domingo, 13 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Senador Aloysio Nunes

Lula sobre mensalão, na festa do PT: 'Quando um companheiro nosso tiver problema, na dúvida, a gente tem que estar com o companheiro da gente'. Faltou Lula dizer que, quando se descobre que um companheiro é culpado, deve-se passar a mão na cabeça dele e perdoá-lo imediatamente.

Senador Aloysio Nunes, Twitter, 11 fevereiro. 2011.

Junta egípcia promete passar poder a civis e garante acordos com Israel

Conselho militar tranquiliza população e comunidade internacional; alguns ex-ministros são proibidos de deixar o país sem autorização

Lourival Sant’Anna

O comando das Forças Armadas do Egito divulgou ontem um comunicado reafirmando seu compromisso de realizar a transição para um governo civil eleito democraticamente. O comunicado diz também que o Conselho Supremo das Forças Armadas - a quem o presidente Hosni Mubarak entregou o poder na sexta-feira - pediu ao gabinete que continue administrando o país até que um novo governo de transição seja formado.

Na declaração direcionada para tranquilizar tanto a sociedade egípcia quanto os vizinhos da região, o Conselho proibiu a saída do país de autoridades do antigo governo sem sua autorização e prometeu honrar todos os acordos internacionais vigentes, incluindo o pacto de paz com Israel, firmado em 1979. Em Jerusalém, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu saudou o comunicado.

Vários ex-ministros, incluindo o do Interior, Habib El-Adly, e membros do Partido Nacional Democrático, do governo, como o bilionário Ahmed Ezz, estão sendo investigados por corrupção e abuso de autoridade.

O paradeiro do próprio Mubarak parecia incerto ontem. Na sexta-feira, um funcionário do partido informou que ele tinha ido com a mulher, Suzanne, para Sharm El-Sheikh, um balneário egípcio no Mar Vermelho. Mas ontem havia rumores de que ele teria ido para o Golfo Pérsico ou para a Europa.

Seu filho, Gamal, que supostamente estava sendo preparado para sucedê-lo antes de os protestos eclodirem no dia 25, parece estar em Londres, onde a família tem negócios.

Mubarak e os filhos são acusados de terem desviado US$ 70 bilhões em dinheiro público. Virtualmente todo negócio importante no Egito tinha de passar pela família.

O Exército mudou ontem o início do toque de recolher, das 20 horas para a meia-noite, indo até as 6 horas do dia seguinte. Os militares começaram a remover as barreiras que fechavam os acessos à Praça Tahrir, epicentro da revolta que derrubou o presidente, no poder havia 30 anos.

Voluntários recolhiam o lixo e retiravam as tendas nas quais milhares de manifestantes acamparam durante os 18 dias de protestos. Mas milhares de pessoas ainda permaneciam ontem na praça. A maior parte celebrava a "vitória da revolução". Outra parte disse que continuaria lá para ver se os militares cumpririam realmente a sua promessa.

"Estamos aqui para ver se vai haver mesmo mudanças", disse Khaled Salah, de 22 anos, dono de uma pequena loja de celulares, fechada desde o dia 25. "Tenho medo de que sejam só palavras, e não mudanças de fato."

Fawzy Gohar, de 22 anos, estudante de comércio na Universidade Zagazig, disse que continuará na praça porque não quer que os militares continuem governando o país, que desde a revolução de 1952 que derrubou a monarquia tem tido presidentes militares. "Gosto de Amr Moussa", declarou Gohar, referindo-se ao ex-chanceler de Mubarak e secretário-geral da Liga Árabe, que apoiou os protestos contra o regime desde o começo.

"Estou muito feliz", disse Mourade Bibras, de 23 anos, estudante de pedagogia na Universidade Ain Shams, que comemorava a queda de Mubarak usando uma camisa da seleção brasileira. "Nós confiamos no Exército, mas vamos continuar na praça para garantir que sejam adotadas as medidas para melhorar a economia e a educação."

Depois de 18 dias em que os egípcios de diferentes classes sociais e filiações ideológicas se sentiram unidos, muitos pareciam resistir à ideia de voltar a suas vidas de antes. Todos os líderes e analistas políticos ouvidos pelo Estado disseram acreditar que o Exército fará a transição democrática, e não há sinais de divisão na cúpula militar.

"Confio no Exército", disse Abdel Haleem Kandeel, dirigente do movimento pró-democracia Kefaya (Basta!), fundado em 2004. "O comando mantém-se sempre unido e se move em bloco, seja quando apoiou Mubarak, quando retirou o apoio e agora na transição." De acordo com Ayman Nour, líder do partido de oposição Al-Ghad (O Amanhã), que enfrentou Mubarak na última eleição presidencial, em 2005, e depois ficou quatro anos preso, os comandantes estão unidos em torno do ministro da Defesa, marechal Mohamed Hussein Tantawi, que chefia o Conselho Supremo das Forças Armadas.

O gesto mais eloquente de respeito ao movimento pró-democracia partiu do comandante das Forças Armadas, general Sami Adnan, durante a leitura do comunicado na noite de sexta-feira, em que o Conselho assumiu os poderes deixados pelo presidente. Adnan bateu continência para o "espírito daqueles que se martirizaram, que sacrificaram suas almas pela liberdade e segurança de seu país", dando a entender que os militares e os manifestantes estavam do mesmo lado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Grupo de oposição no Egito encerra protestos no Cairo, mas promete manifestações semanais

CAIRO - O principal grupo de jovens e opositores ao governo Hosni Mubarak no Egito decidiu encerrar os protestos na Praça Tahrir, no Cairo, onde se concentraram durante 18 dias até derrubarem o ditador. Os manifestantes afirmam, no entanto, que vão convocar manifestações semanais para pressionar os militares a realizar reformas democráticas. Ainda assim, outros prometeram continuar acampados na praça. A oposição segue sem uma clara liderança e não está toda unida.

Em dois comunicados, grupos à frente das manifestações cobraram a suspensão do estado de emergência que vigora desde 1981, quando Mubarak assumiu a Presidência. Eles também exigiam das Forças Armadas a libertação de presos políticos e a dissolução de cortes militares. O grupo que está por trás do "Comunicado Número 1" é composto por membros de partidos políticos, além de médicos, advogados e engenheiros, entre outros representantes da sociedade.

Os reformistas cobravam, ainda, que um conselho de transição com cinco integrantes - quatro civis e um militar - assumisse o controle do país até as próximas eleições. Eles também pediam liberdade de imprensa e de organização partidária.

À tarde, manifestantes anunciaram a criação de um conselho para defender o movimento e negociar com os militares. O grupo reuniria 20 pessoas, entre organizadores dos protestos, figuras importantes no país e líderes políticos de diferentes origens.

- O objetivo do Conselho de Curadores é manter diálogo com o Conselho Supremo e levar a revolução adiante para uma fase de transição - afirmou Khaled Abdel Qader Ouda, acadêmico ligado ao grupo. - O conselho terá autoridade para convocar protestos ou suspendê-los dependendo de como a situação se desenvolver.

Antes, as Forças Armadas, para as quais Mubarak passou o poder ao renunciar, divulgaram comunicado prometendo entregar o poder após as eleições, que, segundo a Constituição egípcia, devem acontecer dentro de dois meses. O Exército também afirmou que respeitará os acordos internacionais e, por enquanto, manterá o Gabinete de Mubarak. No fim da tarde, o chefe do conselho militar, Mohamed Hussein Tantawi, encontrou-se com ministros para acertar a volta do país à normalidade. Com o ministro do Interior, Mahmoud Wagdy, Tantawi tratou do retorno da polícia ao serviço o mais rapidamente possível. A polícia deixou as ruas nos primeiros dias da revolta contra Mubarak.

De acordo com autoridades aeroportuárias, integrantes do antigo e do novo governos só podem viajar dom autorização.

Barricadas são desmontadas na Praça Tahrir

A tranquilidade, as dúvidas e a esperança se misturam no Egito. Manifestantes que ainda estavam nas ruas pedem que Mubarak seja julgado e multiplicam os rumores de que ele teria deixado o país depois de sair do Cairo. A Praça Tahrir, símbolo dos protestos, começa a voltar à normalidade. Os militares começaram a desmontar barricadas e o povo se organiza para limpar o local.

No Parlamento, para onde os manifestantes se dirigiram nos últimos dias, já não há mais barricadas. O tráfego começa a voltar ao caos habitual. Apesar da sensação de vitória, egípcios não descartam a possibilidade de retomar os protestos caso o novo governo não cumpra com suas promessas de atender às demandas do povo.

FONTE: O GLOBO

Milhares de argelinos vão às ruas para pedir democracia

Milhares de pessoas desafiaram a proibição oficial de manifestações na capital argeliana e se reuniram no centro da cidade para exigir mudanças no regime de governo, um dia após protestos similares terem derrubado o presidente egípcio, Hosni Mubarak.

Policiais fortemente armados tentaram isolar a cidade de Argel, bloqueando ruas ao longo da rota da passeata e colocando barricadas do lado de fora da cidade para tentar impedir que ônibus lotados de manifestantes chegassem à capital. Apesar disso, milhares de pessoas foram para as ruas de Argel e entraram em confronto com a polícia.

Milhares de pessoas tomaram o centro de Argel aos gritos de "não à polícia" e "fora Bouteflika", uma referência ao mandatário argeliano, Abdelaziz Bouteflika, que está no poder desde 1999.

Ali Yahia Abdenour, que dirige a Liga Argeliana para Defesa dos Direitos Humanos, disse que 400 pessoas, dentre elas mulheres e jornalistas estrangeiros, foram presas durante as manifestações deste sábado, que acontecem um dia após uma revolta popular ter derrubado o regime autocrático do Egito. Abdenour, que tem 83 anos, foi cercado por forças de segurança, que tentaram convencê-lo a ir para casa.

A marcha surge em um momento delicado para Argélia. Uma revolta popular de 18 dias no Egito provocou a renúncia de Hosni Mubarak, semanas depois de o presidente tunisiano, Zine El Abidine Ben Ali, ter deixado o poder. O sucesso destas manifestações parece alimentar esperanças entre aqueles que buscam mudanças na Argélia, ainda que muitos temam qualquer perspectiva de violência após a guerra civil de 1990, que deixou 200 mil mortos.

Organizada pela Coordenação para Mudança Democrática na Argélia - um grupo formado por ativistas de direitos humanos, advogados, sindicalistas e outras categorias -, a marcha visa a pressionar por reformas que conduzam o país em direção à democracia.

O nível de tensão é alto no país de 35 milhões de habitantes, localizado no norte da África, desde a realização de cinco dias de protestos em janeiro contra a alta dos preços dos alimentos. Apesar de suas vastas reservas de gás, a Argélia é marcada por altos níveis de pobreza e desemprego. Alguns acreditam que o país pode ser o próximo a realizar protestos populares que já derrubaram dois líderes árabes em um mês.

De acordo com o estado de emergência, que já dura quase duas décadas no país, as manifestações são proibidas na capital, mas muitos ignoraram as advertências do governo. Um ativista disse que os protestos deste sábado são um marco.

"Esta manifestação é um sucesso porque há dez anos as pessoas não conseguem marchar por Argel e há uma certa barreira psicológica", disse Ali Rachedi, ex-presidente do partido Frente das Forças Socialistas. "O medo foi embora."

Os organizadores estimam que 28 mil integrantes das forças de segurança estavam nas ruas durante os protestos, que segundo eles atraiu 10 mil participantes. Já o governo diz que cerca de 1.500 pessoas participaram da marcha.

Said Sadi, presidente do partido opositor Reunião para Cultura e Democracia, disse que a quantidade de policiais destacados para o protesto mostra "o temor deste governo, que está em desespero". "Vamos continuar a nos manifestar e desafiar as autoridades até que caiam", prometeu Sadi.

FONTE: Associated Press.

Irã diz que não vai permitir manifestação da oposição

Um funcionário do Ministério do Interior iraniano disse neste sábado que o governo não vai permitir que a oposição realize uma manifestação em apoio aos levantes árabes ocorridos na Tunísia e no Egito. Membros do regime iraniano acreditam que a concentração é uma tentativa de realizar novos protestos contra o governo.

Os líderes opositores Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi haviam pedido permissão ao Ministério para realizar, na segunda-feira, uma demonstração de solidariedade aos povos da Tunísia e do Egito.

"Esses elementos estão perfeitamente cientes da natureza ilegal do pedido. Eles sabem que não daremos permissão para tumultos", disse Mehdi Alikhani Sadr, funcionário da divisão política do Ministério, segundo a agência de notícias Fars.

Permissão para "tumultos de incitadores" não será concedida, disse ele, referindo-se aos líderes opositores que funcionários do regime acusam de ter espalhado os protestos realizados após a controversa reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad em 2009.

Partidários do governo dizem que os líderes opositores querem usar a manifestação em apoio aos egípcios e tunisianos para demonstrarem sua insatisfação com o regime. Os protestos de 2009 deixaram dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares foram detidos. Embora Teerã não permita que o movimento opositor realize manifestações, a oposição declarou seu apoio aos tunisianos e egípcios.

O próprio Ahmadinejad disse na sexta-feira que era um "direito" dos egípcios protestar contra o aliado dos Estados Unidos, Hosni Mubarak, horas antes de o presidente renunciar.

FONTE: AGÊNCIA ESTADO

Príncipe Mulay Hicham, do Marrocos, prega abertura política antes que seu país também seja sacudido por protestos

PARIS - O príncipe Mulay Hicham, de 46 anos e terceiro na linha de sucessão no trono do Marrocos, considera, em entrevista telefônica concedida em Paris, que a revolta que sacode o sul do Mediterrâneo chegará a seu país. Autor de artigos acadêmicos sobre o mundo árabe, o príncipe fundou, na Universidade de Princeton, o Instituto de Estudos Contemporâneos Transregionais do Oriente Médio, Norte da África e Ásia Central.

Apelidado de "Príncipe Vermelho" devido à sua campanha pela democratização do regime político marroquino, Hicham já criticou publicamente em diversas ocasiões a monarquia do país, e por isso, mantém uma tensa relação com seu primo, o rei Mohamed VI, no poder há dez anos. Ele acredita que o governo de seu primo tem a difícil tarefa de redinamizar a vida política do país antes que também o Marrocos passe pela revolta popular que se propaga no mundo árabe.

Afirmando que o mal-estar na região podia ser constatado já há muitos anos, o príncipe sublinha que os acontecimentos na Tunísia e no Egito derrubaram o muro simbólico do medo erguido na cabeça dos árabes e, por isso, Rabat precisa promover reformas antes que seja tarde. "A amplitude do poder monárquico desde a independência é incompatível com as novas reivindicações", afirma Mulay Hicham.

FONTE: O GLOBO

Obama saúda compromissos assumidos por militares no Egito

WASHINGTON (AP) - O presidente Barack Obama parabenizou os compromissos assumidos pelos novos governantes militares no Egito, que prometem entregar o poder a um governo civil eleito e cumprir um tratado de paz com Israel.

Nas ligações que fez para vários líderes estrangeiros, Obama reafirmou sua admiração pelo povo do Egito, que forçou a renúncia do antigo líder, Hosni Mubarak, após 18 dias de protestos. Obama se comprometeu a fornecer todo o apoio solicitado pelo Egito, incluindo apoio financeiro, de acordo com informações da Casa Branca.

Os militares assumiram o controle do país após a renúncia de Mubarak. Os pronunciamentos de sábado foram bem recebidos não só pelos EUA, também por Israel, cujos líderes estavam preocupados que as turbulências no Egito poderiam ameaçar o acordo de paz entre os dois países.

A Casa Branca disse que Obama conversou com três líderes mundiais neste sábado: o primeiro-ministro britânico, David Cameron; o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan; e o rei Abdullah da Jordânia, que também enfrenta protestos em seu país.

Autoridades dos EUA têm observado as manifestações na Jordânia e outros países do Oriente Médio. Obama disse aos líderes que ele acreditava que a democracia traria mais, não menos, estabilidade para a região.

FONTE: O GLOBO

Itália vive dia de manifestações contra Berlusconi

Foto L'UnitàProstestos acontecem em 30 cidades, como Turim, Veneza e Palermo

ROMA - Manifestantes em cerca de 30 cidades da Itália saem às ruas neste sábado para protestar contra o primeiro-ministro do país, Silvio Berlusconi, para quem a Procuradoria pediu indiciamento na Justiça devido ao escândalo sexual da garota Ruby.

Turim, Veneza e Palermo são algumas das cidades onde as ruas são palco de novos protestos convocados pelo movimento social do Povo Violeta ("Popolo Viola", em italiano), um dos mais críticos ao líder.

As maiores mobilizações civis estão previstas para Roma e Milão. Nesta última cidade, a manifestação está marcada para as 11h local (8h de Brasília) em frente ao Palácio de Justiça onde Berlusconi tem dois julgamentos e uma audiência pendentes, além do caso Ruby, no qual é acusado de abuso de poder e incitação à prostituição de menores.

Já na capital italiana, a concentração está convocada para as 16h (13h de Brasília) na Praça dos Santos Apóstolos. O mesmo horário é para quando estão marcadas mobilizações em cidades como Palermo, Pescara e L'Aquila.

Além das cidades italianas, os protestos contra Berlusconi convocados pelo Povo Violeta serão também realizados neste sábado em Amsterdã, Bruxelas, Londres, Nova York, Zurique (Suíça) e Manchester (Reino Unido).

"Estaremos diante das delegações do Governo e em muitos lugares simbólicos para afirmar nossa oposição ao presidente do Governo", indica o porta-voz do Povo Violeta, Gianfranco Mascia, em comunicado.

"Saímos às ruas para defender nossa amada Constituição, que nos protege dos abusos, tornando-nos iguais perante a lei. Saímos às ruas porque não compartilhamos das políticas da maioria governamental e da compra e venda de votos", acrescenta.

O caso Ruby se refere à garota marroquina Karima El Mahrug, conhecida como Ruby, que teria praticado serviços sexuais durante festas de Berlusconi, e o próprio premiê teria remunerado a garota por isso.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Valores universais:: Merval Pereira

As revoluções ocorridas na Tunísia e no Egito, para o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, são a melhor ilustração de que os direitos humanos, tal como a democracia, são valores universais e, como tais, devem prevalecer nos países árabes.

“O que vimos os seus povos reclamar? Liberdade, direitos e democracia”, comemora, para ressaltar: “Quem pretendia que as divisões entre o Norte e o Sul do Mediterrâneo eram clivagens de civilização tem nesses exemplos amais bela demonstração de que assim não é”. Jorge Sampaio destaca que “não vimos coptas (egípcios cujos ancestrais abraçaram o cristianismo,um dos principais grupos etno-religiosos do país) contra muçulmanos, nem condenações de religião alguma. Não vimos guerras entre etnias, nem raças, nem culturas, nem religiões. Vimos apenas homens e mulheres reivindicando liberdade, dignidade, justiça e democracia”.Em definitivo, diz ele, estamos perante direitos universais, “mas a verdade é que não se trata de bens exportáveis, a sua realização não obedece a um formato único. Ignorá-lo e pretender impô-los é a melhor forma de aliená-los”.

Para ele, “independentemente do quadro jurídico por que se pautará esta fase de transição até às eleições, importa que a sociedade civil se organize, que o espaço político se estruture também, de forma a que se criem as condições de um regime democrático pluralista”. Jorge Sampaio acha que, embora as chamadas redes sociais tenham sido fundamentais para a mobilização, estas só funcionaram “porque o descontentamento era partilhado por largas franjas da população, que se uniu para defender o que entendeu ser essencial para o seu futuro e o do país”. O ex-presidente de Portugal acha difícil imaginar que grupos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, não terão influência nas mudanças, mas diz que se deve, em primeiro lugar, “evitar o reflexo corrente da demonização”.

Importa também, ressalta, “evitar estereótipos que não traduzem devidamente a complexidade da realidade — éo caso da “Irmandade Muçulmana”, porque ninguém sabe bem a que corresponde hoje, como evoluiu nas últimas décadas e como se vai desenvolver agora num regime democrático”. Para Jorge Sampaio, o que importa é “ver como tal grupo se vai acomodar ao sistema partidário em que se baseia qualquer democracia pluralista”.


O mais importante, diz ele, “é criar condições de diálogo e concertação políticas que deverão prevalecer sobre a exclusão, que é sempre força de radicalização”. O Alto Representante daONU para a Aliança das Civilizações admite que haja o perigo de essas reivindicações desaguarem em governos radicais, como aconteceu no Irã depois da queda do Xá, “porque de momento a incerteza é grande e tudo permanece ainda em aberto. Mas não há nenhum determinismo, portanto cessemos de utilizar o medo como forma de condicionamento.

Cada país deve encontrar o seu caminho e a democracia não é de tamanho único”. Em vez de especularmos sobre os perigos, diz Jorge Sampaio, “importa cooperar com essas sociedades porque a democracia, o diálogo e o pluralismo também se aprendem. Importa utilizar todos os fóruns de cooperação — bilateral e multilateral — para fazer dessas revoluções democráticas um sucesso para os povos e a Humanidade”.

O ex-presidente de Portugal diz que essas sociedades “precisam de planos maciços de cooperação—não só econômica,mas também social e política, a nível governamental,mas também das sociedades civis — para que possam fazer a transição de uma forma pacífica e sustentada”. Ele acha que está em tempo de a União Europeia “realizar o sonho subjacente ao processo de Barcelona, mais tarde retomado pela União para o Mediterrâneo. A melhor forma de prevenir que essas reivindicações deságuem em governos radicais é fazer por eles o que a Europa e a perspectiva da integração europeia trouxe a Portugal e Espanha quando fizemos a nossa transição democrática”.

Sampaio comenta, a propósito da mudança de atuação dos Estados Unidos de Barack Obama na crise, que “em política externa é essencial não repetir erros. Tanto o Egito como os Estados Unidos são parceiros demasiado importantes, quer no plano das suas relações bilaterais quer no tabuleiro geopolítico-estratégico da região. A política da exclusão só ajuda o extremismo e a radicalização”. Por outro lado, diz ele, “está claro também que, para além do hardpower, é essencial investir em instrumentos de softpower e na capacitação acrescida das sociedades civis”.

Jorge Sampaio não tem dúvidas acerca da importância do acordo de paz entre o Egito e Israel ser crucial “não só para as duas partes, mas para toda a região e não só, pois é bem sabido que se existe alguma região globalizada é a do Médio Oriente”. Pela sua “excepcional e extrema importância”, ele acredita que o acordo fará parte “dos pilares da fase de transição, por um lado, e que, depois das eleições, a democracia egípcia o saberá preservar como pedra basilar da sua política externa”. Mas Sampaio acredita que este processo de democratização do Egito “é tão excepcional”, que qualquer democracia —em especial a israelense — “deveria também pesar o impacto de expressar a sua solidariedade para com o povo egípcio, com gestos de semelhante excepcionalidade”.

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Na abertura da coluna de ontem, ficou sobrando um “que” na primeira frase. A correta é: “O fato de, durante os vários dias que duraram as manifestações no Egito, até o fecho com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, não ter havido nem bandeias de outros países queimadas, nem slogans que não fossem relacionados com as reivindicações nacionais, é ‘inédito e muito significativo’ para Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e atual Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações”.

FONTE: O GLOBO

O Egito e seus dois mistérios:: Clóvis Rossi

A manchete desta Folha de sábado capturou em apenas duas linhas, com rara felicidade, 30 anos de história: "Em 18 dias de protestos, egípcios derrubam ditador de 3 décadas".

O título embute duas questões que eu pelo menos não consegui responder, por mais que tenha me dedicado com toda a paixão à conjuntura desde a eclosão da revolta na Tunísia, a mãe de todas elas.

Primeira questão: por que agora, depois de 30 anos? Na verdade, muito mais de 30 anos. Para ficar só no Egito, apenas no século 19 houve algo que se poderia chamar de democracia, mesmo assim com muita liberdade poética.

Nem havia agora a pressão, adicional à falta de democracia, de uma situação econômica dramática. Ao contrário, o país vem crescendo à média de 5%, mais do que a média brasileira dos últimos oito anos de glorificação do governante.

Claro que o crescimento é terrivelmente mal distribuído, mas essa é uma característica eterna nos países periféricos e que começa a contaminar os desenvolvidos.

Por que então, de repente, as massas saem às ruas e nela ficam 18 dias ininterruptos, até ganhar?

Segunda questão: foram os egípcios, assim anonimamente, que derrubaram o ditador? Não havia aiatolás a instigá-los, como no Irã de 1979, especialmente uma figura mitológica como Khomeini. Não havia igrejas protestantes a dar-lhes abrigo, como no início dos protestos na então Alemanha Oriental. Não havia um sindicato Solidariedade a desafiar a institucionalidade comunista como na Polônia.

Talvez - e forçando a mão - a única similitude seja entre o jornalista Camille Desmoulins, arengando à massa até a tomada da Bastilha, em 1789, e Wael Ghonim, o executivo do Google iniciando a convocação dos protestos no Egito.

O fato é que o Egito - 2011 representa um tremendo desafio para jornalistas e historiadores.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Em boa hora:: Míriam Leitão

A hora é boa para analisar com visão estratégica a relação com os Estados Unidos, deixando de lado as birras do último governo e tendo uma atitude mais madura. Eles são e por muito tempo serão o maior mercado do mundo. Em quatro anos, o Brasil saiu de um superávit comercial de US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 7,7 bilhões com os americanos. O que aconteceu?

Alguém pode dizer que é o câmbio valorizado do Brasil. Resposta insuficiente, por várias razões. O mundo tem superávit com os Estados Unidos e nós um déficit crescente. Eles eram, anos atrás, perto de um quarto da nossa corrente de comércio; hoje, representam menos de 10%. A boa razão dessa queda é que o Brasil aumentou a venda para outros mercados do mundo, diversificando mais o destino de nossas exportações.

Mas esse encolhimento é também fruto do descaso —e até implicância ideológica —que o Brasil dedicou aos Estados Unidos nos últimos anos. É boa hora para analisar toda a relação com os norte-americanos porque o presidente Barack Obama está vindo, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, acabou de vir em viagem preparatória, um novo governo começa no Brasil, e a virada da balança comercial tem números expressivos demais para serem ignorados.

Anos atrás, os Estado Unidos propuseram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) Se aquele bloco seria bom ou não, é difícil dizer hoje, por que é uma espécie de acordo Porcina — foi, sem nunca ter sido. Só se saberia se ele seria bom se tivesse havido uma negociação. O Brasil copresidente da negociação com os EUA de um acordofez o que pôde, e com mau modos, para bloquear a negociação bem no seu início. A ideia de nos amarrar nu ma região de livre comércio com a maior economia do mundo talvez fosse mesmo uma má proposta,mas o Brasil teria que saber qual era o lance seguinte. E não soube Poderia ter tentado um acordo bilateral de comércio que fosse bom para as duas maiores economias das Américas. Em algumas áreas, as economias competem entre s como na produção de certa commodities, em outras, são complementares.

O desleixo com que foi deixada a relação com os Estados Unidos tinha um elemento estranho à diplomacia brasileira. Ela sempre foi, com raras exceções, independente e altiva. Sempre soube quando dizer “não” às pressões de Washington, mesmo no governo militar . Mas nos últimos anos entramos em brigas inúteis. De que nos serve, por exemplo, ecoar os gritos demagógicos de Hugo Chávez contra o “imperialismo” americano, se a Venezuela continua tendo nos Estados Unidos um enorme parceiro comercial? De que nos serve apoiar o programa nuclear como Irã, afiançando que ele é pacífico como o nosso, passando um recibo de ingenuidade ao mundo?

Bastava no caso do Irã manter uma boa relação, já que ele é nosso parceiro comercial, mas avalizar uma política nuclear cheia de perigosas ambiguidades é um equívoco. De que nos serve embirrar contra a solução encontrada para o impasse de Honduras?O Brasil estava certo quando ficou contra o golpe, errou quando passou a ser o protetor de Manuel Zelaya e deixou que a embaixada fosse usada como seu escritório político. De qualquer maneira, quando houve a eleição, o período presidencial de Zelaya já havia terminado. Mas o Brasil ainda não reconhece o governo de Honduras e com isso criamos situações embaraçosas do tipo “ou ele ou nós”, cada vez que se pensa em uma reunião dos países das Américas. Está na hora de avaliar todo o comércio com osEstados Unidos, passando raios X sobre oportunidades, contenciosos, cooperação e interesses para saber o que vamos propor nestas semanas em que se prepara avinda do presidente americano. Na diplomacia, quase tudo se conversa de véspera, por isso, a hora é esta.

Na política internacional, temos que avaliar melhor onde os conflitos com os Estados Unidos são inevitáveis e quais as brigas que eram apenas demonstrações infantis de independência. Não precisamos provar independência; sempre fomos independentes. Nossa política externa nunca foi caudatária. A diplomacia brasileira tem habilidade e esperteza suficientes para saber a diferença de uma briga realmente boa e as que são inúteis.O Brasil quer e merece ter uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, mas não deve depositar tudo nesse altar. Essa é uma grande divergência com os Estados Unidos. A eles, interessa manter o mesmo núcleo de países no Conselho formatado para um mundo que já foi transformado pela emergência de potências médias importantes, entre elas, o Brasil.O tempo corre anosso favor,mas atitudes estouvadas enfraqueceram a nossa posição.

Na diplomacia, o parceiro estratégico muda dependendo do tema. Brasil e Estados Unidos estão mais próximos em alguns temas e em posições opostas em outros. Portanto, é preciso reencontrar o caminho desse diálogo nos pontos em que os dois países se aproximam. A ideia de que o Brasil deve se alinhar à China contra os países desenvolvidos não faz sentido em várias questões. Na guerra cambial, tanto o dólar quanto o iuan estão desvalorizados, com a diferença de que a moeda chinesa é controlada, e o dólar reage a um excesso de emissão. Mas os dois países criam problemas para ao Brasil. Na luta contra as emissões dos gases de efeito estufa, nosso maior parceiro deveria ser a Europa, que há anos persegue seus cortes de emissão, e não a China, que é a maior emissora, ou os Estados Unidos, o maior emissor per capita e que não assinou o Protocolo de Kioto. É esse pragmatismo inteligente que precisa voltar a vigorar na diplomacia brasileira.

FONTE: O GLOBO

Lenta e gradual. Segura?:: Eliane Cantanhêde

O Egito vive uma festa histórica, depois de mais de 10 milhões irem às ruas para derrubar o ditador Hosni Mubarak, que, em 30 anos, empobreceu dramaticamente a população e enriqueceu constrangedoramente a própria família.

Depois da festa, vem a ressaca e começa a acomodação de forças políticas e a definição do cronograma da redemocratização. Uma fase de divisões, conflitos, dissidências.

Na expectativa mais otimista, a Junta Militar e as oposições vão se unir para tirar o país da lama e do atraso, convocar eleições e articular uma constituinte. Mas... as Forças Armadas apoiavam no regime que caiu, e as oposições estão divididas em 14 partidos e agremiações, aí incluída a Irmandade Islâmica. Obter consenso de grupos tão heterogêneos e tão reprimidos durante tanto tempo não vai ser fácil.

Para quem prevê um destino a la Turquia, militarizada, ou a la Irã, teocrático, o embaixador Cesário Melantonio avisa que não é bem assim. Há nove anos e meio na região e há mais de três no Cairo, ele antes serviu exatamente nesses dois países. As diferenças são, antes de tudo, ancestrais: os três são muçulmanos, mas o Egito é árabe, a Turquia, otomana, e o Irã, persa.

Mas, se é para seguir exemplos, melhor que seja a Turquia, democrática e 27ª economia do mundo, enquanto o Egito é a 82ª, com metade da renda per capita. Já o Irã é xiita, confuso, mistura política e religião. O Egito é sunita, que separa.

Os próprios agentes das revoluções foram e agiram de formas bem diferentes. No Irã, os aiatolás assumiram. Na Turquia, os militares participaram da transição. No Egito, dois terços da população têm menos de 30 anos e metade tem internet, além de celular. Lutam não por teocracia, mas sim liberdade, crescimento e justiça social.

Apesar das naturais dificuldades do início, ou reinício, o processo no líder Egito é positivo e deve ter um efeito saneador no mundo árabe. As ditaduras que se cuidem.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Não subestimar a justa indignação:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

Desde que começaram as revoluções por ora vitoriosas na Tunísia e no Egito deixaram "em situação embaraçosa" os Estados Unidos e a França, e seus intelectuais "ficaram confusos". Não é difícil compreender o embaraço dos grandes países.

Embora façam um discurso em defesa da democracia, acusem de forma indignada dirigentes nacionalistas de países que não seriam democráticos mas que atendem às condições mínimas da definição de democracia, e não hesitem em apoiar movimentos de direita que tentam derrubá-los pela força, não obstante tudo isso, apoiam de forma integral governos abertamente ditatoriais e corruptos, mas que se portam de forma "amiga" em relação a seus interesses de curto prazo.

Quanto à "confusão" de seus intelectuais, foi um artigo em Le Monde (6.fev.2011) que a acentuou referindo-se a intelectuais de direita na França como Bernard-Henri Lévy, para quem "a situação seria muito complexa", ou Olivier Mongin que declara: "mais vale um Ben Ali que um Bin Laden".

No fundo, diz o jornal, "a revolução iraniana está em todas as mentes". E, portanto, para se evitar uma possível ditadura islâmica e, portanto, nacionalista, se apoia uma ditadura corrupta e dependente.

Em primeiro lugar, não há qualquer razão de ordem democrática ou de ordem moral para essa opção.

Por que uma ditadura corrupta e dependente é melhor para seu povo do que uma ditadura islâmica?

Segundo, não há razão para se colocar o problema da Tunísia ou do Egito nesses termos.

Existe sempre o risco de uma revolução nacionalista islâmica, mas esse risco só aumentará e se tornará real se os países ricos insistirem em pensar em termos dessas duas alternativas radicais, e, a partir daí, continuarem a optar pela ditadura corrupta e dependente.

Egito e Tunísia já não são países estritamente pobres, mas, ao contrário de países como o Brasil ou como a Índia, não realizaram ainda sua revolução capitalista, não contam com uma classe empresarial ampla, uma classe média diversificada, e um Estado capaz de defender os interesses nacionais.

É disto que esses países precisam, é isto o que os jovens que lideram essas duas revoluções com ajuda da Internet reivindicam.

Eles tiveram acesso à educação, mas a administração dependente e incapaz de suas economias não promove o desenvolvimento econômico necessário para que eles tenham empregos e salários decentes ou então oportunidade de se tornarem empresários.

Estes objetivos conflitam com a lógica imperialista, que sempre foi a de se aliar às elites dependentes e aos governos corruptos das colônias. Mas será que essa é a melhor estratégia?

ORIENTE MÉDIO

Em relação aos países pobres, acredito que ainda dê bons resultados. Mas a era dos impérios está terminando.

Foi isso o que mostraram os países do Leste Europeu em 1989; é isto que estão dizendo os países do Oriente Médio em 2011.

A revolução agora não é tão decisiva como foi aquela, porque os países do Oriente Médio são menos desenvolvidos, e porque os impérios do Ocidente não estão tão debilitados como estava o soviético.

Mas é um equívoco subestimar a justa indignação e a determinação desses povos de alcançarem e autonomia nacional e a democracia.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Herança fical de Lula limita o começo do governo Dilma

Corte de R$ 50 bi no Orçamento é o preço do aumento de gastos no passado A situação das contas públicas e os gastos elevados do governo anterior são o maior problema econômico da presidente Dilma Rousseff neste início de mandato - uma herança fiscal deixada pro seu antecessor, e mentor, o ex-presidente Lula. O quadro fiscal preocupante exigirá um aperto inédito de R$ 50 bilhões no Orçamento. Outros problemas são a inflação e a taxa de juros em alta, além de um orçamento engessado por despesas permanentes com pessoal. De 2003 a 2010, os gasto públicos cresceram R$ 282 bilhões, e 78,4% disso foram no segundo mandato de Lula. Outro alerta é para a dificuldade de ampliar investimentos. "É preciso sobrar mais dinheiro para investimentos. Tem de começar pelo ajuste fiscal", afirma Alcides Leite, especialista em contas públicas. Por outro lado, no governo Lula melhoram as taxas de emprego e renda e o acesso ao crédito.

A conta que sobrou para Dilma

Estudo mostra que gastos aumentaram R$ 282 bi no governo Lula; 78,4% no segundo mandato

Regina Alvarez e Patrícia Duarte

O quadro fiscal preocupante, que exigirá um aperto inédito de R$ 50 bilhões nos gastos públicos este ano, é parte da herança deixada para a presidente Dilma Rousseff pelo antecessor e mentor Luiz Inácio Lula da Silva. A farra de gastos no segundo mandato de Lula tem um preço, que já começou a ser pago pelo atual governo. A herança inclui inflação e taxa de juros em alta, uma carga tributária abusiva, um Orçamento engessado por despesas permanentes com pessoal, benefícios previdenciários e a impossibilidade de ampliar os investimentos. Estudo do economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, mostra que os gastos cresceram R$ 282 bilhões no governo anterior (descontada a inflação): 78,4% desse aumento ocorreu no segundo mandato.

Só entre 2006 e 2010, as despesas do governo federal aumentaram R$ 221 bilhões, o que evidencia a guinada na política fiscal acentuada nos dois últimos anos de mandato, quando a crise global ofereceu ao governo uma justificativa para ampliar os gastos.

—O aumento da carga tributária, combinado com o crescimento do PIB ( Produto Interno Bruto) e a redução do superávit primário deram ao governo Lula um poder enorme para gastar — observa Montero.

Especialistas apontam a situação das contas públicas e os elevados gastos herdados do governo anterior como o maior problema econômico de Dilma neste início de mandato.

O cenário desfavorável na área fiscal influencia negativamente outras variáveis, como inflação e os juros—, embora, no caso dos preços, fatores externos também exerçam forte pressão, como a alta das commodities no mercado internacional.

Alcides Leite, especialista em contas públicas e professor da Trevisan, frisa que o aumento dos gastos correntes nos últimos anos, acima da expansão do PIB, impediu uma expansão mais robusta dos investimentos. E lembra que uma oferta maior de bens e serviços poderia minimizar a pressão inflacionária. Sem os investimentos, o país sente os efeitos no bolso, com preços maiores, já que a demanda continua bastante aquecida pela melhora de renda da população.

— É preciso sobrar mais dinheiro para investimentos. E tem de começar pelo ajuste fiscal (corte nos gastos de custeio) — recomenda.

Inflação voltou a preocupar em 2010

O corte de R$ 50 bilhões anunciado semana passada pelo governo é um primeiro passo, na visão do especialista, desde que os investimentos sejam preservados.

A curva de inflação no segundo mandato de Lula esteve sempre e malta,mas começou a preocupar em 2010, quando fechou em 5,91%, bem acima do centro da meta fixada pelo governo (4,5%). Entre as razões dessa escalada está o aquecimento da economia, turbinada pelo aumento dos gastos do governo no ano eleitoral. Para 2011, a previsão é de inflação de 5,66%. Por isso, o Banco Central voltou a elevar a taxa básica de juros em janeiro, após cinco meses, para 11,25% ao ano. E deve continuar puxando a Selic para cima, até que a inflação esteja sob controle. O processo encarece as linhas de crédito, inibindo o consumo, com reflexos sobre o crescimento da economia.

Leite acha que o governo Lula teve um bom comportamento na área fiscal até a crise internacional de 2008 e 2009, quando as contas se deterioraram. De 2003 a 2008, o superávit primário (economia feita pelo setor público para pagamento de juros) praticamente dobrou, chegando a R$ 101,696 bilhões e as metas foram cumpridas.

Em 2009, a meta não foi alcançada, mas os especialistas aceitam a justificativa do governo que adotou medidas anticíclicas para enfrentar acrise internacional, como a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados de automóveis Em 2010, o governo se valeu de truques e artifícios para turbinar as receitas, abrindo espaço para a ampliação dos gastos do Orçamento.
Na capitalização da Petrobras, fez uma manobra contábil que garantiu ao caixa um reforço de R$ 32 bilhões. Ainda assim, não conseguiu cumprir a meta de superávit primário pela segunda vezconsecutiva. Economizou o equivalente a 2,78% do PIB, quando precisava chegar a 3,1%. Dilma herdou uma carga tributária recorde equivalente a 34,4%do PIB, e, no primeiro ano de mandato, não terá como promover qualquer tipo de desoneração, como planejava. O aperto fiscal, imposto pelo crescimento excessivo dos gastos correntes no governo anterior , impede Dilma de qualquer ação para melhorar o sistema tributário do país e a vida das empresas.

—Baixar imposto é exercício fácil, mas o governo precisa fechar as contas.

Por isso, não pode abrir mão de arrecadação. Só quando houver redução de gastos, poderá se desenhar uma reforma tributária — diz o tributarista Ilan Gorin.
FONTE: O GLOBO

Os números azuis do legado lulista

Acesso ao crédito e aumento da renda estão entre as conquistas do ex-presidente

Patrícia Duarte e Regina Alvarez


BRASÍLIA. Se, pelo lado fiscal, a presidente Dilma Rousseff ainda deve viver alguns pesadelos, a herança deixada pelo seu companheiro de partido e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outras esferas é bem-vinda. Quando se olha para taxas de emprego e renda, acesso ao crédito e até o próprio crescimento econômico, os resultados são animadores. O mercado de crédito na Era Lula (2003/2010) mais do que quintuplicou, ultrapassando a barreira de R$ 1 trilhão e chegando próximo a 50% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país).

Um dos principais motivos para esse salto foi a criação do crédito consignado, com desconto em folha de pagamento, que abriu caminho para que muitas pessoas —aposentados e pensionistas em primeiro lugar —- pudessem ter linhas de financiamento bem mais baratas. O acesso ao crédito foi impulsionado também porque, ao longo dos últimos anos, a taxa de desemprego do país foi perdendo força. Em janeiro de 2003, quando assumiu, Lula lidava com um índice de 11,2% e o reduziu para 9,3%,quatro anos depois. O grande movimento aconteceu em seu segundo mandato, fechando dezembro passado com o menor patamar da História: 5,3%, segundo dados do IBGE, levando em conta seis regiões metropolitanas.

Renda média do brasileiro teve crescimento de 22,2%

Nesse período, a renda média real do brasileiro — já descontada a inflação do período —- passou de R$ 1,293 mil mensais, em janeiro de 2003, para R$ 1,580 mil no fim de 2010. O crescimento registrado foi de 22,20%. Dilma também está trabalhando com uma economia com crescimento robusto, o que é bom para continuar gerando mais emprego e renda. Logo no início do governo Lula, a expansão do PIB foi um pouco acima de 1% e, ao longo dos anos seguintes, foi mantendo uma trajetória de alta. A exceção ficou para 2009, ano marcado por uma forte crise internacional. Em 2010, especialistas egoverno acreditam que a atividade tenha crescido mais de 7% e, para este ano, há avaliações que vão até 5% — patamar considerado alto se comparado com o resto do mundo, na casa de 3%.

FONTE O GLOBO

Dilma e os erros do passado :: Suely Caldas

Quando os ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo propuseram um plano de corte gradual nos gastos do governo até zerar o déficit público nominal, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desqualificou a ideia, acusando-a de "rudimentar". Dilma ganhou a briga e o plano, o lixo. Cinco anos depois, no papel de presidente, e Palocci, no de seu principal ministro, Dilma começa a gestão efetuando um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento do governo. Se em 2005 concordasse com a proposta de Palocci, muito provavelmente o desequilíbrio fiscal seria hoje uma página virada e Dilma estaria cuidando de planejar investimentos em vez de cortá-los.

Mas a trajetória de crescimento econômico seria a mesma? Difícil prever com exatidão um futuro que não aconteceu. Mas o quadro econômico da época era favorável, o mundo surfava numa onda de crescimento que sustentou a expansão do PIB no País por pelo menos três ou quatro anos. Ou seja, mais do que o mercado interno, a economia externa garantiu o aumento de produção nesse período. Portanto, cortes de despesas do governo pouco afetariam o desempenho econômico. O plano Palocci/Bernardo veio num momento raro na história, uma oportunidade ímpar para o País resolver seu dilema fiscal que, desde a ditadura militar, impede a queda dos juros, expande a dívida pública e cria riscos ao crescimento contínuo e sustentado.

Às vezes a vida impõe lições que só aprendemos depois do erro. No governo passado, Dilma errou. Por inexperiência? Provavelmente. Por arroubos ideológicos? Certamente menos. Embora trouxesse na bagagem um modelo de ação em que o Estado não apenas regula, mas interfere, ocupa espaços que não deve e nem a ele cabem. Por vezes confundiu funções de Estado com de governo. Caso das agências reguladoras.

Em 2003, Dilma rejeitava a ideia de dar às agências autonomia de ação e decisão, caracterizando-as como funções típicas de Estado. Enfraqueceu-as e transferiu suas atribuições para os ministérios. Não entendeu que para bem servir a população as agências precisam estar longe de onde atuam os políticos, propondo suas barganhas e favores. Mas ela aprendeu com o erro. Tanto que, no discurso da vitória, garantiu: "As agências reguladoras terão todo meu respaldo para atuar com determinação e autonomia". Dilma hoje é diferente da arrojada e estreante ministra de Minas e Energia do passado. E, aparentemente, sem traumas ideológicos.

Embora esse corte de R$ 50 bilhões (6,1%) seja maior do que o de 2003 (5,13%), o mercado financeiro olhou atravessado e a desconfiança refletiu-se no mercado futuro de juros, que subiu em vez de cair. Diferentemente do corte de 2003 - anunciado por Palocci e Mantega (esse, ministro do Planejamento na época) e recebido com confiança, até susto. E por que agora não?

Entre outras razões, o desempenho de Mantega em relação aos indicadores econômicos de 2010 deixou sequelas. Afinal, ele passou o ano inteiro insistindo em que a meta cheia de superávit primário seria rigorosamente cumprida - e não o foi. Recorreu a maquiagens grosseiras (empréstimos ao BNDES e capitalização da Petrobrás) para engrossar a receita, desmoralizando o contorcionismo matemático do governo. E, finalmente, deixou correrem livremente os exagerados gastos eleitorais de Lula. Se o ministro é o mesmo, como confiar?

Os analistas esperam o detalhamento dos cortes - prometido para a próxima semana - para uma avaliação mais segura do futuro. Oxalá a descrença seja desfeita. Mas, se o ministro aparecer com novo empréstimo ao BNDES, transformando débito em crédito, não há como recuperar a confiança.

Na quarta-feira, Mantega deu três alternativas de destino à eventual sobra, caso a receita fiscal engorde a meta definida. Nenhuma delas contempla pagar o principal e reduzir o estoque da dívida pública. Se assumisse com seriedade tal compromisso, poderia abrir caminho para restabelecer a credibilidade. E daria uma chance à presidente Dilma de corrigir o erro cometido em 2005.

Jornalista e professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Vice-presidencialismo:: Dora Kramer

Michel Temer não é exatamente o vice-presidente dos sonhos do PMDB: sua atuação está alguns tons abaixo do que desejariam seus correligionários mais afeitos ao jogo pesado da pressão direta sobre a Presidência da República.

Talvez atue também alguns tons acima do que seria o esperado pelo PT ou qualquer outro partido que detenha o poder, porque foge ao figurino tradicional da invisibilidade do cargo e inaugura o ativismo vice-presidencial.

Presidente da Câmara duas vezes, presidente do PMDB de direito por quase uma década e, de fato, ainda no posto, Temer não "desencarnou" do passado. Investido na nova função há pouco mais de 40 dias, nada indica que pretenda desencarnar.

Sentado em seu gabinete no anexo 2 do Palácio do Planalto - onde além das visitas protocolares sempre reinou a mais absoluta calmaria - na tarde em geral inútil de quinta-feira à tarde, Temer discorre sobre a estratégia governista para a votação do valor do salário mínimo e tropeça no ato falho: "Quando o projeto chegar aqui...", começa, logo interrompido pela lembrança de que "aqui" na realidade é "lá", na Câmara.

"Tenho saudade daquela agitação, daquela bagunça organizada, do entra e sai." A contar pela agenda daquela dia, razão nenhuma para nostalgia: minutos antes haviam saído dali os ministros Antonio Palocci e Luiz Sérgio e os líderes do PMDB na Câmara e no Senado para fechar um armistício com base na divisão de cargos do segundo escalão federal.

Tudo em paz? "Enquanto houver espaços em disputa, os partidos vão lutar. Não podemos é deixar que o conflito seja permanente", diz, revelando uma de suas funções: administrador de distúrbios na "base".

Outra: regimentalista da plantão. Foi dele a ideia de mandar o reajuste do mínimo por projeto de lei e não por medida provisória, recorrendo a uma interpretação da própria autoria quando presidente da Câmara, segundo a qual assuntos que não possam ser tratados em MPs não trancam a pauta.

Incluiu-se, então, no projeto de lei um dispositivo de natureza penal relativo a dívidas com a Receita que se enquadra naquele caso e tudo resolvido. "Por medida provisória a vigência seria imediata, mas como o mínimo entraria na fila atrás de outras 22 medidas, o governo ficaria uns três meses sendo contestado pelas centrais sindicais."

E já que o governo desistiu de patrocinar a reforma política, o vice-presidente aproveita a brecha para, "em caráter pessoal", articular uma proposta de reforma política a ser apresentada à Câmara talvez já nesta semana.

É uma adaptação ampliada do voto distrital: considera-se o Estado todo um distrito e se elegem os mais votados levando em conta o número de cadeiras à disposição. Por exemplo, em São Paulo são 70 vagas e, portanto, se elegeriam os 70 candidatos mais votados.

Temer já recebeu naquele gabinete do anexo 2 o presidente da OAB, Ophir Cavalcanti, e conseguiu convencê-lo de que a mudança, além de firmar a supremacia do princípio da maioria, tem outras vantagens: "Reduz o número de candidatos, acaba com as coligações, diminui o número de partidos e estabelece um sistema mais facilmente compreendido pelo eleitor."

Enquanto cuida de manter ativa a agenda nacional, Michel Temer não descuida das questões partidárias locais: dissolveu os diretórios do PMDB de São Paulo depois da morte de Orestes Quércia e assumiu o controle.

Aguarda a filiação do prefeito Gilberto Kassab, com quem tem mantido conversas frequentes, mas avisa que isso não significa cessão de poderes. "Kassab poderá ser um parceiro no comando da sucessão municipal, mas não o comandante porque o PMDB não aceitaria."

Portanto, uma das condições impostas pelo prefeito está fora de cogitação. E a outra, apoiar José Serra em caso de futura candidatura?

"Kassab será muito bem recebido, mas quem decide sobre alianças e candidaturas é o partido." Quer dizer, a chefia não está disponível.

Egito. O povo quando quer e se empenha, ganha sempre.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tensão marca convívio entre grupo de Marina e ''velho PV''

Aliados da ex-senadora veem desinteresse na promoção de mudanças pela cúpula, que identifica precipitação nas propostas

Antes de Marina Silva filiar-se ao PV, no ano passado, ficaram acertadas duas mudanças internas com a cúpula do partido. A primeira seria a reformulação do programa, o que aconteceu antes da eleição, com o intuito de destacar a questão da sustentabilidade como eixo de ação política. A segunda, que seria a reestruturação interna, com o objetivo de democratizar a vida partidária, ainda não aconteceu e está provocando mal-estar entre as duas principais forças do PV.

De um lado, pessoas ligadas ao grupo que desembarcou no partido com Marina identificam lentidão e desinteresse no encaminhamento das mudanças. Querem aproveitar o sucesso eleitoral do ano passado para promover filiações e desencadear um processo de renovação dos cargos de direção - destinado a estancar um resistente fisiologismo partidário, principalmente nos Estados. Na outra ponta, militantes próximos ao presidente verde, deputado José Luiz Penna (SP), veem precipitação nas propostas de democratização e dizem temer que o partido afunde no assembleísmo.

Uma das formas encontradas para reduzir a tensão será um seminário sobre democracia partidária, organizado pela Fundação Verde Herbert Daniel, vinculada ao partido. A data ainda não foi definida, mas o evento deve ocorrer até o fim de março, antecedendo o palco decisivo, a convenção nacional, prevista para alguma data entre maio e junho.

As lideranças do partido negam o mal-estar. "Não existe tensão. Tudo aponta para o mesmo rumo. As diferenças são apenas de metodologia", diz Penna.

Segundo o vice-presidente, deputado Alfredo Sirkis (RJ), os debates ainda nem começaram: "A executiva nem se reuniu. A proposta é de mudança, porque, após 20 milhões de votos, não se pode agir como se nada tivesse acontecido."

Ainda segundo Sirkis, é impossível prever se o debate será tranquilo. De um lado, observa, pesa na discussão que os milhões de votos não foram para o PV, mas para Marina; de outro, partidos não gostam de mudar: "São conservadores por natureza."

Em São Paulo, o presidente do diretório estadual, Maurício Brusadin, diz que a dúvida maior envolve a forma de mudança: "Eu defendo um período de transição entre a estrutura atual e a abertura."

Marina quer o arejamento da estrutura, na qual a maior parte dos diretórios estaduais são escolhidos diretamente pela presidência nacional e se eternizam no posto. Mas admite que as mudanças não podiam ser feitas no ano passado por causa das eleições. Ela também ameniza o tom do debate ao afirmar que sem a legenda do PV não teria os votos que teve.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Marina: ''Não farei oposição pela oposição''

Marina Silva, ex-senadora pelo PV-AC: Ex-senadora diz que os seus 20 milhões de votos devem ser vistos como um "legado", algo a ser "apropriado por todos"

Roldão Arruda

Afastada há doze dias do Senado, Marina Silva já definiu suas próximas tarefas. No plano político, a tarefa imediata será o debate sobre a reorganização interna de seu partido, o PV. Pessoalmente prepara-se para ganhar a vida dando aulas e palestras, uma vez que se recusa a ganhar salário do partido. Na entrevista abaixo, ela fala sobre o governo Dilma Rousseff, partidos e o risco de, após o sucesso eleitoral do ano passado, cair no esquecimento político.

A senhora saiu da eleição com quase 20 milhões de votos. Como acha que vai manter essa herança, agora que ficou sem tribuna no Senado e cargo no governo? Outros candidatos que ficaram em terceiro lugar, como Heloísa Helena e Ciro Gomes, acabaram relegados a planos secundários. Não teme a maldição do terceiro lugar?

Em política, a pior maldição é querer aprisionar o sucesso. Quem tenta fazer isso se torna prisioneiro dele e não consegue mais fazer as coisas com abertura criativa e espírito de novidade. A ação política é sempre um processo vivo, único. Se tentar aprisionar o sucesso, que já é passado, aí sim, vai viver a maldição. Vamos viver o daqui para a frente como um momento novo. Eu me vejo como alguém que deu uma contribuição: estou dizendo para o PV, o PT, o PSDB e outros partidos, assim como para o governo e o movimento socioambiental, que os 20 milhões de votos dados a uma candidatura identificada com a questão da sustentabilidade têm de ser vistos como um legado, algo que pode ser apropriado por todos (diferentemente da herança, que pressupõe um espólio).

O que fazer com esse legado?

É preciso trabalhar para transformá-lo em mobilização social, em sustentabilidade política, para as transformações que o Brasil precisa. Isso é algo a ser feito pelo PV e, espero, também pelos demais partidos.

Essa não é a bandeira do PV?

Transformar a bandeira da sustentabilidade em bandeira de um só partido é a senha para torná-la inviável. Se alguém tentar aprisionar esse desafio de forma exclusivista é porque não leu adequadamente o que está acontecendo no mundo, com o grande desafio das mudanças climáticas. Acho que podemos estabelecer pontos programáticos entre os partidos.

A senhora já disse que sua campanha foi carregada por forças vivas da sociedade. Acha que os partidos estão preparados para dialogar com essas forças?

Os partidos precisam se atualizar. E não estou falando apenas da estrutura formal. Falo principalmente da superestrutura, da necessidade de discutir política, propostas, projetos. A maioria dos partidos, e o PT não é diferente, adotou modelos convencionais e hoje discute o poder pelo poder. O debate em torno de ideias e propostas, que deveria alavancar o processo, como o motor de popa do barco, vai se tornando cada vez mais secundário. O que fica na popa é a disputa pelo poder. A discussão programática para esses partidos é apenas a cenoura que está na frente, na proa.

O PV passa por um processo de debate sobre reestruturação e democratização interna.

O grande desafio do PV é se atualizar e fazer jus ao que experimentamos na campanha, com a mobilização da sociedade por uma nova forma de fazer política. E não há forma nova que não seja radicalmente democrática. O movimento por democratização acontece porque política é como o vinho novo, que não pode estar em odre velho.

A senhora fará parte do bloco de oposição ao governo?

As pessoas estão cansadas da ideia de oposição por oposição e situação por situação. Querem ver oposição àquilo que devemos nos opor, como a corrupção, mau uso do dinheiro público, exclusivismos, falta de democracia. Mas também querem apoio às boas políticas para a saúde, educação, segurança, meio ambiente, assim como o aprofundamento da democracia - por meio de uma reforma política. Não se alcança convergência em tudo, mas é possível encontros a partir de princípios éticos e valores duradouros.

Como avalia o início do governo Dilma?

É cedo para avaliações. A presidenta, como ela gosta de ser chamada, está no começo. Boa parte das ações já estava em curso e parte da equipe veio do governo anterior: algumas peças do xadrez trocaram de lugar, mas são as mesmas. Temos que dar um tempo para ela firmar seu estilo, botar sua equipe em campo. Sinceramente, estou torcendo para que dê certo. Não vou olhar com miopia para o que foi dito na eleição.

Como viu a prioridade que ela deu à erradicação da pobreza?

É um grande desafio e espero que seja levado a cabo. Eu acho que o grande esforço deve ser para fazer a transição do Bolsa Família para o que eu chamo de programas sociais de terceira geração, com inclusão produtiva, bem suportada por programas de educação.

A senhora já cobrou mais iniciativa no debate sobre o projeto de lei de mudança do Código Florestal apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PC do B).

O projeto é um retrocesso inominável. Gostaria que governo fizesse um debate semelhante ao que fizemos am relação à lei de gestão de florestas públicas, envolvendo empresas, ONGs, comunidade científica, setores do governo. No final, o projeto de lei enviado ao Congresso enfrentou pouca resistência.

Como ignorar a campanha do agronegócio, capitaneado pela senadora Kátia Abreu (DEM), a favor do projeto?

Existem agronegócios e agronegócios. Tem um pessoal fazendo um movimento interessante, fora da velha agenda reativa dos que querem debelar conquistas da Constituição de 1988. Durante a campanha conversei com o Marcos Jank, da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar), e senti abertura para um diálogo propositivo. É preciso abrir espaço para essas novas lideranças.

O canto desafinado das oposições :: Gaudêncio Torquato

Uma nota de pé de página revela traços do ethos nacional: as máscaras de Tiririca e Dilma Rousseff são as preferidas dos brasileiros para o carnaval; já as máscaras de Serra e Marina são as menos vendidas. A cara de Tiririca, o palhaço que se elegeu deputado, e a de Dilma, a técnica que se elegeu presidente da República, deverão ser as mais vistas na folia carnavalesca. A explicação? Ambos expressam atributos que emolduram o jeito de ser do brasileiro: a improvisação, o deboche, a irreverência, de um lado; a identificação com o poder, a opção pelos vitoriosos, de outro. Tiririca encarna a índole bagunceira e pouca afeita à formalidade; já a mulher presidente, além de ser a novidade da estação, projeta a ideia de força e de mando, de respeito e autoridade, valores reconhecidos nos perfis que detêm competência (e tinta na caneta) para nomear, demitir, decidir, ordenar. Puxar personagens com esse estofo para os salões da folia é dar vazão ao sentimento das ruas. O deputado e a presidente representam, portanto, o verso e o reverso, o poder informal e o poder formal, conjuminados na ampla radiografia da nossa cultura.

Se as máscaras do ex-governador de São Paulo José Serra e da ex-senadora Marina Silva abarrotam estoques, não é por serem feias ou bonitas, bem desenhadas ou extravagantes, mas porque ambos perderam as eleições. O caleidoscópio da paisagem desenhada pelo povo nada mais é que um desfile de personagens e suas representações. Assim, quem perdeu posição na política fica fora de foco, com exceção de quem consegue pular na gangorra, subindo e descendo, como Geraldo Alckmin, por exemplo, ou de figurantes que furam a névoa do tempo, como José Sarney e Paulo Maluf, cujas máscaras continuam à disposição em qualquer loja do ramo. O que tem chamado a atenção, porém, é a pequena atração exercida ultimamente por Serra, seja no mostruário das máscaras, seja no próprio palco da política. A sensação é de que o ex-candidato a presidente se encontra, agora, num patamar exageradamente baixo no ranking da influência. Ou, em outras letras, atende no balcão de fundo. O que teria acontecido para distanciamento tão acentuado, considerando que, mesmo derrotado no último pleito, chegou a ter quase 44 milhões de votos? Tentemos algumas hipóteses, a começar pela onda governista, que, na abertura de ciclos administrativos, invade fronteiras, ampliando territórios e apagando rastros das oposições.

Serra, como se sabe, tem sido o alvo mais impactado pela vitória da candidata petista. Seu afastamento do centro político tem que ver com o ditado "quem é dono da flauta dá o tom". Seu toque é débil. Neste momento, a orquestra tucana parece desafinada ante a regência (precária) de Sérgio Guerra, que pleiteia voltar ao comando do partido. Os acordes mais afinados são dados pelo maestro Fernando Henrique Cardoso, aliás, deixado à margem por ocasião da campanha presidencial, sob o argumento de que poderia ser alvo fácil de bombardeio. O fato é que o PSDB dá sinais de que o perfil em ascensão na floresta tucana e nas hostes oposicionistas é o do senador Aécio Neves, cujo bom desempenho em Minas Gerais (além de sua eleição, contabiliza a vitória do governador Antonio Anastasia e a do senador Itamar Franco) o habilita a ser o principal jogador no tabuleiro de 2014. E é fato também que o PSDB atravessa uma das curvas mais fechadas de sua trajetória. Mais que uma disputa envolvendo lideranças, o partido vive uma crise de identidade. Ao longo dos anos foi forçado a repartir o escopo da social-democracia com outras siglas, incluindo o PT. Desde que foi criado, em 1988, sempre circulou pelo meio da pirâmide - classes médias, profissionais liberais, núcleos acadêmicos e formadores de opinião -, nunca frequentando as margens. Ganhou, com alguma razão, o selo de partido elitista.

É visível o esforço do ex-presidente FHC para oferecer um norte aos tucanos desorientados. Basta ler a orientação tática e estratégica que o ex-presidente fornece nas pistas dos temas prioritários e formas de atuação política, objeto de seu artigo Tempo de muda, neste jornal (6/2). Abrir o verbo e falar forte, conforme sugere o sociólogo à oposição, seria, afinal de contas, bom conselho? Ou será que faltam interlocutores e ouvintes? Montaigne dizia que o poder da palavra pertence metade a quem fala e metade a quem ouve. Donde se pinça a dúvida: quem está motivado a ouvir a mensagem da oposição? Os milhões de eleitores que votaram em Serra continuam fiéis a ele? É sabido que a mudança no campo da adesão eleitoral é intensa, principalmente num país de comportamento volúvel como o nosso. Os votos de ontem podem já não ser os de hoje, seja por causa da atração fatal exercida pelo governismo, seja pela identificação do povo com os novos condimentos adicionados ao tempero social. A maioria da população parece contente com os novos ares, sob o abrigo social agora administrado pela nova governante. Por conseguinte, o anzol oposicionista não consegue fazer boa pescaria, a não ser fisgar um grupo de peixes que habita o centro da lagoa.

Se as oposições pretendem botar a locomotiva na linha para puxar um trem social mais comprido, hão de arrumar estratégias que abarquem a reorganização partidária, visando, primeiro, ao pleito municipal de 2012. Os primeiros tijolos do edifício político são feitos com o barro dos municípios. E, convenhamos, o PSDB deles está distante, enquanto o DEM definha a olhos vistos. Qualquer projeto de poder sem sólida base municipal equivale a castelos construídos na areia. As querelas internas, por seu lado, estiolam a meta da unidade oposicionista. Por último, a lembrança de que horizontes mais abertos para as forças oposicionistas passam, necessariamente, pelos bons ventos a serem soprados pelas administrações dos dois maiores colégios eleitorais do País: São Paulo e Minas. Desafio maior: seus governantes deverão azeitar intensamente as máquinas para evitar o corrosivo desgaste de material.

Jornalista, é professor titular da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Itamar: "Eu vou combater a reeleição"

O ex-presidente chega ao Senado para fazer uma oposição inspirada em suas atuações passadas na Casa, quando "não se calava"

Denise Rothenburg e Josie Jerônimo

Em sua primeira sexta-feira em Brasília depois da posse no Senado, Itamar Franco (PPS-MG) foi ao Conjunto Nacional para comprar uma pequena televisão para o seu apartamento funcional. Na loja, atraiu a atenção de funcionários mais velhos. Afinal, há 16 anos Itamar era quase tão popular quanto Lula ao deixar a Presidência da República — por ter sido o presidente que implantou o Plano Real. Um dos vendedores criou coragem e se aproximou: “Fizemos uma aposta ali: o senhor é aquele ex-presidente?”. Itamar, sem pestanejar, respondeu. “Se eu for, o que você ganha?”. Ao saber o valor da aposta, R$ 20, o senador brincou: “Você ganhou. Então vai lá, pega o seu dinheiro e me dá R$ 10 de desconto”.

Nos tempos de presidente, Itamar costumava sair sozinho do Palácio da Alvorada e dirigir o próprio carro para visitar amigos. Certa vez, para desespero da segurança, foi ao circo. Os seguranças se espalharam pela arquibancada, sem que ele soubesse. Agora, de volta à cena política brasiliense, ele dá sinais de que não mudou. No Senado, chega pregando o fim da reeleição e rechaça o voto em lista. “Vou combater a reeleição (…).Fico muito preocupado quando dizem: vamos fazer uma eleição por lista. Se uma cúpula partidária dominar o partido por muitos anos e não gostar da sua atuação, você vai ser o último da lista”, diz. Só evita falar dos Fernandos — os dois ex-presidentes Collor e Fernando Henrique Cardoso. “Vamos mudar de assunto para que eu não seja indelicado com as senhoras.”

Vem aí a discussão da reforma política e, pelo jeito, vão ampliar a discussão para o mandato presidencial. O senhor é favor da reeleição?

Não, primeiro ela quebrou a ordem constitucional brasileira. Ao longo da vida pública, nós nunca tivemos reeleições neste país. Quando terminamos o Plano Real, nós tínhamos que ter três pilares: o da reforma política, da tributária e a fiscal. O que aconteceu em 1995? Em vez de fazer o que ainda não tinha sido feito, passaram a reeleição. A linha divisória que distingue um candidato no cargo e um candidato que apenas concorre é invisível. Eu acho que a reeleição permite muita corrupção. A máquina é usada de uma forma muito violenta. Vou combater a reeleição.

Então o senhor vai propor o quê? O mandato de cinco anos?

Acho que cinco seria o ideal. Não acho quatro pouco, mas cinco seria razoável.

Fala-se também em abrir uma janela para uma reacomodação partidária. O senhor é a favor? E o voto em lista?

Pode haver um choque de consciência do cidadão com o partido. Ele pode se sentir desconfortável. Os nossos partidos costumam ter uma minoria que os domina há muitos anos. De repente, é preciso 16 ou 18 anos para se chegar à cúpula, se chegar. Fico muito preocupado quando dizem: vamos fazer uma eleição por lista. Se uma cúpula partidária dominar o partido por muitos anos e não gostar da sua atuação, você vai ser o último da lista. Os partidos brasileiros ainda são regionais. Quer goste ou não, eles não são nacionais.

E que avaliação o senhor faz do PMDB de hoje?

O PMDB é como se fosse uma namorada, a gente nunca esquece. Esse partido não é o mesmo PMDB. A minha namorada está no céu. Não é aquele PMDB que nós fundamos em nível nacional, em janeiro de 1980. Eu fui o primeiro presidente do PMDB. Não é o mais o meu partido, eu fico calado, mas dá uma tristeza, viu…

Hoje, o PMDB e Collor se dão muito bem aqui no Senado. Como está o seu relacionamento com o ex-companheiro de chapa?

Sem ser indelicado, não quero falar sobre isso.

Talvez seja coincidência, mas o senhor critica a reeleição, promovida por FHC, não quer falar de outro Fernando, seu antecessor…. Os Fernandos não se dão com o senhor?

Não falo sobre eles. C’est la vie (assim é a vida).

E como é voltar ao Senado?

Quando eu cheguei ao Senado, nós tínhamos um MDB coeso. Eu tenho que me readaptar. O nosso líder era um líder que entendia que nós, da oposição, para tratar de qualquer assunto, teríamos sempre que estudar. Chegar apresentando dados, debatendo dados. O senador Virgílio Távora era o líder da ordem econômica do governo. Por um determinado dia, ele foi à tribuna e disse que o presidente Geisel não permitiria que empresas estrangeiras explorassem o petróleo. Quando foi seis horas da tarde, o presidente Geisel permitiu. Ele (Virgílio Távora) ficou tão envergonhado que ficou um mês sem aparecer na tribuna. Como é que o governo (de hoje) leva tanto tempo. O apagão se deu na quinta-feira e só hoje uma liderança do governo vem explicar o que aconteceu. A presidente conhece bem o problema energético. Não sei se ela conhece bem as usinas nucleares, a questão nuclear, mas a outra parte ela conhece bem.

E o Senado de hoje?

Não posso julgar o parlamento porque eu estou aqui há uma semana. Mas há influência total do Executivo no Legislativo. Há submissão até nas comissões parlamentares de inquérito. Coisa que nem no regime militar tínhamos, de proibir que um parlamentar da oposição presidisse uma comissão. Não vamos permitir que isso aconteça. Quero deixar claro que não estou julgando o Senado agora. A oposição naquela época não se calava. Naquele tempo, nosso mandato poderia ser cassado em 10 ou 15 minutos. Nós fomos eleitos pela oposição, nós temos que debater no campo das ideias, é a nossa obrigação.

Daí a sua ideia de chamar José Serra para discutir o salário mínimo?

Ele deve ter informações, deu muita ênfase a um salário de R$ 600, deve ter algum embasamento. Nunca houve um debate frontal entre a candidata e o candidato. Eu quero saber — e espero que o Senado não deixe de convidar. Existem as centrais sindicais, que podem ser convidadas também.

O senhor não estará assim abrindo um palanque para Serra na “casa” de Aécio, que chega aqui como a maior aposta da oposição para o futuro?

Não, meu palanque agora foi o do Aécio. Primeiro, acho cedo ainda. Se amanhã o Aécio for candidato, eu espero estar ao lado dele. Em relação ao Serra, ao longo da nossa vida política, nós nunca fomos mal educados um com o outro. Mas eu já achava que, no início do processo eleitoral, o Aécio somava mais em termos partidários do que ele. O Serra teve uma coisa que eu falei com ele. Eu estou na minha casa sentado, ainda indefinido, e vejo o candidato da oposição elogiando o candidato do governo. Então, para que eu vou mudar? Se até ele está elogiando, então deve ser bom. Falei isso pra ele (na campanha). Ele não falou nada. Acho que ele esqueceu Minas. Mas vamos deixar o Dr. Serra lá. Mas votei nele, viu.

Qual foi sua maior alegria e a maior tristeza na Presidência?

Em determinados momentos, nas horas mortas, o presidente tem que tomar decisões sozinho. A vida pública é muito bonita, mas ela tem fases que trazem na alma uma tristeza muito grande. Quem ingressa nela tem que aguentar. A maior alegria, além do Plano Real, foi ter passado a faixa presidencial ao meu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, porque, quando eu entrei, disseram que meu governo não duraria 48 horas. Em 92, quando assumimos a Presidência da República, o país estava entristecido. E nós entregamos o governo democraticamente.

A maior tristeza?

Tem dia que a sua alma corre mais do que você. Então, você tem que puxar sua alma de volta. Se ela correr mais do que você, as tristezas são levadas por ela. Quando você a traz de volta, parte das tristezas ficam fora.

Que avaliação o senhor faz deste início do governo Dilma?

Eu escutei o discurso da presidente e achei interessante ela não ter dito o “nunca antes neste país”. Achei uma evolução, tomara que ela não tenha recaídas.

Pelo visto, o senhor está disposto a dar trabalho ao governo como oposição…

Dar trabalho, eu não sei se vou dar. Eu espero que, toda a vez que for possível, eu possa ajudar com a pequena experiência que tenho.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

O Rio – VII :: João Cabral de Melo Neto

Ou relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Do riacho as Éguas ao ribeiro do Mel

Caruaru e Vertentes
na outra manhã abandonei.
Agora é Surubim,
que fica do lado esquerdo.
A seguir João Alfredo,
que também passa longe e não vejo.
Enquanto na direita
tudo são terras de Limoeiro.
Meu caminho divide,
de nome, as terras que desço.
Entretanto a paisagem,
com tantos nomes, é quase a mesma.
A mesma dor calada,
o mesmo soluço seco,
mesma morte de coisa
que não apodrece mas seca.

Coronéis padroeiros
vão desfilando com cada vila.
Passam Cheos, Malhadinha,
muito pobres e sem vida.
Depois é Salgadinho
com pobre águas curativas.
Depois é São Vicente,
muito morta e muito antiga.
Depois, Pedra Tapada,
com poucos votos e pouca vida.
Depois é Pirauíra,
é um só arruado seguido,
partido em muitos nomes
mas todo ele pobre e sem vida
(que só há esta resposta
à ladainha dos nomes dessas vilas).