sábado, 5 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Roberto Freire

O Brasil está em cima do muro, mas não está do lado do ditador Hosni Mubarak. A embaixadora brasileira nas Nações Unidas, Maria Luiza Viotti, anunciou que vai "acompanhar e ver como vai evoluir" a revolta. Cautela é bem melhor que desrespeito ao povo de um país.

Esperamos que o Brasil retome algo que existia antes do governo Lula: seriedade no trato das questões internacionais, respeito aos direitos humanos e defesa da democracia. No caso egípcio, o Itamaraty não está defendendo esses valores, mas pelo menos não está com a ditadura.

Não nos ombreia a regimes ditatoriais, teocráticos, fundamentalistas, como Lula fez no caso iraniano.


FREIRE, Roberto. Cheiro de jasmim. Brasil Econômico, 4/2/2011.

Obama eleva tom e Washington negocia saída imediata de Mubarak

Cairo - Os EUA já negociam com o Exército egípcio um plano para tirar de cena Hosni Mubarak, instaurar um governo de transição e encerrar a crise no Egito, segundo o jornal New York Times, que cita diplomatas árabes e fontes ligadas à Casa Branca. A administração provisória contaria com grupos da oposição, como a Irmandade Muçulmana, e iniciaria as reformas constitucionais e prepararia eleições livres em setembro.

Ontem, durante uma entrevista coletiva na Casa Branca, o presidente dos EUA, Barack Obama, informou que já começaram "algumas discussões sobre detalhes da transição". Ele não pediu diretamente a renúncia imediata de Mubarak, mas disse que a transição deve começar imediatamente. "É necessário que o processo de transição comece já", afirmou.

O presidente americano também condenou a violência contra jornalistas e a ativistas de direitos humanos. "Esses ataques são inaceitáveis", disse. Embora não tenha culpado diretamente Mubarak, Obama disse que o governo do Egito "é responsável por proteger a população".

De acordo com o jornal Washington Post, os EUA atuam ainda em outra frente, convencendo os grupos de oposição a dialogar com o vice-presidente egípcio, Omar Suleiman - governistas e opositores teriam uma reunião marcada para a manhã de hoje.

Transição. A Casa Branca espera que, nesse encontro, seja definido um cronograma da transição, das reformas constitucionais e das eleições. A oposição, no entanto, diz que só negocia após a renúncia de Mubarak. Sabendo disso, os EUA estariam pressionando também o Exército, que teria um papel fundamental em colocar os dois lados frente a frente.

Em declaração ao Estado, Yassin Tageldin Yassin, um dos líderes do partido opositor El Wafd, disse que a transição "já começou". "Hoje, o Egito está nas mãos dos militares e apenas se negocia como Mubarak deixará o poder." O governo, contudo, nega que o presidente esteja disposto a renunciar.

A pressão americana, segundo ele, pretende evitar o pior dos cenários: a queda do país, geopoliticamente fundamental, nas mãos de radicais religiosos, como ocorreu com a Revolução Islâmica no Irã, em 1979.

"Na prática, quem controla hoje o Egito são os militares, que já começaram a tomar o poder", afirmou Yassin. Nos últimos dias, foi Suleiman, um general do Exército, quem fez as principais declarações. O primeiro-ministro, Ahmed Shafiq, também é um militar. "Estão preparando um golpe militar para abrir caminho para uma transição à democracia", declarou. "Resta saber o que farão com o presidente Mubarak."

O maior obstáculo a uma junta militar provisória é a oposição, que insiste em uma transição civil. Um dos nomes mais citados para liderar o país é o de Mohamed ElBaradei, ex-secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica.

Ontem, ele não descartou ser candidato "se o povo egípcio assim desejasse". Em entrevista à TV Al-Jazira, ElBaradei negou que havia desistido, como havia sido publicado pelo jornal austríaco Der Standard.

Corrida presidencial. Quem também se colocou na disputa foi Amr Moussa, ex-chanceler de Mubarak e atual secretário-geral da Liga Árabe, que lançou ontem oficialmente sua candidatura a presidente.

"Estou à disposição de meu país, mas temos de aguardar e ver o desenvolvimento dos acontecimentos políticos", afirmou Moussa. "Mas estou pronto a servir como um cidadão que tem o direito de ser candidato."

FONTE: NYT, AP e REUTERS. COLABOROU JAMIL CHADE/ O ESTADO DE S. PAULO

Oposição resiste e faz ''jornada da partida''

Milhares de manifestantes anti-Mubarak voltam à Praça Tahrir pela queda do regime

Jamil Chade

A oposição no Egito continuou desafiando a repressão do regime do presidente Hosni Mubarak e milhares de pessoas se reuniram ontem na Praça Tahrir, no Cairo, para mais um dia de manifestações contra o governo. Nos últimos 11 dias, a batalha pelo poder já deixou cerca de 300 mortos e 4 mil feridos.

Os manifestantes ignoraram ontem o clima de terror imposto pelo regime e batizaram a sexta-feira de o "Dia da Partida", exigindo novamente a renúncia de Mubarak. O ditador não caiu, mas seu governo cedeu e pediu que a oposição entregue um documento com suas principais exigências, o que foi considerado um sinal de fraqueza.

A lista que será apresentada pede uma nova Constituição, o fim da lei de emergência e a saída do presidente. Membros da oposição revelaram ao Estado que farão mais exigências e temem que a decisão de Mubarak de pedir a lista seja apenas mais uma tática para ganhar tempo.

Um "grupo de notáveis" foi formado para atuar como intermediário entre governistas e opositores. Hoje, 25 personalidades da oposição criarão a aliança que terá a missão de negociar a democratização do país. Entre elas está Mohamed ElBaradei, ex-secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, e Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe.

"Não nos vamos até que Mubarak se vá", gritava a multidão no Cairo. Várias outras cidades promoveram manifestações ontem. Para a emissora Al-Jazira, 1 milhão de pessoas saíram às ruas ontem em todo o país.

Praça Tahrir. Com facões, paus e barras de metal, milícias favoráveis a Mubarak passaram a controlar ontem algumas das principais ruas que levam até a Praça Tahrir. O Estado percorreu parte da região. Em uma das ruas, o carro foi parado por cerca de dez pessoas armadas que, sem pedir autorização e fazendo ameaças aos passageiros, abriram as portas, o porta-malas, exigiram os passaportes e questionaram o motivo da "visita". As milícias tomavam conta do entorno da praça. Barricadas e postos informais de controle foram formados.

A reportagem não revelou que jornalistas estavam no carro. Antes de sair às ruas, todos haviam deixado equipamentos, gravadores e máquinas fotográficas no hotel. Caneta e papel também ficaram para trás. Ao pensar que o objetivo dos passageiros era "ver a linha de divisão entre as facções pró-Mubarak e o grupo de oposição", dois dos milicianos subiram no carro. Um deles sentou-se na janela do passageiro com um facão nas mãos. O outro subiu no porta-malas com uma barra de ferro.

Os jornalistas dentro do carro pensaram que estavam sendo levados pelas milícias. Mas, logo ficou claro que os homens queriam servir de guias para os repórteres verem a linha de controle, como haviam solicitado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oportunidade democrática:: Merval Pereira

A esta altura dos acontecimentos, a sorte do governo de Hosni Mubarak está sendo jogada muito mais nas negociações entre o Cairo e Washington do que na Praça Tahrir, embora os 11 dias de manifestações contrárias ao regime ditatorial sejam a base dos movimentos estratégicos no tabuleiro político internacional.

Sem a Praça Tahrir não haveria condições, nem necessidade, para uma mudança de governo. Embora a mudança, que parece inevitável, seja na direção de uma visão de mundo que o presidente dos Estados Unidos Barack Obama defende desde sua eleição, é quase certo que ele não correria esse risco se não fosse empurrado pelas ruas egípcias.

A crise egípcia se transformou em oportunidade, e Obama quer aproveitá-la para espalhar conceitos democráticos pela região.

O comentário de Mubarak sobre Obama, de que ele é "um homem bom", mas não conhece a "psicologia" do povo egípcio, é a conversa de um político ultrapassado pelos acontecimentos com um que quer se conectar com a nova onda que vem da juventude egípcia, através do Facebook e do twitter.

Essa mudança fundamental de visão de mundo, que Obama trouxe para o governo dos Estados Unidos, mas está tendo dificuldades para colocar em prática, é que está em risco nessa empreitada do Egito: o diálogo no lugar da força, a visão multipolar no lugar da hegemonia.

Obama parece já ter entendido que os interesses americanos só serão atendidos se o interesse da comunidade internacional for também respeitado.

Enquanto o presidente Bush alegava querer disseminar a democracia pelo mundo utilizando guerras para impor o regime, Obama quer mostrar as vantagens da democracia através do exemplo e do respeito ao outro.

Uma abertura maior para o mundo, transformar os Estados Unidos em um país amado, e não temido, é o conceito que pode ser tragado pela crise nos países árabes se o resultado dessa série de reivindicações nas ruas por mais liberdade e mais direitos individuais não desaguar em governos democráticos naquela região conturbada do mundo.

Ontem, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, já tentou politizar as manifestações chamando as revoltas populares na Tunísia e no Egito de "sinal do despertar islâmico", embora até o momento não haja nenhum indício de que as revoltas tenham alguma conexão com movimentos radicais islâmicos.

Se há um político que se sinta bem nesse novo mundo tecnológico, no qual a sociedade global tem agora os meios para exprimir seus anseios e suas convicções independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa, esse é Obama, que se apresentou ao eleitorado americano, e também ao mundo, através do uso intensivo do twitter e da internet, e sabe desde então o alcance desse novo instrumental, que desde sua eleição foi acrescido da nova força das redes de relacionamento social.

Essa nova maneira de preencher o vazio de representação com a interação com a sociedade civil, foi o que legitimou a ação política de Obama, ancorado nas mobilizações espontâneas usando sistemas independentes de comunicação.

Foi também desse espaço público que surgiram as manifestações de rua tanto na Tunísia quanto no Egito e em outros países árabes.

E os novos meios de comunicação como instrumentos de mobilização e meios de debate, diálogo e decisões coletivas, foram o que conseguiram unir tantos interesses dispersos pela sociedade egípcia, pegando de surpresa até mesmo os serviços secretos dos governos democráticos, como a CIA dos Estados Unidos, muito criticada pelo Congresso americano por não ter antecipado o que poderia acontecer.

Tudo indica que não foram apenas os serviços secretos dos governos autoritários os enganados pelas conexões do Facebook e do Twitter.

Todos eles parecem estar montados para prevenir e reprimir movimentos políticos organizados por partidos e entidades reconhecidos pelo establishment, ou de movimentos criminosos conhecidos, e não estão preparados para detectar os movimentos mais profundos vindos da sociedade civil.

O governo dos Estados Unidos tem pela frente uma chance de ouro de colocar em prática as teorias do "poder inteligente" ("smart power"), defendido pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao assumir o posto, que seria uma terceira via além dos poderes militar e econômico.

Esse poder pode ser cultivado através de relações com aliados, assistência econômica e intercâmbios culturais, o que resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos.

Neste mundo em que novos polos de poder surgem, Barack Obama parece concordar com a tese de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar ("hard power"), que causou estragos à imagem do país.

Responder às reivindicações das ruas árabes ajudando a implantar os valores democráticos naqueles países evitaria, por exemplo, que terroristas recrutassem apoio entre as maiorias moderadas, e encurtaria o espaço político de grupos radicais como a Irmandade Muçulmana em um futuro governo de coalizão nacional.

As fontes do "soft power" seriam a cultura, os valores, estimulados internamente pelo exemplo - como o respeito aos direitos humanos - , e políticas inclusivas.

Um "poder inteligente" investe em bens públicos mundiais, promovendo o desenvolvimento, melhorando a saúde pública e lidando com a questão climática.

Também estaria nessa linha a promoção dos direitos humanos e a democracia, mas pelo exemplo, e não pela imposição.

Por isso a administração Obama se dedica a conseguir um acordo que instale no Egito um governo de transição que leve a eleições livres e democráticas o mais rápido possível.

O risco é colocar em perigo a estabilidade política na região, o que levará Obama a ser culpado pelo desequilíbrio que porventura daí advier para a situação no Oriente Médio, que se baseia no acordo de paz com Israel bancado por Mubarak no Egito.

FONTE: O GLOBO

Lágrimas, muito além da praça:: Clóvis Rossi

Hora de começar a olhar além da praça Tahrir, o epicentro da revolução em curso no Egito.

Antes, no entanto, é preciso reafirmar que não se trata de um levante dos famélicos do mundo, para citar a Internacional, mas de uma rebelião de classes médias, que podem sofrer, às vezes, mas não passam fome.

Se ainda houvesse alguma dúvida, vejamos o que diz um célebre jornalista egípcio, também blogueiro, Issandr El-Amrani: "A imensa maioria dos manifestantes são pacíficos, a maior parte saída da classe média" (extraído do blog "The Arabist").

Daí decorre que o grito não é por pão, mas por liberdade. Mesmo uma especialista em economia como Isobel Coleman, pesquisadora-sênior do Council on Foreign Relations, escreve:

"Muito se tem dito sobre as raízes econômicas das revoluções em andamento no Oriente Médio, e esse é certamente um fator significativo.

Mas o que vem sustentando os protestos é a exigência de liberdade. Os manifestantes egípcios têm focado singularmente suas demandas desde a primeira vez que foram às ruas em "fora Mubarak"".

Postas as premissas, fica claro que a única maneira de estabilizar a situação é abrir um processo de transição tão rápida quanto possível para a democracia.

Só assim evitar-se-ia o desfecho que o megainvestidor George Soros teme para o movimento no Egito: "As revoluções usualmente começam com entusiasmo e acabam em lágrimas".

Que haverá lágrimas, parece mais ou menos inevitável, na situação a que já se chegou.

Mas elas poderão ser relativamente poucas, ao menos a princípio, se o governo norte-americano -o único em condições de tentar conduzir o processo de transição- seguir o conselho de Soros:

"O presidente Obama pessoalmente e os Estados Unidos como país têm muito a ganhar se se adiantarem e se colocarem ao lado da demanda pública por dignidade e democracia. Isso ajudaria a reconstruir a liderança da América e remover uma prolongada fraqueza estrutural em nossas alianças, que decorre da associação com regimes impopulares e repressivos."Bingo.

Mas sejamos justos: não é nada fácil a condução do processo, se se levar em conta qual é a força política mais enraizada no Egito (a Irmandade Muçulmana) e a desconfiança que grupos islâmicos continuam despertando no Ocidente.

Desconfiança que é um tanto preconceito islamofóbico e outro tanto produto de fatos. Fatos como a pertença à Irmandade, no passado, do segundo homem da Al Qaeda, o egípcio Ayman al Zawahiri.

Desconfiança à parte, tem toda a razão Ed Husain, também pesquisador-sênior do Council on Foreign Relations, quando diz que, "sem a Irmandade Muçulmana, não há legitimidade em nada do que ocorra no Egito doravante".

Pois é, mas Husain também diz que o grupo "não compartilha a visão americana sobre a arquitetura de segurança na região", além de ser "fortemente anti-Israel".

Tudo somado, tem-se que entusiasmo e lágrimas tendem a ir muito além da praça Tahrir.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Difícil manter a ditadura de um só partido: Richard Kareem Al-Qaq

Os acontecimentos no Egito são fluidos. Em uma sociedade com uma ditadura tão arraigada, a ideia de que esta seria uma revolução rápida sempre foi equivocada.

Mas está claro que não há como voltar atrás. Os acontecimentos assinalam uma virada histórica no país e na região maior, algo que vai levar a um sistema político mais aberto.

As tentativas da "velha guarda" de se agarrar ao poder agora parecem ser vãs. Mudar o rosto do regime, nomeando para vice-presidente Omar Suleiman, um "apparatchik"-chave do regime e aliado dos EUA, não satisfez os manifestantes, como de fato não poderia. Isso levou Mubarak, sob pressão do Exército e dos EUA, a anunciar sua intenção de não se candidatar na eleição de setembro de 2011.

Mas a declaração chegou um pouco tarde demais. Outros regimes da região -o Iêmen e a Jordânia- tomaram nota e estão se apressando a anunciar reformas políticas, visando calar uma oposição que está se fazendo ouvir cada vez mais.

A natureza da crise egípcia agora mudou, com o regime orquestrando manifestações pró-Mubarak com o intuito de semear a violência e a guerra civil nas ruas do Cairo, visando reprimir os protestos antigoverno e apelar para o maior medo dos egípcios de classe média e do Ocidente: o medo de que o caos e a guerra civil tomem conta do país.

A violência vai continuar, mas é pouco provável que essa estratégia, tampouco, tenha êxito. Os EUA e outros atores internacionais têm consciência das poderosas forças populares desencadeadas no Egito e se preocupam com a possibilidade de se tornarem o inimigo dessas forças, como aconteceu no Irã em 1979.

Eles sabem que o regime egípcio está desacreditado e que não lhe resta muito tempo. O objetivo dos EUA agora é o de garantir uma transição para um sistema político mais aberto, que continue a proteger os principais interesses estratégicos regionais dos EUA.

Para os Estados Unidos, quanto mais tempo as manifestações continuarem, maior será o risco de partidos políticos antiamericanos emergirem em posições de poder. Um perigo maior que a emergência de uma democracia pluripartidária enfrenta é a ascensão do que se vê como islã radical.

Esse medo do islã político é tão forte no âmbito internacional que pode fornecer a justificativa poderosa necessária para um "governo temporário" do Exército e de elementos da "velha guarda".

Isso já aconteceu antes, na Argélia, em 1991, quando uma vitória eleitoral islâmica levou a um golpe militar. Mas esse desfecho é pouco provável. Os manifestantes na praça da Libertação não são islâmicos. As manifestações populares que estão ocorrendo no Egito são um fenômeno moderno e secular, no qual diferentes gerações de egípcios estão unidos por seu repúdio comum ao Estado unipartidário.

Será difícil para qualquer setor, no Egito ou fora dele, sugerir de modo convincente que não é assim. Na análise final, foram desencadeadas no interior de sociedades árabes forças seculares poderosas que vão fazer com que seja impossível manter a velha matriz política árabe da ditadura de um só partido.

O sistema político que virá a seguir no país ainda precisa ser negociado, mas, sem dúvida, terá que ser um sistema dotado de muito mais abertura política.

Richard Kareem Al-Qaq é pesquisador da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e especialista na política internacional da África e do Oriente Médio.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

À sombra da reforma política:: Wilson Figueiredo

No último dia da campanha para eleger o presidente da Câmara dos Deputados, para este ano e o próximo, os dois candidatos, sem nada mais a dizer ao eleitor a quem devem seus mandatos, engalfinharam-se corporativamente na divergência fictícia em torno do novo prédio para alojar a ociosidade representativa, sem esquecer os reajustes de vencimentos iguais aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e, para encerrar, tornar obrigatória, pelo Executivo, a liberação dos valores das emendas assinadas pelos deputados e incluídas no Orçamento da União.

O Brasil tem muito mais a fazer até a presidente Dilma Rousseff botar mãos à obra na enjeitada reforma política. Sem esquecer que o ex-presidente Lula passou como um vendaval, destelhou a oposição e deixou tudo por arrumar. Provou sem querer – e apesar dele – que a democracia resistiu galhardamente à maneira como é entendida e praticada por aqui. Sem reforma política, mas com a iniciativa de encaixar na classe média, mediante três refeições por dia, os brasileiros que estavam do lado de fora do consumo.

O resto ficou para depois.

Não consta onde foi parar o interesse público na democracia que os dois candidatos, agora resumidos num único presidente, se propuseram consolidar corporativamente. Sem uma oposição daqueles que fazem ou escrevem a história, e para as quais não basta a versão oral, nada feito. Questões inodoras, incolores e insípidas são óbvias demais para esquentar a disputa de uma presidência que, mais do que notícia de jornal, merece uma página de Eça de Queirós ou uma boa farpa de Ramalho Ortigão.

A reforma política esqueceu sua razão de ser, desde que o ex-presidente Lula desistiu e jogou a toalha porque a empreitada é, em si mesma, uma iniciativa tão perfeita para não ser executada que é melhor ficar fora do seu raio de alcance. Qualquer disposição efetiva pode estraga-la. Deixem o Brasil se encontrar. O ex-presidente livrou-se de ser o maestro de uma reforma na qual o Brasil, republicanamente falando, não se reconheceria no dia seguinte. Qualquer reforma que se faça só vai estragar as facilidades da vida parlamentar, cuja produtividade pode ser aquilatada pelos dias de trabalho. Se, ao invés de dois dias úteis (por semana), fossem quatro, o número de inconveniências dobraria.

Os dois candidatos quiseram animar a disputa, mas a diferença entre eles não foi suficiente para deixar clara qualquer divergência. Trataram de soprar as brasas dos interesses que os une e nos quais, um dia, acabam fritos. Sem necessidade de dar nome aos bois, um dos dois mandou à presidente Dilma uma carta na qual pedia respeito pelas emendas individuais.

O outro se sentiu roubado e sacou o argumento de que “bom presidente (da Câmara dos Deputados) não manda carta”, pois dispõe do recurso regimental de trancar a pauta da Câmara quando o Executivo não der a devida consideração às demandas parlamentares.

A repercussão do confronto não foi medida em pesquisas de opinião, mas o outro candidato advertiu o Executivo: “Mexer com deputado agora, de forma injusta (sic), significa mexer com a presidência da Casa, e não ficará sem a devida resposta”. Não era para valer, mas apenas constar. O Tribunal de Contas da União ficou na mira do orador e deve ter tomado nota de que “terá seu papel complementar como órgão auxiliar do Legislativo, e não o contrário, como acontece hoje”. Um deles informou que vai mudar o tipo de relação com tribunais que “querem legislar” (esta foi na vidraça do Supremo) sobre questões já decididas pelo Legislativo. O Ministério Público não ficou ileso, pois é useiro e vezeiro em “desrespeitar os parlamentares”.

A antirreforma falou. O resto virá a seu tempo.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Sistema em corner:: Míriam Leitão

O susto maior na mesa de negociação do último lance do PanAmericano foi quando o empresário Silvio Santos disse: "Então, liquide-se o banco. Não quero mais saber." Havia percebido que a carta jogada na mesa colocava todos em situação difícil. Ele ficaria com os bens indisponíveis, mas o BC teria que viver a estranha situação de pôr os bens da Caixa também indisponíveis. Todos se olharam assustados.

"O sistema entrou em córner. Todos tinham muito a perder: os grandes bancos, o Banco Central, a Caixa, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e o candidato a comprador," conta uma pessoa que acompanhou de perto a escorregadia negociação.

De sagacidade reconhecida, o empresário jogou a bomba no colo de todos. A Caixa comprou, no fim de 2009, 49% do capital votante do banco e no acordo de acionistas feito depois da primeira intervenção ela passou a fazer parte da administração do PanAmericano. A presidente da Caixa passou a ser a presidente do Conselho de Administração do banco. Os bancos Itaú, Banco do Brasil e Bradesco, que tinham comprado carteiras de recebíveis do PanAmericano, teriam enormes prejuízos.

Pelas regras desse negócio, o banco que vende é co-responsável. A maioria dos créditos concedidos pelo banco é para a compra de carro, perto de 65%. Mas mesmo vendendo a carteira, o carnê é pago no PanAmericano, o gerador do crédito é responsável, e o dinheiro é repassado a quem comprou a carteira. "A bicicleta tem que andar. Se o PanAmericano deixasse de existir, haveria uma confusão operacional enorme para os bancos compradores", me disse um banqueiro que não participou da negociação, mas também atuou no negócio de compra e venda de carteiras de crédito.

O Fundo Garantidor de Crédito tinha emprestado R$2,5 bilhões achando que assim mataria o problema, mas as novas descobertas aumentavam o rombo. A liquidação seria um desastre para todos da mesa.

- Ninguém vê nada? O Banco Central não viu nada nesses anos todos? O Fundo Garantidor não viu nada? - protestou Silvio Santos.

No primeiro momento, o rombo do PanAmericano parecia ser só um problema de duplicação: ele vendeu e manteve a carteira como seus ativos. Agora, se descobriu que era pior do que o imaginado: havia carteiras falsas, créditos inexistentes, créditos pré-pago registrados como recebíveis. A detalhada análise feita nos últimos dois meses pela nova consultoria contratada, a Price, e os técnicos do Banco Central revelou que em vez de R$2,2 bilhões do rombo original, ou dos R$3,8 bilhões que se diz atualmente, ele já chegou a R$4,5 bilhões. O número preciso será exibido no balanço.

O objetivo do empresário era livrar-se do banco e do problema, liberar seus outros bens, e deixar que eles que são bancos que se entendessem. Foi bem sucedido. Quando o problema estourou, ele disse que assumiria integralmente a dívida com o FGC. Era o maior acionista, de fato, mas ele tinha 37% das ações do banco; a Caixa, outros 36%, e o resto estava em mercado, com minoritários. Ele podia ter dito que se responsabilizava apenas por sua parte e não o total do empréstimo. Silvio Santos não cuidava do cotidiano do banco, havia de fato delegado aos administradores.

Se os três grandes bancos assumissem o PanAmericano - já que eram eles que estavam expostos ao risco - haveria um problema imediato de superposição de agências. Ficou claro para o Banco Central que a instituição terá de pensar em novos mecanismos para situações emergenciais como essa. O Fundo Garantidor de Crédito teme o chamado moral hazard, ou risco moral. Ele tem hoje R$26 bilhões líquidos. Quantos PanAmericanos o FGC poderá salvar se ficar estabelecido que bancos quebrados serão sempre resgatados em nome do temor do risco sistêmico?

O Fundo foi criado para cobrir depósitos de clientes. Na época que se descobriu o primeiro rombo, a obrigação era cobrir até R$60.000 por CPF. Hoje, subiu para R$70.000. Mas o custo maior seria para cobrir os chamados DPGE, os Depósitos à Prazo com Garantias Especiais do FGC. Esse mecanismo foi criado pelo Banco Central, na crise de 2009. Permite que os bancos paguem uma taxa extra ao FGC para que ele cubra o risco dos grandes investidores até um certo limite. Com essa garantia, os bancos médios puderam vender papéis para os fundos de pensão. O FGC tinha que cobrir portanto uma parte da perda dos grandes fundos de pensão que compraram títulos do PanAmericano na crise de 2009. Mas juntando tudo, era por volta de R$2 bilhões. O FGC acabou gastando o dobro.

A maior parte do rombo é resultado de má administração, confusão, bagunça no banco. "Nos últimos meses, foram revistos 80% das carteiras, e foi assim: a cada enxadada, uma minhoca, ou duas", disse uma fonte. O PanAmericano, na verdade, deu prejuízo nos últimos quatro anos, mas simulou um lucro, pagou imposto sobre lucro falso. Para o PanAmericano, a Caixa era o parceiro perfeito porque tem sua vasta rede de captação e uma placa reluzente.

Essa primeira operação da CaixaPar foi um absoluto desastre, como se vê. E agora? Bom. Agora a Caixa pôs à disposição do Panamericano uma linha de R$10 bilhões, o BTG pôs outra de R$5 bilhões. Garantido dessa forma, o banco poderá captar a juros mais baixos. O FGC aceitou receber 15% do que de fato emprestou, mas poderá dizer que provou sua utilidade. O Banco Central poderá dizer que foi uma solução privada com dinheiro dos bancos, apesar de o custo de capitalizar o fundo ser repassado aos clientes pelos bancos. Os grandes bancos saem da situação aflitiva em que estavam. Silvio Santos liberou seus bens dados em garantia. Assim, cada um livrou o seu lado, mas a história acabou deixando no ar dúvidas e riscos.

FONTE: O GLOBO

Primeiro apagão do governo Dilma é o maior do Nordeste

Irritada com blecaute, presidente decide acelerar mudanças no setor

Uma falha na subestação Luiz Gonzaga, na divisa entre Pernambuco e Bahia, deixou oito estados do Nordeste sem energia elétrica por até cinco horas na madrugada de ontem. Ao todo, 47,7 milhões de pessoas ficaram sem luz. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), cerca de 90% do Nordeste foram atingidos, no maior apagão da região. Em 2009, no maior apagão do país, só o Nordeste escapara. O blecaute irritou a presidente Dilma Rousseff, que cobrou explicações de vários órgãos e deve acelerar as mudanças no comando do setor, hoje nas mãos do PMDB.


ÀS ESCURAS

Nordeste apagado

Falha em subestação de energia deixa 47,7 milhões de pessoas sem luz em 8 estados

Mônica Tavares

Menos de um ano após o Nordeste sofrer um apagão de mais de uma hora por causa de um galho de árvore, um blecaute de grandes proporções atingiu oito estados da região aos 21 minutos da madrugada de ontem, horário de Brasília. O governo justificou o evento, que durou até as 5h e deixou 47,7 milhões de pessoas às escuras, dizendo que houve uma falha em um componente eletrônico do sistema de proteção da subestação de Luiz Gonzaga, na divisa de Bahia e Pernambuco. Apesar da extensão e da duração do problema, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, classificou-o de "interrupção temporária de energia" e defendeu que o sistema elétrico brasileiro é "moderno e robusto", afastando risco sistêmico ou de apagões durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

- Não há sistema de energia mais moderno do que o brasileiro. Pelo contrário, o nosso sistema é melhor do que na maior parte do mundo - afirmou o ministro, em coletiva convocada logo após se reunir com a presidente Dilma Rousseff. - Tem falhas? Tem falhas, isto acontece em todos os países do mundo.

O presidente do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, estimou que cerca de 90% do Nordeste ficou sem luz, considerando que apenas o Sul da Bahia e parte do Piauí e do Maranhão não foram afetados, por serem atendidos por outras linhas de transmissão não ligadas à subestação.

- Praticamente todos os consumidores do Nordeste foram atingidos. Nesse caso acho que não houve problemas na manutenção. A falha aconteceria mesmo no dia seguinte a uma manutenção no sistema.

Governo suspeita de pane em software

Segundo Lobão, não há causa definitiva para o blecaute, mas o governo trabalha com a hipótese de pane numa espécie de software do sistema de proteção da subestação de Luiz Gonzaga, que recebe, através de dois linhões de transmissão, energia da hidrelétrica de Sobradinho (BA). Quando um deles (linha 1) caiu, por um evento corriqueiro, houve a tentativa dos técnicos de religar. O software entendeu que esta intervenção era uma ocorrência grave na linha 1. Para proteger o sistema, desligou a linha 2, cortando o fornecimento de Sobradinho à subestação.

Um outro sistema de transmissão de Sobradinho, pelo Piauí, estava desligado para manutenção, o que "represou" a energia. Esses acontecimentos provocaram alterações no sistema elétrico nordestino, o que levou ao desligamento em cascata de outras linhas de transmissão que vão distribuindo a energia até chegar às cidades - inclusive os pontos de interligação com o Norte e o Sudeste, que poderiam mandar energia. Isolado, o Nordeste apagou por completo à 0h29, deixando sem luz Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte. Apenas o Maranhão, estado de Lobão, escapou.

- A falha em Luiz Gonzaga é a provável causa. Se depois verificarmos que o motivo foi outro, vamos informar - afirmou o ministro.

A sobrecarga do sistema e o erro humano foram eliminadas por Lobão como causas do blecaute. Ele disse que os funcionários da subestação de Luiz Gonzaga tentaram religar a primeira linha de transmissão, que caiu "naturalmente":

- Não é sobrecarga. Eram dois circuitos, falhou uma linha, tentou-se religar o circuito e aí, sim, houve o problema com o desligamento dos dois circuitos, o que gerou uma contaminação do sistema.

Lobão descartou que o Brasil não esteja preparado para os grandes eventos de 2014 e 2016 e que um blecaute ocorra na Copa e nas Olimpíadas. Ele contou que foi criada uma comissão para trabalhar em todas as regiões e cidades onde os eventos vão acontecer, para reforçar a segurança do sistema:

- Não temos esta preocupação, de que possa haver um acidente. (A comissão) é uma precaução a mais, estamos tomando todas as providências, não queremos ser surpreendidos.

Na próxima segunda-feira, Lobão se reúne no Rio com o ONS, as distribuidoras dos oito estados, a Chesf - subsidiária da Eletrobras que responde pela hidrelétrica de Sobradinho e os linhões de transmissão - e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), à qual caberá determinar a punição aos culpados. O ministro disse que no encontro será feita uma radiografia conjunta de tudo o que ocorreu para evitar que o problema se repita.

Prejuízos não foram contabilizados

Os cálculos sobre os prejuízos ainda não foram feitos, segundo Lobão, porque a preocupação imediata das autoridades do setor foi com a normalização da situação. O governo planeja a construção de cinco hidrelétricas no rio Parnaíba, no Nordeste.

O restabelecimento do fornecimento de energia no Nordeste começou à 1h10, por Fortaleza. Os habitantes de João Pessoa sofreram com a falta de luz até as 2h40. Em Maceió e Aracaju, a luz só voltou completamente às 4h e uma hora depois o fornecimento a Natal já estava normalizado. As últimas capitais a terem o sistema restabelecido foram Salvador e Recife, às 5h. Em Salvador, Rosana Martins ficou preocupada ao saber que a falta de energia atingira a área do Festival de Verão 2011, onde seu filho adolescente estava.

FONTE: O GLOBO

Para especialista, loteamento mostra 'absolutismo anacrônico' do país

A hora da partilha

Estudiosos dizem que distribuição de cargos prejudica andamento de instituições

Dandara Tinoco

O loteamento de cargos públicos, pano de fundo da disputa entre PT e PMDB, é um velho conhecido do Estado brasileiro e, para especialistas, indica a sobrevivência de uma prática absolutista no país. Estudiosos apontam que a distribuição pode ter consequências desastrosas: entre elas, a nomeação de pessoas não qualificadas e a interrupção de políticas públicas.

Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e especialista em ética política, Roberto Romano afirma que o Brasil ainda não se tornou um Estado plenamente moderno. O poder do presidente, tal qual de um rei, é assegurado pela distribuição de cargos:

- O que define a essência do Estado brasileiro é ele ter surgido no período absolutista, quando o rei distribuía cargos para membros da nobreza, do clero e da burguesia. O Brasil é um caso de absolutismo anacrônico. Temos alguns aspectos modernos, mas a essência vem desses apoios ao poder Executivo a partir da concessão de cargos para o Legislativo e até para o Judiciário. É da tradição brasileira antimoderna, absolutista. O presidente tem poderes imensos, mas tem pé de barro: se não consegue distribuir cargos a tempo, até a base aliada coloca a faca no pescoço, que é o que estamos vendo agora.

Para o professor, as instituições seguem a lógica de cada governo e não do Estado. E, dessa forma, a continuidade de políticas que foram implementadas nas gestões anteriores é prejudicada.

- Você não pode mudar o que foi estratégico para atender este ou aquele partido, e é isso que estamos observando acontecer - afirma. - No momento em que há indicações para assegurar o toma lá dá cá do poder, se nomeia quem não tem competência para o cargo. Todos os recursos são jogados no abater das almas para satisfazer os partidos. Então vemos confusões como essas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e do apagão no Nordeste. O próprio ministro (Edison Lobão) diz que não houve apagão. Isso significa que as pessoas não estão assumindo a sua responsabilidade. E o padrão moderno da democracia é da responsabilização dos que tocam cargos públicos diante dos que pagam impostos.

Bem privado fica em primeiro lugar

O professor Eurico Figueiredo, coordenador de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que o desafio da presidente Dilma Rousseff será manter o apoio da base aliada sem ceder a indicações que possam prejudicar a gestão das estatais:

- O presidente depende de apoios. No momento em que bate o martelo sem apoio político, está sendo inabilidoso. O problema é você saber quando o critério técnico desaparece em face ao político. Queremos, como sociedade, que gestores sejam mais eficientes e probos, porque eles são pagos por nós. O que nos espanta é que embora digam que estão fazendo isso, eles (os políticos) representam máquinas, muitas vezes oligárquicas, que se perpetuam no poder. O bem público fica em segundo lugar, e o privado, em primeiro.

O cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael concorda que a briga por cargos é natural. No entanto, ele destaca que as nomeações podem fragilizar as instituições públicas.

- Como Dilma não pode romper com o PMDB, é necessário que se estabeleça uma boa convivência. Mas o PMDB tem lideranças muito desgastadas que têm rejeição da opinião pública, e o PT não pode ceder muito porque vai passar a impressão de que seus princípios estão sendo flexibilizados. É natural que haja uma cobrança da coalização que deu a vitória para a presidente, mas quando essa coalização passa a ocupar cargos públicos, ela pode acabar fragilizando estatais e instituições, porque muitas vezes a indicação não tem preocupação com a competência.

Ismael aprova a indicação de nomes técnicos para estatais como Furnas e Funasa, mas diz que mais importante que isso é a competência dos gestores para tocar as instituições.

- A questão não é só o perfil técnico, mas também pessoas que tenham o espírito republicano, que deem contribuição para o bom andamento da máquina pública. É importante também a postura como vão conduzir os seus cargos, que deve ser de respeito ao serviço público.

FONTE: O GLOBO

Com impasse sobre mínimo, sindicatos ameaçam

A insistência do governo em manter a política de reajuste do salário mínimo que leva em conta a inflação e o crescimento do PIB de dois anos anteriores inviabiliza um acordo com as centrais sindicais. Após três horas de reunião com os ministros Guido Mantega (Fazenda), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Carlos Lupi (Trabalho) em São Paulo, sindicalistas prometeram mobilizações. “Estamos incomodados com o início do governo Dilma", resumiu Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical.

Negociação sobre mínimo emperra e centrais já comparam Lula e Dilma

Ricardo Leopoldo e Daiene Cardoso

A insistência do governo federal em manter para 2011 a política de reajuste do salário mínimo que leva em conta a inflação e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores inviabiliza um acordo com as centrais sindicais. Após três horas de reunião com os ministros Guido Mantega (Fazenda), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Carlos Lupi (Trabalho), ontem em São Paulo, sindicalistas reagiram com indignação, fizeram comparações entre Dilma e o ex-presidente Lula e prometem fazer mobilizações nacionais contra o valor do mínimo.

A tendência é que o Executivo envie ao Congresso medida provisória fixando o mínimo em R$ 545 e aguarde o desdobramento das negociações com parlamentares. A oposição já anunciou que votará por um valor maior. Nos bastidores do Planalto, já se admite um mínimo de R$ 550 e alguma correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A correção, porém, só deverá ser levada à mesa quando o mínimo estiver prestes a ser votado no Congresso.

"Estamos incomodados com o início do governo Dilma. É uma tentativa do mercado de mandar em tudo e não vamos concordar com isso", disse o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho. "Essa reunião foi frustrante", resumiu. O sindicalista afirmou que Lula inaugurou uma política de valorização dos mais pobres e "sempre interveio em favor dos trabalhadores".

O presidente da União-Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, endossou o discurso de Paulinho. "Estamos um pouco surpresos. Ela (Dilma) não nos atendeu ainda e engessou as negociações. Isso está dificultando muito", reclamou.

Já o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva, destacou que os sindicalistas não vão abrir mão do aumento real do salário mínimo e da correção da tabela do IR. "Queremos a continuidade do que foi feito no governo Lula", afirmou.

Para dificultar ainda mais a negociação, as centrais resolveram atrelar a discussão do mínimo a outros dois itens: "Só vamos aceitar um acordo com o governo com três condições: aumento do salário mínimo, do valor das aposentadorias e também a correção da tabela do imposto de renda", afirmou Paulinho.

Defesa. Os ministros Mantega e Carvalho negaram que a proposta do governo Dilma Rousseff seja distinta da adotada por Lula. Segundo eles, está sendo aplicado o mesmo acordo feito pelo ex-presidente com as centrais em 2007, que definiu o reajuste salarial a partir da inflação e do resultado do PIB.

"Não é verdade que haja uma ruptura", disse Carvalho. As centrais têm dificuldade em manter o acordo pelo fato de o PIB de 2009, com a crise internacional, ter sido 0,6% negativo." O governo havia cogitado antecipar parte do reajuste que seria aplicado em 2012, mas a ideia foi abandonada. "Eles querem uma exceção para 2011. Aí fica uma negociação aleatória", explicou Guido Mantega.

O ministro da Fazenda ressaltou que é importante para o governo manter a regra em vigor. "Gostaríamos de dar um aumento maior, mas isso fere o acordo." Mantega também lembrou que o governo enfrenta um ano de dificuldades orçamentárias e de contenção de gastos.

"Com esse acordo, os ganhos do salário mínimo para 2012 já estão assegurados e serão expressivos", afirmou o ministro. Para o próximo ano, o mínimo deve subir 12,5%, levando-se em consideração estimativas do Ministério da Fazenda. A pasta prevê crescimento do PIB de 7,5% em 2010 e inflação oficial de 5% em 2011. Com base nesses cálculos o mínimo subiria para R$ 613,00 em 2012.

"Não há razão para mudar o acordo", insistiu Gilberto Carvalho. Segundo ele, "não havendo acordo" o governo enviará ao Congresso a proposta de reajuste considerando a regra aplicada a partir de 2007. "Seguiremos tentando convencer as centrais e não cansaremos do diálogo", ressaltou Carvalho.

Calado. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que participou do encontro com os sindicalistas e é do mesmo partido de Paulinho, não estava presente na entrevista coletiva concedida ao final da reunião. Segundo Carvalho, Lupi tinha outro compromisso, mas concorda com a proposta do governo. "Quando está no governo, você não defende uma posição pessoal e sim uma posição do conjunto."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Nobel pede a Dilma condenação do Irã

Em carta recém-entregue à presidente Dilma Rousseff, a advogada iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz de 2003, pede que o Brasil vote a favor de resoluções nas Nações Unidas que condenem violações dos direitos humanos no Irã.

Desde 2004, o país se absteve nas moções contra o Irã votadas na 3ª Comissão da Assembleia Geral da ONU.

Ainda não há resposta oficial de Dilma à carta.

Ebadi, que vem ao Brasil em junho, se diz "muito feliz" com a eleição de uma mulher à Presidência. Ela descreve a situação das mulheres no Irã, contrastando sua presença em várias áreas com as leis que reduzem seus direitos em relação aos dos homens.

A Nobel fala de "crise" dos direitos humanos no país e cita aumento da aplicação da pena de morte e punições como amputação e lapidação.

Afirma que o caso de Sakineh Ashtiani, cuja condenação à morte por apedrejamento foi criticada por Dilma, não é isolado.

"Com tristeza, tenho que informar que (...) há mais de dez mulheres e homens esperando essa punição."

A Nobel da Paz atuou na defesa de presos políticos no Irã, incluindo sete dos líderes da religião Baha"i.

Ela vive na Europa desde 2009, depois que seu escritório em Teerã foi invadido por agentes do governo antes da reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Ebadi chega ao Brasil em 7 de junho. Ela participa nos dias 13 e 14 do seminário Fronteiras do Pensamento.

Pretende encontrar parlamentares e dirigentes da Ordem dos Advogados, segundo o cineasta de origem iraniana Flavio Rassekh, que ajuda a organizar sua agenda. A Nobel gostaria ainda de se reunir com Dilma, mas não formalizou o pedido.

Ebadi chama atenção para a sessão de março próximo do Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual o Brasil é membro.

No ano passado, o Irã foi submetido à revisão do conselho pela qual todos os países passam a cada quatro anos. O Brasil fez recomendações sobre igualdade de gêneros e presos políticos.

O Irã aceitou analisar 120 sugestões, e este foi um dos argumentos da diplomacia brasileira para se abster na 3ª Comissão, em novembro.

Mas a avaliação dos ativistas da área é que não houve progresso desde então.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governo brasileiro já considera impraticável cúpula com árabes

Eliane Cantanhêde

O Palácio do Planalto e o Itamaraty já consideram praticamente impossível a realização da Aspa (Cúpula América do Sul-Países Árabes), marcada para o próximo dia 16, em Lima. Com o mundo árabe em chamas, não há condições práticas nem clima para a reunião.

Apesar da quase certeza, Brasília evita antecipar o cancelamento, alegando que qualquer informação sobre isso terá de ser dada pelo anfitrião, ou seja, pelo governo do Peru. Até agora, porém, o presidente Alan Garcia não se manifestou.

Diplomatas lembram que o usual nesses casos é evitar o termo "cancelamento" e usar um eufemismo: "adiamento sine die", ou seja, por termo indeterminado. E não está totalmente descartada uma reunião ministerial.

A constatação do Planalto e do Itamaraty é que a crise derrubou o regime da Tunísia, chegou com força ao Egito, já está na Jordânia e no Iêmen e não perdoa Marrocos. Ou seja, é uma crise disseminada pelo mundo árabe, sem perspectiva de encerramento em curto prazo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

TSE desconsidera o reajuste no Fundo Partidário

Ao anunciar repasse para os partidos, TSE ignora aprovação no Congresso de mais R$ 100 milhões para o fundo. Legendas acreditam que verba sairá

Márcio Allemand

RIO – O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou os números do Fundo Partidário para 2011 sem levar em conta o aumento aprovado no Congresso em dezembro do ano passado, quando uma manobra dos parlamentares elevou em R$ 100 milhões a verba para os partidos, valor que ainda depende de sanção da presidente Dilma Rousseff, mas que as legendas já dão como certo em suas contas. Além dos R$ 165 milhões já previstos, o repasse será incrementado em mais R$ 33 milhões proveniente das multas eleitorais, totalizando, somados os R$ 100 milhões, cerca de R$ 300 milhões a serem distribuídos às 27 siglas.

O dinheiro do fundo é previsto no Orçamento da União, repassados aos 27 partidos de acordo com as regras de distribuição, que prevê uma parte dividida igualmente e outra, proporcionalmente, de acordo com o tamanho das bancadas. Em 2011, a maior fatia do bolo do Fundo Partidário vai mesmo ficar com o PT, que em janeiro teve direito a receber R$ 2.224.862,33. Este valor, equivalente ao duodécimo (1/12), provavelmente será maior a partir de fevereiro, quando deverá ser sancionada a verba extra de R$ 100 milhões.

Ao PMDB coube a segunda maior fatia, com R$ 1.719.667,03. Em terceiro vem o PSDB, com R$ 1.588.880,53, seguido pelo PR, que desbancou o DEM, devido ao aumento da sua bancada na Câmara Federal e recebeu este mês R$ 1.008.658,29.

O DEM, que amargou algumas derrotas nas últimas eleições, perdeu o posto entre os quatro maiores partidos do país e, se não fossem os R$ 100 milhões a mais aprovados pelos parlamentares, iria amargar uma queda ainda maior na arrecadação do Fundo Partidário este ano. De acordo com o presidente nacional do partido, Rodrigo Maia, a perda de espaço se deve ao fato de os Democratas estarem na oposição.

“Quando se tem a máquina, se tem mais estrutura para eleger deputados e atender suas bases. Estamos na oposição há oito anos”, afirma o deputado, cujo partido, em janeiro, teve direito a receber R$ 1.001.301,45. Maia afirma também que a verba extra de R$ 100 milhões aprovada pelo Congresso – mas ainda não sancionada – deverá garantir ao partido pelo menos R$ 120 mil a mais por mês e que esta diferença servirá para a realização dos programas de TV, além de dar um suporte na área de comunicação.

Já os demais partidos, como o PT, PSDB e PMDB, afirmam que a verba do Fundo Partidário é para bancar a manutenção da estrutura, como o pagamento de aluguéis e salários. Os diretórios estaduais também têm direito a um repasse mensal, mas somente aqueles que não perderam o direito por terem as contas de campanha reprovadas. No caso do PT, pelo menos cinco diretórios estaduais ficarão sem o repasse: Maranhão, Pará, Rondônia, Santa Catarina e Tocantins.

O deputado federal André Vargas, secretário nacional de Comunicação do PT, afirma que o dinheiro arrecadado com o Fundo é para custear os gastos do partido, que não são poucos. “O PT é um partido do ano inteiro, não só de época de eleição. Tem custos com funcionários, viagens por todo o Brasil. Não ficamos parados em Brasília”, diz.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Justiça cancela eleições para prefeito em Valença/RJ

Prefeito cassado consegue liminar para se manter no governo até o final do processo

Supremo Tribunal Federal suspendeu a eleição para prefeito de Valença, no Vale do Paraíba, que estava marcada para este domingo (6), e determinou que o prefeito eleito em 2008, que teve o mandado cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), fosse mantido no governo até o julgamento final do processo de cassação.

A decisão foi ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminar na Ação Cautelar ao prefeito eleito em 2008, Vicente de Paula de Souza Guedes. Na decisão, Mendes determinou que Guedes exerça o mandato de prefeito até o julgamento do mérito do recurso extraordinário que apresentou ao Supremo Tribunal Federal, que já foi admitido pelo presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski.

O TSE cassou o mandato de Guedes por entender que ele era inelegível por exercer pela terceira vez consecutiva o mandato de prefeito, o que é proibido pelo artigo 14 da Constituição Federal. Guedes foi prefeito por duas vezes (2001-2004 e 2005-2008) Rio das Flores, também no Vale do Paraíba, e depois de transferir o domicílio eleitoral para o município vizinho, foi eleito prefeito de Valença nas eleições municipais de 2008.

FONTE: DO R7 05/02/2011 ÀS 07H44

Memórias do boi serapião :: Carlos Pena Filho

A Aloísio Magalhães e José Meira

Este campo,
vasto e cinzento,
não tem começo nem fim,
nem de leve desconfia
das coisas que vão em mim.

Deve conhecer, apenas
(porque são pecados nossos)
o pó que cega meus olhos
e a sede que rói meus ossos.

No verão, quando não há
capim na terra
e milho no paiol
solenemente mastigo
areias, pedras e sol.

Às vezes, nas longas tardes
do quieto mês de dezembro
vou a uma serra que sei
e as coisas da infância lembro:

instante azul em meus olhos
vazios de luz e fé
contemplando a festa rude
que a infância dos bichos é ...

No lugar onde eu nasci
havia um rio ligeiro
e um campo verde e mais verde
de um janeiro a outro janeiro

havia um homem deitado ­
na rede azul do terraço
e as filhas dentro do rio
diminuindo o mormaço.

Não tinha as coisas daqui:
homens secos e compridos
e estas mulheres que guardam
o sol na cor dos vestidos

nem estas crianças feitas
de farinha e jerimum
e a grande sede que mora
no abismo de cada um.

Havia este céu de sempre
e, além disto, pouco mais
que as ondas nas superfícies
dos verdes canaviais.

Mas, os homens que moravam
na língua do litoral
falavam se desmanchando
das terras gordas e grossas
daquele canavial

e raras vezes guardavam
suas lembranças mofinas
as fumaças que sujavam
os claros céus que cobriam
as chaminés das usinas.

Às vezes, entre iguarias,
um comentário isolado:
a crônica triste e curta
de um engenho assassinado.

Mas logo à mesa voltavam
que a fome bem pouco espera
e os seus olhos descansavam
em porcelanas da China
e cristais da Baviera.

Naquelas terras da mata
bem poucos amigos fiz,
ou porque não me quiseram
ou então porque eu não quis.

Lembro apenas um boi triste
num lençol de margaridas
que era o encanto do menino
que alegre o tangia para
as colinas coloridas.

Um dia, naquelas terras
foi encontrado um boi morto
e os outros logo disseram
que o seu dono era o homem torto

que em vez de contar as coisas
daqueles canaviais
vivia de mexericos
"entre estas índias de leste
e as Índias Ocidentais".

.A verde flora da mata
(que é azul por ser da infância)
habita: os meus olhos com
serenidade e constância.

Este campo,
vasto e cinzento,
é onde às vezes me escondo
e envolto nestas lembranças
durmo o meu sono redondo,

que o que há de bom por aqui
na terra do não chover
é que não se espera a morte
pois se está sempre a morrer:

Em cada poço que seca
em cada árvore morta
em cada sol que penetra
na frincha de cada porta

em cada passo avançado
no leito de cada rio
por todo tempo em que fica
despido, seco, vazio.

Quando o sol doer nas coisas
da terra e no céu azul
e os homens forem em busca
dos verdes mares do sul.

só eu ficarei aqui
para morrer por completo,
para dar a carne à terra
e ao sol meu branco esqueleto,

nem ao menos tentarei
voltar ao canavial,
pra depois me dividir
entre a fábrica de couro
e o terrível matadouro municipal.

E pensar que já houve um tempo
em que estes homens compridos
falavam de nós assim:
o meu boi morreu
que será de mim?

Este campo,
vasto e cinzento,
não tem entrar nem sair
e nem de longe imagina
as coisas que estão por vir,

e enquanto o tempo não vem
nem chega o milho ao paiol
solenemente mastigo
areia, pedras e sol.

De Livro Geral. Rio de Janeiro: Livraria São José, Rio, 1959