"Se ela não consegue entender o Congresso brasileiro, como entenderia o americano?"
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 14 de agosto de 2011
Opinião do dia – Eduardo Cunha: Ideli Salvatti
Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil
O GLOBO
FOLHA DE S. PAULO
Moçambique oferece área de três Sergipes ao Brasil
Oficial é suspeito de usar injeção letal no Araguaia
Rebaixamento reforça a tese do declínio dos EUA
Oficial é suspeito de usar injeção letal no Araguaia
Rebaixamento reforça a tese do declínio dos EUA
O ESTADO DE S. PAULO
Efeito da crise sobre a China definirá impacto no Brasil
Alvo da PF no Turismo, ONG fica em Igreja
Ameaça de bandidos obriga juízes a viverem como foragidos
Obama se mantém favorito à reeleição
Alvo da PF no Turismo, ONG fica em Igreja
Ameaça de bandidos obriga juízes a viverem como foragidos
Obama se mantém favorito à reeleição
ESTADO DE MINAS
ZERO HORA (RS)
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Rede de laranjas e notas frias alimentam fraudes no Turismo
Principal beneficiária dos desvios de recursos do Ministério do Turismo, a ONG Ibrasi operava com ajuda de empresas de fachada especializadas em emitir notas fiscais falsas e fraudar concorrências. Com sedes e donos diferentes, elas são na verdade uma rede: os sócios se conhecem e operam em conjunto. Uma das firmas subcontratadas pelo Ibrasi, a Barbalho Reis Comunicação e Consultoria, informa como endereço uma sala no centro de Brasília – mas uma secretária disse que no local funcionam mais de 200 empresas. Na suposta sede da Sinc, outra consultoria investigada, ninguém conhece tal empresa. Segundo relatório da Polícia Federal, os sócios das duas empresas são irmãos. A PF descobriu que notas frias emitidas por empresas diferentes foram preenchidas pela mesma pessoa
Um "laranjal" em meio às fraudes
Principal beneficiária de desvios de verba no Turismo operava com grupo de empresas de fachada
Carolina Brígido
A ONG Ibrasi, principal beneficiária do esquema de desvio de recursos do Ministério do Turismo, operava com a ajuda de um grupo de empresas de fachada especializadas em emitir notas fiscais falsas e fraudar concorrências. No papel, elas têm sedes e donos diferentes. Na prática, os donos se conheciam e operavam em conjunto.
Uma delas, a Barbalho Reis Comunicação e Consultoria, informa em suas notas um endereço em Brasília como sede: uma sala no quinto andar de um movimentado prédio comercial. O GLOBO visitou na última sexta-feira a sala 503 do Edifício Corporate Center, no centro da capital, e ouviu a atendente informar, sem constrangimento, que na sala funcionam "mais de 200 empresas". Após verificar uma lista, ela disse que a Barbalho Reis não é uma das "associadas".
A funcionária acrescentou que a Barbalho Reis já foi sediada na sala, mas não disse quando. Ninguém atendeu o telefone, cujo número está impresso nas notas fiscais. Os sócios são Humberto Silva Gomes e Dalmo Antônio Tavares de Queiroz, dois dos envolvidos na Operação Voucher, da PF.
A Sinc Recursos Humanos e Automação, também sediada em Brasília, foi outra emissora de notas para o Ibrasi. No endereço indicado, em área comercial, há uma porta branca com grade na frente na mesma cor. Não há letreiro algum. Pelo interfone, uma voz feminina informou ao GLOBO que ali funciona uma empresa de consultoria. E nunca ouvira falar na Sinc.
Concorrentes que são sócios
O telefone da empresa informado nas notas é de uma residência, onde nunca ouviram o nome Sinc antes. Os contatos dos sócios, Hugo Leonardo Silva Gomes e Fabiana Lopes Freitas, também não constam da lista telefônica. O endereço da empresa na internet indicado nas notas não existe.
A forma camuflada de operar não é a única semelhança entre a Barbalho Reis e a Sinc. Segundo relatório da PF, Humberto Silva Gomes, da primeira empresa, é irmão de Hugo Leonardo Silva Gomes, da segunda. O documento revela o teor de conversa gravada com autorização judicial em que a diretora do Ibrasi, Maria Helena Necchi, fala a Dalmo Queiroz, da Barbalho Reis, sobre a necessidade de uma reunião com a Sinc para combinar versões sobre qual teria sido o papel da empresa no convênio.
No diálogo, Maria Helena refere-se ao Ibrasi como "empresa" - o que, para a polícia, "demonstra que o instituto realmente está muito longe de ser uma entidade sem fins lucrativos". Segundo a transcrição no relatório, a diretora disse: "Isso envolveria a empresa, o Ibrasi, eu tô indo, e você provavelmente pra gente fechar, porque aquele... fica organizado as respostas, né?".
Essa é uma das ligações entre os donos das empresas que participaram de licitações para encenar uma prestação de serviços ao Ibrasi. Os concorrentes se conhecem e alguns são sócios em outras empresas.
A perícia também constatou fraude no preenchimento de notas fiscais por parte das empresas usadas pela ONG. "Foram identificadas algumas situações que levantam suspeitas sobre a fidedignidade dos documentos comprobatórios das despesas realizadas com os recursos do convênio", diz o relatório policial.
Segundo o texto, "algumas notas fiscais apresentadas pelo Ibrasi como comprovante de pagamento de despesas do convênio, emitidas por empresas diferentes, foram preenchidas pelas mesmas pessoas". O laudo cita como exemplo notas emitidas pela Sinc e pela Barbalho Reis com a mesma caligrafia. A mesma pessoa teria preenchido notas da Cooperativa de Negócios e Consultoria Turística - Conectur, com sede em Macapá, outra empresa que fornecia notas ao Ibrasi.
A polícia também anotou indícios de que a Sinc foi criada só para acobertar gastos do Ibrasi. "As notas da Sinc Recursos Humanos e Automação foram emitidas com diferença de um mês em regra, porém, verifica-se que elas possuem numeração sequencial nos meses de abril a julho e de julho a agosto de 2010, podendo-se inferir que, neste período, o Ibrasi era seu cliente exclusivo", conclui o documento.
Além disso, a Sinc teria emitido comprovantes no período em que estava com a inscrição suspensa no Cadastro Fiscal do Distrito Federal. O relatório diz que a Barbalho Reis emitia notas fiscais com a numeração sequencial próxima, com poucos intervalos entre os documentos.
O procurador Marinus Marsico, que atua no Tribunal de Contas da União (TCU), disse que não teve acesso aos documentos. Mas afirmou que, em tese, a forma mais comum de desviar dinheiro público é por meio de notas fiscais fraudulentas:
- Notas frias são o que há de mais comum em fraudes no poder público.
Marsico pondera que a forma de agir das empresas investigadas não é comum, devido à falta de cuidado e à precariedade das fraudes.
- Notas fiscais com a mesma caligrafia são uma coisa muito primária. Parentes donos de firmas beneficiárias de recursos públicos, também. Isso indica certeza de impunidade (por parte dos sócios). É um golpe muito pouco elaborado. Não é tão comum, porque é mais fácil de pegar - diz.
Ainda segundo o procurador, uma empresa sediada no mesmo espaço que outras 200, como é o caso da Barbalho Reis, não tem idoneidade suficiente para contratar com o poder público - ainda que a sede esteja estabelecida em respeito às leis.
- Uma sala com mais de 200 empresas pode abrigar empresas virtuais ou mesmo empresas fantasmas. Isso retira a idoneidade da empresa para contratar com a administração pública. Mesmo que seja totalmente legal uma sala com 200 empresas, não há idoneidade - concluiu Marsico.
O esquema veio à tona com a Operação Voucher, da PF, sobre desvio de dinheiro público com o suposto envolvimento de servidores e integrantes da cúpula do Turismo, além de entidades privadas que firmaram convênios com a pasta. A investigação começou no TCU, que detectou irregularidades em contratos com o ministério. No dia 9, a PF começou a cumprir 38 mandados de prisão de suspeitos de integrar o esquema. Os presos começaram a ser soltos na sexta-feira, quando obtiveram habeas corpus.
FONTE: O GLOBO
'Se falta apoio porque a presidente faz a faxina, é a desmoralização'
Cristovam Buarque lança campanha para respaldar Dilma no combate à corrupção
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), dizendo estar preocupado com a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff perder apoio político por causa da faxina ética em seus ministérios, está promovendo junto com outros senadores uma ação para dar respaldo à iniciativa do Planalto contra a corrupção. Segundo ele, o movimento conta com o apoio de pelo menos 15 senadores, entre eles o gaúcho Pedro Simon (PMDB), que ocuparão a tribuna do Senado na segunda-feira para se solidarizar com Dilma e as ações do governo contra os desvios na administração pública. Segundo ele, se Dilma voltar atrás na faxina, para tentar recuperar o apoio dos partidos, perderá o apoio das ruas.
Isabel Braga
Por que um movimento para apoiar a presidente Dilma na faxina nos ministérios?
CRISTOVAM: Primeiro porque ela está fazendo o certo. E, segundo, porque estamos tão desmoralizados que, se de repente, falta apoio no Congresso porque a presidente faz a faxina, aí é a desmoralização completa. Somos um grupo disposto a dar suporte à faxina que ela fez, está fazendo e que achamos que ela precisa fazer mais.
Como avalia a reação dos partidos da base aliada?
CRISTOVAM: Base é quando os partidos se juntam em torno de bandeiras em comum. O que temos é uma aglutinação de políticos, sem uma bandeira que unifique. Se a faxina da presidente afetar interesses, a aglutinação que lhe dá apoio político pode desaparecer, e isso é preocupante. Se a presidente voltar atrás agora para acomodar os interesses feridos pela faxina, ela vai perder o apoio das ruas.
No Congresso, os aliados criticam a maneira como Dilma está recebendo apoio da sociedade à faxina, prejudicando a imagem dos parlamentares. O senhor concorda?
CRISTOVAM: No Congresso ela está adquirindo novos suportes. Vejo pessoas como (os senadores) Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Pedro Simon (PMDB-RS), Pedro Taques (PDT-MT) e outros a favor da faxina que ela está fazendo. Ela está fazendo o certo, o que tira o apoio de muitas pessoas. A pergunta é: as pessoas feridas controlam o Congresso ou não? Se elas controlam o Congresso, aí corremos o risco de governabilidade. A habilidade dela seria dosar não a faxina, que ela tem de fazer toda. Mas dosar os apoios que ela perde e os que ela ganha. Se perder, tem de ganhar outros, ou vai ter problemas de governabilidade.
O senhor vai apoiar a CPI da Corrupção?
CRISTOVAM: A investigação é correta, mas o instrumento está partidarizado para infernizar o governo. A Dilma deveria tomar a iniciativa de fazer uma comissão de inquérito, chamando até parlamentares, juízes, colocando a polícia, a CGU (Controladoria Geral da União). Teria que dar ideia de independência e com credibilidade de que irá até o fim. Eu assinarei uma CPI para investigar a Polícia Federal se daqui a seis meses não se descobrir nada. Aí estão escondendo, a presidente fez simples jogo de cena. Seria uma Comissão Republicana de Inquérito. Sem partidarizar. Respaldar a apuração, cobrando mais apuração.
O senhor apoia o pedido de Dilma de não aprovar projetos que aumentem gastos por causa da crise mundial?
CRISTOVAM: Devemos reduzir ou parar essa questão das emendas nesse momento. E temos de impedir coisas que nos são caras. Por exemplo: luto pela federalização da educação de base. Não dá para exigir que se faça isso hoje na velocidade que desejo. Sou defensor da PEC 300, que iguala os salários dos policiais no Brasil, mas não vai dar para fazer este ano, no próximo ano. Sou a favor da Emenda 29, que põe mais dinheiro na Saúde. Neste ano não será mais possível. É uma questão de emergência.
FONTE: O GLOBO
Relação com Congresso foi deteriorada
Para o Planalto, aprovação ao governo chegou ao teto
BRASÍLIA. Os aliados agora esperam que Dilma comece a prestar mais atenção às demandas da base no Congresso, principalmente depois dos primeiros sinais de queda nas pesquisas, como revelou o levantamento do Ibope, na semana passada. O próprio Planalto reconhece que Dilma está com aprovação elevada, mas que chegou no teto. E, por isso, é preciso cautela.
- Temos que reconhecer que melhorou o canal de diálogo com o Planalto - minimizou o líder do PT, senador Humberto Costa (PE).
Até então, a presidente vinha resistindo a mudar sua relação com o Congresso e chegou a considerar que poderia prescindir de sua própria base, o que levou alguns parlamentares a fazerem um paralelo entre Dilma e o ex-presidente Fernando Collor.
Numa conversa com um petista, o próprio Collor manifestou sua preocupação com os rumos do governo Dilma, observando que ela estaria cometendo o mesmo erro que ele, que acabou sofrendo um impeachment. Collor, porém, perdeu o apoio popular logo no início do governo, e por denúncias que o atingiam diretamente.
Prorrogação da DRU exige entendimento
A preocupação palaciana com o Congresso se agravou muito depois da paralisia nas votações da Câmara. O grande temor é com a dificuldade de votar a prorrogação da DRU (Desvinculação das Receitas da União), mecanismo que permite ao governo remanejar livremente até 20% do orçamento. O Planalto alega que a DRU é fundamental para enfrentar os reflexos da crise, e apela para a responsabilidade dos aliados.
- Vai ter que ser feito um entendimento para votar a prorrogação da DRU, por causa dos prazos para tramitação. Querer piorar a condição fiscal é algo inadmissível - avisou Ideli.
A relação começou a deteriorar de vez nos últimos dois meses. Além do desconforto com a demora na liberação de emendas e cargos de segundo e terceiros escalões que não foram preenchidos até hoje, a desconfiança aumentou com as denúncias de irregularidades envolvendo ministérios e órgãos ligados aos partidos.
Ao tirar o PR da área de Transportes, Dilma acreditou que poderia enfrentar todos os partidos da mesma forma diante de novas denúncias de corrupção, observou um ministro petista. Mas logo depois a presidente percebeu que dificilmente conseguirá fazer com outros partidos o mesmo que fez com o PR. O balanço dessas ações, apesar de positivo na opinião pública, causou instabilidade na base.
FONTE: O GLOBO
Alvo da PF no Turismo, ONG fica em Igreja
Entidade que deu origem ao esquema de corrupção investigado no Ministério do Turismo, a Conectur é registrada numa igreja evangélica, informa o repórter Leandro Cólon. A ONG recebeu R$ 2,5 milhões do governo, mas no endereço funciona a Assembléia de Deus Casa de Oração Betel. O pastor Wladimir Furtado, dono da Conectur, mora no local e foi preso na Operação Voucher, da Polícia Federal
Entidade que recebeu R$ 2,5 milhões para pesquisar turismo fica em igreja
Pastor que se apresenta como "turismólogo" é responsável por Conectur, empresa de fachada que embolsou recursos de convênios do governo e, segundo as investigações da PF, os repassou para Fátima Pelaes
Leandro Cólon
MACAPÁ - Embrião do esquema de corrupção no Turismo do Amapá, a entidade Conectur é registrada numa igreja evangélica. Recebeu R$ 2,5 milhões do governo federal, mas nunca existiu. No seu endereço oficial funciona a Assembleia de Deus Casa de Oração Betel.
O pastor é o dono da Conectur, Wladimir Furtado. Ele mora no andar de cima e foi preso na Operação Voucher, da Polícia Federal. É acusado de envolvimento nos desvios de recursos em convênios do Ministério do Turismo e, segundo investigados, de repassar parte do dinheiro para a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP).
A deputada é chamada de "advogada" nas conversas telefônicas, de acordo com a polícia. O pastor nega as acusações.
O Estado foi visitar a "sede" da Conectur na sexta-feira. Acabou encontrando uma igreja. A ousadia é tamanha que o pastor pendurou no alto do prédio religioso uma bandeira mencionando o convênio com o Ministério do Turismo. O banner estava lá três dias depois da operação policial que desmontou o esquema. Em depoimento à PF, Furtado disse ser "turismólogo". Sua entidade ganhou R$ 2,5 milhões do Ministério do Turismo para cuidar da "Realização de Estudos e Pesquisas sobre Logística no turismo no Estado do Amapá, levando em conta a situação das redes estabelecidas ao redor dos serviços turísticos". A verba foi liberada, mas projeto não saiu do papel. E o dinheiro sumiu.
O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), pivô do esquema revelado pela Operação Voucher, foi, depois de 2009, uma espécie de "sucessor" da Conectur, que virou uma "subcontratada de fachada" do próprio Ibrasi. É o que, na avaliação dos investigadores, revela os indícios de uma grande organização criminosa, uma "quadrilha", que contou com a participação de funcionários do Ministério do Turismo.
A casa - ou a igreja, no caso - "caiu" na madrugada de terça-feira, quando agentes da PF prenderam o pastor e o esquema começou a ser desvendado. Ele havia colocado o sobrinho e a cunhada, que moram na periferia de Macapá, como "laranjas" na diretoria da Conectur. Os dois também foram presos na terça-feira e entregaram o jogo para a PF: o dinheiro do Ministério do Turismo, segundo eles, foi parar nas mãos da deputada Fátima Pelaes.
Wladimir, ex-prefeito da cidade de Ferreira Gomes (AP), não só foi entregue pelos parentes, como teve de contratar um advogado às pressas por R$ 40 mil para tentar sair da cadeia e também livrá-los da prisão.
Deputada. Gravações telefônicas da Polícia Federal, feitas com autorização da Justiça, mostram, de acordo com a investigação, cumplicidade entre Fátima Pelaes, Wladimir e o secretário executivo do Ministério do Turismo, Frederico Silva da Costa, outro preso na Operação Voucher. A deputada, segundo a PF, é tratada como a "advogada" nas conversas.
Num diálogo com seu assessor direto, Antônio dos Santos Júnior, no dia 27 de junho, Frederico trata de uma visita que uma funcionária do ministério faria ao pastor em Macapá. "Ele (Wladimir) tá lá derrubando pulga né? Tá lá catando piolho", diz Frederico, segundo o relatório da PF.
Logo depois, o secretário executivo cita a pessoa que, na avaliação da polícia, seria a deputada Fátima Pelaes: "A advogada me passou uma mensagem. Ela tava em dúvida se tínhamos sido nós que preparamos a defesa do pessoal lá." O "pessoal", de acordo com a PF, seria o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), pivô do esquema investigado pela PF.
Nos interrogatórios, a polícia perguntou ao assessor Antônio por que a deputada Fátima Pelaes era chamada de "advogada" na conversas. Ele disse não ter "a menor ideia".
Fiscalização. Apesar do fracasso da Conectur em cumprir o convênio de R$ 2,5 milhões, uma nota técnica assinada por uma funcionária do Ministério do Turismo, Kerima Carvalho, aprovou a prestação de contas de um serviço que não saiu do papel. No parecer, ela admite que não houve acompanhamento técnico "in loco". Ou seja, o governo jamais foi conferir de perto se o projeto foi executado. Kerima foi presa também.
No documento a favor da Conectur, ela afirmou: "A análise da documentação apresentada fez concluir que foram atendidos os requisitos de elegibilidade do Convênio MTur/Cooperativa de Negócios e Consultoria Turística - Conectur nº 702720/2008, de acordo com as normas e procedimentos legais aplicáveis, estando, portanto, a Prestação de Contas aprovada no que diz respeito ao cumprimento do objeto".
Depois de levar o dinheiro do Turismo, a Conectur passou a fazer parceria com o Ibrasi. Recebeu R$ 250 mil para mil horas de consultoria referente a um convênio do Ibrasi com o Ministério do Turismo para a "capacitação técnica" no Amapá. O relato da conclusão sobre seu serviço, segundo a Polícia Federal, é fraudulento. "Fica claro que seu relatório não passa de uma fraude para justificar o pagamento por um serviço que não foi executado", diz a investigação.
Cheques em branco. Apontado como tesoureiro da Conectur, o sobrinho de Wladimir Furtado, David Lorrann Silva Teixeira, contou ao Estado e também à PF que assinou, de uma só vez, 60 cheques em branco a pedido do tio. Wladimir, segundo David, contou que parte do dinheiro do Turismo iria para a deputada Fátima Pelaes. O mesmo foi dito pela "secretária" da Conectur, Merian de Oliveira. Ela é cunhada de Wladimir Furtado. Segundo contou à PF, foi avisada pelo dono da Conectur que a deputada ficaria com os recursos.
De acordo com o depoimento, Merian "ficou sabendo de Wladimir que, na divisão do dinheiro, a deputada Fátima Pelaes ficou com maior parte do dinheiro destinado à empresa, inclusive tendo Wladimir comentado que o dinheiro destinado a empresa não seria suficiente para pagar os encargos financeiros". A depoente esclareceu ainda que a tratativa referia-se a um repasse no valor de R$ 2,5 milhões.
Orientação. As gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça mostram a diretora do Ibrasi Maria Helena Necchi dizendo que foi o Ministério do Turismo quem mandou sua entidade subcontratar a Conectur.
"A Conectur foi contratada quando a gente chegou aí porque era orientação do ministério, tinha que ser uma empresa que tava (sic) aí. Pra fazer o aluguel, tudo, tá tudo embolado, agora precisa tentar desembolar", disse.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
''Queda de braço de Dilma faz PMDB organizar centrão''
Segundo ele, ""faxina"" é estratégia para driblar dificuldades econômicas e uma ação independente do PMDB é arriscada
Lucas de Abreu Maia
ENTREVISTA: Marcos Nobre, professor de filosofia política da Unicamp
Se insistir na "faxina" no governo federal, a presidente Dilma Rousseff arrisca-se a incentivar a recriação do "centrão" no Congresso, na avaliação do professor de filosofia política da Unicamp Marcos Nobre. Para ele, o anúncio, na semana passada, da formação de um "bloco informal" entre PMDB, PR, PP, PTB e PSC é "o embrião do centrão" - agrupamento de partidos conhecido por atravancar a atuação do Executivo nos governos Sarney e Collor.
"Este sempre foi o medo do Lula: um Legislativo independente do Executivo", diz Nobre. Nesta entrevista ao Estado, ele opina que a "faxina" foi a forma que a presidente encontrou de manter a popularidade em meio a uma situação econômica complexa. Mas esta estratégia tem data para acabar: "Não dá para levar esta situação além do primeiro semestre de 2012 (ano eleitoral)".
O que motiva a "faxina" imposta pela presidente a alguns ministérios comandados por aliados?
Dilma foi eleita em nome de continuar o pacto do crescimento do Lula, mas em patamares mais baixos. Não dá para manter o gasto público no nível que o Lula manteve em 2010. Isso exige uma pactuação "para baixo" - que se pode chamar de downsizing (diminuição) no crescimento. A tática da Dilma para lidar com esse novo pacto social ficou conhecida como faxina - que não é um termo muito bom, mas que pegou, e que eu chamei de tática da queda de braço. Esta tática só apareceu depois da queda do (ex-ministro da Casa Civil, Antonio) Palocci.
O mais importante para o Lula era ter uma base ampla, mas não depender de ninguém especificamente. Ele fazia isso de tal maneira que ninguém fosse privilegiado na distribuição do peemedebismo. Ele passou a Dilma o modelo do dividir para arbitrar: estimulava o conflito e surgia para arbitrá-lo. Palocci era o tradutor da Dilma para o sistema político ainda nos termos do Lula. Quando ele sai, aparece a política da queda de braço.
Em um âmbito mais amplo, ela tem uma tarefa muito difícil que é manter a inflação no limite do teto da meta e um crescimento econômico razoável. Essa foi a tática (da faxina) que ela escolheu para colocar em marcha a "pactuação para baixo" das expectativas de crescimento. Isso tem data para terminar: no momento em que a inflação entrar nos eixos e o crescimento estiver mais ou menos garantido em um nível razoável.
Mas esta estratégia não é livre de riscos, certo?
Não só é arriscado como também tem data de validade. Ela não pode fazer isso por quatro anos porque, desta forma, o sistema político como um todo aparece como vilão. Não dá para levar esta situação além do primeiro semestre de 2012. É em 2012 que o político fará sua base para uma candidatura em 2014. Não se pode apoiar um candidato num contexto em que todo e qualquer político é corrupto. A tática da Dilma até agora deu certo porque ela consegue se apresentar como alguém que luta contra o sistema político por dentro do próprio sistema. Também deu certo porque ela conseguiu ampliar o cordão sanitário. O cordão sanitário vem desde o governo FHC - são aquelas áreas consideradas intocáveis pelo peemedebismo, geralmente saúde, educação e política econômica. Dilma queria estender este cordão aos Transportes, por causa das obras de infraestrutura. Até o momento, deu certo. Mas tem limite, porque o sistema político se volta contra ela.
Há como mudar de postura?
Não sei como a Dilma fará para reestruturar sua imagem depois da queda de braço. Todo o governante faz isso: reconstrói sua imagem conforme as circunstâncias. A Dilma terá de refazer a sua, o que não será fácil porque ela não é maleável. Lula, depois do mensalão, conseguiu moldar uma imagem que durou até o final do seu mandato: a da metamorfose ambulante. A única pessoa que pode falar em sequência duas sentenças completamente contraditórias, sem que isso traga qualquer consequência, é o Lula. Dilma precisará se reformular, mas não pode ser contraditória.
A "faxina" pode se tornar a marca de governo Dilma?
Impossível, a não ser que a Dilma partisse para a mobilização social, o que não está na sua personalidade e no seu meio de atuação - até porque ela não tem o carisma necessário para isso. Você só consegue continuar o processo de queda de braço (com a base) se chamar a sociedade inteira e mobilizá-la contra o sistema político. A Dilma vai fazer isso? Imagino que esta não seja uma opção.
A presidente conseguirá neutralizar a atuação de seu vice, Michel Temer (PMDB-SP)?
Talvez a maior derrota do Lula no fim de seu governo tenha sido não conseguir impedir que Temer se tornasse vice da Dilma. Todas as vezes em que se tentou isolar o Temer, ele deu a volta por cima e deu o troco. Neutralizá-lo não é uma opção.
E como combater o que o sr. chama de peemedebismo?
De fato, precisamos de uma pequena revolução política. Já tivemos uma pequena revolução econômica e uma pequena revolução social. Se vai ser a Dilma quem vai fazer isso não sei. O peemedebismo tem que acabar. O problema é que a política da queda de braço da Dilma está organizando o peemedebismo. Fernando Henrique dizia que tinha uma base desorganizada, Lula também. A característica do peemedebismo é ser desorganizado, fragmentado. Dilma está ameaçando organizar o peemedebismo. E a organização do peemedebismo tem um nome: chama-se "centrão". O centrão é um poder autônomo em relação a partidos e ao governo. O poder de chantagem do centrão é muito grande. Este centrão está sendo reorganizado pelo PMDB - se chama hoje "bloco informal" (anunciado nesta semana por PR, PMDB, PTB, PP e PSC). Este sempre foi o medo do Lula: uma organização do Legislativo independente do Executivo. A organização do peemedebismo significa um travamento como tivemos no governo Sarney e no governo Collor. É muito grave.
E se o Executivo tentar governar sem o Congresso?
Seria a chave para a formação do centrão. Dilma tem três espadas apontadas para sua cabeça: a Emenda 29 (que regulamenta os gastos com saúde), a PEC que estabelece o piso para policiais civis e os royalties do petróleo. Todas estão na mão do Congresso. O governo pode não depender do Parlamento - se não quiser fazer grandes reformas, o que é o caso da Dilma -, mas não pode contorná-lo.
CRONOLOGIA
Maio
O governo vê seus articuladores políticos, Antonio Palocci (Casa Civil) e Luiz Sérgio (Relações Institucionais), sob forte pressão dos parlamentares; ambos acabaram deixando os cargos.
Junho
Na tentativa de se aproximar do Congresso, Dilma decide prorrogar os restos a pagar das emendas parlamentares.
Julho
Alfredo Nascimento é obrigado a pedir demissão do Ministério dos Transportes, e seu partido, o
PR, se revolta.
Agosto
Denúncias na Agricultura e Turismo alvejam o PMDB.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Cheque em branco na saúde
Estado pagou R$ 354 milhões a 26 cooperativas de médicos sem assinar contrato
Fábio Vasconcellos
RIO - Foi na França, entre o fim do século XVIII e início do XIX, que o direito adotou definitivamente a exigência de contratos formais na administração. O objetivo era garantir responsabilidades e punir os desvios por meio de um documento reconhecido pela Justiça. Embora essa exigência tenha sobrevivido ao tempo e se espalhando por vários países, ainda hoje há casos na gestão pública em que prevalece o chamado acordo informal, medida que dificulta a fiscalização do uso dos recursos, além de contrariar a legislação. É o caso da Secretaria estadual de Saúde. Entre 2007 e 2010, o órgão pagou R$ 354 milhões a 26 cooperativas médicas, sem assinar qualquer contrato prévio com essas entidades, que são responsáveis por fornecer mão de obra às unidades de saúde. O dinheiro foi repassado seguidamente, por termos de reconhecimento de dívida, um instrumento que autoriza os pagamentos, mas não dispensa a assinatura de contratos.
A situação desses pagamentos na saúde, uma das áreas mais críticas do estado, consta de um relatório feito por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em julho. Do total desembolsado pela secretaria, cerca de 52% foram para três cooperativas: Trust, Multiprof e ServiceCoop. No documento, os técnicos do tribunal alertam para o fato de que esses pagamentos sem contrato ferem a Lei de Licitações. O entendimento é o mesmo de Manoel Messias Peixinho, professor de direito administrativo da PUC-Rio. Consultado pelo GLOBO, ele classificou o caso como uma "irregularidade gritante", em se tratando de órgão público. O professor diz que o caso das cooperativas não se enquadra nem mesmo em situações emergenciais, em que se poderia dispensar a concorrência pública, mas nunca a assinatura de contrato formal:
- Essa prática é absolutamente ilegal. Todas as contratações da administração pública devem ser precedidas de um contrato formal. Isso está claro na Lei de Licitações, que impõe não apenas essa exigência, como também a de se realizar uma concorrência para escolher o prestador de serviço. Portanto, a ilegalidade nesse caso chega ser gritante e pode ser alvo de uma ação criminal contra quem deu a autorização.
FONTE: O GLOBO
O descobrimento de Cabral:: Fernando de Barros e Silva
Uma juíza que se notabilizou pelo combate ao crime organizado e à corrupção policial foi fuzilada em Niterói, na porta de casa, com 21 tiros. Pelas armas usadas, a participação de policiais na execução é muito provável.
Dois dias antes, a polícia do Rio abriu fogo contra um ônibus dominado por assaltantes, ferindo três passageiros, sem que nenhum tiro tivesse sido disparado de dentro para fora do veículo.
Em 48 horas, a realidade se impôs sobre a fantasia da cidade pacificada. A polícia que atua nas ruas é bem diferente da tropa de elite do cinema. E as UPPs de Sérgio Cabral parecem estar muito mais para Unidades de Propaganda Pacificadora.
Ninguém ignora que houve avanços reais no combate ao tráfico no Rio. Mas há um abismo entre a cidade renascida que o governador vende e o espetáculo rotineiro de violência disponível a quem não tiver os olhos embotados pela propaganda ou pela ficção oficial.
Cabral é um tipo falastrão e marqueteiro, que não se vale apenas do gogó. Seu governo, no primeiro mandato, elevou os gastos com publicidade em quase 40% em relação à gestão de Rosinha Garotinho.
Há pouco, o acidente de um helicóptero no litoral baiano trouxe por acaso ao conhecimento público as relações promíscuas entre o governador e empresários beneficiados com renúncias fiscais e obras do Estado. Flagrado no jatinho emprestado por Eike Batista, ao lado do empreiteiro Fernando Cavendish a caminho de uma festa privada, Cabral sugeriu a criação de um código de ética para disciplinar o que ele pode e o que não pode fazer com seus amiguinhos da grana. Uma demagogia oportunista com contornos até cômicos.
No seu código prático de conduta, Cabral pode chamar o menino favelado que lhe fazia uma reclamação de "otário" e dizer que os bombeiros rebelados são "vândalos irresponsáveis". Haja Unidade de Propaganda Pacificadora para dar conta de tanta realidade.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Populismo e corrupção:: Merval Pereira
A corrupção, tema predominante na política brasileira nos tempos recentes, é um fenômeno mundial e para o ex-deputado e advogado Marcelo Cerqueira nosso país não poderia ser exceção "num mundo aonde vicejam democracias de massa, em número maior do que em qualquer outro tempo".
Ao mesmo tempo, ressalta, a natureza ampliada e avassaladora do capital financeiro, com seus ciclos curtos, a crise como normalidade, a ameaça recessiva, a especulação, "favorece uma espécie de fusão promíscua entre política/administração/justiça e negócios/mercado".
Em crescente número de casos, diz Cerqueira, "a fusão quadros de Estado/executivos financeiros/grande imprensa é algo que não ocorrera dantes de forma tão pronunciada e tão generalizada - o que se passa nos EUA? E na Itália? E no Reino Unido neste exato momento?"
Na análise de Marcelo Cerqueira, nas democracias de massa, "as diferenças partidárias se esvaeceram porque a esquerda se fragilizou ou se tornou muito similar ao centro liberal, quando não à direita conservadora".
Como resultado, a classe política se tornou mais homogênea, executando programas similares, enquanto os partidos se combatem apenas em torno do tema da corrupção.
"Nas democracias de massa modernas é a contraposição de partidos diversos em orientação, com seu papel fiscalizador na oposição, que ajudaria a conter o potencial de corrupção dos governos".
A democracia de massas sempre funciona com base em máquinas políticas, diz Cerqueira citando Weber, e, na ausência de contraditório partidário, degenera em plutocracia.
Também o historiador da USP Boris Fausto, na análise da situação atual em que a ética parece ter sido ultrapassada como prioridade de cidadania pelo consumismo exacerbado, dá relevância às circunstâncias históricas do desenvolvimento do país, como o crescimento avassalador do capitalismo de Estado, fazendo surgir uma nova classe dirigente que mistura o poder sindicalista emergente, dominando os fundos de pensão das estatais, e as megaempresas multinacionais.
E a consequente possibilidade de ganhar muito dinheiro também com a prevalência, a exemplo do que ocorre no mundo globalizado, do sistema financeiro.
Mas Boris Fausto rejeita a ideia de que pessoas mais preparadas cultural e educacionalmente estariam menos sujeitas à corrupção, o que pode resvalar para o elitismo, e temos exemplos diários de pessoas bem colocadas na pirâmide social envolvidas em escândalos.
O que ele ressalta é que, numa democracia de massas como a nossa, o apoio das pessoas pobres ao governo está muito ligada aos benefícios materiais, e a questão da corrupção é quase sempre secundário.
"As pessoas necessitadas não podem se dar ao luxo de rejeitar um esquema político por que é populista ou corrupto. O que me importa se os homens lá estão fazendo isso ou aquilo se agora eu estou andando de avião?", seria o comportamento médio.
O cientista político Bolivar Lamounier, no livro "Difícil Democracia", da coleção Estado da Democracia na América Latina, iniciativa do projeto Plataforma Democrática, que o iFHC conduz em parceria com o Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, chama a atenção para a possibilidade que as tensões da democracia permitem de surgimento de populismo, clientelismo, corrupção e, "não raro, movimentos ou partidos ideologicamente ambíguos a respeito das regras democráticas de representação política".
Um traço fundamental do período pós-transição, para Lamounier, é uma reconfiguração do espectro político-ideológico, "apontando para uma atrofia talvez prolongada do centro liberal e a consequente hipertrofia de setores populistas, picaretas e carbonários".
Na análise de Bolivar Lamounier, findos os regimes militares e restabelecida a democracia, os políticos por "vocação" rarearam, sendo o seu espaço ocupado por aqueles que vivem "da" e não "para" a política.
"Concomitante à debilitação do centro, o afundamento do marxismo e do que restava das ideologias de extrema-direita deixou o campo aberto para um recrudescimento do populismo, um aumento à primeira vista surpreendente do clientelismo (e da corrupção), e o surgimento de um ator novo - a esquerda carbonária".
Definindo o populismo como "uma forma de liderança que recorre à demagogia para obscurecer interesses de classe, amortecendo (mas às vezes exacerbando) reivindicações populares", Lamounier diz que esses líderes, manipulando categorias genéricas como "o povo", "os pobres" ou "a nação", tentam obscurecer ou retardar o amadurecimento da consciência de classe.
Para ele, o espaço de manobra do líder populista "varia no sentido inverso da complexidade econômica e social", ou seja, o avanço do processo de modernização "suscitará mecanismos autocorretivos, mercê dos quais o populismo tornar-se-á inviável ou inofensivo".
Ele chama a atenção para "uma hipótese nova, que merece exame", a de que a sofisticação dos mecanismos políticos e do mercado financeiro no Brasil - em contraste, por exemplo, com a Venezuela -, tem funcionado com eficácia no sentido de inibir o populismo.
"Ao pressentir propensões populistas no governo, o mercado financeiro precifica on-line os impactos que delas possam advir, configurando-se dessa forma um movimento preventivo que é, ao mesmo tempo, uma contínua pressão (antipopulista) no sentido da racionalidade econômica".
Mas Lamounier ressalva que é preciso lembrar que "lideranças populistas podem vicejar mesmo em estágio avançado de modernização", pois a ideia de modernização implica heterogeneidade, "um longo período histórico em que o moderno convive com o arcaico, a riqueza com a miséria, etc. Em tais condições, grandes agregados sociais pobres, porém mobilizados, continuam a funcionar como estufas de populismo".
FONTE: O GLOBO
Surge um nome de oposição:: Eliane Cantanhêde
Passada a primeira semana da estridente e estabanada saída de Nelson Jobim do Ministério da Defesa, já é possível concluir: a oposição encontrou um endereço para chorar as mágoas.
Jobim está de "stand-by" para eventualidades, olhando e avaliando o cenário. Fernando Henrique Cardoso é, hoje, um pensador-provocador, José Serra está rompido com 25% do PPS, 50% do DEM e 75% do PSDB, e Aécio Neves ora cai do cavalo, ora cai no bafômetro. DEM e PPS não têm nomes.
Na avaliação corrente -até entre governistas, cá pra nós-, Jobim errou na forma, mas não no conteúdo. Foi deselegante, talvez agressivo, mas não disse nenhuma mentira. Ou, pelo menos, nada que não venha sendo dito à boca pequena. Há muitas dúvidas quanto ao governo Dilma e à própria Dilma.
Se ela ajustar bem o apoio popular, a sustentação política e as respostas à crise econômica, que se confundem, será a candidata do PT e do bloco governista em 2014. Do contrário, Lula está a postos. Quanto mais fraca Dilma, mais forte Lula -e vice-versa.
Para ter chance, a oposição torce para o tripé de Dilma balançar, mas não a ponto de dar a vaga a Lula. Não basta isso. É preciso unir forças e ter um bom nome, ou melhor, uma boa chapa.
Jobim abdicou do Supremo Tribunal Federal buscando uma brecha para disputar a Presidência ou a Vice-Presidência da República. Uma candidatura a senador não o atrai, muito menos a deputado, mas a presidente ou a vice continua tentadora.
O PMDB é um dos maiores, senão o maior partido do país, mas se pendurou em Fernando Henrique, depois em Lula e agora em Dilma. Pode cismar de assumir o protagonismo, dispensando intermediários, ou refazer a dobradinha com o PSDB, com Jobim na cabeça de chapa ou na vice de Aécio.
Se colar, colou. Se não, ele não tem mais nada a perder.
Dilma perdeu a voz no Congresso:: Elio Gaspari
Suas bancadas na Câmara e no Senado falam platitudes, discutem verbas e defendem-se da sombra, para nada
Na semana passada viu-se na Câmara um fenômeno raro como os eclipses, a maioria do governo obstruiu os trabalhos do plenário. Poucas vezes foi tão grande a distância entre as políticas públicas do Planalto e a representação do governo no Congresso.
Quem lembrar de uma frase dos líderes Romero Jucá ou Cândido Vaccarezza explicando uma iniciativa da doutora Dilma ganha uma viagem de ida a Havana. Se o problema fosse só esse, talvez tivesse solução fácil.
A dificuldade está na falta de parlamentares dispostos a se fazer ouvir falando coisas relevantes a respeito de temas como saúde, educação ou segurança. A culpa não é toda deles, pois também não sabem o que devem discutir. O PT disciplinou suas bancadas ensinando-as apenas o que não devem dizer.
Quem lembrar de uma frase dos líderes Romero Jucá ou Cândido Vaccarezza explicando uma iniciativa da doutora Dilma ganha uma viagem de ida a Havana. Se o problema fosse só esse, talvez tivesse solução fácil.
A dificuldade está na falta de parlamentares dispostos a se fazer ouvir falando coisas relevantes a respeito de temas como saúde, educação ou segurança. A culpa não é toda deles, pois também não sabem o que devem discutir. O PT disciplinou suas bancadas ensinando-as apenas o que não devem dizer.
A abulia dos poderosos da ocasião produziu um governo atrelado a uma agenda circunstancial, defensiva e oca. Arrisca-se transformar em profecia uma frase do deputado Luís Eduardo Magalhães: "Não há perigo de dar certo".
FONTE: O GLOBO
As lições do Incorruptível para Dilma :: Carlos Guilherme Mota
O revolucionário Maximilien Robespierre dizia que seu negócio era combater o crime, não governá-lo
Na história, situações há em que personagens do Estado, da política ou da cultura se veem obrigados a assumir papéis que os levam a adotar medidas radicais, daquelas que mudam o curso dos acontecimentos. Analisados em perspectiva histórica, crescem ou diminuem conforme as respostas que deram aos desafios de seu tempo, desde antes dos gregos e romanos até os modernos, como Galileu, Napoleão, Roosevelt, De Gaulle, Mandela, todos aliás grandes leitores de livros de história.
Hoje, é a ex-revolucionária Dilma Rousseff que se acha sob a luz dos holofotes. Nas pesquisas da mídia e nas torcidas desorganizadas desta "sociedade civil" com lideranças precárias, vem se tornando mais difícil a posição da herdeira de um modus político neopopulista e desse ethos nacional insuportável, em que a noção de República é manipulada e banalizada por agentes desqualificados. A presidente com sua caneta vai assumindo papel inesperado de agente moralizador para repor nos trilhos a máquina desgovernada de um imenso Estado patrimonialista, familista, clientelista. Difícil a faxina, pois ainda chafurdamos na transição de uma ditadura explícita para essa ordem constitucional confusa e pseudodemocrática em que personagens, dejetos e, sobretudo, mentalidades herdadas dos vários tempos históricos, da Colônia e do Império às Repúblicas de 1889 a 1988, permitem qualificar o modelo atual de democracia de meia-confecção.
Como jamais ocorreu nestas plagas a consolidação de uma sociedade capitalista de contrato democrática, muito menos uma revolução popular, tem-se (temos?) que conviver com o tal "presidencialismo de coalizão". Ou seja, com essa invenção pervertida que jogou o País no patamar mais baixo do brejo da Conciliação, ideologia arquitetada pelas elites imperiais escravocratas do século 19 e imperante até hoje.
O resultado é o aprimoramento desse centralismo obtuso com imposição de normas jurídicas e de formas de comportamento que revelam o atraso de nossas instituições jurídico-políticas e, como decorrência, preocupante conformismo coletivo nacional. É nesse quadro que soam como radicais a atuação da promotoria com nova visão social e política, as ações rigorosas da Polícia Federal, de jornalistas e de lideranças iracundas da sociedade civil que tentam romper com um passado nefasto para a implantação de uma nova democracia.
Ora, impõem-se de fato maior transparência na gestão da coisa pública, efetiva representatividade dos políticos e rigor no combate à impunidade, com a prisão dos corruptos de variada ordem. Paralelamente, urge requalificar os quadros administrativos, políticos, educacionais, científicos, diplomáticos e militares. Nesse processo, como dizia Martin Luther King, "não me preocupa o grito dos violentos, os corruptos e os desonestos, mas o silêncio dos bons".
A presidente Dilma crescerá - ou não - nessa encruzilhada desafiadora. Na construção de uma nova sociedade civil, reunida em torno de liderança não populista e não coalescente, poderá ela ter papel histórico se não se acomodar docilmente à tal "coalizão", nociva por reaquecer hábitos que suporíamos ultrapassados pelo governo anterior, que se propunha "popular".
O governo de Dilma parece firme. Pois "nunca antes na história deste país" três ministros de Estado caíram em tão pouco tempo - por razões distintas - e outros passaram a ser fiscalizados de perto. Dado que a Polícia Federal está submetida ao Ministério da Justiça e o ministro é subordinado à Presidência, torna-se claro que a presidente terá papel decisivo com sua pouca disposição para conciliar a qualquer preço com partidos da base, sobretudo com os recheados por agentes do fisiologismo tacanho, no caldo de oportunismo boçal.
Poderá ela, se quiser, passar à história como aquela que pôs fim à "transação cordial" pouco séria que nos denigre interna e externamente. E o vice-presidente, Michel Temer, se escolher o lado correto e controlar com mão forte seu partido, poderá jogar papel importante na reconfiguração nacional em curso. Ou ficar fora da história.
Agora é torcer, pois com a corrupção à solta e em conjuntura mundial de crise, não há Estado que aguente. A violência urbana (arrastões em restaurantes e praias, latrocínios e sequestros) e a violência rural (agravada nos últimos anos), mais o retorno da inflação, exigem medidas fortes. Pois os simpáticos "capitães da areia" de Jorge Amado, malformados e famintos, migraram para as cidades e uma multidão deles engrossa as estatísticas de assaltantes e de jovens motoboys mortos em nossas travadas anticidades.
A história ensina que, desde antes da Revolução Francesa, o pânico coletivo pode sempre ocorrer e ser "contagioso", como se verifica na Inglaterra, no Chile, na Síria e outros países. Quanto a nós, somos filhos da Revolução Francesa ou do quê? A expectativa é que a presidente Dilma não passe por cima da lição do revolucionário francês Maximilien Robespierre, o Incorruptível, em seu célebre discurso de 1794: "Sou talhado para combater o crime, não para governá-lo".
Carlos Guilherme Mota, historiador, professor emérito da FFLCH da USP e professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é autor de História e Contra-História (Editora Globo)
Corrupção e paralisia:: Rubens Bueno
O nosso país precisa que a presidente governe, em vez de estar sempre às voltas com os problemas da corrupção ou de sua base no Congresso
Envolto em corrupção, o governo Dilma Rousseff completa mais de sete meses e crava sua marca de paralisia nos investimentos públicos.
Os nomes indicados para o Dnit caem como um dominó de gente cuja ficha não é digna da função pública. O PR não tem dado grandes alegrias nem alternativas de substituição para compor um órgão que não se desfaça à primeira notícia. Cada vez fica mais claro que a presidente tem de escolher: o PR ou a moralidade pública.
Antes de ter de lidar com os "inadministráveis" dos Transportes, Dilma fez um estágio no escândalo envolvendo o seu então ministro Antonio Palocci.
Dilma deixou o país navegar numa crise política com direito a "fechamento" da Câmara dos Deputados, com o objetivo de evitar que a oposição convocasse Palocci para se explicar. Blindados os ministros, não conseguimos o número de assinaturas para instalar uma CPI, como exigiam os fatos.
Corrupção... Sem velinhas dedicadas a ela, o bolo de aniversário do primeiro semestre da presidente no poder seria uma farsa.
O país vai lamentando o uso da máquina do governo para interesses privados de empreiteiras, de clientes de um ministro que vale muito no mercado ou de empresas que tomam dinheiro emprestado a taxas subsidiadas no BNDES para obter altos lucros.
A instituição precisa voltar a ser um banco voltado ao pequeno empreendedor e deixar de privilegiar o grande capital.
Por pouco a inflação não disparou, fugiu do controle e caminhou para um passado de triste memória.
A alta nos preços tira o sono da população. Ela preocupa mais do que a violência e a saúde pública, segundo pesquisas.
Outro fator importante foi o endividamento das famílias, que, no mesmo período de 2010, era de 54% e, neste ano, chegou a 64,1%. A inadimplência das empresas cresceu 23% se comparada com igual espaço de tempo do ano anterior.
O governo está paralisado em termos de investimentos por causa da gastança desenfreada na última eleição. A marca de gerente competente que Dilma vendeu àquela época acabou por esvair-se em sua administração.
Com o peso da herança maldita, cuja responsabilidade também lhe cabe, o governo pouco investe. O acompanhamento da execução orçamentária da União dá conta de que apenas 5,06% foram gastos.
E não é porque estão faltando problemas a serem solucionados no país. As portas dos hospitais estão cheias, a miséria castiga milhões, o crack destrói os jovens, a insegurança toma as cidades, as estradas são perigosas, dentre tantos assuntos que devem ser prioridade de um governo.
Enquanto isso, 55,24% dos recursos destinados a encargos da dívida já foram gastos. Outros 56,6% de amortização também.
O país precisa que a presidente governe, em vez de estar sempre às voltas com os problemas da corrupção ou de sua base no Congresso, da qual não raro é refém. A oposição não deixará de cobrar. Não abrirá mão de fiscalizar os atos do governo. A inação terá tratamento tão duro quanto a corrupção.
Rubens Bueno, deputado federal (PPS-PR), é o líder do PPS na Câmara dos Deputados.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Rossi é acusado de uso eleitoral da Conab
Em 2007 atual titular da Agricultura enviou 100 t de feijão para prefeito aliado, diz revista
BRASÍLIA - Um especialista em usar cargos políticos e dinheiro público para enriquecer, distribuir favores eleitorais entre correligionários e dar explicações que enrolam a Presidência da República. Esse perfil do ministro da Agricultura, o paulista Wagner Rossi, 68 anos, está na última edição da revista Veja.
A reportagem faz referência a um caso de uso eleitoral da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab ), passa em revista os 30 anos de política de Rossi, chama o ministro de "colecionador de problemas" e pergunta se ele tem condições de continuar no comando da pasta.
Ao contrário do que fez no Ministério dos Transportes, de onde demitiu Alfredo Nascimento, do PP, a presidente Dilma Rousseff, no caso de Rossi, do PMDB, manifestou apoio e pediu que o ministro fizesse uma "faxina" nos cargos da Conab entregues a afilhados políticos, trocando-os por técnicos.
Veja diz que um caso exemplar de uso eleitoral aconteceu em 2007, quando a estatal era presidida por Rossi. A companhia enviou 100 toneladas de feijão para a prefeitura de João Pessoa, do aliado federal Ricardo Coutinho, do PSB. O feijão acabou num lixão, numa tentativa de apagar a prova do crime denunciado por um funcionário da Conab.
Coutinho guardou o feijão para ser usado no ano seguinte, na disputa pela reeleição. Quando a Polícia Federal e o Ministério Público Eleitoral foram alertados para o fato de que o feijão, depois de estocado, ia ser distribuído à véspera do primeiro turno da eleição municipal, ao menos 8 toneladas foram despejadas por caminhões da prefeitura em um aterro sanitário.
Alexandre Magno Franco, ex-presidente da Conab e assessor especial de Rossi, disse à revista que distribuir alimentos e fazer uso eleitoral da Conab é uma prática comum e usada para beneficiar "todos os partidos" - inclusive o filho do ministro, Baleia Rossi, deputado estadual e presidente do diretório do PMDB de São Paulo.
Antes de assumir a Agricultura e presidir Conab, Rossi também dirigiu por influência do amigo e atual vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) a Companhia Docas de São Paulo (Codesp). Como as empresas privadas contratadas pela Codesp deviam R$ 126 milhões à Previdência, Rossi fez um acordo, em 2001, que gerou um processo reaberto no ano passado: quitou a dívidas de 99 empresas com dinheiro público, sob condição de que elas, depois, acertassem as contas com a Codesp. Os cofres públicos receberam até agora míseros R$ 20 mil.
A revista relata ainda uma reunião da comissão de licitação da Agricultura, em dezembro de 2010, quando, por ordem superior, os funcionários foram orientados e não selecionar o vencedor. Motivo: o nome estava previamente escolhido porque já estaria acertado "o pagamento de R$ 2 milhões ao 8.º andar" - o do gabinete do ministro. Um funcionário denunciou o "jogo de cartas marcadas" e o ministério foi obrigado a suspender a licitação.
FONTE O ESTADO DE S. PAULO
China e clima:: Míriam Leitão
A notícia assustou porque ocorreu numa semana tensa. A inflação na China bateu em 6,5%; a de alimentos foi de quase 15% em 12 meses. Os estoques de grãos estão baixos pelo efeito de uma sequência interminável de desastres ambientais que vêm afetando colheitas de inúmeros produtos nos últimos anos. Não é um problema só econômico. É também climático.
A seca que atingiu o Texas está se espalhando pelo meio-oeste americano, afetando o algodão, a soja e o milho, o que pode bater na oferta do etanol. Aliás, os Estados Unidos estão vivendo grandes perdas econômicas também por fatores climáticos. O clima complicado por lá - houve tornados de intensidade incomum e a estação de furacões está prometendo ser perigosa - já faz de 2011 o ano de pior prejuízo recente na economia, determinado por desastres climáticos. Foram vários desastres com prejuízos acima de US$1 bilhão: queimadas, secas, ondas de calor, nevascas, tornados, enchentes.
A China é grande compradora de alimentos. Esses desastres ambientais desequilibram a oferta de produtos do mundo inteiro, elevam os preços e afetam a inflação chinesa. O país dificilmente poderá diminuir muito a compra de alimentos, independentemente da conjuntura econômica, porque produz pouco comparativamente ao seu consumo. Por isso, os especialistas de commodities dizem que mesmo numa conjuntura de baixo crescimento mundial - e até recessão - os preços dos metais vão cair mais que os dos grãos, porque há pouco estoque de alimentos.
O ano de 2011 é o sétimo consecutivo de grandes eventos climáticos que afetaram a economia e desequilibraram o abastecimento de algum produto. A série começou em 2005, com o Katrina, mas também com secas na Austrália, que foram sucedidas por grandes enchentes. A Austrália, como se sabe, é produtora importante de alimentos, como o Brasil.
Em 2006, a agricultura foi afetada por chuvas intensas na França, Inglaterra, Alemanha; ondas de calor na Itália e Grécia; nova seca na Austrália e no Canadá, outro grande produtor. Mesmo quando o país não é fornecedor, o que ocorre em suas terras afeta a pressão global. Quando a Índia é atingida, por exemplo, o país tem que procurar no mercado internacional o que teria produzido internamente para seu abastecimento.
Em 2007, os meses de janeiro a abril foram os mais quentes em mais de um século. As monções provocaram enchentes no Sul da Ásia. Ondas de calor atingiram o Uruguai. Em 2008, nevascas cobriram os Estados Unidos. Chuvas intensas e inundações atingiram vários países, inclusive o Brasil. Em 2009, o tufão Morakot desalojou um milhão de chineses. A Califórnia enfrentou a pior seca de sua história. O ano passado foi considerado o ano mais mortal em uma geração. Um ano de extremos. Em 2011, o Brasil viveu a pior tragédia associada ao clima na região serrana. Neste exato momento uma seca forte flagela a Somália e países do chifre da África e castiga o sul e o meio-oeste americanos.
Extremos têm ocorrido no mundo inteiro e devastado várias produções, mantendo consistentemente preços altos de inúmeros cereais, oleaginosas, leguminosas. Quem olha em detalhes tudo o que aconteceu de anormal -- recorde de enchentes, seca, frio e calor - no mundo inteiro, concluirá que é uma triste coincidência ou então efeito da mudança climática. Os cientistas vinham alertando que aconteceria exatamente isso: eventos mais intensos e mais frequentes. Ao analisar cada desastre isoladamente, os cientistas não garantem que é determinado pela mudança climática, mas todos os eventos juntos configuram o cenário que eles vêm descrevendo há anos como alerta sobre os riscos causados pelo excesso de emissões de gases de efeito estufa.
Este ano, a seca na Europa tirou umidade do solo e reduziu a safra de trigo. O problema aconteceu no oeste, afetando Alemanha, Inglaterra, França, enquanto no ano passado a seca foi no leste do continente. Na China, a seca diminuiu a área plantada em importantes regiões produtoras. No Canadá, é o contrário. O excesso de chuvas deixa o solo muito úmido para o plantio de trigo e canola. Segundo a economista Ana Laura Menegatti, da MB Agro, a tendência é de que os preços dos alimentos continuem pressionados, mesmo com uma desaceleração da economia mundial.
A safra de cana será 8,4% menor este ano. É a terceira safra consecutiva que teve problemas por razões climáticas. Isso afetará também o abastecimento de combustível, que continua prisioneiro do dilema do desequilíbrio de preços.
A inflação da China foi vista pelos economistas como um complicador, porque entendem que o país terá que reduzir o ritmo do crescimento para conter a alta de preços. A China é que segurou o PIB global em 2008 ao acelerar o ritmo, o que não poderá repetir. Só que o fenômeno da inflação chinesa é mais complicado do que eles pensam. Mesmo se a China reduzir o ritmo do seu crescimento, vai continuar havendo pressão nos preços dos alimentos pela escassez de oferta. Entrou no cenário uma variável que poucos economistas costumam incluir na equação: o clima.
No Brasil, grande produtor, a alta dos alimentos provoca inflação, mas engorda o saldo comercial. A demanda mundial sobre nossos produtos vai fortalecer ainda mais a pressão para que o Congresso aprove a lei que facilita desmatar. O agronegócio pensa estar defendendo seus interesses, mas se houver mais desmatamento vão se agravar os fatores que têm provocado eventos climáticos extremos. Essa é uma resposta do tipo bumerangue: vai se voltar contra o próprio Brasil no futuro.
FONTE: O GLOBO
Crise pega empresas com mais dívidas
Empresas brasileiras terão que enfrentar a nova crise mais endividadas em moeda estrangeira do que na última turbulência. Ao todo, 212 companhias acumulam US$ 90,2 bi em dívidas, US$ 38,4 bi a mais do que em 2008. O risco é o repique do dólar
Mais endividadas em dólar
Volume de dívida de grandes empresas em moeda estrangeira é US$38 bi maior que em 2008
Bruno Villas Bôas
Após dois anos de farra na tomada de crédito a juros baixos no mercado internacional, as empresas brasileiras terão que enfrentar a nova turbulência da economia mundial endividadas como nunca em moeda estrangeira. Um estudo da Economatica feito a pedido do GLOBO mostra que 212 empresas brasileiras de capital aberto acumulavam uma dívida de US$90,256 bilhões ao fim de março deste ano. Esse montante representa um aumento de 74% - ou mais US$38,4 bilhões - frente ao endividamento delas em setembro de 2008 (US$51,868 bilhões), mês que marcou o ápice da crise financeira internacional com a quebra do banco Lehman Brothers.
Para especialistas, os riscos do pesado endividamento estão nos repiques de alta da moeda americana, um movimento clássico nas crises. Isso elevaria em reais os custos para as empresas pagarem suas dívidas. Nas últimas três semanas, por exemplo, esses custo subiu R$8,67 bilhões após a valorização do dólar em R$0,10. Nesse período, a taxa Ptax do Banco Central (BC) - uma cotação do dólar no mercado interbancário - avançou de R$1,534 (menor valor em 12 anos) para R$1,630, efeito do corte da nota de risco dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor"s (S&P).
Petrobras eleva dívida em US$29 bi
Entre os economistas, poucos acreditam em uma forte valorização do dólar nos próximos meses. No boletim Focus do BC, por exemplo, a taxa média de câmbio projetada pelo mercado para o fim deste ano permanecia a R$1,60 na segunda-feira passada. Poucos também acreditavam, contudo, que a moeda americana sairia de R$1,562 para R$2,536 entre julho e dezembro de 2008, o que de fato ocorreu após a quebra do banco Lehman Brothers.
- Eu não acredito numa alta abrupta do câmbio. Mas obviamente conhecemos a história e sabemos que grandes movimentos cambiais acontecem - avalia o economista Armando Castelar, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). - Uma valorização mais forte do dólar pode ter impacto sobre a saúde financeira das empresas. Foi o que aprendemos com a experiência: no pânico, todos correm para a mesma porta.
O avanço do endividamento em moeda estrangeira foi liderado pela Petrobras. A estatal elevou em US$29,2 bilhões sua dívida em dólares nos últimos três anos, para US$44,9 bilhões ao fim de março passado. Em janeiro, por exemplo, a companhia captou US$6 bilhões no mercado de dívida externa, com emissão de bônus. Outras empresas também tiveram forte aumento da dívida frente a setembro de 2008, como a Telemar Norte Leste (mais US$3,3 bilhões), Fibria (US$2,6 bilhões) e JBS (US$2,17 bilhões).
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, explica que esse forte aumento tem origem no casamento do acelerado crescimento da economia brasileira e uma farta oferta de crédito no mercado internacional.
- O Brasil saiu na frente após a crise, com bons números de emprego, produção e demanda por investimentos. Como aqui os juros são altos, as empresas foram pegar empréstimos nos EUA, Europa, Japão, que estão com juros baixíssimos para incentivar suas economias - explica Agostini. - O Brasil foi um dos maiores receptadores de crédito externo no mundo.
Proteção mais cara após medidas
Para evitar perdas com o aumento do dólar, as empresas realizam em bancos uma espécie de seguro contra os solavancos da moeda, a chamada operação de hedge (proteção, em inglês). Os bancos assumem o risco da oscilação do dólar, operando contratos no mercado futuro, em troca de um prêmio pelo risco. Mas esse prêmio é caro. Por isso, muitas companhias acabam protegendo apenas parte das dívidas em moedas estrangeiras.
- Quem tem dívida muito longa, como dez anos, paga uma taxa gigantesca para proteger-se do câmbio. Por isso, empresas não cobrem 100% do que devem em dólar. Elas assumem uma parte do risco e de eventual perda - explica Ivan Nacsa, da consultoria FBM, para quem não há empresas excessivamente expostas nesses contratos, como em 2008 e que provocou grandes prejuízos à Aracruz e à Sadia.
Luis Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, lembra que fazer operações de proteção ficou mais caro após o governo adotar, no fim de julho, duras medidas para conter o derretimento da moeda americana. Desde então, quem faz operações vendidas (aposta na queda do dólar) acima de US$10 milhões e não tem contrapartida em operações compradas (aposta na alta do dólar) passa a pagar Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% sobre a diferença:
- Esse custo foi repassado ao cliente. Ficou mais caro para as empresas se protegerem. Foi um efeito colateral da medida. Não tem como o governo conseguir separar o joio do trigo - disse Leal. - Mas também não acredito em uma forte alta do dólar. A tendência é de desvalorização.
Fernando Exel, da Economatica, diz que o lucro das empresas é maior que em 2008, logo, o tamanho relativo da dívida é menor. E o forte endividamento foi puxado por Petrobras.
FONTE: O GLOBO
Lições da beira do abismo? :: Pedro S. Malan
O pânico que assalta os mercados financeiros e as bolsas de valores neste início de agosto é de natureza distinta - embora relacionada - da do pânico avassalador que se instaurou nos mercados e nos governos dos principais países desenvolvidos após o colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Ali ocorreu um gravíssimo colapso de confiança no sistema de intermediação financeira do mundo desenvolvido, de consequências imprevisíveis - não fora a, historicamente sem precedentes, resposta dos governos em termos de estímulos fiscais (mais gastos, menos impostos, mais dívida) e monetários (taxas de juros reais negativas e expansão inédita dos balanços de bancos centrais).
Essas respostas à crise levaram a uma acentuada e simultânea elevação de déficits fiscais e de estoques de dívida pública em praticamente todos os países desenvolvidos. Além disso, há dívidas privadas, particularmente de instituições financeiras e de famílias que estão em áreas não claramente mapeadas, que podem representar passivos contingentes do setor público em muitos países.
Como notou Gustavo Franco em entrevista recente à Folha de S.Paulo, "o que estamos vivendo é o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais e no Japão, onde os níveis de endividamento público ultrapassaram medidas habitualmente aceitas de responsabilidade fiscal. (...) O enredo do impasse americano é global, e, por isso mesmo, foi tão impactante. É uma prévia do que vai ser visto em muitos países. É como se fosse o fim de uma era de keynesianismo fácil, onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas", e coalizões cada vez maiores".
Qualquer semelhança com outros países não é mera coincidência. Mas o que importa é que, na fase em que estamos, os impasses e as disfuncionalidades do mundo político, que eram, na prática, desconsiderados pelo mundo econômico, passaram a despertar uma inusitada atenção - particularmente nos EUA e na Europa, por seus efeitos potencialmente negativos sobre expectativas quanto ao curso da atividade econômica, do investimento, do emprego e do crescimento no médio e no longo prazos, que não dependem apenas das políticas macro (monetária e fiscal), mas de fatores como infraestrutura (física, humana e institucional), inovação, produtividade, ambiente geral de negócios, confiança da economia privada.
O ex-ministro Delfim Netto expressou com clareza a questão básica em artigo no jornal Valor Econômico, na semana passada: "É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (...) e recuperar o espírito animal do investidor".
O que aconteceu no mundo desenvolvido ao longo destes últimos quatro anos (agosto de 2007 a agosto de 2011) foi 1) um dramático encurtamento do espaço para medidas adicionais de expansão fiscal e monetária e 2), não menos importante, uma crescente percepção da necessidade de reformas em outras áreas para que o crescimento de médio e longo prazos possa ser retomado em bases sustentáveis. Esses fatos encerram importantes lições para o Brasil - que, felizmente, ainda tem margem de manobra na área macro e deveria, agora, aproveitar as janelas da oportunidade para incluir nas suas "respostas à crise" mudanças mais estruturais, das quais depende nosso desenvolvimento futuro.
A esse respeito, não creio que o Brasil tenha adotado medidas "keynesianas" apenas como resposta à crise. Na verdade, a decisão de expandir fortemente o gasto público antecede a crise e remonta àquilo que muitos denominam "inflexão desenvolvimentista pós-março de 2006". A crise constituiu um bom álibi para justificar uma política fiscal expansionista, que já vinha sendo praticada - e foi acelerada como "resposta" à crise (como vários outros países estavam fazendo). E, mais importante, continuou sendo praticada mesmo depois que a crise foi tida como superada em meados de 2009, levando a um superaquecimento da economia em 2010 e ao aumento das expectativas inflacionárias.
No Brasil de agosto de 2011, a crise atual está sendo vista por muitos como uma histórica janela de oportunidade... mas para uma significativa redução dos juros. A possibilidade certamente existe, dependendo do contexto internacional e da extensão na queda da taxa de crescimento da economia global e dos preços de commodities. E a crônica da redução antecipada dos juros é vista como iniciando uma espécie de círculo virtuoso: redução do custo da dívida pública, potencial aumento do espaço para gastos públicos e para uma eventual diminuição da carga tributária. Em suma, pela segunda vez a crise internacional oferecendo ao País um álibi para que este fizesse aquilo que gostaria de fazer de qualquer maneira.
Discute-se pouco a possibilidade de tentar recuperar, ainda que sob outra roupagem, o espírito de uma proposta, então tida como rudimentar, de fins de 2005. Não seria a hora de aproveitar a janela de oportunidade histórica e as "lições da beira do abismo" de europeus e americanos, e repensar a ideia de um controle de médio e longo prazos da velocidade do crescimento dos gastos do governo e de seu continuado aumento em relação ao produto interno bruto (PIB)? Se apresentado de maneira crível, com base legal, compromisso firme do governo e de uma presidente que sabe o que quer, isso seria de inestimável, fundamental ajuda para uma queda expressiva das taxas de juros nominais e reais, nosso não obscuro objeto de desejo.
Economista, foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO