drogas) e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.

Fazem parte da Comissão Global políticos como Javier Solana, ex-secretário-geral da Otan e ex-Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia; a ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss; George Schultz, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos; e empresários como Richard Branson, fundador do grupo Virgin e ativista de causas sociais, e John Whitehead, banqueiro e presidente da fundação que construiu o memorial no lugar do World Trade Center, além de intelectuais como os escritores Carlos Fuentes, do México, e o peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura.

A tese básica é que a política militarizada de combate ao tráfico tem sido muito custosa e, sobretudo, ineficaz, inclusive para os Estados Unidos, seu grande mentor, que gasta nela atualmente cerca de US$40 bilhões por ano.

Em 30 anos, o número de presos condenados por crimes relacionados com as drogas subiu de menos de 50 mil para 500 mil, representando um em cada quatro presos nos Estados Unidos. Enquanto isso, o preço das drogas está estabilizado ou decrescente, e o consumo não é reduzido.

Os estudos mostram que o tráfico de drogas também induz a outros tipos de crime. Segundo estatísticas, a média internacional de homicídios por cem mil habitantes mais que triplica em países produtores de drogas: de 5,98 em países não produtores de drogas, naqueles sobe para 17,05.

Os estudiosos reunidos em Genebra consideram que a política de "guerra às drogas", além de inócua na redução do consumo ou da produção, teve impactos graves na sociedade, como o rápido aumento da população encarcerada no mundo, aumentando também a violação dos direitos humanos; a restrição ao acesso de remédios essenciais como morfina, efedrina e metadona; criminalização dos usuários, o que impede um trabalho de saúde pública mais efetivo, como a prevenção da Aids.

Um dos maiores especialistas na política de redução de danos, Alex Wodak, diretor do Serviço de Álcool e Drogas do Hospital São Vicente em Sidney, na Austrália - que ajudou a implantar naquele país o primeiro programa de seringas descartáveis e de injeções sob supervisão para viciados -, mostrou estudos que demonstram que a terapia de metadona para substituir drogas ajuda a reduzir crimes: para cada cem pessoas em tratamento de metadona durante um ano, houve uma redução de 12% de roubos; 57% de arrombamentos e 56% de roubos de veículos.

Uma análise independente do programa de seringas na Austrália verificou que, de 1988 a 2000, foram evitados 25 mil casos de infecção por HIV e 21 mil casos de hepatite C. Até o ano passado, o programa foi responsável por evitar 4.500 mortes por HIV e 90 por hepatite C.

Nesse mesmo período, o programa de seringas custou US$119 milhões e poupou dos cofres públicos um mínimo de US$2 bilhões (há cálculos que chegam a US$7 bilhões).

Para reforçar a tese de que a legalização e a regulamentação do uso da maconha podem trazer benefícios, seus defensores comparam a situação atual com a fase da "prohibition" (proibição), como ficou conhecida a Lei Seca dos Estados Unidos, aprovada em janeiro de 1919, e que proibia a produção, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas.

Na reunião de Genebra, Mike Trace, presidente do Consórcio Internacional de Políticas sobre Drogas, que já comandou o combate às drogas na Inglaterra, apresentou um trabalho mostrando que a legalização poderia criar um sistema supervisionado e transparente de distribuição de drogas, que daria às autoridades um maior controle sobre o suprimento, a demanda e a circulação das drogas na sociedade.

Embora essa quebra de paradigma não tenha sido tentada em nenhum lugar do mundo - mesmo porque o país que tentasse teria que se afastar das convenções da ONU -, Mike Trace vê como um sinal de que essa política começa a ser levada a sério o forte apoio que a Emenda 19 na Califórnia recebeu, tendo sido derrotada por pequena margem no ano passado.

David Mansfield, um especialista em projetos de desenvolvimento em áreas dominadas pelo tráfico, tem trabalhado em várias das maiores regiões produtoras de drogas na Ásia e América Latina nos últimos 20 anos.

FONTE: O GLOBO

Tragédia anunciada :: Xico Graziano

Muitos querem descobrir o culpado pelas enchentes. A pretensão expressa um raciocínio simplista, próprio da tradição cristã ocidental. No dualismo religioso, Deus enfrenta o diabo, o bem contra o mal. Será o temporal uma encrenca do demônio?

Vamos com calma. A chuva, na agricultura, é bênção divina. Na sua busca se rezam terços e fazem promessas. Inexiste na roça pior desgraça que a seca. As sementes esturricam no solo sem germinar e, se nascidas em pé, secam de dar dó. Faltar água na florada esteriliza as flores, aniquila a colheita. Sinônimo da fome.

Gente do campo incomoda-se ao escutar o homem do tempo, urbanoide, dizendo que vai fazer tempo ruim. Ora, nuvens escuras podem estragar a viagem para o litoral, acabar com casamento ao ar livre, molhar a churrasqueira. A lavoura, porém, agradece quando São Pedro lava o céu. Tempo bom!

Temporal é diferente. Se o terreno estiver exposto e, pior, lavrado, erosões se formam com a força das enxurradas. Ventos fortes quebram as plantas e terríveis voçorocas formam cicatrizes no solo. Estrago na roça.

Em meados do século passado, a conservação do solo tornou-se o maior desafio da agricultura brasileira. Estudos mostravam queda na produtividade agrícola, perda de sementes, fragilidade ante as pragas, custos crescentes. O cenário andava desolador em algumas regiões. Combater a erosão virou uma obsessão nacional.

O Incra promovia um concurso e premiava os produtores rurais conservacionistas. Lembro-me, no final dos anos de 1960, de a Fazenda Santana do Baguaçu, tocada em Pirassununga (SP) por meu tio, o agrônomo José Gomes da Silva, receber um daqueles valiosos certificados do governo. Plantio em curvas de nível, com terraços transversais à declividade do terreno, era a melhor receita conhecida contra o mal.

Funcionava, mas não resolvia totalmente o problema. Chuvas mais intensas "estouravam" as curvas de nível, piorando o dano. Foram necessários 30 anos para a agronomia desenvolver nova técnica, capaz de garantir a fertilidade agrícola nos países tropicais: o plantio direto. Uma maravilha.

Nesse sistema, o solo não é arado nem gradeado para receber as sementes. Máquinas modernas preparam apenas o sulco de plantio sem remexer no terreno todo, que permanece coberto pela palhada seca. Sem plantio direto os solos arenosos do Cerrado estariam destruídos pela erosão.

Nesse processo, os agricultores descobriram que de nada adianta amaldiçoar a tromba d"água. Sabendo-a inevitável, há que prevenir o seu furor, contrapondo-a com boa agricultura. Aprenderam também que, às vezes, o fenômeno da erosão ocorre mesmo em áreas nativas, como o provam as grotas. Existem catástrofes naturais.

Pense agora na cidade. Nessa mesma época da luta contra a erosão no campo, o fortíssimo êxodo rural invadiu os municípios. Durante décadas o território urbano foi ocupado descontroladamente, moradias roubando as várzeas dos rios. Populações tomaram encostas, asfalto impermeabilizou o solo. Mais tarde, o lixo entupiu bueiros.

Passava o tempo, caoticamente cresciam as metrópoles. Nada segurava o ímpeto do chamado progresso. A expansão urbana nascia no ventre da explosão populacional, carregada de promessas e sonhos, miséria e suor. Habitações precárias ergueram-se alhures, zero de engenharia, mãos calejadas transformadas em pedreiros de araque. Deus nos acuda.

Quem tem culpa pela tragédia da chuva? Todo mundo, e ninguém. A sociedade inteira paga agora pelos erros da civilização, no Brasil e no mundo. Na maioria das vezes, simplesmente a natureza reage às afrontas da soberba humana. O barranco derriça lama, enquanto o rio toma de volta seu quintal. Áreas de risco namoram a morte.

O poder público deveria, sim, ter normatizado a expansão urbana, evitando os desastres. Quando o fez, poderia ter fiscalizado rigidamente, impedindo que casas fossem construídas em áreas frágeis. Mas os governos, infelizmente, permaneceram lenientes. E a sociedade dormiu no ponto. Nada superou a busca do emprego, somada ao desejo do lar.

Políticos, de todos os naipes, pouco fizeram. A direita nunca ligou para o povo. A esquerda tudo justificava na luta pela moradia. Alguns até ofereciam "kit construção" nas épocas eleitorais, como ocorria aqui, nos mananciais paulistanos. Religiosos construíam igrejas para arrecadar o dízimo nos precários bairros. Sobravam alguns acadêmicos a alertar, sem encontrar eco na opinião pública.

Para arrematar o drama, chegou o aquecimento global. Eventos extremos fazem parte da agenda das mudanças climáticas. A pluviometria indica que as chuvas se concentram. É verdade, portanto, dizer que antes não chovia assim. Também é certo que outrora inexistiam tantos riscos. O resultado aparece tristemente na televisão. A desgraça apetece à imprensa. E tende a piorar.

De pouco adianta procurar culpados. Ninguém também aguenta mais ver autoridades anunciando verbas, nem pisar na lama para aumentar a sua fama. Gente oportunista bancando moralista. Basta. Tirar as enchentes da emergência: assim começa a solução contra essas tragédias anunciadas.

Uma lei, urgente, deveria obrigar os municípios a realizar um plano decenal, a favor da ocupação ordenada do seu território. Nele, prevenção deve virar mantra. Uma década com trabalho ininterrupto, dinheiro garantido, cronograma definido, transparência total. Somente assim, com planejamento urbano, se enfrentam as enchentes assassinas.

No campo, o plantio direto ajudou a salvar a lavoura. Na cidade, com agenda atrasada, a lição de casa, obrigatória, será mais complexa. E precisa ainda enfrentar os azares da política. Prefeito que desleixar deveria perder o mandato. Na hora.

Agrônomo, foi Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Território comanche:: Raymundo Costa

A presidente Dilma Rousseff vai convocar o ministro da Defesa, Nelson Jobim, nos próximos dias, para uma reunião na qual serão discutidas, entre outras coisas, a compra de 18 novos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB) e de 11 navios de superfície para a Marinha. Dilma adiou a compra dos caças, mas é improvável que a licitação seja retomada do zero. A negociação dos barcos ainda se acha em fase de consulta, mas também pode esperar por um momento mais adequado da economia.

Dilma está preocupada com a questão fiscal. Só os projetos da FAB e da Marinha, somados, envolvem alguma coisa em torno dos R$ 20 bilhões. E os caças da Força Aérea significam apenas um primeiro lote do que poderá vir a ser uma encomenda de mais de 100 caças, no longo prazo. Dilma e Jobim conversaram ontem. Muito embora a compra dos caças não signifique desembolso imediato, nem uma despesa orçamentária, o ministro entendeu o recado da presidente.

Segundo disse Jobim, mais tarde, a interlocutores, há pelo menos três boas razões para justificar o adiamento: o Orçamento Geral da União (OGU) ainda não foi sancionado, o volume do corte também não está acertado e, em terceiro, mas não menos importante, segundo faz questão de afirmar, o governo no momento é obrigado a fazer despesas extraordinárias de caráter inquestionavelmente prioritário, como no caso do combate às enchentes no Rio de Janeiro.

Decreto regula Forças Armadas na defesa civil

Há muito ruído, em Brasília, sobre a compra de material militar. Há casos, talvez a maioria, de puro lobby. Mas no caso do Ministério da Defesa existe também o interesse do PMDB. Para boa parte dos dirigentes do partido seria muito mais interessante controlar um outro ministério com mais apelo político do que a Defesa, cujo maior atrativo é a Infraero, estatal cobiçada, mas que em breve deve mudar de endereço. Enjeitado por seu partido, Jobim, em contrapartida, sensibilizou o PT, ao convidar o deputado José Genoino para ser o principal assessor civil do ministério.

Dilma Rousseff e Nelson Jobim estão hoje juntos no Morro do Alemão, onde deve ser inaugurada uma agência do Banco do Brasil, entre outras atividades. É perceptível que o ministro ainda não acertou seu relógio com o de Dilma. Os dois ainda não chegaram a um modelo confortável de convivência. A mudança de presidentes ajuda a explicar as dificuldades - o jeito Dilma de governar difere muito do estilo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao qual o ministro (e os outros que permaneceram no cargo) já havia se habituado.

Lula não era afeito a despachos de rotina com os ministros; já com Dilma, ficará bem na fita aquele que a mantiver permanentemente informada com relatórios semanais, por exemplo, sobre os assuntos relacionados a sua área. Mas há também peculiaridades da Defesa, uma Pasta que transcende governos.

Os projetos para reequipar as Forças Armadas, em sua grande maioria, são de longo prazo, coisa de 15, 20 ou 30 anos. Por outro lado, o país atravessa uma situação fiscal que a Defesa não deve ignorar. O que o ministro deve acertar com a presidente é um cronograma adequado ao orçamento disponível.

A compra dos caças, um negócio estimado em R$ 10 bilhões, as 18 primeiras de mais de uma centena de unidades, terá financiamento externo de longo prazo. Os efeitos financeiros não se darão no exercício de 2011, eventualmente a partir de 2012. Por outro lado, mesmo que não se trate de dinheiro orçamentário, é contabilizado como encargo financeiro e tem impacto no cálculo do superávit nominal.

A esquadrilha da FAB chegou a seu limite - a vida útil da maior parte dos caças esgota-se em 2015. O processo de compra dos novos aviões se arrasta desde o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. A reabertura do processo de licitação implicaria novo atraso.

Nesse aspecto, o melhor para a FAB seria a manutenção do atual processo licitatório. São três os supersônicos pré-selecionados: o francês Rafale, o sueco Gripen e o americano F-18, o Super Hornet. O ex-presidente Lula tinha preferência política pelo Rafale, dentro de uma parceria estratégica com a França. Em troca, Lula esperava ter o apoio da França à reivindicação do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Além disso, o Ministério da Defesa considerou a escolha como a mais adequada aos parâmetros da Estratégia de Defesa Nacional: das três opções, a da fábrica francesa Dassault seria a que mais ofereceu em termos de transferência de tecnologia.

Vale registro o tratamento que a presidente Dilma tem dado aos assuntos de natureza militar ou relacionados à caserna. Ela chamou para si a questão da compra dos armamentos, ao que tudo indica, pelas questões orçamentárias e econômicas envolvidas na compra, mas tirou de dentro do Palácio do Planalto outras questões relacionadas às Forças Armadas, como aquelas relativas aos direitos humanos.

Este é o caso da decisão de transferir o Arquivo Nacional da órbita da Casa Civil para o Ministério da Justiça. O órgão é responsável pela manutenção dos documentos históricos do país, como os registros da época do regime militar. A discussão sobre os desaparecidos políticos está sob a responsabilidade da Defesa, enquanto a aprovação do Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH 3, com a criação da Comissão da Verdade, será negociada no Congresso.

Antes da viagem de hoje ao Rio, Jobim acertou com a presidente da República a modelagem da participação das forças armadas quando for empregada na defesa civil, como atualmente acontece no Rio. Dilma deve baixar um decreto que prevê dois tipos de intervenção, evidentemente a pedido do governo estadual. A primeira é a de apoio. Neste caso, o comando fica com as autoridades civis da área. Pela segunda forma, os militares, chamados, assumem o comando e o controle da situação. Jobim procura tranquilizar os críticos da intervenção das Forças Armadas em assuntos civis com o argumento de que o decreto vai ser específico sobre os casos em que elas poderão ser chamadas. "O que nós não podemos é banalizar isso", costuma defender o ministro da Defesa.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Lenço justo, saia justíssima:: Eliane Catanhêde

Ao desembarcar em Buenos Aires no dia 31 para sua primeira visita internacional depois de eleita, Dilma Rousseff vai enfrentar a maior saia justa -ou melhor, o maior lenço justo.

A Argentina revogou a anistia para permitir que os torturadores da ditadura fossem julgados e punidos. Aqui, diferentemente, o Supremo acaba de ratificar, digamos assim, a Lei da Anistia de 1979.

E se Dilma for chamada a meter na cabeça um daqueles lenços das Mães da Praça de Maio, que desde os anos 1970 cobram justiça e informações sobre o paradeiros de seus filhos e netos? Que interpretação isso terá em Brasília e arredores?

Como mulher, democrata e ex-guerrilheira torturada na juventude, Dilma não pode recusar o lenço, denso de simbologia. Mas, no Brasil, não há consenso para a revisão da Lei da Anistia e a questão não está em pauta neste início de governo, quando Dilma tem outras prioridades. Inclusive não criar turbulências políticas.

O mais provável é um acordão bem costurado entre o Planalto, a Casa Rosada e as duas chancelarias para que Dilma passe ao largo do lenço e do constrangimento.

Combinar com "as adversárias" vai ser fácil, porque as Mães da Praça de Maio, líderes da justiça e da luta pelos direitos humanos, foram cooptadas pelo casal Kirchner. Se antes se reuniam na praça, agora tomam chá dentro da Casa Rosada e fazem oposição à oposição.

Mais ou menos como ocorreu no Brasil, onde MST, CUT, UNE e os chamados "movimentos sociais" se recolheram no governo Lula, negligenciando como força de pressão e de cobrança para dizer "amém".

Ao meter o boné do MST na cabeça, Lula provocou uma discussão infindável -e estéril- no seu primeiro ano de governo. Ao pisar na Argentina, Dilma terá de saber se quer ou não usar o lenço branco e que tipo de consequência pretende provocar internamente.

É bem mais do que só saia justa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Pagar pedágio mas voltar a pé:: Wilson Figueiredo

Ao se completar o primeiro mês com o ex-presidente Lula à espera de alguma coisa que não sabe se ocorrerá, mas que o persegue dia e noite, começa a ficar mais claro (para ele) que os fatos mantêm curso independente das expectativas, com vida própria e riscos exclusivos. Não cabe reclamação.

Não serão poucos os que já procuram impressão digital em indícios que precedem fatos e complicam personagens. Estão à espreita os azares das coincidências imprevisíveis na seqüência que não se completará tão cedo. O ex-presidente já deve saber que os acontecimentos não esperam por ele, nem se dispõem a estar à disposição dele daqui a quatro anos. Os precedentes históricos são relativos por um lado e absolutos pelo outro.A diferença entre um ex-presidente e um presidente começa antes de se consumar a passagem do poder.E não termina enquanto um dos dois não desiste.

O desequilíbrio emocional que sacudiu a impaciência de Lula na campanha eleitoral o impediu de entender que sua eleição não foi o que lhe possa ter parecido. O passado lega as conseqüências mas não se explica por intermédio do presente. Nem autoriza fazer mais de uma aposta contra o futuro. O ex-presidente não relaciona a própria eleição, em dose dupla, com tudo que a precedeu, pelo temor de se deparar com o elo perdido no caminho sem fim. Nada a ver com o que tenha feito e tudo sem considerar a democracia.

A volta de Lula em 2014 (não faz questão de data) começou a ficar fora do alcance: a eleição, e não o destino, é o gatilho da reeleição, com as bênçãos do presidencialismo.Não lhe escaparam, ao montar a equação, tanto as condições de Dilma Rousseff (antes da garantia médica) quanto as próprias. As hipóteses correlatas e as pesquisas o perturbaram. Sobretudo aa diferenças entre o presidente e a candidata, principalmente depois de eleita. Não deu outra. As diferenças, a começar das pequenas, falaram com mais firmeza. Versões já consideram sintomas de depressão e riscos próprios de pré-candidatos. Da extroversão à depressão a distância é curta. Um mês incompleto e já é outro o estilo do novo governo. O dele, não. Antes de haver reeleição, o segundo mandato estava na ordem das emergências, que eram raras. A reeleição, como conseqüência inevitável do mandato, tanto facilita quanto dificulta. Não por esta razão, Getúlio Vargas elegeu-se presidente, pelo voto direto, cinco anos depois de ter sido deposto como ditador (durante 15 anos). Voltou pelo voto direto ao poder que conhecera por dentro de 1930 a 1945, com um saldo discutível a seu tempo, mas que a História encampou.

A volta _ e pelo voto direto _ terminaria com o suicídio do presidente, mas a morte dramática promoveu a revisão política imediata, imobilizou a oposição e situou Getúlio Vargas acima das avaliações efêmeras de adversários e contemporâneos.A eleição de JK para o mandato seguinte ao de Vargas transcorreu sob a expectativa do golpe militar e terminou arrematado pelo eufemismo conhecido como contra-golpe, que garantiu a vontade das urnas e a posse de Kubitschek, a quem se cobrava mais do que a maioria simples de voto, que a Constituição estabelecera.

Juscelino Kubitschek também saiu para voltar mais adiante (não havia reeleição) e foi atropelado pelas conseqüências da renúncia do seu sucessor. E o sobrenatural disse a que veio: quando chegou a oportunidade, a eleição direta tinha ido embora. A volta ao poder leva perigo, mesmo com a quarentena de um mandato separando a ida e a volta. Quem não sabe, paga pedágio e volta a pé.

Quem se der ao esporte cívico de levantar números do que ficou dos 15 anos de Vargas, e compará-los com os 16 de Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva somados, entenderá socraticamente que a história não aprende conosco, e sim nós é que temos de aprender com ela.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Nos direitos humanos as novidades parecem boas, nos individuais, nem tanto:: Bolívar Lamounier

Ao final de seus 8 anos de mandato, Lula atacava a imprensa já meio na base do reflexo condicionado, sem necessidade de pretextos. Não sei se ele continua na mesma atitude ou se terá observado com a devida ponderação o trabalho dos jornalistas nestas três primeiras semanas de Dilma na presidência.

Se tiver observado, Lula com certeza terá percebido que as iniciativas dela vêm sendo em geral bem recebidas. A intenção de privatizar os novos terminais aeroportuários de Congonhas e Guarulhos, por exemplo, foi saudada como sinal de um entendimento pragmático e realista do setor por parte da presidente.

Três semanas é muito pouco tempo para uma avaliação de tendências, mas já dá para dizer que os problemas de Dilma não virão da imprensa e sim do chamado “fogo amigo”. Na questão do reajuste do salário mínimo, por exemplo, todo o tiroteio relevante teve origem nos partidos que formam a base do governo no Congresso.

Em termos econômicos, Dilma sabe que a questão mais séria e urgente é a inflação. Sabe também que precisará cortar despesas e que a dificuldade para o fazer só aumentará se os cortes forem ficando para depois. Hoje no Estadão a jornalista Suely Caldas argumentou de maneira muito persuasiva que Dilma não adotará uma estratégia de reformas abrangentes ou medidas de grande impacto, por avaliar que os custos políticos excedem de muito os benefícios. Dará preferência a uma estratégia de varejo e a alterações infraconstitucionais, que não requerem o quorum qualificado de três quintos.

Suely Caldas também comentou favoravelmente a decisão de adiar a compra dos 36 caças para a FAB. Também aqui, Dilma teria “…marcado sua diferença em relação a Lula. Se seguir essa linha na relação com o Congresso e nas nomeações do segundo escalão, a diferença vai provar que ela realmente optou pelo País”.

Outro dia eu fiz um comentário sobre a política externa, dizendo que as tendências ainda não estão claras, mas que aqui e ali surgem indícios de mudança em relação ao governo Lula. O indício até agora mais claro foi o que emergiu na entrevista dada por Dilma ao Washington Post em dezembro.

Na questão dos direitos humanos – referindo-se à condenação de Sakineh Ashtiani à morte por apedrejamento -, Dilma enunciou de maneira até contundente a sua discordância com o faz-de-conta do governo anterior em relação ao Irã. Por enquanto, não há como saber se a mudança de posição quanto aos direitos humanos significa um provável afastamento em relação ao Irã no que tange ao programa nuclear. Há quem diga que o novo governo brasileiro tenderá a se aproximar dos EUA, sendo a própria nomeação de Antonio Patriota para o Itamaraty um sinal dessa intenção. A conferir.

Mas se são positivos os indícios referentes à política externa e aos direitos humanos, o mesmo não se pode dizer dos direitos individuais no plano doméstico.

Refiro-me aqui à anunciada intenção da Anatel de monitorar as chamadas telefônicas, abrangendo tanto os aparelhos fixos como os móveis. O objetivo seria melhorar a fiscalização das teles com vistas ao cumprimento das metas de qualidade.

A Folha de S.Paulo informou poucos dias atrás que a agência “terá acesso irrestrito a documentos fiscais com os números chamados e recebidos, data, horário e duração das ligações, além do valor de cada chamada”.

É oportuno lembrar que o governo federal não tem tido um desempenho elogiável no que toca ao resguardo de informações sigilosas – de algumas delas, pelo menos.A julgar pelos vazamentos ocorridos na Receita Federal durante a recente campanha eleitoral, o risco de vazamento e eventual utilização política dos dados telefônicos não é desprezível.

Com a palavra, portanto, a Anatel, o governo, o Ministério Público, a Justiça, a OAB e todos quantos compartilhem o dever de zelar pelos direitos e liberdades individuais.

FONTE: BLOG DO BOLÍVAR

A miopia dos governantes::Rodrigo Constantino

"Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever." Esta foi a distinção que Bastiat fez entre os diferentes economistas, acrescentando: "Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futuro." A afirmação, feita no século 19, ainda permanece válida, especialmente no caso brasileiro.

O que mais se vê por aqui é economista focando apenas no curto prazo e ignorando os efeitos de suas medidas ao longo do tempo. O próprio Keynes disse que "no longo prazo estaremos todos mortos", senha usada por muitos seguidores seus para a irresponsabilidade no presente. Os governantes adoram. Ocorre que o longo prazo um dia chega, cobrando altos juros pelos abusos do passado.

Quem tratou da questão da miopia temporal foi Eduardo Giannetti em seu livro "O valor do amanhã". Um país que dá demasiada importância ao que está muito próximo no tempo acaba pagando um elevado preço por seu hedonismo. Normalmente, o povo é vítima de remorso depois. Claro que quem vive apenas para o futuro pode acabar vítima de arrependimento por desperdiçar o presente. Como disse Schopenhauer, "muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados". O raro é manter com exatidão a justa medida.

No caso brasileiro, não resta dúvida de que se peca pelo excesso de miopia. O "aqui e agora" recebe um peso desproporcional na equação, ficando a prudência de lado. O resultado é insatisfatório para a grande maioria, à exceção dos "amigos do rei", que acabam consumindo os pesados impostos, muitas vezes de forma totalmente imoral. O governo distribui inúmeros privilégios para os políticos e funcionários públicos, garante bons rendimentos para os rentistas e ainda sobram várias "boquinhas" para seus aliados. A classe de parasitas cresce sem parar, condenando o longo prazo da nação.

O reflexo disso na economia acaba sendo uma reduzida taxa de poupança e, por consequência, de investimento. Os juros permanecem em patamares elevados, e o futuro é sacrificado em prol do momento. Quem deseja o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança acaba como a cigarra da fábula: pobre e dependendo da ajuda da formiga para enfrentar o inverno. Os atalhos para o progresso costumam estar repletos de armadilhas. Isso vale para a vida e para a economia. O atleta que pretende ficar forte mais rápido por meio de anabolizantes costuma pagar um alto preço, assim como o país que destina parcela excessiva de sua produção para os gastos correntes.

"A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações", disse Churchill. Os governantes brasileiros, infelizmente, estão no grupo dos demagogos. O ex-presidente Lula foi, possivelmente, o mais populista de todos, mas nossa oposição não fica muito atrás. Quem defendeu salário mínimo de R$600 e 13º para Bolsa-Família foi o tucano José Serra, não custa lembrar. Falta uma oposição séria, pensando nos próximos 20 anos do país, e não apenas nas próximas eleições.

A social-democracia brasileira ainda não evoluiu para padrões de responsabilidade que se vê em países como Chile, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Aqui, todos disputam o controle do "latifúndio", da caneta poderosa que comanda mais da metade do PIB. Ninguém luta realmente pelas reformas que colocariam nossa economia no rumo certo. Há um vácuo na política, um espaço enorme para o partido que abraçar de fato as bandeiras de longo prazo. Os brasileiros não aguentam mais tantos impostos, juros altos, corrupção escancarada, infraestrutura precária e péssima qualidade de educação e saúde públicas.

A maior causa de todos estes males é justamente a hipertrofia estatal, resultado do excessivo foco no curto prazo. Até quando a miopia dos governantes será tolerada pelos eleitores? Qual partido vai aderir ao bom senso e olhar realmente para o futuro? Está na hora de se resgatar uma agenda positiva para o país. Quem terá a coragem de rejeitar o atual modelo míope, assumindo a liderança pelas reformas trabalhista, tributária, previdenciária e política?

O custo político não seria trivial no primeiro momento. Não existe almoço grátis. O progresso sustentável depende de sacrifícios. Por isso precisamos de lideranças que realmente mirem mais longe no horizonte. Chega de tanta miopia!
Rodrigo Constantino é economista.

FONTE O GLOBO

Taxa de juros, um novo olhar::Rubens Barbosa

A combinação de alta da inflação com aumento do déficit público e das transações correntes acendeu a luz amarela - quase vermelha - no âmbito do governo e do setor privado. A reação imediata dos economistas e da mídia especializada ao repique da inflação foi considerar inevitável o aumento da taxa de juros, já a mais alta do mundo em termos reais.

Criou-se no Brasil o dogma de que a inflação pode ser contida com a elevação da taxa de juros, quando, na realidade, em países como o nosso, a relação de causa e efeito não ocorre necessariamente, ou não da mesma forma que nos países desenvolvidos. Há anos, em seguida às reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), o setor financeiro respira aliviado e o setor industrial repete as críticas, sem nenhum efeito prático, como ocorreu no último dia 19 de janeiro.

Chegou a hora de enfocar essa questão sob um ângulo novo. Em vez de reclamar do crescente gasto público e da insensibilidade das autoridades no tocante aos efeitos nocivos do aumento da taxa de juros sobre a os investimentos produtivos privados e sobre a dívida pública, que aumenta significativamente a cada movimento para cima dessa taxa, governo e setor privado deveriam começar um debate sobre os critérios empregados pelo Banco Central para defini-la.

O Banco Central tem como uma de suas missões principais a formulação, execução e acompanhamento da política monetária. Adicionalmente, exerce o controle das operações de crédito, formula, executa e acompanha a política cambial e as relações financeiras com o exterior; fiscaliza o Sistema Financeiro Nacional e o ordenamento do mercado financeiro; emite moeda e executa os serviços do meio circulante.

Com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros, foi instituído, em 1996, o Copom, composto pelos membros da Diretoria Colegiada do Banco Central. A sistemática de "metas para a inflação", introduzida em 1999, foi determinada como diretriz de política monetária. Desde então, as decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas para a inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Formalmente, os objetivos do Copom são "implementar a política monetária, definir a meta da taxa Selic e seu eventual viés, e analisar o Relatório de Inflação". A taxa de juros fixada na reunião do Copom é a meta para a taxa Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), a qual vigora por todo o período, entre reuniões ordinárias do comitê.

O Copom faz uma análise da conjuntura doméstica abrangendo inflação, nível de atividade, evolução dos agregados monetários, finanças públicas, balanço de pagamentos, economia internacional, mercado de câmbio, reservas internacionais, mercado monetário, operações de mercado aberto, avaliação prospectiva das tendências da inflação e expectativas gerais para variáveis macroeconômicas. Após exame das projeções atualizadas para a inflação, são apresentadas alternativas para a taxa de juros de curto prazo e feitas recomendações acerca da política monetária. Ao final, procede-se à votação das propostas e se define a taxa de juros, sempre que possível, por consenso.

No caso dos EUA, o Federal Reserve Board (Fed) desempenha a função de banco central e tem competência regulatória e de supervisão das instituições financeiras, além de manter a estabilidade do sistema financeiro. Diferentemente do Banco Central do Brasil, o Fed tem a importante atribuição de alcançar objetivos algumas vezes conflitantes, como manter o emprego no nível mais alto possível, a estabilidade de preços, incluindo a prevenção da inflação (ou da deflação), e o nível moderado das taxas de juros a longo prazo. E tem também a competência de gerenciar a oferta de moeda, por meio da política monetária, e de fortalecer a posição dos EUA na economia global.

No Brasil, a análise comparativa das atribuições dos dois bancos centrais mostra uma preocupação estritamente monetária e financeira na discussão da fixação da taxa de juros, enquanto nos EUA há uma preocupação mais ampla, não limitada apenas às tendências da inflação ou deflação, mas igualmente com o nível de emprego e, portanto, com o crescimento da economia.

Trata-se de uma diferença de grande significação política. Nos EUA, o Fed é obrigado a preocupar-se com a situação geral da economia para manter a competitividade do país no contexto internacional. No Brasil, o Banco Central trabalha dentro de sua estrita competência, sem levar em conta esses critérios adicionais, e, na prática, fica refém de considerações às vezes conjunturais ou sazonais, ou sofre influência dos tomadores ou aplicadores, pessoas físicas ou jurídicas.

Depois de mais de 15 anos de bem-sucedida política econômica, que estabilizou a economia e manteve a inflação sob controle, o Brasil está entrando numa nova etapa, voltada para o crescimento, a expansão do mercado interno e a inserção competitiva no mercado externo.

Nesse contexto, impõe-se uma reavaliação de políticas que fizeram todo o sentido na etapa anterior, como, por exemplo, os critérios utilizados para a redução e a manutenção da inflação dentro de padrões mundiais aceitáveis, e a legislação cambial restritiva, adequada para uma situação em que a autoridade monetária teve de se preocupar com o controle cambial.

O Banco Central, assim, para definir a taxa de juros, não deveria continuar a basear sua análise da economia apenas em critérios financeiros. Caberia rever sua competência legal para incluir parâmetros de manutenção do emprego e do crescimento econômico, a exemplo dos bancos centrais dos EUA e da China.

Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Mundo do trabalho:: Míriam Leitão

Uma das boas notícias da semana já tem hora e data para ser divulgada: na quinta-feira, o IBGE vai anunciar a taxa de desemprego de dezembro, que deve ficar em torno de 5%. Em novembro, já havia ficado abaixo de 6%. O mercado de trabalho enfrenta vários desafios: a desigualdade está nas estatísticas, as empresas falam em apagão de mão de obra. Mas este é definitivamente um bom momento do mercado.

Com experiência em vendas e nível médio completo, Danielle Marinho, de 29 anos, conseguiu uma vaga temporária numa loja de roupas em dezembro. No dia seguinte, já estava efetivada. A contratação foi rápida demais, ela admite, mas não chegou a impressioná-la. Acha que o comércio está numa fase muita boa, abrindo oportunidades, porque "tem muita gente comprando." A história se repete com Francisca Luzirene dos Santos, de 24 anos, que paga aluguel com o salário de vendedora, vaga conquistada depois de quatro meses desempregada. Agora, planeja também usar parte do rendimento para pagar a faculdade de administração.

Danielle e Francisca vivem na prática o que mostram as estatísticas: o comércio é um dos setores que estão puxando a melhora dos indicadores do mercado de trabalho. Ajudou, em novembro, a derrubar a taxa de desemprego para 5,7%, a menor marca desde 2002, quando teve início a série do IBGE. O dado de dezembro será ainda menor pelas contratações temporárias do comércio; em janeiro, no entanto, a tendência é de alta do desemprego pelo fim desses mesmos contratos. Mas muitos podem transformar o temporário em permanente pelo ritmo de crescimento da economia.

Os economistas falam em pleno emprego, mas Cimar Azeredo, gerente da PME, do IBGE, lembra que as diferenças regionais são muito grandes. Em Salvador, por exemplo, uma das seis regiões metropolitanas pesquisadas, o desemprego fechou em 9,4% em novembro. Na outra ponta está Porto Alegre, que registrou apenas 3,7%.

Os bons números foram comemorados, porque pela primeira vez a taxa de desocupação ficou abaixo de dois dígitos em todos os locais pesquisados. Mas os jovens de 18 a 24 anos são ainda os que mais sofrem para encontrar uma vaga. Em novembro, a taxa de desemprego para essa faixa etária ficou em 12,5%. Em Salvador, o número é absurdo: 22,7%. São mais afetados, segundo os especialistas, porque não têm muita experiência, às vezes nem qualificação, e poucos jovens se aventuram no empreendedorismo.

A tendência tem sido a de criação de empregos formais. Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, o percentual de informais caiu de 34,3% em novembro de 2002 para 30,1% no mesmo mês de 2010. Mesmo assim, ainda há quase 7 milhões de pessoas trabalhando sem carteira nessas regiões.

- Ainda somos um país com grande número de informais, mas o avanço da formalização foi fantástico. Os trabalhadores têm garantias e passam a contribuir para a Previdência, tirando da sociedade esse custo no futuro - diz Cimar Azeredo

O lado obscuro é que, apesar de exibir uma taxa de desemprego mais baixa do que a de muitos países desenvolvidos, esse mercado continua tratando de forma diferente mulheres e negros. Quase não houve avanços nos últimos anos. Em média, o rendimento delas representa 73% do recebido pelos homens, de acordo com a última pesquisa. E não adianta ter mais anos de estudo, porque a desigualdade é ainda maior nas faixas de maior escolaridade. A cor da pele também expõe a desigualdade: o rendimento médio dos negros, em março do ano passado, era de 51% do dos brancos. Como se vê, ainda há muito a fazer e não são poucos os desafios que a presidente Dilma Rousseff tem pela frente.

O baixo nível de escolaridade - em torno de seis anos de estudo, em média, segundo o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio - e a pouca qualificação da força de trabalho afetam a produtividade. Outro lado negativo do mercado, segundo Camargo, é a alta rotatividade.

- Para o trabalhador, é mais vantajoso rodar do que continuar na empresa e tentar subir na carreira. Sabendo disso, as empresas diminuem o investimento em qualificação, reforçando esse processo de produtividade baixa - explica o economista.

E se o país quiser crescer de forma sustentada nos próximos anos precisa desenvolver estratégias para educar e qualificar trabalhadores em cursos técnicos - oferecidos pelo Estado e por empresas - para atender às demandas do setor produtivo no médio e longo prazo. Esse é o grande desafio, na opinião do especialista Claudio Dedecca, professor da Unicamp. Para ele, além de capacitá-los, é preciso convencer os jovens a optar por ocupações manuais, valorizá-las novamente, porque são elas que estão em falta no mercado. Ele se refere a funções na construção civil, nos setores elétrico, metal-mecânico e naval, que nos próximos anos receberão mais investimentos.

Para 2011, as áreas mais promissoras, segundo a consultora de RH Carmen Vieira de Mello, do Grupo Foco, estão relacionadas a setores que lucrarão com os eventos previstos para 2014 e 2016. Profissionais dos ramos de construção civil, tecnologia, varejo, energia, hotelaria e logística, por exemplo, terão mais chances.

Mas a contradição continua: as empresas falam em apagão de talentos, e muita gente se sente barrada no mercado, como já escrevemos aqui. Os processos de seleção precisam mudar e os profissionais precisam encontrar novas formas de prospectar o mercado. O país não pode desperdiçar ninguém.

FONTE: O GLOBO

Centrais rejeitam proposta de Dilma para novo mínimo

Força Sindical chama de "nefasta’ ideia de trocar aumento por alíquota do IR

A proposta em estudo no governo de corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR) em 6,46%, em troca de manter o salário mínimo em R$ 545, foi mal recebida pelas centrais sindicais - criando mais um round da queda de braço entre aliados e a presidente Dilma Rousseff. Em nota divulgada ontem, a Força Sindical chama a proposta de "nefasta" e afirma que a negociação teria que envolver três pontos: mínimo, IR e aumento dos benefícios dos aposentados que ganham acima do mínimo. Em sua página na internet, a CUT voltou a enfatizar a defesa dos R$ 580 para o mínimo. O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, se reuniu com a presidente, e amanhã recebe, no Palácio do Planalto, os dirigentes das seis centrais sindicais. De acordo com a assessoria da Secretaria Geral da Presidência, Dilma pediu ao Ministério da Fazenda que faça simulações do impacto orçamentário do reajuste do mínimo e da correção da tabela do IR.

Centrais dizem não a Dilma

Força chama proposta de trocar mínimo por alíquota do IR de "nefasta"

Cristiane Jungblut e Chico de Gois

As centrais sindicais rejeitam a proposta em estudo no governo de oferecer a correção da tabela do Imposto de Renda (IR) em 6,46% em troca da manutenção do salário mínimo em R$545. Vão tentar melhorar o valor do mínimo na negociação que será aberta oficialmente amanhã, em reunião dos representantes dos trabalhadores com o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, no Palácio do Planalto. As duas principais centrais sindicais - CUT e Força Sindical -, embora alinhadas ao governo petista, criticaram a ideia: seria uma troca nefasta para o trabalhador e para a economia, e que veste um santo e descobre outro.

Para a Força Sindical, segundo nota divulgada ontem, a negociação terá que envolver três pontos: Imposto de Renda, mínimo e aumento dos benefícios dos aposentados que ganham acima do mínimo. A CUT, também em nota divulgada em sua página oficial, manteve a defesa dos R$580 para o mínimo. Gilberto Carvalho recebe amanhã, no Palácio do Planalto, os dirigentes de seis centrais sindicais.

Ontem, Gilberto Carvalho passou a maior parte do dia no gabinete da presidente Dilma Rousseff tratando do assunto. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e outros ministros participaram de parte dessa reunião.

Presidente pediu cálculos à Fazenda

De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria-Geral da Presidência, a presidente Dilma Rousseff pediu ao Ministério da Fazenda que faça simulações do impacto orçamentário do reajuste do salário mínimo e da correção da tabela de Imposto de Renda. Ainda de acordo com a assessoria, o governo quer ouvir as centrais para depois formular uma posição.

Mas o pedido de novos cálculos ao Ministério da Fazenda pode ser entendido como um sinal de que o governo poderá oferecer às centrais um mínimo de R$550, como já vinha sendo admitido internamente na área econômica. A avaliação política é que seria desgastante para a presidente Dilma favorecer o trabalhador de classe média - com a correção da tabela do IR - e não oferecer um agrado maior ao que ganha o salário mínimo.

Ao propor a correção da tabela do Imposto de Renda em troca de manter o mínimo como está - ou em R$550, no máximo -, o governo tenta conter um rombo maior nas contas públicas. Cada real a mais de aumento para o mínimo significa um impacto bruto de R$286,4 milhões - de acordo com as contas do Ministério do Planejamento - ou um impacto líquido de R$249,3 milhões, segundo o Dieese.

Com a correção da tabela em 6,46%, o governo abriria mão de uma receita de cerca de R$1,5 bilhão ao ano. Entre 2007 e 2010, o governo corrigiu as tabelas do IR e deixou de receber em impostos cerca de R$5,7 bilhões.

- Não podemos aceitar uma negociação de despir um santo para vestir outro. A correção da tabela só pega quem ganha um pouco mais. Vamos fazer acordo envolvendo as três questões: IR, mínimo e aposentados - disse o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), repetindo a comparação que já fez anteriormente: - Elevar o mínimo de R$540 para R$545 só dá para comprar duas cachaças.

Na nota, a crítica da Força Sindical é mais veemente: "A Força Sindical não aceitará a nefasta proposta de trocar o reajuste do salário mínimo pela correção da tabela do Imposto de Renda. Reafirmamos nossa proposta de R$580 para o salário mínimo, correção de tabela do Imposto de Renda em 6,5% e reajuste de 10% para os aposentados e pensionistas que ganham valores acima do piso nacional. Durante a reunião, que teremos na próxima quarta-feira, com o ministro-chefe da secretária-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, vamos insistir nestas três propostas".

A CUT também manteve a defesa dos R$580 para o mínimo, e a proposta foi reafirmada durante encontro de seus dirigentes com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para discutir ações de combate à dengue.

- Valorizar o salário mínimo é também valorizar a saúde do trabalhador e de sua família. Contamos com o apoio do ministro em defesa dos R$580 necessários para afirmar esta visão de desenvolvimento, de justiça social - declarou o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney.

As centrais sindicais, que já estavam irritadas com a demora do governo em chamar seus dirigentes para conversar sobre o mínimo, não gostaram de ver publicadas na imprensa propostas em estudo no governo.

- Nunca vi negociação assim, ficam anunciando (os valores) pela imprensa, sem sentar com as centrais. A transição (do governo Lula para Dilma) não foi tão bem feita - queixou-se o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o "Juruna".

FONTE: O GLOBO

Empresários cobram de Dilma grandes reformas

Lideranças do setor produtivo dizem que não há ‘ingenuidade’ sobre reformas, mas que é preciso ‘dar a direção’

Raquel Landim

A resistência do governo Dilma Rousseff em promover reformas estruturais está provocando insatisfação entre os empresários. Com três semanas de governo, lideranças do setor produtivo já pedem publicamente pelas reformas tributária, trabalhista, previdenciária e política.

Na primeira reunião com os ministros, Dilma deixou claro que não vai se desgastar com grandes projetos que ficam parados no Congresso e que as reformas previdenciária e política não são prioridade. A presidente se comprometeu com a reforma tributária, que pretende enviar aos deputados "fatiada".

"Os empresários não são ingênuos em relação às reformas. Sabemos que vai demorar, mas é preciso dar a direção", disse ao Estado Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e um dos controladores da Natura . "Sinto no governo disposição e boa vontade, mas não sinto coordenação."

No setor produtivo, os primeiros dias do governo Dilma deixaram uma impressão positiva, por causa do comprometimento com o ajuste fiscal e da preocupação com os danos do câmbio para a indústria. A visão é que o diagnóstico foi "bem-feito", mas que é um "problema grave" não sinalizar com reformas.

Na semana passada, na abertura da Couromoda (maior feira de calçados do País), Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), afirmou que "o início do governo é o momento de promover reformas", referindo-se ao capital político acumulado pelos políticos nas eleições.

O empresário disse ainda que "estamos ouvindo boas coisas sobre redução de gastos", mas que, "sem resolver os problemas do câmbio e das reformas, não adianta". Skaf dividia o palco, entre outras autoridades, com o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.

Para o cientista político Amaury de Souza, a preocupação dos empresários é justificada. Ele diz que a estratégia da presidente de não perder tempo com reformas muito abrangentes é boa, mas que a eficácia depende dos pontos que o governo vai atacar. "É preciso cuidado com medidas tópicas para não favorecer apenas alguns setores."

Na área tributária, a principal promessa de Dilma é desonerar a folha de pagamento. A medida, obviamente, recebe amplo aval do setor produtivo. Souza ressalta, porém, que a reforma tributária precisa incluir a uniformização do ICMS, o que exige penosa negociação com os Estados.

Previdência. Os empresários defendem que só a reforma tributária não é suficiente. "O Brasil não sobrevive sem uma reforma política e tem de endereçar a reforma previdenciária", disse Passos, do Iedi. Para efetivar a reforma do presidente Lula nessa área, o governo precisa aprovar um projeto de lei que cria o fundo de previdência dos funcionários públicos e que tramita no Congresso desde 2006.

Na campanha, Dilma sinalizou com uma reforma política que introduz o voto com lista fechada e prevê o financiamento público da campanha, mas não dá sinais de que vai avançar nesse caminho. "É um desastre. Se for para isso, prefiro que não se faça nada", disse Souza. Segundo ele, os contribuintes já destinam mais de R$ 1 bilhão para campanhas (R$ 800 milhões para compensar as TVs pelo horário eleitoral gratuito e R$ 260 milhões para o fundo partidário).

FONTE: ESTADO DE S. PAULO

Estado neoliberal ou proprietário? André Singer e José Arthur Giannotti debatem o legado de Lula

André Mascarenhas

Qual será a herança deixada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva às próximas gerações e como os historiadores interpretarão a passagem do primeiro operário pela Presidência da República? A discussão, que deverá ocupar os cientistas políticos das mais variadas orientações nos próximos anos, é o tema do primeiro debate do blog do Instituto Moreira Salles, que foi ao ar ontem, e que reuniu o filosofo José Arthur Giannotti e o cientista político André Singer. O Radar Político teve acesso à íntegra do programa, que foi gravado em vídeo de alta definição. Assista aos melhores momentos.

Intermediado pelo jornalista Mário Sérgio Conti, o primeiro encontro teve como pano de fundo uma série de artigos sobre o lulismo escrita por Singer e que busca dar uma forma teórica ao que foram os últimos anos. Secretário de imprensa do primeiro governo Lula e ligado ao PT, o cientista político argumenta nesses textos que o aumento do salário mínimo, as políticas de distribuição de renda e ampliação do crédito deram cidadania a setores historicamente excluídos, provocando um realinhamento das forças políticas do primeiro para o segundo mandato de Lula. Segundo esse raciocínio, setores da classe média que tradicionalmente apoiavam o PT teriam abandonado o partido, enquanto as classes com menor poder aquisitivo, incluídas ao longo do governo Lula, passaram a apoiar eleitoralmente o projeto do presidente Lula. Singer ainda compara o fenômeno ao varguismo e vê, para os próximos anos, uma tendência de amadurecimento da classe média semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos após o New Deal.

“Meu problema é justamente se não vamos formar uma sociedade de classe média mixa. Isto é, que nós percamos certos padrões de excelência e de progresso e que nós chafurdemos no cotidiano”, opina Giannotti em sua primeira intervenção do debate, ao ser confrontado com as hipóteses de Singer.

Historicamente ligado a PSDB e amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o filósofo descarta as comparações entre o lulismo e o varguismo e argumenta que a era Lula encerra um ciclo iniciado com a abertura da economia brasileira durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello e que culmina no amadurecimento do capitalismo no País nos últimos anos. Giannotti, no entanto, é pessimista quanto às perspectivas para o futuro, uma vez que, para ele, Lula demonstrou “uma enorme sintonia com a população”, mas, no “sistema político, teve um trabalho extremamente dissolvente, porque foi misturando todas as ideologias, todas as diferenças, no mesmo caldeirão”.

“O problema, agora, é como nós vamos rearticular o sistema político para que ele corresponda àquilo que está muito forte no Brasil. O capitalismo está muito forte”, aponta.

“Talvez eu esteja mais otimista com relação ao nosso sistema partidário”, rebate Singer, que embora critique uma tendência de “americanização” da política brasileira, argumenta que tanto o PSDB quanto o PT, na sua opinião os únicos partidos com chances reais de disputar a Presidência, encontram-se fortemente estruturados.

“O Brasil está vivendo um período de consolidação de dois grandes partidos, que são o PT e o PSDB. Com características meio americanizadas, mais do tipo de máquinas eleitorais, mas que não deixam de ser partidos estruturados”, afirma. “Acho que estamos consolidando um sistema partidário que funciona”, continua.

Leia, a seguir, os principais trechos do debate.

OPOSIÇÃO

Giannotti: “[A oposição] não foi capaz de ter um projeto próprio, aceitou o rótulo de neoliberal dado pelo PT e pelas forças dominantes. Não soube, inclusive, defender um tipo de regulamentação do Estado a partir das agências e aceitou, sem discussão, a ideia do Estado proprietário.”

BOLSA FAMÍLIA, CIDADANIA E CLIENTELISMO

Giannotti: “É uma cidadania inteiramente concedida. Não é uma cidadania conquistada. Numa democracia, o que importa é, basicamente, as pessoas conquistarem a cidadania”.

Singer: “Eu interpreto mais como um movimento no sentido de redução da pobreza e da desigualdade, que eu acho que guarda uma certa similaridade com o que aconteceu nos anos 1930 nos Estados Unidos.”

Singer: “Quando você diz paternalismo, acho que há uma avaliação de que é algo próximo do clientelismo, alguma coisa que não está na ordem da legitimidade democrática. (…) O clientelismo é caracterizado por uma relação de troca definida. Aqui você não tem relação de troca. O que foi feito foi uma política pública que é praticamente universal. O Bolsa Família se expandiu tanto que ele é hoje praticamente um direito de quem ganha aquém de um piso.”

BIPARTIDARISMO

Giannotti: “Eu vejo a enorme importância do PMDB, que no fundo vai dar o equilíbrio do governo Dilma, e o fortalecimento do PSB. (…) O PSB mostra que é possível abrir uma política de centro que não está necessariamente confinada [ao PT e ao PSDB]. (…) Esse jogo bipartidário, a meu ver, tende a se desfazer, na medida em que nós vamos ter vários atores brigando pelo poder.”

Singer: “Nada indica no sentido de que, na eleição de 2014, os contendores sejam outros que não PT e PSDB. Então, nesse sentido, eu acho que nós estamos realmente caminhando a uma bipolarização no que diz respeito a eleição presidencial.”

NEOLIBERALISMO vs ESTADO PROPRIETÁRIO

Singer: “[O neoliberalismo] é uma visão de mundo que começou a ser aplicada ao Brasil a partir do governo Collor, foi acentuada e teve mais sucesso ainda no governo Fernando Henrique, e eu acho que o governo Lula, no mínimo, brecou essa tendência. E, em alguns aspectos, tendeu a revertê-la.”

Giannotti: “Nós temos que pensar como é que vai ser esse controle do capital [pelo Estado]. Pela apropriação dos meios de produção – que no fundo ainda é um velho resquício do centralismo democrático – ou se nós vamos tentar criar um Estado interventor, mais democrata. Porque aí nós temos, com as agências, a possibilidade de aumentar a democracia desse controle. E termos, realmente, ao invés do Estado neoliberal, um Estado democrático ativo, sem o peso das corporações e, em particular, dos sindicatos se apropriando dos mecanismos de acumulação do capital. (…) Simplesmente dizer ‘neoliberal’ é evitar que a gente tenha uma discussão clara de qual Estado nós queremos.”

Singer: “Essas agências reguladoras são montadas para regular a sociedade e não para regular as empresas. (…) Elas são representantes das empresas junto ao Estado. (…) Acho que as privatizações da Vale e da telefonia foram um sinal dentro de um projeto global. (…) Mas há uma visão claramente que tem a ver com o neoliberalismo. (…) A visão neoliberal é de que o mercado é mais eficiente, inclusive para gerir saúde e educação.”

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Jarbistas desconsideram Temer

Artigo transformado em carta-advertência pelo vice-presidente da República, e enviado aos diretorianos do PMDB, não intimida filiados pernambucanos

Ayrton Maciel

Efeito zero. Peemedebistas dissidentes revelam não ter se intimidado com o artigo transformado em carta-advertência pelo presidente licenciado e atual vice-presidente da República, Michel Temer, e encaminhado aos membros das Executivas estaduais e das capitais. Na correspondência, Temer – de forma clara – fala em alinhamento de pensamento e fidelidade às decisões da maioria, sob pena de ser apontada aos dissidentes a porta da rua e até mesmo a expulsão aos “recalcitrantes”. “Não me incomodei”, desconsiderou ontem o deputado federal reeleito Raul Henry, integrante da estadual do PMDB, que é “jarbista”, foi adversário de Lula e é oposição ao governo Dilma Rousseff.

A carta de advertência de Michel Temer, que não tinha ainda se licenciado da presidência nacional do PMDB, foi a simples transformação de artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em correspondência. Entre as frases ameaçadoras, Temer diz que “a disputa local não autoriza a insurgência contra a decisão nacional” – numa referência aos que ficaram como o tucano José Serra na disputa de 2010 –, que aqueles que não se conformarem com as decisões nacionais do partido poderão se desligar do PMDB “sem que este exija o mandato” e que “o desatendimento a tal orientação deverá ensejar a expulsão do recalcitrante”.

Uma das vozes dissoantes do PMDB no Senado Federal, o gaúcho Pedro Simon – histórico peemedebista, ao lado de Jarbas Vasconcelos – também recebeu a correspondência de Michel Temer. “Ele não deu bola”, revelou o assessor de imprensa de Simon, Luiz Fonseca, colocando o desprezo do senador pelo “puxão de orelha”.

Embora a mensagem de Temer tenha sido remetida aos membros das executivas de todos os diretórios (Estados e capitais), teve, porém, um óbvio direcionamento aos dissidentes, representados hoje pelo PMDB de Pernambuco, Santa Catarina – que sofreu ameaça de intervenção por não acompanhar a aliança nacional com o PT – e Mato Grosso do Sul, além do grupo de Pedro Simon no Rio Grande.

“Ninguém aqui tem medo de ameaças”, simplificou o deputado estadual eleito, Gustavo Negromonte, sobrinho de Jarbas Vasconcelos e membro das executivas estadual e do Recife. Segundo ele, a carta é um sinal de que no governo Dilma “vai haver dificuldades dentro do PMDB”. “Vão querer agora que Jarbas seja aliado de Dilma? Isso não existe”, complementou Negromonte.

O deputado federal Raul Henry preferiu colocar “panos mornos” na polêmica aberta por Michel Temer, por acreditar que o vice-presidente da República não vai estimular conflitos internos. “O PMDB tem um DNA democrático, sempre aceitou as posições divergentes, sempre foi heterogêneo. Essa história vai terminar se acomodando”, minimizou.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

OAB quer fim do voto de legenda com a reforma

BRASÍLIA – O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, reuniu-se ontem com o vice-presidente da República, Michel Temer. Ao final do encontro, concedeu entrevista para defender a reforma política. Ele pregou, principalmente, o fim do voto de legenda, lembrando que foi esse mecanismo que permitiu que vários parlamentares com pouquíssimos votos chegassem ao Congresso na esteira da votação do palhaço Tiririca (PR/SP).

“Queremos o voto majoritário para a eleição da Câmara dos Deputados. Entendemos que na democracia é preciso que quem foi votado leve a eleição”, disse Ophir, lembrando que parlamentares com centenas de milhares de votos ficaram de fora da Câmara, enquanto que outros, apesar do fraco resultado nas urnas, garantiram vaga no Legislativo. Mas Ophir reconhece “que essa discussão não será um mar de rosas, por ser um tema árido, pouco conhecido do eleitor”. Segundo ele, o vice-presidente Michel Temer disse que o tema “reforma política” será discutido, mas falou das dificuldades existentes para a aprovação de algumas propostas.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO/PE

O luto no Sertão:: João Cabral de Melo Neto

Pelo sertão não se tem como
não se viver sempre enlutado;
lá o luto não é de vestir,
é de nascer com, luto nato.

Sobe de dentro, tinge a pele
de um fosco fulo: é quase raça;
luto levado toda a vida
e que a vida empoeira e desgasta.

E mesmo o urubu que ali exerce,
negro tão puro noutras praças,
quando no sertão usa a batina
negra-fouveiro, pardavasca.