segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Opinião do dia – Marco Antonio Villa

"Na História do Brasil republicano, Dilma Rousseff é a presidente que mais exonerou ministros em menos de um ano de governo. Mas, curiosamente, não identificou nada de anormal na sua administração. Como se as demissões por graves acusações de corrupção fossem algo absolutamente rotineiro. E ocorressem em qualquer país democrático. Todas as demissões seguiram um mesmo ritual: começaram por denúncias publicadas na imprensa e, semanas (ou meses) depois, quando não havia mais nenhuma condição de manter o ministro no cargo, este pedia para sair.

Na ópera-bufa da política nacional, isso passou a fazer parte do figurino. O fecho do processo se repete: é necessário também emitir alguma crítica genérica sobre a corrupção, sem identificar o destinatário. Na hora da posse do novo ministro, deve ser elogiado o antecessor (o elogio será mais extenso e efusivo dependendo de quão poderoso for o padrinho político do ministro). Semanas depois as acusações desaparecem em meio a um novo escândalo."

Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos. “Política sem política”. O Estado de S. Paulo 17/9/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Infecção hospitalar mata 100 mil por ano no Brasil
Participação feminina eleva produtividade
Enquanto isso, em NY...

FOLHA DE S. PAULO
Ação da Petrobras não vai dar retorno tão cedo, diz Gabrielli
Estados tiram R$ 2 bi de verba para a saúde

O ESTADO DE S. PAULO
EUA buscam apoio na ONU para vetar Estado palestino
Dilma passeia em NY e prepara discursos
Brasil propõe barreira para compensar perda cambial
TRE promove empresa e irrita juízes

VALOR ECONÔMICO
Governo retoma grandes contratações em 2012
Brics já têm bônus europeu
Quatro grandes fizeram lobby do IPI
Mau momento para pequenas hidrelétricas

CORREIO BRAZILIENSE
Mulheres dominam a elite da educação
Dilma acena para o mundo
Saúde no DF: Médicos fogem da rede pública

ESTADO DE MINAS
Não mexa com ela

ZERO HORA (RS)
O significado da viagem de Dilma a Nova York

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Falta prevenção adequada ao câncer

Infecção hospitalar mata 100 mil por ano no Brasil

A falta de cuidado com a higiene nos hospitais públicos e privados produz um quadro dramático no país: a cada ano, cerca de cem mil pessoas morrem devido às infecções hospitalares, conclui levantamento feito pela Associação Nacional de Biossegurança (Anbio). O governo não tem dados consolidados sobre o problema, apesar de uma comissão ligada ao Ministério da Saúde ter sido criada há 26 anos com esse objetivo. A pesquisa da Anbio mostra que, em média, 80% dos hospitais brasileiros não fazem o controle adequado para evitar a disseminação das infecções

Desleixo que mata

Sem controle eficiente, infecções hospitalares causam cem mil óbitos por ano

Carolina Benevides

Faz 26 anos que o Brasil criou a 1ª Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), ligada ao Ministério da Saúde. Passados quase 30 anos, o país ainda não tem dados sobre quantas pessoas morrem anualmente por conta dessas infecções ou o índice de infecção que seria, por exemplo, aceitável na UTI, no berçário ou para doentes que estejam com pneumonia. No entanto, informações retiradas de estudos realizados por todo o país pela Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) trazem números alarmantes: em média, 80% dos hospitais não fazem o controle adequado, o índice de infecção hospitalar varia entre 14% e 19%, podendo chegar, dependendo da unidade, a 88,3%, e cem mil pessoas morrem por ano por conta das infecções. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, estima que as infecções hospitalares atinjam 14% dos pacientes internados no país.

- Os números que temos são estimativas. E, sem números, não sabemos quantos morrem por infecção ou por outros fatores. No que se refere às comissões, cada hospital tem a sua, e a grande maioria funciona burocraticamente. Então, o índice de infecção hospitalar depende da unidade onde o paciente estiver - diz Edmundo Machado Ferraz, fundador e presidente da comissão de controle de infecção hospitalar do Hospital das Clínicas da UFPE e consultor da OMS. - Esse problema só se resolve com transparência. É preciso saber o que acontece nas unidades, com processos controlados por protocolos. Não pode ter segredo. Tem que saber se o profissional se esqueceu de lavar as mãos corretamente, se o paciente fez uso inadequado de antibiótico.

Presidente da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), Leila dos Santos Macedo diz que "o risco não pode ser eliminado nunca, mas é possível bloqueá-lo para que chegue perto de zero":

- O paciente internado está suscetível. E infelizmente o cumprimento das normas de higiene é aquém do esperado. A gente vê profissionais de jaleco no refeitório, e aí eles levam agentes de risco para fora e trazem outros para o hospital. Outros não lavam as mãos corretamente ou não usam máscaras. Em muitas unidades, a troca de filtro do ar-condicionado não é feita frequentemente ou existe alta rotatividade dos profissionais de limpeza, e aí o pano de chão é usado em mais de uma enfermaria. O país tem mais de sete mil hospitais e eu diria que 1% tem um programa de biossegurança rotineiro.

Superlotação facilita contaminação

Um levantamento feito pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a pedido do Ministério Público Estadual de SP, em 2009, mostrou a necessidade de os programas serem mais seguros: em mais de 90% das unidades, o controle da infecção hospitalar era deficiente. Foram visitadas, ao todo, 158 instituições, na capital e no interior do estado. Dessas, 65 eram públicas e 93, privadas. De acordo com o estudo, 92,4% dos programas deixaram de atender a pelo menos um dos itens verificados, e 82% das comissões de controle não funcionavam adequadamente em pelo menos um dos itens analisados. Além disso, o Cremesp constatou que 28,1% das unidades não tinham "de forma adequada o conjunto para lavagem das mãos nas áreas críticas".

- É revoltante. Os dados mostram que no Brasil muita gente morre de problemas evitáveis. As comissões foram implementadas, mas não funcionam corretamente. Auditorias regulares nos hospitais podiam contribuir. E o governo devia obrigar as unidades a criarem taxas máximas para infecções, por exemplo, nos berçários, em unidades de terapia intensiva e nos centros cirúrgicos, e para infecções urinárias e respiratórias. Hoje, a pessoa morre por estar no hospital. Em casa, não pegaria bactérias adversas - diz Ferraz.

É a sensação que X. tem depois de ter levado uma parente, de 41 anos, para ser internada no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio:

- Ela ficou num ambiente infecto. A emergência parecia um depósito de gente e fedia a xixi. No primeiro dia, estava numa maca de metal, sem roupa de cama. De lá, foi para uma enfermaria com três leitos. No dia da visita, nós a encontramos suja. Estava com diarreia, e a enfermeira disse que já a tinha limpado três vezes. Ao lado, as outras pacientes comiam. Nenhuma higiene. Ela implorava para ir embora. A gente leva para o hospital para tentar aliviar o sofrimento, e fica arrasada com essas cenas. Ela morreu em 15 dias, de septicemia.

- Com superlotação, o risco de infecção hospitalar é maior. Quando se deixa macas umas ao lado das outras, por mais que haja vigilância, não se consegue controlar isso. É quase impossível manter o paciente numa situação adequada se ele está amontoado. Começam a surgir bactérias mais resistentes - diz Julio Noronha, chefe da emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, no Rio.

Gerente de vigilância e monitoramento em Serviços de Saúde da Anvisa, Magda Miranda Costa explica que as CCIHs dos hospitais são obrigadas a notificar os casos de infecção até o 15º dia do mês. No entanto, ela reconhece que "os dados são frágeis".

- Não sabemos se a pessoa morreu mesmo por infecção. Por conta disso, a Anvisa definiu, em 2008, critérios para todo o país sobre o que é infecção hospitalar. E este ano começamos a monitorar o primeiro dos cinco indicadores que vamos analisar. Estamos acompanhando em 1.144 hospitais a infecção primária de corrente sanguínea em pacientes com uso de cateter venoso central em UTIs com dez ou mais leitos.

- Falta de informação não impede que haja política pública. Trabalhamos, por exemplo, para sensibilizar os profissionais de saúde a fazerem adesão à higienização. Além disso, a infecção em UTI é prioridade nacional, mas não significa que os hospitais só façam esse enfrentamento. Daqui a dez anos, talvez tenhamos informação fiel, científica e responsável - diz Diana Carmem de Oliveira, gerente-geral de Tecnologia em Serviços de Saúde da Anvisa.

FONTE: O GLOBO

Melhorar a gestão :: Editorial/ O Globo

TEMA EM DISCUSSÃO: Contratação de Organizações Sociais para gerenciar a Saúde

O levantamento do TCU que aponta a Saúde como o maior ralo da corrupção, por onde são desviados recursos do governo federal, é inquestionável evidência de que a anemia do sistema deve mesmo estar mais relacionada a problemas gerenciais do que orçamentários. Em nove anos, R$2,3 bilhões oxigenaram uma rede de ilegalidades que tirou dinheiro da atividade-fim do setor - curar e prevenir doenças. Além de sepultar de vez a ideia de criação de um novo imposto nos moldes da CPMF, o estudo reflete uma emergência: a Saúde do país precisa de um choque gerencial para gastar melhor os recursos de que dispõe.

Esse é o sentido mais importante da aprovação, pela Assembleia Legislativa fluminense, do projeto que autoriza o governo estadual a contratar Organizações Sociais (OSs) para administrar unidades de sua rede de saúde. Os bons resultados obtidos em cidades e estados que adotam o modelo avalizam a opção por essa forma de gerenciamento, mais ágil e flexível, que prevê a contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para operar um serviço em que as tônicas são mau atendimento, ineficiência, demora, desperdício e outros males.

Nessa anacrônica estrutura todos perdem: os pacientes, que penam em unidades de saúde à espera, por vezes inútil, de consultas, internações ou atendimento de emergência; os profissionais, presos a uma grade salarial que não lhes permite obter melhorias de vencimentos, alegado fator de desestímulo na carreira; e o poder público, que colhe crises em lugar de aprovação pelos serviços oferecidos, e não consegue aplicar com mais eficiência os recursos destinados ao setor. Trata-se de um sistema que alimenta a corrupção e o corporativismo, deletérios entraves a qualquer programa de melhoria da rede pública.

Três anos atrás, o Banco Mundial mostrou, num estudo sobre a rede hospitalar brasileira, onde se concentram as inversões de recursos do sistema, que o setor de Saúde do país gasta mal, desperdiça dinheiro e capacidade profissional. O relatório sustenta que 30% das internações são desnecessárias, um sorvedouro de R$10 bilhões ao ano. A conclusão óbvia é que se poderia fazer muito mais com os recursos disponíveis.

As OSs confirmam esse diagnóstico. Autor de um projeto de lei que instituía esse modelo de gerenciamento na rede pública de saúde do país, não por acaso à época levado a pique pela bancada do PT e aliados, o ex-ministro José Gomes Temporão costuma citar estudos da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz com as vantagens de modelos alternativos de gestão hospitalar. Comparadas com hospitais da administração pública direta, as unidades geridas por OSs custam menos 3% e produzem 27% a mais em internações. Em São Paulo, onde é inquestionável o sucesso dessa experiência (metade da população é atendida por uma rede de 310 unidades), contornaram-se demandas que pareciam sistêmicas e eram fruto de incapacidade gerencial do poder público. A prefeitura do Rio também adota o modelo, com bons resultados, desde 2009. Isso se deve às características do modelo de contratação das OSs. Os funcionários são admitidos pela CLT, não têm estabilidade, o que agiliza a substituição de quadros. As entidades se submetem a um regime de metas e seus gastos são fiscalizados pelo poder público e por tribunais de contas - fundamental para assegurar o compromisso com a oferta de serviços eficientes e ágeis. No lado funcional, introduz-se a meritocracia, premiando os profissionais com a melhoria de salários de acordo com a produtividade. São benefícios convincentes.

Gato por lebre :: Jorge Darze

TEMA EM DISCUSSÃO: Contratação de Organizações Sociais para gerenciar a Saúde

A Alerj aprovou projeto de lei que instituiu as organizações sociais no sistema estadual de saúde pública, entregando a elas a gestão das unidades de atendimento. Tentaram e continuam tentando apresentar à opinião pública uma pílula dourada, que supostamente teria condições de resolver o caos existente no setor. Explicam que os sintomas dessa patologia estão expressos no pesado fardo de regras e legislações que a administração pública carrega, incluindo os servidores com o direito a estabilidade, e defendem a gestão privada para garantir a boa assistência à população.

Rotulam a todos nós, opositores desse projeto, como integrantes de "castas" que se "locupletam" com o atendimento precário aos pacientes. Esquecem-se de que ao longo dos últimos anos essa administração tem sido ineficiente e promovido uma mortalidade elevada. Portanto, se temos que identificar os responsáveis, logicamente são os atuais gestores, lembrando que a responsabilidade pela escolha desses administradores é sempre do chefe maior, o Poder Executivo.

O constituinte incluiu a obrigatoriedade do concurso público para os servidores na Carta Magna, atendendo aos reclamos da população, e assim a protegeu, garantindo a qualidade da prestação dos serviços através de profissionais competentes. Já com a estabilidade, o servidor tem imunidade para denunciar o que contraria o interesse público, inclusive o gestor incompetente ou que desvia recursos do Erário. No caso da mão de obra terceirizada, o mau gestor pode demitir quem ouse questionar a sua administração. Portanto, estamos falando de regras constitucionais que têm como objetivo a defesa da população. A administração pública tem muitas referências de eficiência. Na Saúde, por exemplo, temos o Inca, o Into, o Instituto Nacional de Cardiologia e o Hemorio, entre outros. A Constituição Federal estabelece a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, e essa obrigação não pode ser delegada a terceiros. O privado só existe como complemento daquilo que o sistema não disponibiliza no momento, o que difere do caso em discussão.

Os exemplos de OSs existentes no país denunciam maior custeio, desvio de verbas públicas, equipes incompletas de profissionais etc. Desde 2009, o sistema está implantado na rede municipal do Rio, com uma baixa eficácia e graves ilegalidades. Recente inspeção feita nessas OSs pelo Tribunal de Contas revelou várias distorções no uso do dinheiro público, demonstrando a má fiscalização da Secretaria municipal de Saúde, visto que foi no seu relatório que o TCM encontrou tais irregularidades.

Essas organizações foram escolhidas sem licitação e sem a verificação da sua competência. O projeto estadual repete os mesmos vícios, daí imaginarmos o que nos espera. Na verdade, a origem dessa proposta está na Lei 9.637/98, de concepção neoliberal, que molda e acelera o projeto de entrega do que é público ao privado, reduzindo o papel do Estado na economia e nas funções sociais. Essa lei teve a sua constitucionalidade arguida no STF pelos mesmos partidos que, hoje, curiosamente a defendem. Na verdade, a pílula dourada não passa de um placebo. Não podemos deixar que o governo do estado venda gato por lebre à nossa população.

JORGE DARZE é presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro.

FONTE: O GLOBO

Gramsci continua atual, diz historiador

Para Alberto Aggio, ideias de pensador italiano podem ser utilizadas para analisar lutas em países árabes hoje

Autor de `Cadernos do Cárcere' é tema da 7ª edição de seminário que começa hoje em Ribeirão e vai até sexta

Juliana Coissi

RIBEIRÃO PRETO - As manifestações contra regimes autoritários na Tunísia e em outros países árabes, os protestos na Espanha e no Chile e a perda de poder econômico dos EUA.

Os últimos fatos no mundo que envolvem questões de democracia e hegemonia tornam cada vez mais atuais os conceitos do pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937). A opinião é de Alberto Aggio, da Unesp de Franca, especialista em história política.

Aggio é um dos convidados da 7ª Semana Gramsciana, que começa hoje em Ribeirão e vai até a próxima sexta.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - Quais fatores históricos de hoje tornam atual o pensamento de Gramsci?

Alberto Aggio - A mesa de que vou participar tem esse título, "Gramsci no seu e no nosso tempo", pois esse pensamento atravessou o tempo dele e chega ao nosso. A democracia foi uma questão central para ele. Hoje vemos que no mundo a democracia é tanto uma grande expectativa quanto um desafio para ser construído em vários cantos, inclusive em lugares surpreendentes, porque quando menos se esperava, o norte da África explode em lutas.

Como o sr. vê esses protestos árabes à luz de Gramsci?

Há por trás disso a ideia de que a globalização alastrou algumas características da modernidade ocidental, mas ela é muito frágil em relação às dimensões políticas e culturais da vida moderna daquilo que era a promessa da modernidade. Gramsci sugere que a democracia é o melhor terreno possível para se formar sujeitos históricos com autonomia de garantir a sua emancipação diante de circunstâncias sociais opressivas. E os países árabes superam realidades históricas de décadas de autoritarismo. Não sabemos efetivamente onde vai dar.

Os protestos no Chile e os conflitos em Londres também têm a ver com essa questão?

O que tem a ver é que há uma crise da democracia representativa, mas não um esgotamento. Há uma crise com uma sociedade civil em vários cantos bastante dinâmica e participativa, reivindicando novas formas. Aí entra a sugestão gramsciana, das formas que a sociedade moderna encontra para se organizar e reorganizar.

E no Brasil, onde se encaixa o pensamento dele hoje?

Eu acho que a democracia brasileira é uma democracia jovem, ainda vivenciando um conjunto imenso de desafios. Nós temos um problema sério que é a corrupção. Essa corrupção mostra que a república e a democracia brasileiras ainda estão calcadas no predomínio da pequena política, e não da grande política, com um ranço tradicionalista, patrimonialista, que não separa o público do privado, onde o bem comum não é pensado de maneira coletiva. Então, nesse sentido, essa reflexão para o Brasil é atualíssima.

E a questão da Venezuela? A democracia liberal não tolera a democracia de Hugo Chávez.

Não acho isso. Primeiro, não acho que o Chávez seja democrático, porque tem perseguições, etc. O que digo é que ele é uma experiência que emergiu em um contexto de crise e de colapso de uma classe política corrupta e, a partir desse vazio, o Chávez, que é um personagem que vem do mundo militar, consegue ser eleito e estabelece uma estratégia muito eficaz da sua reprodução no poder. [Mas] Do meu ponto de vista, a alternância no poder é um elemento chave da democracia.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO, 18/9/2011.

Hora de faxina::Wilson Figueiredo

Foi fantástico. Domingo, a presidente Dilma se apresentou assertiva quando, entrevistada na televisão, rejeitou a qualificação de faxina para a vassourada que, com mão de gato, despejou de seu primeiro ministério quatro ministros em oito meses e, na segunda-feira, quando tudo parecia voltar à rotina, despachou mais um remanescente da primeira fornada ética. Ficou sem destaque o papel do vice-presidente nas degolas.

No modo presidencial de ver o momento brasileiro, “faxina tem hora para começar e acabar”. Não é, porém, suficiente para apanhar ninguém com a mão na grana. Faxina é atividade secundária, rotina doméstica. Obrigação. Meter a mão também ficou rotina. A entediada oposição, ainda não sintoniza com a opinião pública. Parece ter entendido pelo avesso o que se vê. Só tem olhos para o ex-presidente Lula, de onde, tão cedo, não se espera nada de aproveitável. Há silêncios que falam alto.

Na opinião da presidente, a diferença entre faxina e limpeza é que esta é permanente e aquela eventual. Optou pela permanente. A circunstância deve ser levada em consideração na era dos aspiradores de pó (sem alusões). Ela prefere o efeito detergente das denúncias para chegar à corrupção, que vem a ser o cupim da República. Dá para entender a razão pela qual dona Dilma não embarcou na proposta de investir no bullying do petismo para instalar o controle social da mídia.

Deve ter sido por aí que a vitória eleitoral trincou a unidade subjetiva que fazia a presidente e o ex parecerem gêmeos. A diferença começou a prevalecer nas palavras e se encaminha para as posições. Além da aparência, pouco os une e muito, no fundo, já os separa. À medida que o tempo se encaminha para 2014.

Em matéria de corrupção no espaço oficial, a vassoura teve preferência histórica de Jânio Quadros lá atrás, quando entrou em cena como vereador. Independente da renúncia, não se pode perder de vista o vereador que se apresentou em cena com a vassoura na mão. Na eleição e na administração municipal, a vassoura foi o cabo eleitoral do prefeito Jânio Quadros e, sem intervalo, o levou ao governo do estado para coroá-lo, em seguida, com a faixa de presidente da República. E mais não fez porque JQ se perdeu na poeira que a vassoura levantou. A faxina acabou varrendo o próprio e prestigiando os corruptos que infestam a República. Não são ouvidas por acaso as recomendações de cautela em relação à moralidade pública. Está aí o resultado: a desmoralização da política pelos próprios políticos, seja por omissão ou por meterem a mão.

Quanto mais partidos, está demonstrado, melhor para confundir as aparências. A confusão foi plantada nos espíritos e a política já se destina a enriquecer, primeiro, os que a fazem. Para os eleitores, o que sobrar dos orçamentos e os escândalos. Um mandato presidencial já é pouco para pagar, em prestações, o apoio ao governo eleito na mesma safra de votos. Na hora de escolher, entre meia dúzia de pretendentes a cargos de ministros ou os de aparente conteúdo técnico, os partidos oferecem os nomes e o (ou a, se for o caso) presidente não tem como escolher o melhor, porque todos se nivelam por baixo. Tem de se contentar com o menos ruim (com pedido de desculpa pelo desrespeito gramatical). E se dar por felizardo se conseguir um que salve as aparências.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Um olho aberto:: Ricardo Noblat

“Juro por Deus, ela nunca me deu bronca. Se não quiser acreditar... Sei que é difícil.” (Fernando Haddad, sobre Dilma)

Quer Dilma queira, quer não, parte da classe média furiosa com a roubalheira debita na sua conta o que a mídia teima em chamar de “faxina ética”. E a aplaude. Ironia para Lula ser sucedido por quem parece ter dificuldades em tolerar malfeitos. Ou por quem carece de cara de pau e de gogó afiado para justificar o injustificável. Como ele faz.

Notem que no parágrafo anterior deixei Dilma bem e mal ao mesmo tempo. Bem por apontá-la como uma pessoa, ao que tudo indica, pouco à vontade para engolir malfeitos. Mal por insinuar que procede assim à falta do cinismo e da lábia que sobram em Lula. Descartem a hipótese de que faço média à esquerda e à direita. Ou que dissimulo.

Como Dilma não costuma contar a ninguém o que lhe vai na alma e detesta auxiliares boquirrotos, só me resta tentar perceber seus verdadeiros sentimentos. Dilma lamentou ter herdado ministros de Lula? É provável que sim. Mas ela é realista o bastante para lembrar que Lula tinha esse direito — ora se tinha! Faz favor...

Restava-lhe dar tempo ao tempo. Empossado pelo destino em 1985, José Sarney levou apenas um ano para livrar-se de ministros nomeados pelo presidente Tancredo Neves — aquele que subiu a rampa do Palácio do Planalto dentrode um caixão.Um ano para Dilma estava de bom tamanho. Eis, porém, que entra em cena o imprevisto.

Quando ministro da Previdência do governo Lula, o senador Romero Jucá (PMDB- RR) foi acusado de oferecer fazendas fantasmas como garantia de empréstimos que tomara em bancos oficiais. Lula o manteve no cargo — do mesmo modo como Dilma tentou manter Antonio Palocci na Casa Civil, ao se tornar público seu súbito enriquecimento.

No caso de Palocci nãodeu. Uma vez demitido, a ele se seguiram os ministros dos Transportes da Agricultura e, finalmente, o do Turismo, os três suspeitos de envolvimento em falcatruas. Do último,PedroNovais,diz-se que era homem de confiança de Sarney. Como seu substituto, Gastão Vieira, também é. Nada a corrigir.

Acontece que Novais virou ministro por empenho dos colegas Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara dos Deputados,e Eduardo Cunha (PMDB-RJ).Sarney faturou em silêncio uma indicação que não foi bancada por ele. No que Novais, mais tarde, naufragou, Sarney foi à luta em silêncio e emplacou Gastão.

Henrique Eduardo e Eduardo Cunha deram com a cara na parede.Suaram a camisa para nomear ministro um de dois deputados dispostos a fazer-lhes todas as vontades se chegassem lá —umde Sergipe, outroda Paraíba. Não eram bons candidatos.Um flertou com dinheiro para a abertura de estradas. Outro com a encomenda de assassinatos.

Com razão ou sem, o pessoal começa a achar que Dilma cedeu à pressão coletiva contra a lambança desregrada. Em primeiro lugar, ponto para o próprio pessoal, que se acha autor da pressão. Em segundo, para Dilma. Ao contrário de Lula, ela não fecha inteiramente os olhos à corrupção. Mantém aberto pelo menos um deles.

É assim que o pessoal anda pensando, segundo atestam pesquisas aplicadas para consumo interno do governo. Guardadas em sigilo, mas consultadas por Dilma de vez em quando, elas coincidem com outras encomendadas por partidos de oposição, tão ou mais desorientados do que peru bêbado à espera do golpe fatal.

Porque Dilma não mete o pé na bunda dos meliantes infiltrados nos partidos e só escala gente boa para ajudá-la agovernar?

Ora, porque tem mais meliantes do que gente boa dentro dos partidos, aposta o pessoal ouvido nas pesquisas. E, se ela resolve excluir os meliantes, correrá o risco de não conseguir governar.

Dilma também não pode falar em “faxina ética”, nem ter a iniciativa escancarada de promovê-la a qualquer preço.Seria suicídio.Entende o pessoal que ela deve agir com discrição e a reboque das denúncias publicadas pela mídia. De resto, é razoável argumentar que lhe seria impossível ignorá-las. Lula só existe um.

FONTE: O GLOBO

Lula na Prefeitura de São Paulo:: Renato Janine Ribeiro

Esperei para comentar o impacto da pesquisa do Datafolha sobre as candidaturas a prefeito de São Paulo. Queria ver as reações. Os trinta por cento de Marta Suplicy e os dezoito de José Serra tornam difícil o PT negar a legenda a sua ex-prefeita, ou o ex-prefeito e governador aceitar concorrer pelo PSDB. Esperei que alguém jogasse a toalha, do lado petista - talvez os ex-aliados de Marta que ora competem com ela - e que, do lado tucano, algum nome se viabilizasse. Mas, se todos tomaram nota, como se diz em linguagem diplomática quando o resultado não é o que se deseja, ninguém piscou. Tudo continua possível. Aparentemente.

A baixa intenção de voto em Serra não surpreende. Ele teve perto de 54% dos votos válidos na cidade, no segundo turno das eleições de 2010; por isso, o fato de obter apenas um terço desse número, menos de um ano depois, soa estranho à primeira vista. Certamente ele conta com muitos eleitores que votariam nele, de novo, para presidente - mas não para prefeito. O que em nada o desmerece, porque ao que tudo indica ele não quer a prefeitura. Seus eleitores e ele pensam do mesmo modo. Seu sonho continuaria sendo a Presidência, o único cargo importante que não ocupou e para o qual se preparou por longos anos. Poderia ter sido presidente em 1994, se Itamar o tivesse escolhido em vez de FHC, ou em 1998, não houvesse a reeleição. Ainda tem chances. Agora, se concorrer à prefeitura, será difícil perdoar uma nova renúncia após um ano somente de mandato, para mais uma vez disputar o Planalto. Será a repetição da história como farsa. O problema então é encontrar um nome que mantenha unido o condomínio tucano paulista, no qual a divisão entre Alckmin e Serra levou à dissidência de Chalita, pelo lado do primeiro, e de Kassab, pelo lado do segundo. A família tucana, que governa o Estado desde 1994, e a cidade desde 2004, está em risco na capital.

Já o PT terá dificuldades em rejeitar uma candidata que, a um ano das eleições, conta com quase um terço das intenções de voto. Mais estranho ainda será descartá-la em favor de um candidato que obteve só dois por cento na pesquisa. É verdade que alguém pode começar com um ou dois por cento e vencer. Assim sucedeu com Pitta, secretário e sucessor de Maluf na prefeitura, Fleury, secretário e sucessor de Quercia no governo estadual, e Dilma, ministra e sucessora de Lula na presidência da República. Mas, em todos esses casos, em que candidatos sem prévia experiência eleitoral (como Fernando Haddad, o favorito de Lula) derrotaram opositores mais cotados, havia alguns traços especiais. Primeiro: foram apoiados pelo titular do cargo, por sinal muito bem avaliado. O problema era transferir a popularidade de um nome conhecido para um desconhecido. Segundo, e mais importante: se cada um deles partiu de meros dois por cento, enfrentava um favorito inicial que não era de seu partido - mas do concorrente. Dava para promover, simultaneamente, a construção do nome novo e a desconstrução do opositor. Agora, um eventual prélio Haddad-Marta se dará no interior do mesmo partido. Não pode ser demasiado agressivo, porque o perdedor deverá apoiar o vitorioso. Nos Estados Unidos, as palavras horríveis que Hillary Clinton disse sobre Obama não a impediram de apoiá-lo, quando ele ganhou a indicação, nem o impediram de nomeá-la para o cargo mais importante da administração. Mas, no Brasil, o eleitor dificilmente esqueceria acusações fortes entre companheiros de partido. Isso limita a capacidade de um nome alternativo para contestar, nos meses que faltam, o favoritismo de Marta no eleitorado.

No entanto, há uma racionalidade clara no apoio de Lula a seu ministro da Educação. Nas primeiras eleições que Lula disputou, ele queria marcar uma posição. Vencer ou não era secundário. Num segundo tempo, ele aceitou marcar uma posição. Ele trazia os votos, a esquerda petista fazia o programa, e ele engolia isso. Já em 1998, derrotado pela terceira vez, Lula mudou radicalmente. Decidiu só concorrer para vencer. Convenceu-se de que, num país complexo como o Brasil, um partido não ganha a Presidência sozinho. Precisa de alianças. Isso implicava aceitar que, no governo, ele não aplicaria in totum o programa do PT. Mas, entre realizar parte razoável do programa e nada realizar, Lula não teve dúvidas. Creio que esse é seu raciocínio em São Paulo. Trinta por cento dos votos, os que Marta tem, são o patrimônio usual do PT na cidade. Ela por ora consegue realizar o total desse estoque; mas qualquer candidato petista que não seja um absurdo partirá desse patamar. O problema é conseguir os vinte por cento que faltam para ganhar, provavelmente no segundo turno. Quando começarem a atacar Marta pela taxa do lixo, ou baixarem o nível na campanha, ela conseguirá expandir seu cabedal de votos? Lula provavelmente crê que um nome novo, de pouca rejeição, com a causa simpática da educação, possa crescer mais. Sua questão não é o que o partido faz, intra muros. É se o partido consegue conquistar a sociedade. A isso se soma um fato curioso: Marta na política, como por exemplo Paulo Bernardo na administração, são nomes polivalentes, que podem ocupar praticamente qualquer cargo. Já Haddad se identificou tanto com a educação que, paradoxalmente, se inviabilizou para qualquer posição que não seja a sua, atual - onde começa a sofrer uma fadiga de material que pode se acentuar -, ou a chefia de um poder executivo. Daí que ele queira a prefeitura. Daí que talvez Lula pense nele como sucessor de Dilma, em 2018. Mas o fato, hoje, é que ele tem dois por cento e Marta, trinta.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Relógio cuco:: Rubens Ricupero

Se a Suíça arrisca fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta

Não é verdade, como pretende Orson Welles em "O Terceiro Homem", que o relógio cuco tenha sido a única contribuição da Suíça à civilização.

Basta pensar na Cruz Vermelha, em Rousseau, Benjamin Constant, Madame de Stael, Pestalozzi, Le Corbusier, Piaget, Giacometti, Godard, elenco mais impressionante que o de alguns gigantes pela própria natureza.

Eis que o relógio cuco dá nova contribuição ao soar o alarme contra o perigo mortal da anarquia do câmbio. Ninguém no mundo se compara aos suíços em cautela e horror do não convencional. Se arriscam fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta.

A diferença entre nós e eles é que, como os sicilianos, eles jamais ameaçam: preferem agir sem preanuncio. Nós somos incendiários nas declarações e tímidos na ação e não apenas por amor à bravata.

É que os suíços podem arrostar ataques especulativos com alguma chance de sair com vida.

Nós, sempre no fio da navalha, corremos o risco de soprarmos em inflação que já arde em cima da palha seca se tomarmos medidas ousadas como o corte do juro ou o controle de capitais.

Por isso nos limitamos por muito tempo a denunciar a guerra cambial no G20 e a pedir à Organização Mundial do Comércio que estude o efeito do câmbio no comércio. São gestos louváveis, mas anódinos, pois o mundo vive em situação de anarquia cambial, isso é, ausência total de normas e governo na matéria.

Desde que Nixon abandonou em 1971 o sistema de taxas fixas de Bretton Woods, virou letra morta o artigo 4º do acordo do FMI relativo a disciplinas cambiais.

Dizia-se na época que, após meses de turbulência, o câmbio flutuante produziria seu próprio equilíbrio. Estamos esperando há 40 anos e as tempestades já obrigaram a intervenções urgentes como as dos acordos do Plaza e do Louvre.

Na OMC o panorama não é mais animador. O artigo 15 do acordo geral dispõe que os países devem se abster de manipular as moedas a fim de não frustrar os objetivos do acordo. Como nunca se definiu o que significa "manipular" e "frustrar", nada se pode fazer.

Não existem recursos legais: antidumping cambial, taxas contra o subsídio indireto da manipulação, tudo carece de base jurídica.

Os pragmáticos helvécios concluíram que, na falta de remédios internacionais, o remédio é cada um cuidar de si. Se der certo e outros como o Japão seguirem o exemplo, aumentará a pressão sobre a moeda brasileira. Fez bem, assim, o governo em deixar de se queixar ao bispo e começar a tomar medidas.

Entre elas, o início da redução do juro e a elevação do IOF sobre capitais especulativos trouxeram alívio temporário no câmbio, graças também ao recrudescimento da crise mundial. Nada garante que dure. Estagnada devido ao câmbio, a indústria pouco se beneficiou até agora da explosão do consumo, capturada quase toda pelas importações.

Se a crise apertar, a única saída será aproveitar a demanda interna para crescer. Para isso o remédio são ações mais fortes para estancar a hemorragia cambial. Sem dúvida é arriscado, mas como no dilema de Trotsky: risco em avançar, morte segura se ficarmos parados.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O retorno do Vigário :: Jornal do Commercio (PE)/ Editorial

Já se passaram mais de três décadas e inevitavelmente o 7 de Setembro continua nos levando de volta a um dos episódios do tempo da ditadura em que Estado e Igreja Católica entraram em choque. Esse episódio aconteceu em 1980, com o sabor de uma farsa de conotação eleitoral, e ficou conhecido como: o caso Miracapillo. Que provocou a expulsão do padre italiano do Brasil, quando poderia ter se resumido a apenas o convite de modestas Prefeitura e Câmara de Vereadores de uma das mais pobres cidades de Pernambuco, para a realização de uma missa dentro das festividades do Dia da Independência. A resposta ao convite gerou um clima de tensão próprio do tempo da ditadura, com consequências que se estendem inexplicavelmente até agora.

O padre se recusou a rezar a missa solicitada e em uma nota às autoridades locais explicou que tinha agendado outros compromissos, além do que não considerava que houvesse entre nós uma efetiva independência. Foi um Deus nos acuda na paróquia de alguns políticos inexpressivos e um deles, o que representou contra o padre, pedindo sua expulsão, virou nome nacional e até chegou a ocupar a presidência da Câmara Federal. Essa história é sempre recontada no 7 de Setembro e continua envolta em equívocos, como a impossibilidade de o padre voltar ao Brasil com o seu visto de permanência, para continuar o trabalho que desenvolvia em Ribeirão, onde estão presentes todas as condições de degradação da qualidade de vida de muitos trabalhadores, como eram há 30 anos.

O surpreendente no encaminhamento do pedido de permanência do padre entre nós é a persistência dele em retomar uma tarefa que só traz renúncia e sacrifício pessoal, mesmo passadas três décadas que mudaram o mundo e o Brasil, principalmente. Mas se refletimos sobre os dois momentos de nosso País vamos verificar que efetivamente conquistamos a democracia, o País se renovou politicamente, evoluiu na economia, criou condições de crescimento como nunca teve no Nordeste, os indicadores sociais avançaram, mas oficialmente – de acordo com os números do IBGE – há ainda 16 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza, objetos da prioridade anunciada pela presidente da República. E dessa fatia de miseráveis na forma da lei, fora do mercado de consumo e indigentes em expectativa de qualidade de vida, a maior parte está, ainda, no Nordeste, predominantemente na monocultura canavieira, como em Ribeirão, onde o padre Miracapillo aplicava seu sacerdócio preferencial para os excluídos.

Se assim é, se conquistamos a democracia, se o ex-presidente Itamar Franco revogou o ato discricionário da ditadura – que fez de Miracapillo a primeira vítima do Estatuto do Estrangeiro –, se as condições que explicariam os conceitos do padre sobre as carências de nosso povo continuam tal e qual em 1980 em muitas áreas – como a de atuação dele –, o que faz o governo, constituído de políticos que no passado estiveram ao lado do padre, não acabar de vez com essa farsa?

A desindustrialização no Brasil :: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Volto ao tema da desindustrialização que estaria ocorrendo no Brasil e que aparece com frequência na imprensa brasileira. Entende-se esse fenômeno como a redução estrutural da participação da indústria no PIB em função do crescimento das importações. O real forte seria o grande culpado segundo as lideranças empresariais e alguns membros do governo.

Em um primeiro momento o governo tentou enfraquecer o real via compras maciças de dólares no mercado de câmbio e a introdução de um IOF na entrada de recursos financeiros de curto prazo. Mais recentemente, atravessou uma fronteira perigosa - e que tinha sido evitada até agora - ao passar a cobrar o IOF nas operações de derivativos cambiais. Apesar de todas essas intervenções nossa moeda continua como uma das mais valorizadas no mundo emergente, o que tem provocado ranger de dentes em Brasília.

Na última quinta feira o governo resolveu ampliar sua intervenção e decretou um brutal aumento do imposto de importações de automóveis - mascarado por um novo IPI seletivo - na primeira medida direta para reduzir as pressões dos produtos importados. O primeiro alvo nesta nova escalada foi o setor automobilístico que sofre uma concorrência vigorosa de produtos importados. Certamente a influência política dos sindicatos dos metalúrgicos, principalmente do ABC, está por trás dessa escolha. Afinal eles conseguiram generosos aumentos na última rodada de dissídios coletivos e as empresas precisam de espaço para absorver, via preços, esse aumento de custo.

Outros setores da indústria de transformação a partir de agora vão demandar tratamento semelhante e corremos o risco - principalmente o cidadão consumidor - de uma rodada importante de fechamento via impostos de nossa economia, revertendo a tendência dos anos Lula.

O leitor do Valor sabe que não concordo com a análise simplista de que os problemas que enfrentamos hoje são criados, majoritariamente, pelas importações. Como escrevi em coluna recente neste jornal as causas são mais profundas e complexas e estão associadas às questões micro econômicas internas, como sistema tributário, regras salariais e custos de logística. Mas a medida do aumento diferenciado do IPI mostra que o governo resolveu agir de acordo com suas convicções e caminhar firme na direção da restrição direta às importações. E elas se aproximam muito da política do regime militar, quando Delfim Netto era ministro todo poderoso do governo. Aliás, fala-se muito hoje de sua volta ao centro das decisões econômicas no governo Dilma.

Vou me valer de dois ensinamentos que trago dos meus tempos de estudante de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para continuar minhas reflexões sobre este tema. O primeiro deles, que aprendi com um professor de Física ainda no começo de meus estudos, diz que contra fatos concretos não há argumentos. Por isso, se entendemos a desindustrialização apenas como a redução da participação da atividade industrial no PIB brasileiro e, se olharmos para o passado longínquo do regime militar como período de referência, estamos diante de um fato inquestionável e assustador.

Nos estertores do regime militar a indústria chegou a representar, em termos nominais, 48% do PIB. Com o colapso do modelo da ditadura e a aceleração da inflação a partir da década dos oitenta do século passado a indústria chegou a 28% do PIB às vésperas do Plano Real. Com a estabilização da economia nos anos FHC tivemos uma pequena recuperação da indústria, que alcançou a marca de 30% do PIB na passagem do governo ao presidente Lula. Hoje essa relação voltou a cair e chegou a 26% do PIB no início do governo Dilma. Não por outra razão temos ainda saudosistas do período militar, quando as restrições draconianas às importações fizeram com que a indústria brasileira chegasse a representar quase metade do PIB. Esse número só foi atingido pela União Soviética na segunda metade do século passado, o que não me parece uma boa referência tanto econômica como política.

Mas a que custo foi conseguido esse resultado no Brasil? Quantos anos de sacrifício foram necessários para purgar os projetos industriais sem viabilidade que formaram a base desta estrutura industrial artificial? Vamos impor ao consumidor brasileiro novamente os custos de um sistema micro econômico ineficiente e impossível de ser mantido no mundo de hoje?

Por ter vivido intensamente esse período de ajustes - inclusive como diretor do Banco Central - é que me assustam esses movimentos recentes do governo. E trago aqui o segundo ensinamento dos meus anos de politécnico: "sem um entendimento correto das causas de um problema nunca chegaremos a sua solução".

E, no caso da perda de musculatura de nossa indústria, a forma como o governo e parte importante da liderança empresarial pretende enfrentar suas causas é um exemplo dessa armadilha. Restringir as importações pela imposição de novas barreiras tarifárias é não tratar das causas corretas além de interromper um caminho de integração de nossas cadeias produtivas que nos levam a uma economia mais eficiente.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. 

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Em água de rosas :: Paulo Brossard

Como esperado, o ministro do Turismo pediu demissão do cargo. O pedido de demissão foi a fórmula arnical ou diplomática empregada para chegar ao mesmo resultado sem derramamento de sangue. Mas a revelação de fatos menos airosos ligados ao suposto demissionário revelam que eles prevalecem à solução drástica, aqui o manto diáfano da fantasia, ali a nudez forte da verdade, para servir-me de palavras do velho Eça. De mais a mais, a abundante publicidade que ao longo dos dias desvendou faces do penoso episódio, desnudou a real natureza do problema e, particularmente o fato que se avolumou com a falta de apoio parlamentar, de início simpático ao desventurado auxiliar da senhora presidente da República. Desse modo, pode-se dizer que a demissão ocorreu quando caiu de madura. Creio mesmo que não seria incorreto dizer que a demissão tardou a aparecer nas colunas do Diário Oficial, pois estava lavrada há mais tempo, no seio da opinião pública. Dir-se-á que a senhora presidente foi delicada e paciente ao contemporizar o desfecho e me parece plausível a explicação. Nada de faxina, tudo em água de rosas.

O que parece digno do notar, porém, é que o fato, já agora repetitivo, veio a público não porque o governo ou o Estado o houvesse descoberto, apuradas suas características e equacionada a solução. Ainda uma vez o aparelho estatal foi incompetente ou desleixado, omisso ou complacente, pois a autoridade dele só tomou ciência quando a imprensa assumiu o encargo de fazer o que os serviços oficiais não haviam feito. E isto não é louvável.

Tudo preparado alhures e, só depois de temperado e cozido, foi servido o prato pronto. Compreendo que cada um tem seu estilo, mas amanhã pode gerar situações nada venturosas ao governo. De resto, fica no ar uma pergunta: afinal quem escolhe os ministros e quem os mantém, assim como os trinta e tantos ministérios? Paro aqui, deixando esta melancólica repetição das cenas e passo a assunto mais aprazível.

A circunstância de ter mandado encadernar alguns livros pouco depois de chegar a Porto Alegre, no começo da década de 1940, no Pão dos Pobres, fez com que me afeiçoasse à instituição; ocorre que, somando os três períodos passados em Brasília, foram 20 anos durante os quais as relações tornaram-se mais distantes e, só agora, me dei conta disso; para recuperá-las recorro a estas relembranças. Ele foi fundado em 1895, quando terminada a cruenta revolução de 93-95, com a assinatura da paz em Pelotas, firmada pelo representante do presidente Prudente de Morais, general Galvão de Queiróz, e o velho guerreiro general Joca Tavares; sua finalidade consistia em amparar os órfãos dos mortos da guerra civil; com o tempo, os órfãos cederam lugar a crianças e adolescentes pobres e de risco social. Hoje, cerca de mil jovens por ano passam pelos 10 cursos que funcionam no Pão dos Pobres; seu ensino profissional goza da melhor nomeada; tudo isso foi feito, faz mais de século, praticando a caridade. Laus Deo. O Pão dos Pobres é uma das instituições que honram a nossa terra, pelo bem que lhe tem feito e continua a fazer.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Nos EUA, Dilma elogia seus programas de Saúde

Apesar de afirmar que falta verba para o setor, presidente vai afirmar na ONU que iniciativas do governo são bem-sucedidas

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados discute a questão do financiamento da Saúde e deve votar a regulamentação da Emenda 29, a presidente Dilma Rousseff falará hoje sobre programas brasileiros de sucesso no setor, durante debate promovido no âmbito das Nações Unidas (ONU). A presidente reclamou, ainda no Brasil, semana passada, da falta de recursos para a Saúde. Dilma vai discursar na reunião sobre doenças crônicas não transmissíveis, seu primeiro compromisso oficial numa agenda pesada de cinco dias em Nova York.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, está na comitiva presidencial, mas voltará ao Brasil para acompanhar pessoalmente as discussões na Câmara sobre a Emenda 29. Ao chegar ontem a Nova York, o ministro disse que a presidente citará programas como Saúde Não Tem Preço, que distribui remédios gratuitos contra hipertensão e diabetes.

Ações brasileiras despertam interesse, afirma ministro

Vários países, inclusive os Estados Unidos, demonstraram também interesse no programa Academia da Saúde, cujo objetivo é combater a obesidade. A presidente deverá se referir ainda a ações de combate ao câncer - ela mesma empenhada em lutar contra a doença -, à hipertensão, ao diabetes e a doenças respiratórias.

- O Brasil tem muito a mostrar sobre isso e muito a fazer ainda - disse Padilha.

Ao ser perguntado sobre a polêmica em relação ao financiamento justamente da área da Saúde, Padilha desconversou:

- Isso é um tema que está lá no Brasil, no Congresso. A presidente vai mostrar o que o Brasil tem feito. O Brasil, até porque é um dos poucos países com mais de cem milhões de habitantes que têm um sistema público de Saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde), tem como apresentar o que está sendo feito e os desafios - disse Padilha.

O ministro, segundo assessores, vai desembarcar hoje à noite em Brasília. Ele quer estar presente na audiência geral da Câmara dos Deputados sobre a regulamentação da Emenda 29, convocada para amanhã. Na quarta-feira, a Câmara promete votar a proposta. O governo teme aumentar os gastos em Saúde e defende a necessidade de nova fonte de financiamento do setor, embora tenha recuado na defesa de um imposto exclusivamente para este fim.

Ontem, o ministro discutiu as ações do governo brasileiro com representantes da prefeitura de Nova York e também com representantes de governos da União Europeia.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as doenças crônicas não transmissíveis incluem doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e diabetes. No Brasil, a cada cem mil brasileiros, 255 morrem prematuramente por essas doenças. A meta é, em 2022, chegar a 196 mortes por cem mil habitantes. Nos últimos dez anos, a taxa teve uma redução de 20%.

Além desse debate, a presidente Dilma participa hoje de outro encontro promovido pela ONU para tratar da participação política das mulheres. O convite foi feito pela presidente chilena, Michelle Bachelet. No encontro, Dilma falará sobre sua própria trajetória. A intenção é debater a inclusão da mulher na cena política.

Na terça-feira, Dilma terá um encontro bilateral com o presidente americano, Barack Obama, e participará de um debate sobre transparência governamental. Na quarta-feira, a presidente fará a abertura da reunião da ONU.

FONTE: O GLOBO

Com alta de imposto, governo compensou extinção da CPMF

Arrecadação da União no ano deve chegar a 20% do PIB, participação similar à da época do antigo tributo

Maior responsável pela recuperação do caixa foi o IOF, que voltou a subir em 2011 para conter a valorização do real

Gustavo Patu

BRASÍLIA - Três expedientes usados pelo governo para compensar parcialmente a extinção da CPMF acabaram por permitir que a receita da União, hoje, supere a de 2007, último ano da cobrança sobre movimentação financeira.

De lá para cá, foram elevadas as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, além das parcelas dos lucros das empresas estatais repassadas ao Tesouro Nacional.

Uma análise das projeções do Orçamento deste ano mostra que a arrecadação conjunta dessas fontes deverá chegar ao menos a R$ 101,3 bilhões, equivalentes a 2,5% do Produto Interno Bruto, ou seja, da renda nacional.

Há apenas quatro anos, IOF, CSLL e dividendos das estatais não rendiam aos cofres da União mais do que R$ 49,5 bilhões, equivalentes a 1,9% do PIB de então.

Apesar de agudo, esse aumento não seria capaz, sozinho, de repor a perda da CPMF no Orçamento se os demais tributos federais mantivessem o desempenho de 2007, já considerado muito favorável na época.

No entanto, a melhora da economia, com expansão de consumo e investimentos, provocou alta generalizada das receitas federais nos últimos anos, tornando praticamente imperceptível a ausência do antigo imposto.

A arrecadação se manteve estável ao longo do segundo governo Lula e, neste ano, deve contabilizar um salto.

RECEITA

Pelas estimativas oficiais, a receita total da União deverá somar algo entre 19,7% e 20% do PIB, já descontados os repasses obrigatórios para Estados e municípios. Em 2007, com a CPMF nas contas, foram 19,3%.

A diferença entre patamares de um ano e outro é, portanto, muito similar à variação da arrecadação conjunta de IOF, CSLL e dividendos.

Em outras palavras, o aumento da arrecadação dessas fontes superou o necessário para manter constante a receita do governo como proporção da renda do país.

A relação entre a receita e o PIB é particularmente importante nesse caso, porque gastos em saúde, finalidade da extinta CPMF, são reajustados anualmente conforme o crescimento da economia.

O maior responsável pela recuperação do caixa federal é, de longe, o IOF, que, originalmente, não tinha função arrecadatória -trata-se, na teoria, de tributo regulador, destinado a estimular ou restringir o volume de crédito, a entrada de dólares e outras transações financeiras.

Três dias após a extinção da CPMF, alíquotas do IOF sobre operações como crédito, seguros e câmbio foram elevadas em 0,38 ponto percentual, mesma alíquota do tributo derrubado.

Já em 2008, a receita do IOF mais que dobrou, saltando de 0,3% para 0,7% do PIB.

Houve ainda ganhos adicionais, de menor montante, depois que o imposto passou a ser elevado com a justificativa de deter o ingresso de capital estrangeiro no Brasil e a valorização do real.

No mesmo ano, foi de 9% para 15% a alíquota da CSLL incidente sobre lucros dos bancos, e o governo passou a cobrar volumes crescentes de dividendos de empresas controladas pelo Tesouro.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Metalúrgicos param hoje no Vale do Paraíba

Aline Bronzati

Os metalúrgicos das fábricas de São José dos Campos e região do Vale do Paraíba iniciarão hoje uma greve de uma semana. A decisão foi tomada em assembleia geral, na qual os trabalhadores rejeitaram as propostas patronais apresentadas.

De acordo com o sindicato, embora os "setores tenham avançado nas propostas, as conversas não foram ao encontro das reivindicações da categoria". O segmento de autopeças pede aumento de 9,55% (inflação mais 2% de aumento real), enquanto as áreas de Fundição, Estamparia, Trefilação, Refrigeração e Laminação solicitaram 9,50% (inflação mais 1,9% de aumento real) e Eletroeletrônicos e máquinas, 9,25% (inflação mais 1,7% de aumento real).

Somente na TI Automotive, do setor de autopeças, houve um consenso entre trabalhadores e empregador. Com a pressão da greve iniciada pelos trabalhadores na última quinta-feira, a companhia propôs 10,3% de reajuste salarial, sendo inflação mais 2,7% de aumento real, mais um abono de R$ 2.200. Os metalúrgicos também conseguiram 90 dias de estabilidade e direito a eleger um delegado sindical.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, na semana passada trabalhadores de 24 fábricas da região fizeram paralisações. Luiz Carlos Prates, secretário-geral do sindicato, adianta que o movimento da semana passada foi só o começo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO