segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Opinião do dia – Zygmunt Bauman: política

"A vida verdadeira precisa de política. A política é decisiva, mas a globalização eliminou-a. É urgente atribuir-lhe de novo um papel central."

Zygmunt Bauman, filósofo polonês, L'Unità, 29 de agosto de 2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil


O GLOBO
SUS; 11 anos à espera de um exame
Rebeldes tentam saída honrosa para cidade de Kadafi
Até furacão nos EUA é rebaixado
Falha em freio de bonde pode ter causado acidente
O drama de Ricardo Gomes
Um empate bom para o Flamengo

FOLHA DE S. PAULO
Banco infla calote para sonegar, afirma Receita
Brasil criticou Casa Branca por 'satanização’ de fronteira
Dilma usa rádios para promover agenda positiva
Rio parou de pagar manutenção de serviço de bonde

O ESTADO DE S. PAULO
Somente 8% dos presos no Brasil vão à escola e criminalidade aumenta
Cirurgia de técnico do Vasco é bem sucedida, mas estado ainda é grave
Furacão Irene deixa 19 mortos e Obama alerta que ainda não acabou
Falha no freio do bondinho no Rio pode ter causado acidente, diz Crea
Dilma convoca Mantega para reunião com aliados e tenta frear novos gastos

VALOR ECONÔMICO
País precisa gastar R$ 4,7 bi para evitar blecaute na Copa
Medidas fiscais devem sair hoje
Projeto muda os royalties sobre minério
Aproximação Dilma-FHC interessa aos dois lados
Um julgamento de R$ 35 bi para a Previdência
Lula vai à Bolívia e deve discutir com Evo impasse em obra de estrada
Roriz prepara seu retorno
Clima afeta o cacau
Em busca do Tesouro

ESTADO DE MINAS
Os excluídos da ascensão social
Ministérios: Ralos da corrupção ignorados

CORREIO BRAZILIENSE
Jaqueline aposta na impunidade
Gol contra o Mundial de 2014
Máfia cobra propina nas alfândegas

ZERO HORA (RS)
Risco aéreo força governo a negociar com controladores
Planalto anuncia plano para tentar derrubar o juro

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Aeronáutica investiga quase colisão de aviões em Caruaru
Cidades sonham com duplicação

Compra feita por órgão do Meio Ambiente sob suspeita

Licitação milionária para serviços gráficos feita pelo Instituto Chico Mendes é investigada pelo Ministério Público que alerta para fraudes em modelo de pregão

Regina Alvarez

BRASÍLIA. Braço do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão de parques e reservas nacionais, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é considerado um órgão pequeno na estrutura da administração federal, com orçamento anual de R$558 milhões. Por isso, a licitação milionária realizada este ano para a contratação de serviços gráficos chamou a atenção do Ministério Público Federal.

O órgão fez um pregão de R$20,3 milhões, embora, no ano anterior, gastos com a mesma rubrica tenham sido de R$775 mil. A manobra esconde uma prática que se alastra na Esplanada dos Ministérios, com risco crescente de fraudes com recurso público: compras governamentais feitas por meio de adesão a atas de registro de preços.

O esquema funciona assim: um órgão do governo realiza uma licitação na modalidade de pregão eletrônico usando como instrumento a chamada ata de registro de preços - ou seja, lista um conjunto de itens que pretende comprar e realiza o pregão, vencido pela empresa que oferecer o menor preço médio. Só que a soma desses itens é sempre muito maior do que as necessidades daquele órgão, porque o objetivo é que esse pregão sirva de guarda-chuva para compras de outros órgãos federais, sem licitação.

- Em tese, um órgão minúsculo como o Instituto Chico Mendes, que tem necessidades específicas de serviços gráficos, pode servir de guarda-chuva para fornecer esses serviços para toda a administração - explica o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico.

Na semana passada, Marsico recebeu um dossiê com denúncias de fraudes e suspeitas de direcionamento nas licitações de dois órgãos do governo: o Instituto Chico Mendes e a Valec, estatal de ferrovias ligada ao Ministério dos Transportes.

- Essa prática se alastra. Está disseminada e tem que ser coibida imediatamente. Na área de eventos, já identificamos superfaturamento de mais de 500%. Vamos atuar junto ao TCU e requisitar investigação nesses casos (das novas denúncias) - afirma o procurador.

A Valec, que gastou R$4,8 mil em 2008 com a contratação de serviços gráficos, fez um pregão em 2009 no valor de R$23,3 milhões, que resultou na contratação da Gráfica Brasil. Segundo a denúncia encaminhada ao procurador, o edital foi feito sob medida para beneficiar a Gráfica Brasil, do empresário Benedito de Oliveira, o Bené, que é ligado ao PT e ficou conhecido nacionalmente na campanha eleitoral de 2010 pelo envolvimento em mais um escândalo de dossiê.

Contrato da Valec serviu para quatro ministérios

O contrato da Valec serviu de guarda-chuva para outros cinco órgãos: os ministérios da Saúde, das Cidades, da Agricultura e da Cultura e a Universidade de Brasília. Juntos, contrataram serviços no valor de R$21, 8 milhões da Gráfica Brasil, entre 2009 e 2011, sem necessidade de novas licitações. Simplesmente aderiram à ata da Valec.

Depois que o pregão é homologado, essas atas valem por um ano, mas os órgãos, muitas vezes, aproveitam uma ata que está vencendo e fazem um contrato milionário com validade por mais um ano, prorrogando o período dos serviços.

- É um absurdo não ter limite. Essa prática precisa ser imediatamente regulamentada pela administração. Estamos deixando escapar milhares, em alguns casos, dezenas de milhões, usando o artifício da ata de registro de preços - alerta.

A brecha para o superfaturamento está na montagem das atas. Os itens pouco procurados pelos órgãos são cotados por preços irrisórios para puxar a média para baixo na disputa do pregão. Já os itens mais utilizados são cotados a preços acima do mercado, o que garante os ganhos dos fornecedores.

- Esse tipo de modalidade não é adequada para serviços não padronizados, como serviços gráficos. Neles, cotam-se centenas de itens em conjunto, e isso escancara a porta para fraudes - adverte Marsico, observando que a ata de registro de preços, em si, não é problema, mas é adequada para compra de itens padronizados.

No caso do pregão realizado pelo Instituto Chico Mendes, a Gráfica Esdeva, de Juiz de Fora, foi a vencedora. A denúncia que aponta indícios de direcionamento no pregão também foi encaminhada ao TCU, que deve se manifestar nos próximos dias sobre um pedido de cautelar suspendendo a licitação.

Segundo a denúncia, o edital inclui exigências que impediram uma concorrência plena, como prazo de duas horas para o vencedor encaminhar 168 planilhas preenchidas de forma a se adequarem ao preço final do pregão, e uma máquina que imprime folhas inteiras, que só existe em 5% das gráficas do país.

FONTE: O GLOBO

SUS:11 anos à espera de um exame

A série "Apagão de Informações" mostra que usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) são vítimas da falta de um banco de dados integrado. No Rio, onde a regulação de leitos hospitalares ainda é feita por fax, paciente esperou 11 anos para fazer um exame.

Atendimento sem controle

SUS tem mais de 20 sistemas que não se comunicam; falta monitoração de leitos e remédios

Alessandra Duarte e Carolina Benevides

Um dos maiores sistemas de saúde do mundo, o SUS - criado há 23 anos para abranger de atendimento laboratorial a transplantes de órgãos, e atender gratuitamente a todos os brasileiros - padece de um mal que atinge várias áreas do setor público: a falta de atualização e integração de bancos de dados, conforme O GLOBO vem mostrando desde ontem.

O DataSUS, que reúne os sistemas de informação do SUS, tem "de 25 a 30 sistemas estruturantes, e falta comunicação entre todos", de acordo com Augusto Gadelha, diretor do Departamento de Informação do SUS. Na internet, o site do DataSUS mostra, por exemplo, sete sistemas na categoria Hospitalares, cinco na categoria Epidemiológicos e outros sete em Cadastros Nacionais.

- Alguns poucos sistemas falam ao CadSUS (Cadastramento Nacional de Usuários do Sistema Único de Saúde) e, por isso, estamos unificando os cadastros, o que vai evitar, por exemplo, que um mesmo dado conte duas vezes. O ministério reconhece que o cidadão é prejudicado pela falta de integração - diz Gadelha.

Enquanto não muda, há quem espere anos por um exame. Foi o caso de Luzia da Silva, de 55 anos, que levou 11 para fazer um cateterismo no Rio:

- Se fosse grave, caso de morte, eu já tinha morrido, né? - diz Luzia, que teve o primeiro pedido feito em 2000 e só realizou o procedimento em fevereiro. - Não tinha vaga, eu ficava angustiada. Agora, depois do exame, consegui fazer a angioplastia e é vida nova.

No Rio, regulação de leitos ainda por fax

No Rio, a central estadual de regulação de leitos hospitalares ainda entrega aos médicos pedidos via fax. Em um plantão de 24 horas, cada um recebe em média 300 pedidos para internação em CTI. Muitas vezes conseguem vaga para duas ou três pessoas, no máximo:

- O sistema é precário. Temos duas salas, uma com os médicos e outra com videofonistas, que recebem os pedidos por fax. Não temos ordem de prioridade; então, não sabemos que doente precisa mais do leito. Se o paciente está numa UPA (Unidade de Pronto Atendimento), ligamos para as unidades e dizemos nome por nome para saber quem morreu e quem ainda precisa ser transferido - conta X., médico que trabalha na central. - O plantonista fica assoberbado com esse trabalho insano e sabe que morre muita gente que não precisaria morrer.

Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Jorge diz que o Ministério da Saúde "ainda está na década de 80" e que o DataSUS "é um bocado de cadastro antigo junto".

-- O DataSUS não tem cadastro on-line integrado e atualizado. O problema é que o SUS repassa, todo ano, cerca de R$50 bilhões para estados e municípios. Qual o acompanhamento regular da execução dessa verba? É pelos conselhos municipais de Saúde, que não acompanham - diz José Jorge. - Já relatei processos sobre falta de cadastros de estoque de medicamentos em programas como o Farmácia Básica. Em outro processo, comparamos registros de internações com os de óbitos, e vimos que havia muito morto sendo internado para operar.

O TCU identificou, em julho, nove mil casos de internações ou procedimentos de alta complexidade feitos após as datas dos óbitos dos pacientes; os pagamentos realizados pelo SUS foram de mais de R$14 milhões.

Alguns dos acórdãos sobre medicamentos de que fala José Jorge tratam do Hórus - Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica, software lançado em 2009 pelo governo federal, para gerenciar dados como controle de estoque, distribuição e dispensação de medicamentos. Pelo que as decisões do TCU mostram, o Hórus ainda vai demorar para ser utilizado por todos os municípios, pois muitos sequer usam controles manuais.

Em São Luís (MA), nas unidades de saúde visitadas, foi informado que "os médicos tomam conhecimento da relação de medicamentos do município e de suas alterações e atualizações por meio de avisos afixados em suas mesas de trabalho", diz o acórdão 1018/2011. O texto é de uma auditoria do TCU em 30 municípios no país. De 75 unidades de saúde visitadas, "só em 25 havia controle informatizado da dispensação de medicamentos".

Já exemplos do "bocado de cadastro antigo junto" de que fala José Jorge estão no acórdão 1274/2010. Nele, o TCU aponta falta de atualização num dos principais cadastros do SUS, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O tribunal diz que, em 2009, "do total de cerca de 200.000 estabelecimentos registrados, foram constatados 13.403 registros de estabelecimentos que não atualizaram o CNES Nacional nos últimos seis meses".

Além disso, 1.016 estabelecimentos públicos e 400 estabelecimentos privados prestadores de serviços ao SUS não tinham, então, atualizado os dados por período superior a dois anos. Em Linhares (ES), como os profissionais registrados no CNES já não atuavam mais ali, houve repasses federais por quatro meses, "sem prestação de serviços de saúde à população".

FONTE: O GLOBO

Dilma reúne coalizão em busca de apoio para novo arrocho fiscal e veto a gastos

Presidente escala ministro Guido Mantega (Fazenda) para fazer relato, em reunião do Conselho Político, da turbulência financeira internacional; desafio é conter rebelião dos aliados que ameaçam aprovar projetos que aumentam despesas

Eugênia Lopes, Renata Veríssimo e Tânia Monteiro

BRASÍLIA - Em meio à crise econômica mundial, a presidente Dilma Rousseff deve anunciar hoje medidas de aperto fiscal para permitir que o Banco Central inicie o mais rápido possível a redução da taxa básica de juros. O pacote com o arrocho fiscal será discutido pela primeira vez em reunião do Conselho Político, convocada às pressas para hoje de manhã pela presidente. A estratégia de Dilma é mostrar o contorno real da crise para frear o apetite por gastos da base aliada.

Nas últimas semanas, rachas internos nas legendas aliadas, insatisfações com a "faxina" promovida pela presidente - afastamento de ministros e servidores envolvidos em denúncias de corrupção - em órgãos públicos e uma crise de articulação política desencadearam no Congresso um movimento pela liberação de emendas parlamentares e de aprovação de propostas com aumentos de gastos. Para minimizar a reação da base e evitar a deterioração do clima no Congresso, a presidente Dilma Rousseff quer um clima de "sociedade" com os partidos nas medidas a serem anunciadas.

Cenário. A presidente escalou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para apresentar aos líderes partidários um quadro detalhado da economia brasileira e internacional e fazer um relato das preocupações do governo com o agravamento da crise mundial. A grande inquietação do governo é não deixar que o baixo crescimento econômico nos países avançados afete a expansão da economia no Brasil.

A meta oficial de crescimento econômico para 2011 ainda é 4,5%, mas Mantega já admitiu que pode ficar em 4%. A preocupação é para 2012. Se o governo deixar a economia desacelerar demais este ano, será necessário um esforço maior para evitar que o crescimento fique abaixo dos 4% em 2012. A meta de superávit primário deste ano (economia que o governo faz para pagamento de juros da dívida) está praticamente cumprida, segundo os dados de julho divulgados na sexta-feira.

"São medidas que o Brasil precisa adotar neste momento", disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Ele e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), vão ter uma conversa reservada com a presidente Dilma Rousseff antes da reunião do Conselho Político.

"A presidente assumiu um compromisso conosco de dar conhecimento em reunião do Conselho Político de alguma ação que o governo fosse adotar", contou o senador Humberto Costa (PT-PE).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Apesar do PAC, investimento público no país é dos mais baixos no mundo

Estudo analisa 109 anos de gestão de recursos e constata redução nos aportes

Regina Alvarez

BRASÍLIA. A ampliação dos investimentos públicos federais na vigência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foi suficiente para retirar o país da posição de lanterna em comparação com o resto do mundo, nem para que recuperassem o espaço perdido ao longo de décadas na economia. Na tese de doutorado que acaba de transformar no e-book "Crise, Estado e economia brasileira", o economista José Roberto Afonso analisou a evolução do investimento no Brasil a partir de uma longa série histórica, entre 1901 a 2010. E uma das conclusões é o encolhimento do investimento público na última década. A taxa, que ficou em 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e inclui as três esferas de governo, é a mais baixa desde a década de 40.

Na tese, Afonso também comparou os investimentos feitos pelos governos no Brasil durante a crise de 2009 e 2010 com outros 128 países, a partir de uma base de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com investimentos governamentais de apenas 2,2% do PIB em 2009, o país ficou em 123º lugar no ranking, superando apenas cinco países: Croácia, República Dominicana, Uzbequistão, Líbano e Ucrânia.

A mesma posição brasileira foi projetada para 2010, quando houve um ligeiro recuo na taxa de investimentos, que ficou em 2,03% do PIB, o que deve permitir ao Brasil ultrapassar apenas os mesmos países, já considerando alterações na performance de outras nações.

Em outro exercício, Afonso compara o país com outras economias de perfil semelhante, seja pelo porte, seja pela região, e considera a última década. Nesse grupo de 25 países - que inclui China, Índia, Colômbia, México, Peru, Rússia e África do Sul - a média de investimentos em relação ao PIB foi de 6,2% no período entre 2000 e 2010, mais que o triplo da média brasileira: 2%.

- Qualquer que seja a ótica adotada, as comparações internacionais não deixam margem para dúvida de que o setor público no Brasil investe muito pouco em relação ao resto do mundo. Mesmo com toda a prioridade anunciada nos últimos anos e o incremento efetivamente realizado, o gasto ainda é muito reduzido - diz Afonso.

Endividamento de estatais não foi para investimento

Esse quadro de baixo investimento no Brasil, com exceções verificadas no período do governo militar, levou a uma deterioração dos bens públicos, como estradas e outras obras de infraestrutura. O Estado não conseguiu conservar ou ampliar os ativos de que a sociedade necessita. Nos últimos 21 anos, a taxa mais alta de investimentos foi de 3,72% do PIB, em 1990, e a mais baixa, de 1,52%, em 2003.

Outro aspecto abordado no livro se refere ao endividamento de estatais na crise, para elevar os investimentos no contexto das medidas anticíclicas. A conclusão é que o endividamento teve papel crucial para fazer frente à crise, mas apenas cerca de um terço dos recursos captados por meio de operações financeiras foi direcionado a investimentos. O resto foi usado em despesas correntes.

FONTE: O GLOBO

Rio parou de pagar manutenção de serviço de bonde

O governo do Rio suspendeu o pagamento a empresa responsável pela manutenção dos bondes nove dias antes do acidente que matou cinco pessoas e feriu 57 em Santa Teresa. O motivo foi um questionamento do contrato pelo Tribunal de Contas do Estado. O sistema está suspenso por tempo indeterminado.

Rio suspendeu pagamento de manutenção de bondes

Medida ocorreu após questionamento do TCE, 9 dias antes de acidente que matou 5

Governo não se pronunciou sobre os motivos do tribunal; dez feridos continuam internados em hospitais

Gustavo Alves, Felipe Martins e Fernando Magalhães

Nove dias antes do acidente com o bonde que matou cinco pessoas e deixou 57 feridos em Santa Teresa, o governo do Rio suspendeu os pagamentos à empresa responsável pela manutenção dos veículos.

O motivo foi um questionamento do TCE (Tribunal de Contas do Estado) ao contrato, segundo termo aditivo publicado no dia 18 no "Diário Oficial" do Estado.

O aditivo também prorroga de 12 de agosto para 8 de fevereiro o prazo dado pela Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística à T"Trans para modernização de 14 bondes. Desses, só cinco estavam em operação até sábado. Após o acidente, o serviço de bondes do bairro, na região central do Rio, foi suspenso por tempo indeterminado.

Procurada pela Folha, a Secretaria de Transportes não se pronunciou sobre as razões para o questionamento do TCE. O proprietário da T"Trans, Massimo Giavina Bianchi, não respondeu e-mail da reportagem.

Em nota, o governador Sérgio Cabral (PMDB) determinou que o transporte por bondes no bairro fique interrompido e que a secretaria conduza um plano de modernização.

O presidente do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, Valmir Lemos, afirmou que são problemas comuns, mesmo depois da manutenção. "Num caso, o limpa-trilhos do carro batia no piso e não podia circular."

FREIO E SUPERLOTAÇÃO

O coordenador da Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro), Luís Antônio Cosenza, disse que o acidente pode ter sido causado por falha nos freios.

Cosenza lembra que o problema ainda é uma "suposição". O laudo oficial ainda está sendo preparado. Para ele, a superlotação do carro foi "uma contribuição" para o acidente. A capacidade do bonde era de 44 pessoas. Mas só o número de vítimas chegou a 62.

"Não acredito que tenha havido erro do condutor, ele era muito experiente", afirmou o policial militar Mario de Oliveira Neto, que trabalhou na segurança dos bondes por quatro anos e ajudou no resgate.

Na tarde de ontem, o casal João Batista Soares, 62, e Ivone da Silva, 56, foi sepultado no Cemitério de Inhaúma, na zona norte, onde também foi enterrado o motorneiro do bonde, Nelson Correa da Silva.

Outra vítima, Claudia Lilian Almeida Fernandes, teve o corpo trasladado para o Rio Grande do Sul. O corpo de Maria Eduarda Nunes, 12, estava no IML, já que os pais continuavam internados.

A Secretaria Municipal de Saúde informou à tarde que dez feridos ainda estavam em hospitais. O caso mais grave era o de um menino de três anos, internado no CTI.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Democracia e moralidade :: Denis Lerrer Rosenfield

A democracia caracteriza-se por ter regras que asseguram a pluralidade de opiniões. Toda tentativa de coibir a liberdade de imprensa e de expressão de modo geral acaba por tornar inviável essa pluralidade, que é sua condição mesma de existência.

O Brasil tem convivido, nestes últimos anos, com uma série de iniciativas que têm como objetivo cercear essa liberdade. O caso do Estadão é o mais notório, pois continua sob censura, decretada por decisão judicial. O País, no entanto, tem crescido precisamente por ter uma imprensa livre, capaz de denunciar todos os desmandos e descalabros no tratamento da coisa pública. O atual governo já mudou vários ministros e a cúpula de diversas pastas ministeriais graças à sensibilidade da opinião pública, que erigiu a moralidade na política em princípio da vida republicana. E sua condição é a liberdade de imprensa.

O caminho, contudo, não tem sido fácil. No governo anterior presenciamos diversas iniciativas, mediante audiências públicas e conferências nacionais, como as de Comunicação e Cultura, que tinham como propósito um controle do conteúdo jornalístico sob o manto de uma suposta "democratização dos meios de comunicação". No caso, a democratização, numa deturpação evidente do seu sentido, teria o significado de controle desses mesmos meios de comunicação. Note-se o papel desempenhado por audiências públicas e conferências nacionais para, em nome da democracia, restringir uma condição própria de sua existência, que é a liberdade de imprensa e de expressão.

Tudo indica que o atual governo está agora trilhando um novo caminho, distinguindo a modernização da legislação do setor de comunicações, uma regulação que se faz necessária pelo avanço tecnológico das últimas décadas e o controle de conteúdo. Não esqueçamos que a legislação atual, ou melhor, as várias legislações datam dos anos 70 do século passado, quando a internet nem existia. Nossas regras do setor são anteriores à revolução digital.

Entretanto, muito menos atenção é dada a uma caracterização igualmente importante, a de que a democracia se define pela pluralidade de valores, pela coexistência, em seu seio, de várias noções do bem. Um bem maior, apenas, se situa acima de todos os demais: o de que a pluralidade de bens é um princípio que deve ser assegurado, sob pena de que as escolhas individuais de bens se tornem inviáveis. A liberdade de escolha é um valor que não é, nem pode ser, objeto de uma decisão "democrática".

Um dos pressupostos de uma sociedade democrática é o de que cada cidadão possa escolher livremente o que considera melhor para si, sem que o Estado lhe imponha um padrão de comportamento. A pluralidade de bens situa-se na perspectiva da escolha individual, e não num suposto bem que seria imposto pelo Estado. A condição da cidadania é que o indivíduo não seja servo, ainda que a servidão possa ter uma aparência voluntária.

A contraposição que se estabelece aqui é entre o exercício da pluralidade de bens, pelos cidadãos que escolhem livremente, e uma forma de poder estatal que procura impor a cada um o que considera o bem coletivo. Neste último caso, o bem supostamente coletivo terminaria usurpando progressivamente o bem individual.

O terreno é muitas vezes pantanoso, as fronteiras aparecem como de difícil delimitação, pois, dependendo do que esteja em questão, se dá ou não a aquiescência dos indivíduos a um bem estatalmente imposto. Quando o governo, por exemplo, estabelece regras que ditam como deve ser o comportamento individual relativo à saúde, pode acontecer que as pessoas aceitem de bom grado tal diretriz, sem se dar conta de que ela invade o que deveria ser uma prerrogativa estritamente pessoal.

Ocorre aqui um processo semelhante com a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, a saber: a existência de audiências públicas, ou até eventualmente de conferências, tendo como objetivo regulamentar o comportamento individual. A iniciativa, no entanto, é mais insidiosa, pois feita em nome do bem dos indivíduos. Alguns caem na armadilha, muito frequentemente, porque compartilham algumas dessas iniciativas, como certas opções particulares relativas ao que cada um entende por bem, ou por sua saúde, mais especificamente. A imposição estatal do bem pode ser, então, percebida como se fosse fruto de uma escolha individual. Aqui reside o perigo.

Há, por assim dizer, uma coincidência entre uma ideia individual e uma certa iniciativa governamental. A imposição surge disfarçada de moralidade. O valor moral é o seu disfarce. Acontece, porém, que essa coincidência é ilusória, pois o "bem" compartilhado tem um fundamento distinto: um provém da esfera estatal e outro, da liberdade de escolha individual. Dito de outra maneira, uma sucessão de imposições governamentais, cada uma em acordo com certas ideias de comportamentos individuais, pode acabar tornando a pluralidade das noções de bem inviável. O pressuposto de ambas é completamente distinto, mesmo que isso apareça sob a forma aparentemente democrática e legal da audiência pública.

A opinião pública é mais naturalmente propensa a se insurgir contra restrições à liberdade de imprensa e de expressão do que contra restrições governamentais que impõem condutas quanto ao que cada um considera o seu próprio bem. O problema, porém, é da mesma natureza.

O risco consiste precisamente em que as fronteiras entre a democracia e a moralidade começam a se apagar, com o Estado se elevando à posição daquele que sabe o que é melhor para o cidadão. E também está em que o Estado se coloque como uma potência moral, destituindo os cidadãos de sua capacidade de discriminar racionalmente o que é melhor para si.?

Professor de filosofia na UFRGS.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Agenda do futuro:: Aécio Neves

Assim como a média do mundo emergente, vamos crescer nas próximas décadas.

A maneira como vamos crescer é que fará toda a diferença.

Para haver desenvolvimento é preciso ampliar as oportunidades geradoras de renda, criar empregos de melhor qualidade e incluir mais brasileiros nesse círculo virtuoso, superando o modelo que nos faz refém de circunstâncias políticas que preservam feudos e interesses e perpetuam o atraso.

Todos os dias o governo nos apresenta números buscando nos tranquilizar de que estamos no caminho certo. Mas vale a pena nos debruçarmos também sobre indicadores que mostram como o Brasil é visto pelo mundo.

Somos hoje a 7ª economia do planeta, com 41% dos moradores urbanos ainda sem acesso à rede de esgoto e com 43% dos domicílios inadequados para moradia, número que chega a 60% no Nordeste e a 72% no Norte.

A OCDE indica apenas 11% dos brasileiros de 25 a 64 anos com diploma universitário.

Perdemos três posições no indicador de negócios do Banco Mundial em apenas um ano. Saímos da 124ª para a 127ª classificação. No ranking geral de competitividade global do Fórum Econômico Mundial perdemos nove posições desde 2004.

Somos o 10º mercado doméstico, mas o 111º em ambiente macro econômico e 114º na eficiência de mercado. Ocupamos o 105º lugar em qualidade das rodovias num ranking de 139 países.

O Brasil da Copa do Mundo perdeu sete posições em dois anos no indicador de competitividade do turismo. Saímos da 45ª para a 52ª.

Como se vê, é preciso vencer uma extensa agenda de grandes tarefas. Precisamos de políticas públicas que construam pontes para negócios portadores de um futuro mais justo e sustentável.

Temos todas as condições para nos tornarmos o primeiro país desenvolvido com economia de baixo carbono, com ampla produção de energias renováveis e práticas industriais, comerciais e agrícolas competitivas e sustentáveis.

Viveremos nas próximas duas décadas com mais pessoas em idade produtiva, que se somam às terras férteis, ricas em água, minérios e incomparável biodiversidade. O salto do que somos para o que queremos ser demanda uma inédita capacidade coletiva de superação de entraves importantes, que têm aprisionado o país no plano das promessas irrealizadas.

Diferente do simples crescimento econômico, desenvolvimento é consequência das escolhas que fazemos. E precisamos, cotidianamente, reafirmar as nossas por uma nação ética, mais justa, mais competitiva e sustentável.

É necessário que as ações governamentais sejam mais ousadas e capazes de criar um novo relacionamento com o setor produtivo e novos pactos com a sociedade.

Aécio Neves é senador (PSDB-MG)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Não em nome do Brasil :: José Serra

As últimas semanas mostram o atual governo às voltas com múltiplos aspectos da herança maldita recebida do período Lula-Dilma. Não são coisas novas, mas tudo foi obscurecido na campanha eleitoral do ano passado. Fechadas as urnas e computados os votos, a verdade pôde aparecer.

Para os grupos que estão no poder, o risco maior na tentativa de superação do passado é os exércitos da varrição atolarem, perderem velocidade diante das circunstâncias políticas, eventualmente batalhando entre si. Nenhum governo rompe impunemente com a estrutura econômica e política que o fez nascer.

Um exemplo do atoleiro é o front externo. O governo anterior, como foi tantas vezes assinalado, cultivou a opção preferencial pelas ditaduras e ditadores alinhados com os interesses do PT. Os críticos foram acusados de querer empurrar o Brasil para uma posição subalterna, como se soberania fosse sinônimo de fechar os olhos às violações aos direitos humanos.

Antes mesmo de tomar posse, a nova presidente anunciou uma guinada de 180 graus: a defesa dos direitos humanos seria prioridade nas relações externas - os direitos humanos passariam a ser inegociáveis. Rompendo a tradição instituída por Lula, o Itamaraty chegou a votar contra o governo do Irã na ONU.

A largada comoveu, mas foi tudo. No Conselho de Segurança, onde ocupamos no momento uma cadeira, o governo brasileiro tem sistematicamente contribuído para a blindagem política do ditador da Síria, Bashar Al Assad. Como noticiou este jornal (19/8/11), o Itamaraty não se une àqueles que defendem a saída de Assad - EUA e Europa -, opõe-se a sanções e nem sequer aceita repreendê-lo. Ao contrário, trabalha ativamente para encontrar uma solução que favoreça o ditador amigo.

Antes, a presidente Dilma já havia se recusado a receber a Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi. Há espaço para fotos ao lado de pop-stars, mas não houve a generosidade de acolher em palácio essa batalhadora dos direitos das mulheres iranianas. Entre honrar a tradição diplomática brasileira e não contrariar o amigo ditador de Teerã, vingou a segunda opção.

Na Síria, os tanques e outros blindados vão às cidades rebeladas abrir fogo contra os que reivindicam banalidades democráticas, como liberdade de organização e expressão e eleições limpas. Há o temor de que a oposição política síria tenha, ela própria, raízes potencialmente autoritárias, mas esse é um assunto que diz respeito aos sírios, que não podem ter negado o seu direito à democracia.

O regime sírio e sua performance repressiva parecem, de fato, não incomodar o governo do PT. Pesará o fato de o partido ter firmado, em 2007, um espantoso acordo de "cooperação" com o Partido Baath, de Assad? Há palavras que dizem tudo. Neste caso, "cooperação" é um termo preciso para qualificar esse acordo, celebrado numa viagem a Damasco do então presidente do PT, Ricardo Berzoini. O texto é suficientemente anódino para parecer defensável aos incautos. Limita-se a listar irrelevâncias. Mas efeito simbólico foi e é um só: oferecer legitimidade a uma facção ditatorial que monopoliza o poder em seu país e impede a livre manifestação de quem se opõe. Foi também uma cooperação entre partidos que levou o Brasil a ser indulgente com Kadafi?

Já passou da hora de o Itamaraty virar essa página. O Brasil não tem por que continuar como avalista de Bashar Al Assad e do Partido Baath. Se o PT deseja apoiá-los, que o faça, mas não em nome do povo brasileiro.

Os defensores de um certo pragmatismo afirmam ser inviável uma política que, a um só tempo, defenda os direitos humanos, respeite a soberania das demais nações e proteja os nossos interesses comerciais. Mas é possível, sim. Nossos diplomatas são capazes de encontrar um caminho soberano, de defesa do Brasil, e, ao mesmo tempo, fortemente vinculado às conquistas da civilização. Até porque a Síria é também um pedaço do Brasil.

Aqui, muitos imigrantes eram chamados de "turcos", dado o passaporte que carregavam à época do Império Otomano. As raízes familiares dos descendentes, raízes sentimentais e culturais, essas são legitimamente sírias - sírias e protegidas pelos valores universais da democracia.

José Serra foi deputado federal, senador, prefeito e governador do Estado de São Paulo, pelo PSDB.

FONTE: O GLOBO

Dize-me com quem andas :: Paulo Brossard

Conversa é que não tem faltado no tocante à "faxina" anunciada pela senhora presidente visando a enfrentar a corrupção, que ultimamente compareceu em nível exagerado; foi notícia nos meios de comunicação, provocou editoriais, até alguns faxineiros teriam se organizado para prestigiar a inovação presidencial, e subitamente a mesma autoridade esclareceu que o endereço da faxina passava da corrupção à fome. Aliás, a faxina não se acomoda com a fome, nem a fome se elimina com faxina, mas com robusto plano alimentar. Não se trata de questão de palavras, mas de objetivos, desde que a corrupção não se beneficie com a mudança; de resto, é oportuno lembrar que graças à faxina alguns resultados foram visíveis em desfavor da corrupção e em benefício da higiene administrativa. E ninguém censurou a senhora presidente por esta limpeza.

Não faz muito e a propósito dessa querela ministerial observei que em matéria de ministros não se espera deles, em princípio, sejam sábios e santos, mas, em primeiro lugar, "homens bons" ou "homens de bem"; o bom nome é pressuposto em qualquer caso; depois desse requisito, o preparo para exercer a função. Ora, esse problema está nas mãos da senhora presidente, pois, no regime presidencial, a ela compete, em caráter privativo, nomear e demitir livremente os ministros de Estado. É o que dispõe a Constituição. De modo que, se não fizer boa escolha, a responsabilidade será sua e de ninguém mais. Dir-se-á que, sendo 37 ou 39 os ministérios, não é fácil prover tantos cargos. Mas a presidente tem assessores idôneos que a esclarecem; se não for bem-sucedida na escolha de bons assessores, dispense-os; permanecendo o embaraço, examine a hipótese de extinguir dois, três ou mais ministérios que ninguém sentirá falta, ressalvados os candidatos a candidatos.

Não ignoro que o atual governo foi organizado a quatro mãos e isto pode ter trazido problemas a tiracolo. Ainda aí sua responsabilidade é intransferível. A alguns dos ministros as referências que circulam não são lisonjeiras como a presidente não ignora; se elas tiverem fundamento, seja agradável ou penosa a operação, a responsabilidade é sua e é inerente à condição de chefe do governo; e, não o fazendo, pode até estimular uma espécie de justiça canibal, que também é um flagelo tão perigoso como uma infração grave. A verdade é que na autoridade presidencial está inserido o poder de livremente nomear e demitir os ministros de Estado.

Assumindo ou renunciando a ele, exercendo-o ou entregando-o ao anonimato irresponsável, a responsabilidade continua a ser sua. O problema pode ser delicado, mas não é insolúvel. E está em suas mãos. E não se esqueça da observação de Rui Barbosa, faz mais de século: "Vive a nossa energia de paroxismos e colapsos. Dormimos largos anos de indiferença, para acordar em excesso de frenesi, ou terror". Os abusos que se tornaram públicos provocaram reação nacional. Não perca a oportunidade, seria em seu desfavor.

É incontável o número de livros lançados todos os dias em todas as partes do mundo. Não estranha, por conseguinte, seja natural e mesmo inevitável que, em todas as áreas do conhecimento, apareçam continuamente livros excelentes, bons, regulares e maus. Pois entre nós, na área jurídica, vem de ser publicada obra de alto quilate, "Da execução do contrato", de autoria do magistrado e professor Ruy Rosado de Aguiar. Integra a série de "Comentários ao Novo Código Civil". A longa experiência do advogado, procurador de Justiça, desembargador, ministro do STJ e agora advogado outra vez lhe permitiu oferecer aos frequentadores desse segmento do saber humano obra harmoniosa, rica, fundamentada em bibliografia opulenta, sem dispensar adequada contribuição jurisprudencial; tem o timbre da editora forense. Nota-se ter sido escrita sem pressa, isto é, para durar.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Adeus à faxineira:: Ricardo Noblat

"Não se consegue mais exercer o poder sem a corrupção, fruto do toma-lá-dá-cá. Ou me dá isso ou não voto em você." (FH)

Uma vez que Dilma se elegeu na base do "votem em mim que Lula não pode ser candidato de novo", era preciso em seguida — e para seu próprio bem — conferir-lhe atributos e pretensões de modo a distinguí-la do seu padrinho político. Afinal, governo de continuidade não deve ser necessariamente igual a governo que passou. Mais imaginação, senhores!

Diferenças de método, de estilo e de temperamento foram então exaltadas para beneficiar a primeira mulher eleita presidente da República do Brasil. Nada mais justo. Lula falava demais. Dilma, de menos. Silêncio é ouro. Palavra é prata. Quem fala pouco costuma refletir melhor sobre o que diz. Ponto para Dilma.

Lula viajava além do necessário. E não tinha paciência para estudar com atenção os principais gargalos do governo. Sóbria, contida, Dilma preferia governar para dentro. O governo espetáculo não lhe fazia a cabeça. Ai de quem despachasse com ela sem estar devidamente preparado. Novos pontos para Dilma.

Tudo corria mais frouxo no governo anterior. Foi assim até que Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. No governo ora em curso, a mão pesada de Dilma evitava a anarquia.

Quem não se enquadrasse por bem acabaria enquadrado de qualquer jeito. Ponto para a presidente. Nada como ter no comando uma boa executiva.

O discurso de posse de Dilma levara os mais entusiasmados a concluírem que muita coisa mudaria de fato. A política externa, por exemplo. Celso Amorim deixara o Itamaraty. Doravante, o respeito aos direitos humanos seria cobrado com rigor. Ditaduras antes consideradas amigas passariam a sofrer um bocado. Ave, Dilma!

Quanto ao destempero da presidente... Como negá-lo? O general empalideceu ao ser despejado do elevador privativo do Palácio do Planalto. Os olhos aflitos do então ministro Antonio Palocci temeram a aproximação ameaçadora dos dedos indicadores de Dilma. Sem tempo de chegar ao banheiro, uma assessora dela fez pipi na roupa.

O destempero virou coragem. Histórias de uma presidente que não teme ninguém e que todos temem acabaram turbinando a imagem da zeladora intransigente com o erro e a roubalheira. Foi aí que as circunstâncias e o marketing pariram a "faxineira ética". Muitos pontos para Dilma. Até que...

Até que a faxineira se aposentou sob a pressão de aliados enfurecidos. Constatou-se que a política externa permanece a mesma. E que a executiva centralizadora serve antes de tudo para frear a iniciativa de sua equipe. Que Dilma queira ser um Lula com autoridade redobrada, nada a opor. Que tente ser Lula e Dilma ao mesmo tempo...

Menos! Dilma lembra a presidente executiva de uma grande empresa recém-promovida a presidente. Não tem mais de meter a mão na massa como antigamente. Não deve meter. Cabe-lhe tomar as decisões mais importantes e desenhar o futuro da empresa. Ninguém poderá substituí-la nessa tarefa. Nas outras há candidatos à beça.

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Só com os olhos

É possível travar uma batalha que se sabe perdida sem alimentar a esperança de vencê-la, mas sem se deixar abater previamente? E também sem abdicar do bom humor nem mesmo quando para expressá-lo era demasiado o sacrifício? Em tais circunstâncias, que preço foi pago para manter intacta a preocupação com o trabalho e com os seus semelhantes? Rodolfo Fernandes, diretor de Redação deste jornal, recusou-se a morrer de véspera. Nos últimos meses, já sem voz nem movimentos, comandou O GLOBO somente com os olhos. Seguramente, essa foi a mais valente e inesquecível lição de vida que deu aos que tiveram o privilégio de trabalhar e de conviver com ele.

FONTE: O GLOBO

Tela quente :: Ricardo Antunes

A percepção de que os de cima saqueiam o Estado, fazendo minguar recursos para saúde e educação, chegou à periferia: a tela está ficando quente

O ano de 2011 começou com a temperatura social alta: na Grécia, várias manifestações se sucederam, repudiando o receituário da constrição de tudo que é público em benefício das grandes corporações. E a pólis moderna presenciou uma nova rebelião do coro.

Depois, veio a revolta no mundo árabe: cansados do binômio ditadura e pauperismo, riqueza petrolífera e fruição diamantífera dos clãs dominantes, a Tunísia deu o pontapé inicial. A forte revolta popular, com boa organização sindical, derrubou a ditadura de Ben Ali.

Os ventos rapidamente sopraram para o Egito: manifestações plebiscitárias diuturnas na praça Tahrir, conectadas pelas redes sociais, exigiam dignidade, liberdade e o fim da ditadura de Mubarak.

Seguiram-se manifestações na Argélia, na Jordânia, na Síria e na Líbia, dentre tantas outras partes que ardem no mundo do combustível fóssil. E Gaddafi viu seu poder desmoronar.

Em março, explodiu o descontentamento da "geração à rasca" em Portugal. Mais de 200 mil em Lisboa, jovens e imigrantes, precarizad@s, sem trabalho e tratados como coisas. É emblemático o manifesto do movimento Precári@s Inflexíveis, que dá a sintomatologia desse quadro: "Somos precári@s no emprego e na vida. Trabalhamos sem contrato ou com contratos a prazos muito curtos. (...) Somos operadores de call-center, estagiários, desempregados, (...) imigrantes, intermitentes, estudantes-trabalhadores (...) Não temos férias, não podemos engravidar nem ficar doentes. Direito à greve, nem por sombras. Flexissegurança? O "flexi" é para nós. A "segurança" é só para os patrões.

(...) Estamos na sombra, mas não calados. (...) Com a mesma força com que nos atacam os patrões, respondemos e reinventamos a luta. Afinal, nós somos muito mais do que eles. Precári@s, sim, mas inflexíveis".

Seguiram-se os indignados da Espanha: o que dizer quando a taxa de desemprego para os jovens de 18 a 24 anos, segundo a Eurostat, é de 47%? A única certeza que eles têm é que, estudando ou não, são sérios candidatos ao desemprego, perambulando atrás de trabalho precário.

Enquanto isso, no Chile, as famílias se endividam, vendem suas casas para manter seus filhos nas universidades, quase todas privatizadas. É por isso que há no país um explosivo e maciço levante estudantil, com apoio dos pais, dos professores e da opinião pública, exigindo mudanças profundas. Depois foi a vez de a Inglaterra ferver. Começou na cordata Londres. Mais um trabalhador negro assassinado pela polícia, e os jovens pobres, negros, imigrantes e desempregados de Tottenham e de Brixton se rebelaram, sabendo que a polícia britânica é áspera quando a cor da pele é diversa.

Em poucos dias, atingiram Manchester e Liverpool. A percepção de que os de cima saqueiam o Estado, minguando os recursos para saúde, educação e previdência, chegou à periferia.

E é bom recordar, com Tariq Ali, que a polícia nunca foi responsabilizada pela morte de mais de mil pessoas sob sua custódia, desde 1990, sendo os negros e imigrantes presença recorrente.

Também é bom recordar que as revoltas contra o "pool tax" geraram grande descontentamento social e político contra o neoliberalismo, ajudando a selar o fim do governo de Thatcher.

Essa miríade de exemplos, que aflora tantas transversalidades entre classe, geração, gênero e etnia, é o sinal dos novos tempos.

A tela está ficando quente.

Ricardo Antunes, é professor titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Seu novo livro, "O Continente do Labor" (Boitempo), está no prelo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O mal-estar dos nossos dias:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

Os anos neoliberais do capitalismo terminaram com a crise financeira de 2008, que os desmoralizou

Vivemos um tempo de crise, um tempo de mal-estar. A selvagem revolta no Reino Unido mostrou com clareza; foi uma reedição agravada das revoltas da França de 2005.

Essas, como as manifestações mais moderadas e mais objetivas na Grécia, na Espanha, e na própria Inglaterra contra as políticas de austeridade impostas pelos credores ou então autoimpostas pelo próprio governo conservador, demonstram que não vivemos dias felizes.

A miséria material continua a identificar países pobres e explorados da periferia, mas a miséria humana, a sensação de insegurança e falta de perspectivas e a frustração generalizada estão em toda parte. Especialmente no mundo rico.

Os EUA, que no pós-guerra eram uma sociedade coesa e vigorosa, hoje são uma sociedade dividida e desorientada. Na Europa a crise provocada pelo euro sugere para todos a estagnação senão a decadência econômica.

Como explicar o que está acontecendo? É o capitalismo que fracassou, é o Estado social que foi destruído, como afirma um crítico tão radical como brilhante como é Slavoj Zizek? Não aceito esse tipo de diagnóstico.

Os 30 anos neoliberais do capitalismo foram um tempo de retrocesso social e político, de aumento brutal das desigualdades e da instabilidade financeira e de diminuição das taxas de crescimento econômico. Mas o Estado social europeu sobreviveu porque foi defendido em eleições democráticas.

Foi então porque o mundo moderno perdeu seus parâmetros morais, como pretendem os conservadores? Não vale a pena perder tempo com esse tipo de não-explicação. As revoltas nem sempre são racionais, e muitas vezes não são sequer razoáveis, mas são sempre morais.

Mostram sempre indignação moral contra a injustiça, o privilégio e a corrupção dos ricos. Os revoltosos de Londres agiram em alguns momentos como criminosos, mas não subestimemos sua indignação.

Houve, sim, decadência moral no nosso tempo. Mas a perda de parâmetros morais decorreu da aliança contraditória e malsã do conservadorismo com o neoliberalismo - com uma ideologia ferozmente individualista, que nega de forma militante solidariedade e interesse público.

Os progressistas não têm o monopólio da moral, já que os conservadores foram sempre guardiões da moralidade, embora a confundindo com a ordem estabelecida. O conservador apenas não estava disposto, como estão o progressista e o revolucionário, a arriscar a ordem em nome da justiça social.

Quando, entretanto, nos 30 anos neoliberais, o conservadorismo foi capturado pelo neoliberalismo, tornou-se uma fonte de desorganização social e de retrocesso moral.

O mal-estar do nosso tempo só será superado quando o mundo rico redescobrir o futuro. Mas essa redescoberta só pode ser feita quando fizer a crítica ao neoliberalismo.

Os anos neoliberais do capitalismo terminaram com a crise financeira de 2008, que os desmoralizou, como desmoralizou a teoria econômica neoclássica que os justificava.

Mas nem as elites conservadoras nem os intelectuais progressistas foram capazes de fazer a crítica necessária do que aconteceu. Nem de reafirmar sua confiança na ideia do progresso ou do desenvolvimento.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Roupa nova:: Melchiades Filho

Com o governo Dilma pegando fogo, soa quase deselegante que Lula e outros caciques da base aliada concentrem a energia neste momento em articulações para as eleições de 2012.

Mas há motivos para adiantar o calendário. Pesquisas mostram que o jogo está aberto em várias capitais e que uma boa fatia do eleitorado se declara inclinada a experimentar o "novo". Quem se posicionar primeiro poderá levar vantagem.

Além disso, a fórmula binária PT x PSDB, que prevaleceu no cenário nacional e muitas vezes pautou a montagem das chapas municipais, parece ter perdido apelo. Não há garantia de que reapareça com força na campanha do ano que vem.

Primeiro, porque o demotucanismo se fragilizou além do previsto. Basta lembrar de Gilberto Kassab (PSD), que surfou a onda antipetista para se reeleger prefeito de SP e hoje é amigo de infância de Dilma.

Segundo, e paradoxalmente, porque a coalizão federal trincou -resultado de nove anos de convivência forçada e do estilo não-dou-bola-pra-você da nova presidente.

Há, além disso, uma expressiva fadiga de material das lideranças consolidadas. Tome-se o caso de José Serra (PSDB), que em São Paulo desponta com rejeição ascendente, em patamar similar ao de Marta Suplicy (PT), outra veterana aliás.

Daí a naturalidade com que PSB, PMDB, PC do B etc. lançam nomes para prefeito, sem esperar pela definição do PT, o sócio-majoritário.

Por isso, também, a ânsia por caras novas. Em São Paulo, só dá jovem guarda nas especulações: o ministro Fernando Haddad (PT) já foi ungido por Lula; Michel Temer (PMDB) cravou o deputado Gabriel Chalita; Kassab cogita o secretário Eduardo Jorge (PV); e o governador Geraldo Alckmin, se pudesse decidir livre de amarras, indicaria o secretário Bruno Covas (PSDB).

Militantes, financiadores e veteranos desesperados para não sumir serão os primeiros obstáculos desse intrigante processo de renovação.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Anarquistas e comunistas:: Michael Zaidan

Introdução

Se desejarmos o abandono ao recurso de uma história “esotérica” do movimento operário brasileiro, será então necessário examinar o papel das lideranças da classe operária no quadro mais amplo da História republicana. Assim, ao analisarmos as relações entre anarco sindicalistas e comunistas no Brasil, interessa-nos, sobretudo conhecer as implicações, para os interesses da classe operária, decorrentes destas relações, face às crises políticas da década de vinte e da política social adotada pelo governo em relação ao movimento operário. Destarte, ao estudar as expressões políticas organizadas dos trabalhadores brasileiros, neste período, a indagação básica que se nos impõe é a de: se, e em que medida as lideranças da classe operária conseguiram interpelar, de fato, a “ordem material burguesa” existente no Brasil republicano, ou, se e até que ponto elas foram capazes de detectar as contradições específicas da formação social brasileira nos anos vinte, e, consertando uma ação comum, organizar o proletariado com vista a uma intervenção política no seio destas contradições, em função dos seus interesses de classe. Para responder a esta questão, dividimos este trabalho em quatro partes: a origem da ruptura ideológica entre os militantes libertários: a controvérsia doutrinária entre anarquistas e comunistas: suas conseqüências para a unidade do movimento sindical-operário: e as atitudes de libertários e comunistas em relação ao movimento “tenentista”.

Projeto conta trajetória política dos comunistas em Magé

O historiador Felipe (2º a partir da esquerda) por ocasião
da entrega do prêmio do concurso de monografia da Aperj
Danielle Kiffer

A trajetória política do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nas grandes cidades é conhecida e divulgada. Entretanto, houve, ao longo do tempo, polos importantes em cidades do interior do estado onde o partido atuou e que podem dizer muito sobre a classe trabalhadora e sobre a história do próprio PCB. Um exemplo é a cidade de Magé, que foi palco de muitos acontecimentos relacionados ao partido junto à classe operária. O município fluminense teve 11 vereadores comunistas eleitos de 1947 a 1964, parte deles ex-operários têxteis e dirigentes nos sindicatos dos trabalhadores locais. Uma pesquisa do historiador Felipe Augusto dos Santos Ribeiro, hoje doutorando na Fundação Getúlio Vargas (FGV), resgata informações sobre a atuação do PCB em Magé. O estudo resultou em sua dissertação de mestrado, defendida em 2009 na Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Este trabalho permite repensar a política fluminense e a própria trajetória do Partido Comunista Brasileiro, pois mostra os militantes comunistas fora dos grandes centros urbanos e exercendo papéis no Parlamento, discutindo leis. Acredito que seja interessante para lançar um novo olhar sobre a atuação do partido", conta o pesquisador, que foi contemplado com bolsa de mestrado da FAPERJ de 2007 a 2009.

Antes de abordar especificamente a questão política, o historiador conta, no estudo, a situação que o município vivia. De acordo com Felipe, desde o século XIX que Magé enfrentava repetidos surtos de malária. “Para que se tenha ideia da gravidade da questão, vale lembrar que, em 20 anos, de 1920 a 1940, a cidade cresceu em apenas cinco mil habitantes, dado a quantidade imensa de óbitos”. Foi neste contexto que o médico sanitarista Irun Sant’Anna, hoje com 94 anos, chegou ao município em 1940, designado para amenizar e controlar a propagação da enfermidade no local. Felipe conta que o médico era filiado ao PCB desde os 18 anos. “Conforme o próprio Irun Sant’Anna relata, ao chegar a Magé, ele pôde unir o útil ao agradável: atuaria com saúde pública, sua grande paixão, e poderia divulgar as diretrizes do partido à população”. Segundo o historiador, o médico viu no município um terreno fértil para a divulgação da orientação política propagada pelo Partido Comunista Brasileiro, já que Magé tinha, na época, cinco fábricas têxteis funcionando e uma relevante quantidade de operários.

O historiador relata que o médico, inicialmente, tentou se aproximar dos operários por meio dos sindicatos de trabalhadores que já existiam no município, mas não obteve êxito imediato. Segundo Felipe, Irun Sant’Anna, então, reuniu os comunistas já existentes na região e começou a se aproximar dos trabalhadores têxteis por meio da formação de comissões nas fábricas, que atuavam paralelamente e de forma similar aos sindicatos. Desta forma, das comissões começaram a emergir líderes ligados ao Partido Comunista, abrindo caminho para que muitas campanhas fossem propagadas. “Magé era um município predominantemente operário e a identificação com o discurso dos comunistas foi muito forte. A estratégia de aproximação do PCB junto aos operários foi bastante eficaz”, diz o historiador, que continua: “Na dissertação, eu trabalho com a perspectiva de que Irun Sant’Anna intensificou um processo político em Magé, o que acabou formando uma geração de operários têxteis ligados ao PCB, pois ele ministrava cursos e propagava as ideias do partido”. Deste período, de acordo com Felipe, o médico guarda a lembrança de uma ocasião em que foi questionado por um dos trabalhadores. “Ele conta que um operário o questionou onde estaria o imperador do imperialismo de que Irun tanto falava.”

Do grupo de trabalhadores têxteis, três foram eleitos vereadores, além do próprio Irun Sant'Anna e mais um suplente, logo na primeira eleição municipal pós-Estado Novo, em 1947. Como o Partido Comunista estava na ilegalidade na época, eles utilizaram a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – em eleições posteriores, eles lançaram mão de outras legendas "emprestadas", como o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Entretanto, um acontecimento viria a mudar o rumo desses políticos. O historiador conta que, pouco depois de um ano de mandato, os cinco comunistas foram cassados, mesmo não pertencendo legalmente ao PCB. “A justificativa para a cassação foi que o teor dos discursos desses vereadores no plenário caracterizava-se como comunista”. Felipe conta que houve uma grande mobilização por causa do acontecimento, amplamente noticiado pelos jornais da época, como O Estado, a Tribuna Popular e a A Notícia.

Foi justamente por causa desta cassação que a pesquisa do historiador só pôde analisar os documentos legislativos de alguns anos depois. O historiador explica: “Na verdade, não há atas desse primeiro mandato dos comunistas na Câmara Municipal de Magé, cassados em 1948. Foi realmente um episódio muito traumático, e a lacuna das atas justamente nesse período pode ter sido uma tentativa de esquecimento". É a partir de 1951 que Felipe começa a analisar a atuação dos vereadores comunistas na Câmara do município. Ele destaca uma das discussões que identificou em atas antigas, dos anos 1950. “Vi um registro que descrevia uma forte discussão entre os vereadores, até que um deles foi acusado de comunista. Prontamente, o político respondeu: ‘Com muito orgulho em sê-lo', antes da reunião ser interrompida. Na reunião seguinte, o mesmo vereador diz: ‘Por questão de ordem, queria retificar que não tenho orgulho de ser comunista, mas agradeço o elogio de Vossa Excelência’. Podemos interpretar isto como um reflexo da cassação ocorrida em 1948”. Felipe ressalta que este é um dos pontos bem trabalhados em sua pesquisa, sobre o quanto a histórica cassação implicou nas formas de atuação dos comunistas mageenses em décadas posteriores.

Ainda assim, a presença dos vereadores comunistas junto aos trabalhadores de Magé foi muito ativa. Um exemplo citado pelo historiador foi a "greve do açúcar", ocorrida em 1959. Nesta ocasião, de acordo com Felipe, houve o racionamento do alimento, mas só para os operários. “Quando eles descobriram a sua exclusão, se rebelaram e deflagraram uma greve. Por este motivo, muitos tecelões foram presos e o presidente do sindicato, comunista, que também era vereador, os acompanhou até a delegacia. Espalhou-se então a notícia de que ele também havia sido preso. Diante do ocorrido, houve grande mobilização na cidade, até que todos foram soltos”.

O historiador também teve acesso ao prontuário individual de Iran Sant'Anna no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “Este documento me ajudou imensamente, pois além de ser uma fonte inédita e de difícil acesso, me mostrou o outro lado da história que eu investigava, a atuação dos agentes da polícia política em Magé. No prontuário, encontrei diversas listas de comunistas do município, por exemplo. Em minha pesquisa de doutorado estou analisando mais a fundo essas fontes”.
Para Felipe, este projeto não só ajuda a compreender a situação política do PCB de um ponto de vista diferente, como também revela uma classe trabalhadora politicamente ativa, ao contrário do que alguns estudos mostram. Sua dissertação de mestrado, intitulada “Operários à tribuna: vereadores comunistas e trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964)", foi premiada com a terceira colocação na edição 2011 do concurso de monografias do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), recebendo Menção Honrosa.

Câmara Municipal de Magé, em meados do século XX