quinta-feira, 3 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna - mudança

Se ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio, como na lição do aforismo de Heráclito de Éfeso, não há por que estranhar as mudanças entre o governo de Lula e o de Dilma, por mais que esta aferre, mesmo com sinceridade, a máscara do seu antecessor, uma vez que muitas águas já rolaram, e ameaçam, sob as novas circunstâncias do mundo, rolar mais ligeiras. Estamos em mais uma crise sistêmica do capitalismo, para a qual ainda não há remédio sabido, pois a farmacopeia com que se enfrentaram os idos de 2008 parece não ter impedido a recidiva que se faz anunciar. Décadas de neoliberalismo, com suas crenças ingênuas em mecanismos autocorretores da vida econômica, de devaneios político-filosóficos de que se estava no limiar do fim da História, cedem diante de nós, jogando por terra convicções e certezas como antes, com maior estrondo, veio abaixo o Muro de Berlim.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador PUC –Rio. O rio do filósofo e a Dilma. O Estado de S. Paulo, 13/9/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Renda sobe mas desigualdade ainda impede avanço do Brasil
Governo dobra repasses para os sindicatos

FOLHA DE S. PAULO
Contra referendo, Europa ameaça sufocar a Grécia
IDH brasileiro avança menos que o dos Brics
Bill Gates diz que Brasil tem de doar mais a país pobre

O ESTADO DE S. PAULO
Grécia deve aceitar plano ou deixar euro, determina UE
Supremo decide que dirigir bêbado é crime
Avanço do Brasil no IDH fica mais lento
MEC propõe anular provas só de Fortaleza
'Brasil não vai vencer a Fifa', diz dirigente

VALOR ECONÔMICO
Europa ameaça Grécia e G-20 quer mais rigor fiscal
Argentina agora corta subsídios
Caem preços de terras em grandes áreas
Cerco a estudos ambientais ruins
Mais poderes para Gilberto Carvalho

CORREIO BRAZILIENSE
Passagens de avião sobem até 41% neste fim de ano
Poderosa, mas cheia de cautela
Sertanejo é dono, só que não manda
IDH: Um retrato da desigualdade

ESTADO DE MINAS
BH é a capital com maior verba prevista
STF decide hoje se governo pode fixar valor por decreto

ZERO HORA (RS)
Pente-fino afeta 121 entidades no Estado
Educação puxa para baixo IDH brasileiro

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Haddad chega para batalha do Enem
IDH do Brasil melhora a passos lentos

FAP - SP promove ciclo de debates

A Fundação Astrojildo Pereira - SP promove nos dias 7 e 9 de novembro, em São Paulo e São Carlos, um ciclo de debates sobre Economia e Política.

Eventos reúnem ex-ministro Mendonça de Barros, economista Daniel Ribeiro e historiador Marco Antonio Villa.

Em São Paulo:

No dia 7 de novembro, a partir das 20h, tendo como convidados o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros e o economista-chefe do Credit Suisse Hedging-Griffo, Daniel Ribeiro, o debate "Economia Brasileira: Conjuntura e Perspectivas", no Hotel Pergamon (Rua Frei Caneca, 70).

Economia Brasileira: Conjuntura e Perspectivas

A crise na economia mundial, que se arrasta desde 2008, teve impactos importantes nos países emergentes, com destaque para a situação do Brasil que vem apresentando aumento nos índices de inflação e queda nas taxas de crescimento.

Problemas estruturais graves, envolvendo a precariedade dos nossos sistemas de saúde e educação, transportes, portos e aeroportos, meio ambiente e uma série de outros fatores que afetam direta ou indiretamente a vida dos brasileiros, estão a exigir uma acurada análise, que coloque em perspectiva as possibilidades de sua superação.

Em São Carlos:

No dia 9 de novembro, às 19h, o debate "Mudar o Brasil: Tarefa dos Democratas" traz o historiador Marco Antonio Villa ao auditório do Centro do Professorado Paulista, de São Carlos, . O CPP-São Carlos está localizado à rua Lúcio Rodrigues, 11, Vila Prado.

Mudar o Brasil: tarefa dos Democratas

Com a lucidez que lhe é peculiar, o sociólogo e historiador Marco Antonio Villa analisa a conjuntura política brasileira de forma crítica e lúcida. Mestre em Sociologia (Universidade de São Paulo, 1989) e doutor em História Social (Universidade de São Paulo, 1993), Villa é professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Um debate imprescindível para quem acredita que é possível mudar esse País.

Renda sobe mas desigualdade ainda impede avanço do Brasil

O Brasil avançou apenas uma posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Nações Unidas. Ajudado por melhorias na saúde, na renda e na expectativa de vida, o país ficou em 84º lugar. Mas a desigualdade elevada e a educação estagnada ainda impedem que o país alcance a elite do mundo, onde estão vizinhos como Argentina, Chile e Cuba. Apesar disso, o Brasil ainda estão em melhor posição que outros emergentes, como China (101º), África do Sul (123º) e Índia (134º). Se for considerada só a desigualdade, o país estaria em 97ª posição

Avanço a passos muito lentos

País sobe uma posição no IDH, para 84º lugar, mas desigualdade impede que Brasil alcance grupo de elite

Fabiana Ribeiro, Henrique Gomes Batista, Martha Beck e Paulo Justus

A saúde foi o principal impulso para que o Brasil subisse um degrau no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2011. O país passou da 85ª para 84ª posição, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Com isso, o indicador que apura o bem-estar das populações passou de 0,715 para 0,718 no Brasil, numa alta de 0,41%, mantendo o país no grupo de desenvolvimento elevado. Mas, o que se nota é que os avanços sociais no país continuam, porém, em ritmo mais lento do que até então. E uma das mazelas que trava as melhorias recai sobre a alta desigualdade brasileira - especialmente a da renda. No ano passado, o Brasil avançara quatro posições, pulando do 77º para a 73º lugar - os números de um ano para o outro mudaram porque mais países entraram no levantamento, agora com 187 nações. A escala do IDH varia de 0 a 1 (quanto mais perto de 1, mais desenvolvimento humano tem o país).

- Somos o 84º em uma lista de 187 países. Éramos o 73º numa lista de 167. Difícil falar em progresso, principalmente com a mudança metodológica de 2010. O que vemos é que os dados absolutos da educação permaneceram os mesmos. Os dados da saúde melhoraram um pouco e o mesmo pode ser dito da renda. Mas o momento que vivemos é de desaceleração do crescimento do IDH - disse Flávio Comim, consultor do Pnud.

O Brasil ainda está atrás de 19 países da América Latina. Dois deles, Chile e Argentina, são classificados como nações do grupo de desenvolvimento muito elevado, na 44ª e 45ª posição, respectivamente. Ainda à frente do Brasil, mas no mesmo patamar de desenvolvimento humano elevado, estão países como Uruguai (48º lugar), Cuba (51º), México (57º), Trinidad e Tobago (62º), Costa Rica (69º), Venezuela (73º) e Peru (90º). O pior país da região ainda é o Haiti, na 158ª posição. A Noruega continua liderando o ranking, com índice 0,943. E, em último lugar, está o Congo (na 187ª posição, com IDH 0,286). Dos 187 países avaliados, 35 conseguiram algum avanço no ranking de 2011.

- Somente 24 países avançaram tanto quanto o Brasil no ranking nos últimos cinco anos - acrescentou Rogério Borges, economista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), destacando que o país conseguiu ganhar cinco posições nesse período.

Para Borges, o indicador de saúde do Brasil (que considera a expectativa de vida da população) teve peso de 40% no IDH, enquanto renda e educação pesaram 30% cada um.

- O avanço da expectativa de vida (que subiu de 73,1 anos em 2010 para 73,5 anos em 2011) tem sido muito importante para o IDH do Brasil. Dos anos 80 até agora, o Brasil ganhou 11 anos a mais na expectativa de vida de sua população. Isso é muito significativo - afirmou Borges, lembrando que os demais indicadores que medem o IDH, educação e renda, também ajudaram o Brasil nos últimos anos.

- O programa Bolsa Família, por exemplo, ajudou a manter mais crianças na escola e a melhorar a renda. Isso também foi importante.

Na educação, o número médio de anos de estudo do brasileiro ficou estacionado em 7,2 anos, o mesmo nível do Zimbábue, país que ocupou o último lugar no desenvolvimento humano em 2010. Este ano, o Zimbábue sobe 11 posições, para o 173º lugar.

- Nossa educação não é a pior do mundo. Mas, nesse ritmo de evolução, o Brasil precisa de 31 anos para alcançar a Noruega (12,6). É uma geração inteira - comentou Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para Comim, a educação é o caminho para se elevar o desenvolvimento social. Em sua análise, contudo, o IDH não avalia a qualidade da educação.

- A educação no Brasil é extremamente desigual, com fortes diferenças entre as escolas públicas e particulares. Isso não cria ambiente de oportunidade. E ainda alimenta as desigualdade. Esse é o grande entrave.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, avaliou como positivo o avanço do Brasil no ranking de IDH. Ele destacou que a elevação do índice se deu, em grande parte, pelos avanços na expectativa de vida da população. Nos últimos anos, o Brasil conseguiu reduzir em 26% a ocorrência de mortes por doenças crônicas e em 40% as mortes por doenças cardiovasculares. Ele explicou que isso se deve a programas como o da Farmácia Popular, que distribui medicamentos para a população de baixa renda.

- O Brasil vem fazendo um esforço importante nas áreas de prevenção e tratamento de doenças que estão elevando a expectativa de vida dos brasileiros - disse o ministro.

Controlar a alimentação, abandonar velhos vícios e se manter ativo foi a fórmula de José Roberto Palmezano, 68 anos, para entrar na terceira idade com saúde. Morador da cidade de São Paulo, o ex-metalúrgico enfrenta uma jornada de cerca de cinco horas de trabalho por dia, percorrendo a pé o caminho entre bancos e cartórios.

- Não aguentei ficar mais de 90 dias sem fazer nada. Comecei a fazer o serviço de banco para a minha filha, que é contadora - diz, acrescentando que usa a receita para manter a casa em que mora a mulher e uma de suas duas filhas.

O Ministério da Educação e o Palácio do Planalto não comentaram a pesquisa.

FONTE: O GLOBO

Governo dobra repasses para os sindicatos

As verbas do imposto sindical repassadas pelo governo às entidades dobraram entre 2008 e 2011. Só este ano, devem chegar a R$ 2 bilhões. Com isso, não param de pipocar novos sindicatos. Quase 10 mil deles já recebem dinheiro

A mina de ouro dos sindicatos

De olho nos R$2 bilhões por ano repassados pelo governo, número de entidades se multiplica

Silvia Amorim

Se o ritmo de arrecadação do imposto sindical registrado nos últimos anos for mantido, em 2012 os recursos recolhidos e repassados pelo governo federal para sustentar as entidades sindicais vão alcançar a marca de R$2 bilhões, consolidando o tributo como a mina de ouro do sindicalismo brasileiro. O volume é quase o dobro do que os sindicatos receberam há quatro anos. Somente entre janeiro e setembro deste ano, sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais já receberam quase R$1,7 bilhão, dinheiro que não passa por qualquer fiscalização de órgãos governamentais.

Só o valor repassado às entidades nesses últimos nove meses é o equivalente a todo o dinheiro transferido pelo governo federal às prefeituras e ao governo do Amapá no mesmo período. É na carona dessa arrecadação bilionária que vem crescendo ano a ano o número de sindicatos no Brasil, contrariando uma tendência mundial de unificações e fusões de entidades. Para se ter uma ideia desse crescimento, de 2008 para cá 782 novos sindicatos entraram na lista da divisão do bolo do imposto sindical, uma média de uma entidade a cada dois dias. Eram 9.077 e hoje são 9.859.

A contribuição sindical é um imposto obrigatório cobrado de todos os trabalhadores com carteira assinada e do setor patronal. A cobrança ocorre uma vez por ano e, no caso dos trabalhadores, corresponde a um dia de salário, descontado diretamente em folha. No caso dos patrões, o valor é uma parcela do capital social da empresa.

Uso do dinheiro nunca é fiscalizado

Para ter direito a uma parte do imposto sindical, basta obter do Ministério do Trabalho o registro sindical e o valor repassado pelo governo leva em conta o tamanho da base de trabalhadores ou de empresas que a entidade representa e não seu número de filiados. De todo o dinheiro arrecadado, 60% fica com os sindicatos, 15% com as federações, 5% com as confederações, 10% com as centrais sindicais e 10% com o Ministério do Trabalho.

- Eu relaciono essa proliferação de sindicatos com o dinheiro da contribuição sindical, e não considero isso saudável porque se está criando uma pluralidade sindical que eu considero perversa - afirmou o professor de Direito do Trabalho da PUC-SP, Renato Rua de Almeida.

- Grande parte desses sindicatos que estão sendo criados não tem capacidade efetiva de representar aqueles que promete representar. Não é criando mais sindicatos que você fortalece o sindicalismo. Pelo contrário, enfraquece. Hoje há em países como a Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos um movimento contrário, de unificação de sindicatos para garantir que eles tenham força para defender quem eles representam - disse o diretor do Centro de Estudo Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp), José Dari Krein.

Basta uma verificação rápida no Diário Oficial da União para identificar o perfil dos sindicatos que estão obtendo registro da pasta do ministro Carlos Lupi. Chama a atenção o número de instituições de servidores públicos de cidades pequenas. Em 19 de maio, de nove registros sindicais concedidos pelo ministério, cinco foram para sindicatos ligados ao funcionalismo, como o Sindicato dos Servidores Públicos de Tanque D"Arca, no interior de Alagoas, ou de Santana do Paraíso, em Minas Gerais.

- Há um entendimento recente de que pode ser recolhido dos servidores públicos o imposto sindical. Eu atribuo a isso esse crescimento substancial de formalizações de sindicatos - disse Krein.

No caso do setor privado, em sua maioria, as novas entidades estão sendo criadas a partir de desmembramentos de sindicatos já existentes. O GLOBO tentou entrar em contato com algumas, mas a falta de informações de endereço e telefone tornam a tarefa quase impossível. Muitos são desconhecidos até mesmo dos trabalhadores da categoria. É o caso do Sindicato dos Arrumadores no Comércio de Trizidela do Vale, no Maranhão, que recebeu o registro sindical em março deste ano. Nem mesmo um sindicato da mesma categoria numa cidade vizinha afirmou ter conhecimento dos dirigentes e do seu funcionamento.

Outra discussão polêmica é a administração dos recursos da contribuição pelo setor sindical. A contabilidade dessas verbas é uma caixa-preta porque, desde a criação do imposto sindical, no anos 1940, o uso desse dinheiro não passa por nenhuma fiscalização de órgãos governamentais por serem os sindicatos instituições de direito privado. O único responsável por analisá-las legalmente é o conselho fiscal das próprias entidades.

Em agosto deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou uma decisão inédita ao determinar ao Ministério do Trabalho que exija do setor sindical transparência no gasto desse dinheiro e uma contabilidade segregada das demais receitas das entidades. A regra começa a valer em 2012. Embora elogiada, especialistas duvidam da eficácia da medida.

- Eu tenho dúvidas se essa fiscalização vai acontecer, porque o TCU não tem condições de avocar para si as prestações de contas de todos os sindicatos. Além disso, há muito corporativismo nesse setor, basta ver que o Lula, quando sancionou a lei que criou as centrais sindicais, vetou um artigo que previa a fiscalização das contas delas - comentou o consultor Fernando Alves de Oliveira, autor de dois livros sobre o sindicalismo brasileiro.

Desde terça-feira da semana passada, o GLOBO pediu ao Ministério do Trabalho uma entrevista sobre o assunto. Mas apenas uma nota técnica foi encaminhada à reportagem explicando a burocracia para a obtenção do registro sindical.

FONTE: O GLOBO

Involuntária vontade:: Dora Kramer

Dizer que a senadora Marta Suplicy "concorda" em desistir da candidatura à Prefeitura de São Paulo é quase uma licença poética.

O anúncio da desistência, previsto para hoje, significa apenas que o ex-presidente Lula por intermédio da presidente Dilma Rousseff deu a Marta a prerrogativa de comunicar a retirada. Espera-se no PT que ela o faça alegando compreender que é o "melhor" para o partido.

A julgar pelo que disse Marta há pouco tempo, não é o que ela pensa de verdade. Em mais de uma ocasião a senadora falou que Lula só continuaria investindo na candidatura de Fernando Haddad se quisesse perder a eleição.

Disse também que Lula podia muito, mas não podia tudo dentro do partido. Não foram exatamente essas as palavras, mas na essência foi isso. Mostrava-se disposta a confrontar o chefe, que, como se vê pela posição da seção paulista do PT e até por declarações da direção nacional, continua podendo tudo e mais um pouco.

Marta Suplicy é hoje a mais bem colocada nas pesquisas de opinião e, na avaliação de gente graúda do principal partido adversário, o PSDB, com chance concreta de vitória.

Não é o que se diz no PT nacional. Ali a avaliação segue a cartilha de Lula: Marta tem alta rejeição, quase perdeu a vaga no Senado para Netinho de Paula e, de mais a mais, alega-se que o partido deve investir em nomes "novos", gente com perfil mais adequado à captura do eleitorado de classes média e alta.

A senadora é boa de periferia, reconhece a cúpula. E, por isso mesmo, fundamental para a campanha de Haddad.

Semanas antes de a presidente Dilma comunicar - segundo a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto num encontro sem maiores solenidades no Aeroporto de Congonhas - a Marta que chegara a hora da retirada, o dilema dos petistas era justamente encontrar uma maneira de fazê-la desistir e, ao mesmo tempo, levá-la a pôr seus préstimos eleitorais a serviço de Haddad.

O momento em que Lula está em tratamento de câncer, alvo da solidariedade geral, pareceu o ideal. Marta vai insistir? Não teria como, até pensando em lances futuros.

A troca da candidatura por um ministério, um ministro com assento entre os conselheiros políticos da presidente acha difícil, não faz o gênero dela. O apoio a uma candidatura ao governo de São Paulo em 2014 bate de frente com o argumento de que o PT precisa investir em nomes novos.

Mas por que não deixá-la ir às prévias? Porque sem a desistência dela os outros pré-candidatos também não desistiriam, o partido se dividiria e Marta Suplicy correria o risco de ganhar.

Contra-ataque. A despeito da pressão da base aliada por liberação do dinheiro de emendas ao Orçamento para votar a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU), o governo não dá à questão a mesma dimensão que teve a CPMF.

Acha que dispõe de argumentos muito mais sensíveis aos ouvidos da população. A DRU dá ao governo autorização para manejar parte do Orçamento como quiser. Portanto, não se trata, como no caso do imposto do cheque, de mexer no bolso do contribuinte.

De onde o palácio, se preciso for, dirá que o Congresso está apostando na paralisação de programas importantes para a população. Os de transferência de renda, por exemplo.

Repare bem. . Exigem ficha limpa de quem denuncia corrupção, mas não se olha o estado da ficha de candidatos a nomeados ou a entidades conveniadas.

. Os petistas alegam que "mensalão" é uma figura de linguagem inventada pela imprensa, mas aceitam a definição quando se trata do campo adversário: mensalão do DEM, mensalão tucano, mensalão mineiro etc.

. O uso de organizações governamentais para desviar dinheiro público nos ministérios explica o fracasso da CPI das ONGs, criada na legislatura passada e enterrada sob o gentil patrocínio da maioria governista.

. A alta abstenção (mais de 26%) do Enem neste ano guarda relação direta com a perda de confiabilidade do exame.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quem avisa amigo é :: Eliane Cantanhêde

Nos anos de bonança e crescimento econômico, o governo socialista de Portugal foi pródigo e camarada, mas não precavido. Quando a bonança e o crescimento começaram a arrefecer, as bondades ficaram e as dívidas passaram a pesar. E como!

O resultado é que os socialistas perderam o poder depois de anos e anos, e os sociais-democratas, mais à direita, estão quebrando a cabeça e abusando da tesoura -principalmente no setor público- para pagar as dívidas e equilibrar as finanças.

Os maiores prejudicados são os funcionários públicos, que, neste ano, perderam 10% dos salários e 50% dos subsídios de férias e de Natal. E em 2012 tem mais: corte total desses dois subsídios. A previsão é de um corte de 14% em média em dois anos. De doer.

Já está convocada uma grande manifestação para o dia 16, enquanto as duas principais centrais sindicais, a comunista e a socialista, articulam uma greve geral para o fim do mês.

O povo vai para a rua e o risco, portanto, é de Portugal repetir a Grécia, ou melhor, os portugueses repetirem os gregos e começarem a botar fogo no circo. É claro que as autoridades não admitem essa hipótese, mas convém ficar de barbas de molho.

É por isso que o jovem e estreante primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do PSD, que assumiu há menos de seis meses, olha de fora o estágio brasileiro e avisa que Portugal já passou por tempos de crescimento, prosperidade e investimento -e se comportou como se fossem eternos. Foi imprudente. E deu no que deu.

Em entrevista à Folha, ele advertiu Dilma (teria mais sentido se tivesse sido antes, para Lula) meio na base do "eu sou você amanhã": "Se o Brasil aumentar a despesa pública além daquilo que puder sustentar no futuro, agora estará bem, mas daqui a dez anos estará mal".

Lembra um pouco a fábula da cigarra e da formiguinha. Ouve quem quer, segue quem tem juízo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Quem puxa o gatilho:: César Felício

A crença na corrupção intrínseca da atividade política é um dos eixos que parece unir a humanidade em todo o planeta. Ela se sustenta em elementos concretos: nos sistemas democráticos, a competição eleitoral pelo poder torna o financiamento das campanhas um problema e nos sistemas autocráticos, cada funcionário público é um senhor feudal a exigir dos servos a corveia.

Protestar nas ruas contra a voracidade dos poderosos, em tese, é um gesto tão eficaz quanto uma passeata contra a maldade, ainda que o repúdio à corrupção por vezes se torne o combustível para mudanças políticas - não necessariamente profundas. O poder de Silvio Berlusconi na Itália pode ser descrito como uma das consequências evidentes da operação "Mãos Limpas" nos anos 90.

Em nenhuma outra parte em 2011 um presidente em seu primeiro ano de mandato demitiu cinco ministros atingidos por denúncias, como ocorreu com Dilma Rousseff, mas o Brasil está longe, muito longe, de ser um país de padrão moral abaixo da média. Medições internacionais sobre a ladroagem não faltam e o Brasil nelas não lidera. O que dá ao país indiscutível destaque é a capacidade desestabilizadora do tema.

A presidente argentina Cristina Kirchner esbraveja contra os "monopólios de mídia" do El Clarín e do La Nación, mas é no Brasil que capa de revista e vídeo em telejornal derrubam autoridades. De resto, sobram na Argentina os mesmos elementos que no Brasil se convertem em escândalo: de um ex-ministro que morou em apartamento alugado por empreiteira a um diretor de ONG que matou os pais com uma barra de ferro e sumiu com dinheiro público para a habitação popular. Tudo devidamente denunciado pela imprensa e no Congresso argentino, com impacto zero.

A última pesquisa sobre percepção de corrupção da Transparência Internacional, disponível na Internet e realizada em 2010, mostrou que a polícia brasileira ficou na vigésima nona posição, com imagem melhor que as de Taiwan e do México, por exemplo. O parlamento brasileiro se situou como o décimo primeiro mais venal, atrás do da Colômbia e o do Peru, entre os países latinos. Os partidos brasileiros ficaram na trigésima posição em relação aos da Grécia.

Também o brasileiro não sobe ao pódio quando se tenta medir a outra ponta da corrupção. Na semana passada, foi divulgada a pesquisa da ONG chilena Latinobarômetro, em que se perguntou a pesquisados de dezoito países se consideram aceitável pagar propinas para obter serviços. Dos pesquisados brasileiros, 23% disseram que sim. A média latinoamericana foi 24%.

Quando atuam no exterior as empresas brasileiras também não são mais corruptoras que a média. Divulgada ontem, a pesquisa da Transparência Internacional sobre o pagamento de propinas ao exterior mostra que, em um índice de um a dez, em que quanto menor a nota maior a disposição do pesquisado em corromper, o empresário do Brasil obteve um grau de 7,7 de honestidade, a décima quarta colocação entre os 28 países pesquisados. O país ficou dois décimos acima da Índia. Na Rússia, última colocada, o grau foi de 6,1. Na Holanda, primeiro lugar, o índice atingiu 8,8.

A pesquisa ouviu cem empresários de cada um dos países e inovou porque seu foco não se limita apenas a registrar o pagamento de subornos a administradores públicos. Também procurou medir a ocorrência de propinas entre ente privados, uma transgressão que somente agora está sendo criminalizada em um ou outro país. No Reino Unido (índice de 8,3 na pesquisa, oitava colocação), por exemplo, a prática tornou-se crime neste ano. Ninguém está totalmente limpo: Alemanha e França, respectivamente a quarta e a décima-primeira colocada nesta pesquisa, são a origem de multinacionais que se tornaram célebres por corromper mandatários nos últimos anos, inclusive no Brasil.

As cabeças cortadas na Esplanada não encontram a sua explicação em alguma vocação inusitada do político brasileiro para o roubo e obviamente também não são produto da eficiência das instituições de controle. A corrupção no Brasil se torna escândalo e motor para mudanças pela disputa dentro do próprio poder. Não foi o Ministério Público ou a oposição, mas operadores de dentro do próprio sistema, como um deputado da base aliada do governo na Assembleia de São Paulo ou um correligionário diretor de ONG, no caso do ministério dos Esportes, que fizeram a máquina girar. "O que dispara o gatilho é a dinâmica de competição política dentro dos governos", observou o cientista político argentino Manuel Balan, da Universidade do Texas, no artigo " A Competição pela Denúncia".

Balán analisou 44 casos de corrupção divulgados na Argentina entre 1989 e 2007. Destes, 33 aconteceram durante o governo de Carlos Menem, na primeira década do período. O pesquisador não se deteve muito nas duas hipóteses óbvias para explicar esta concentração: a de que Menem teria tido um governo mais corrupto do que o de outros presidentes ou a de que os instrumentos de controle teriam sido mais eficazes em sua época. Nenhuma das explicações podia responder porque a ocorrência de escândalos foi maior no começo e no final do período presidencial menemista do que no meio. Balán mostra que a curva de escândalos se superpõe a do enfraquecimento presidencial por divisões internas ou perda de popularidade.

Transpondo o raciocínio para o caso brasileiro, não é possível inferir se o governo de Dilma Rousseff é menos ou mais corrupto que o de seus antecessores ou decidir pelo noticiário qual foi o governador do Distrito Federal mais desonesto, mas pode-se afirmar, com razoável margem de certeza, que as guerras internas se aprofundam.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Brasil anda e fica no mesmo lugar:: Vinicius Torres Freire

Dados sociais do resto do mundo mostram que país não avançou mais que a média na última década

Apenas gente muito casmurra e com espírito de porco dirá que o Brasil não melhorou nos últimos 10, 15 anos. Mas o ranking de desenvolvimento humano da ONU, divulgado ontem, sugere que estamos quase no mesmo lugar, em termos relativos, ao menos desde 2000. Sim, estamos menos pobres e doentes, a desigualdade caiu e a política é a menos selvagem de toda a nossa história. Somos uma gente quase tão ignorante como sempre, mas até tentamos nos matar menos com tiros, carros e doenças primitivas. Tocamos menos fogo nas matas e sujeira na água e no ar.

Porém, segundo o ranking da ONU, apenas voltamos a tomar um assento na segunda classe do bonde da civilização, de onde havíamos descido entre 1980 e 1990.

Nosso lugar no ranking do "Índice de Desenvolvimento Humano" (IDH) é o 84º entre 187 países. O IDH é a média geométrica de renda nacional bruta per capita, expectativa de vida ao nascer e anos de escola.

O IDH é composto de medidas que tendem a variar devagar, talvez menos no caso da renda. A evolução de uma década diz algo melhor sobre nossos progressos. Entre os 47 países de "alto desenvolvimento" (do 48º ao 94º lugar), nossa taxa de melhoria foi um tico abaixo da média entre os anos 2000 e 2011.

Ok, subimos três posições no ranking desde 2006. E daí? Quando o IDH é ajustado para levar em conta a desigualdade, despencamos 13 lugares no ranking de desenvolvimento humano de 2011.

Apesar da falação exagerada sobre redução da injustiça e essa ficção ideológica e mercantil de "nova classe média", o Brasil ainda é líder em desigualdade de renda.

No nosso grupo, os 47 países de "alto desenvolvimento", apenas a Colômbia é mais desigual (quando se compara a renda dos 20% mais ricos com os 20% mais pobres).

No listão da ONU, só nove países são mais selvagens nesse quesito. Pela ordem: Namíbia, Angola, Honduras, Haiti, Colômbia, Bolívia, Botsuana, África do Sul e Lesoto.

Pode-se objetar que os dados aqui devem ser bem menos precisos (e podem ter sido medidos entre 2000 e 2011, a depender de cada país). Ainda assim: apenas nove piores?

Nos rankings de expectativa de vida e de educação ajustados para levar em conta a desigualdade, a situação brasileira é melhor que no caso da renda. De qualquer modo, ficamos na nossa "média": ali pelo meião da distribuição, da tabela. Embora não seja novidade, vale sempre ressaltar a vergonheira que é a nossa média de anos de escola: 7,2 anos. Entre 141 países, superamos apenas 26 (os demais 46 países do ranking são os de "baixo desenvolvimento humano", basicamente África e sul da Ásia miseráveis: não dá para comparar).

Por fim, algumas notas curiosas. A quebradíssima Irlanda tem o 7º melhor IDH do mundo. Os EUA estão em 4º, mas caem para 23º se levada em conta a desigualdade.

A falida Grécia fica em 29º lugar: logo abaixo do Reino Unido, que tem uma das piores médias de anos de estudo do mundo rico: está em 68º lugar no listão da ONU.

Onde está a maior desigualdade de renda dos 47 países de "muito alto desenvolvimento humano"? Pela ordem: Qatar, Argentina (sim, os "hermanos" ainda estão na "elite", com o Chile), Cingapura, Hong Kong e Estados Unidos da América.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Razão, religião e democracia:: Rubem Barboza Filho *

Ao encerrar a introdução a uma nova edição de seu Habits of the Heart, e lamentando o espírito que atormentava os Estados Unidos na era Bush, Robert Bellah escrevia:

Under the conditions of today’s America, we are tempted to ignore Winthrop’s advice, to forget our obligations of solidarity and community, to harden our hearts and look out only for ourselves. In the Hebrew Scriptures God spoke to the children of Israel through the prophet Ezekiel, saying, “I will take out of your flesh the heart of stone and give you a heart of flesh” Ez. 36:26). Can we pray that God do the same for us in America today?

Duvido muito que um cientista social brasileiro seja capaz de se cobrir com as vestes de um profeta para um apelo ao sentimento religioso da sociedade, mesmo com o objetivo de fortalecer nossa democracia. O agnosticismo é uma das marcas de nossa academia, do mesmo modo que a desconfiança em relação ao papel cumprido pela religião em nossa história. Mas antes de discutir o que se passa nestes nossos trópicos, gostaria de explorar, rapidamente, alguns pressupostos que poderiam justificar esta interpelação de Bellah à religião dos norte-americanos, e a sua esperança de encontrar nela um antídoto à era Bush. Imaginemos que ele esteja a mobilizar a religiosidade da sociedade a partir da idéia do overlaping consensus do Liberalismo Político de John Rawls, ou do procedimentalismo habermasiano, com a finalidade de conferir maior densidade à vida democrática norte-americana. Nesta perspectiva neokantiana – ou póskantiana -, a democracia consistiria fundamentalmente em procedimentos para a formação discursiva de vontades e opiniões livres, adotados por cidadãos definidos como seres morais e racionais (ou razoáveis). Ela estaria desprendida de concepções fortes a respeito de um bem, ou seja, estaria desatada de quaisquer configurações éticas e atrelada à aposta ou numa razão moral universal ou na razoabilidade de seres morais concebidos de um ponto de vista universal. Seus procedimentos garantiriam a todos o uso público da razão, em um diálogo cujo resultado seria a elaboração de uma Constituição como o modo legítimo de normatização da sociedade.

A teoria procedimentalista, ou o Liberalismo Político, se vê como o fruto de um aprendizado ontogenético das sociedades pós-tradicionais e pós-seculares, aprendizado que teria engendrado seus próprios fundamentos e sua própria legitimação. No entanto, dado o seu escopo, ela não pode exigir que os participantes da sociedade não estejam comprometidos com concepções morais abrangentes e fortes, de qualquer natureza.

Assim, admite e estimula o fato do pluralismo, mas endereça a estas configurações uma exigência: a de que sejam “razoáveis”, ou seja, que moderem suas ambições éticas para o fortalecimento do próprio pluralismo e dos procedimentos para a formação da vontade livre de cidadãos. Desse modo, as crenças e concepções morais e pré-políticas “razoáveis” seriam ou aceitas ou convocadas como fundamentos culturais externos, adicionais e bem vindos à democracia, dela participando ativamente. Em princípio, seria com esta perspectiva que Habermas participou do conhecido diálogo com Ratzinger.

Bellah poderia estar mirando precisamente o overlaping consensus rawlsiano ao dirigir-se à religiosidade da sociedade norte-americana para a reativação da democracia, tendo em vista o estrago produzido pelos interesses que passaram a ocupar e dirigir a Casa Branca com o bushismo. Contudo, esta não parece ser a real motivação de Bellah, como também não parece ser a posição de Ratzinger no debate já mencionado.

Robert Bellah é dos mais argutos estudiosos do que Tocqueville chamou de “religião civil” dos Estados Unidos, e acaba se reconhecendo como um “comunitarista”, por oposição às teorias procedimentais da democracia. Na angulação do comunitarismo, a democracia não se reduz a um módulo racional e quase abstrato da sociedade, a uma espécie de estação orbital cujo movimento é determinado por seus próprios instrumentos formais e racionais.

Ao contrário, ela só existe como expressão concreta de uma tradição ética e histórica baseada em valores de liberdade, de solidariedade, de tolerância, de vida em comum. Longe de se abastecer instrumentalmente de configurações “pré-políticas”, a democracia seria a expressão política de uma configuração de valores éticos entranhados na experiência de um povo. De fato, Bellah não postula uma atividade reformista e racionalista, de caráter institucional, como resposta à era Bush, mas dirige seu apelo a um povo contaminado por uma desregrada linguagem dos interesses. O que lhe interessa é a re-conversão de um povo aos seus valores originais e identitários – originados do protestantismo e depois laicizados -, sem os quais a democracia se transforma num mero jogo entre interesses e gangues. Por isso anima-se a dar um passo além da condição de cientista, assumindo, ainda que fugazmente, a identidade de um profeta que se vale do imaginário bíblico e religioso que habitaria o fundo da experiência norte-americana.

Na verdade, esta aparente oposição entre comunitaristas e procedimentalistas foi ultimamente suavizada no que se refere às relações entre democracia e religião. Após os atentados de 11 de setembro, dos graves problemas decorrentes da reação européia à migração, sobretudo islâmica, e dos efeitos do processo de globalização, a diferença entre as duas angulações parece ter sido substituída pela percepção do mundo contemporâneo, sobretudo o ocidental, como um mundo pós-secular. Nesta sociedade pós-secular e pós-metafísica, que deixou seus gritos de guerra contra a religião, a razão ocidental seria – ou deveria ser - mais sensível à dinâmica das religiões, dizem os procedimentalistas e humanistas como Habermas. Há algo além ou fora da razão que não pode ser simplesmente descartado, e que deve ser reconhecido como fonte de aprendizado para a vida em comum, para uma democracia verdadeiramente pluralista.

Este movimento, de certa forma, altera a imaginação a respeito do overlaping consensus, estabelecendo uma certa equivalência funcional entre culturas religiosas e procedimentos racionais. Não por acaso Charles Taylor, reconhecido como um dos papas do comunitarismo, já pode lançar mão do mesmo conceito, como faz numa entrevista concedida ao The Utopians, aproximando, não necessariamente os pressupostos teóricos, mas a imaginação prática de comunitaristas e procedimentalistas no que se refere às relações entre fé, razão e democracia. Razão, racionalidade, fé e religião podem ser apreendidas como jogos de linguagem, e não haveria nenhuma razão metafísica para a superioridade de um sobre o outro, apenas a história concreta, as circunstâncias históricas das relações que se estabeleceram e restabeleceram continuamente na narrativa ocidental.

Uma razão bem compreendida, um reino do simbólico que se volta sobre mesmo examinando-se, para usar os termos de Lacan, é substantivamente ou praticamente relativista no plano das configurações éticas ou morais. Por isso passa a depositar sua força e concentrar as expectativas práticas e utópicas do Ocidente nos procedimentos, a exemplo do próprio Habermas, em discordância com Weber. Esta percepção enquadra a dimensão da política como um módulo da sociedade, de acordo com Rawls, destinado à formação livre das vontades de sujeitos morais. Um módulo a conviver com outros, como os subsistemas autopoiéticos do dinheiro e do poder na perspectiva habermasiana, ou com configurações morais e éticas abrangentes. É por esta fresta, concedida pela reflexão da razão sobre si mesma, que se insinua um discurso católico e crítico sobre a modernidade, ou sobre a razão ocidental e moderna, tornando ainda mais complexo o tema das relações entre razão – e seus frutos mais vistosos, como o procedimentalismo ou uma ciência indiferente ao sentido – e religião no Ocidente, com conseqüências globais. A intervenção de Ratzinger no debate com Habermas é exemplar desta complexidade adquirida pelo tema.

Ratzinger mostra-se disposto a aceitar Habermas como o representante da razão ocidental – e de uma vertente humanista e democrática da razão - apresentando-se como o emissário da religião ocidental por excelência, o catolicismo ou o cristianismo de forma geral. Numa leitura superficial, o itinerário seguido por Ratzinger não parece trazer novidades. Destaca a origem comum do cristianismo e da razão ocidental, reconhece a fratura histórica entre ambos e não se furta a denunciar as patologias tanto da razão quanto da religião, construindo assim o ambiente para um debate pós-secular entre razão e religião interessado na construção de modelos de vida boa. E encerra a sua participação lembrando a necessidade de um diálogo intercultural e mundial entre experiências distintas como a chinesa, a indiana, a africana, a dos ameríndios e a ocidental européia. Ratzinger era um cardeal – agora é Papa -, e os cardeais aprenderam muito com os demônios em dois mil anos de história. E talvez por isso devamos rasgar a elegância diplomática de sua intervenção para capturar uma torção que tenta jogar a razão para um canto do tablado. Para ele, cristianismo e “razão” são produtos do Ocidente. Mas nesse diálogo intercultural necessário e urgente, a razão ocidental será uma convidada discreta, sem o protagonismo que ambiciona obter. Esta conversa entre culturas variadas, representadas pelas religiões, só terá êxito, afirma Ratzinger, se recuperarmos “as normas e valores essenciais de alguma forma conhecidos ou pressentidos por todos os homens”. Sem dúvida isso deve ser lido como uma defesa dos direitos humanos, mas é mais do que isso: é uma inflexão que a razão ocidental não pode acompanhar totalmente e que o catolicismo pode reclamar confortavelmente: a afirmação de uma natureza comum a todos os homens, pedra de toque das grandes religiões mundiais. Natureza concebida de forma substantiva, eticamente enraizada, e de onde nasceriam os direitos, imaginação distante da natureza formal dos sujeitos morais esculpidos pela lâmina universalista da razão ocidental. A humanidade não se fará, parece dizer Ratzinger, a não ser pelo reconhecimento mútuo destas configurações éticas do viver, pela “purificação” das religiões e da própria razão, termo de óbvias conotações religiosas.

O que um cardeal poderia dizer a não ser isto, perguntará o leitor inteligente. Lembremos dos demônios como professores excepcionais (Descartes reconhecia isso) que, com sua mera presença, obrigavam os cardeais a uma incessante hermenêutica do mundo. Hermenêutica que agora parece flagrar uma fenda no mundo autônomo e totalizante da razão. Digamos que depois de quatro séculos de luta contra a religião, as patologias da razão, o seu relativismo ético – presente inclusive no comunitarismo – e/ou o seu procedimentalismo abstrato tenham restituído ao catolicismo a condição para a reposição de uma questão milenar que é, afinal, a mesma das religiões e da razão: qual o sentido de viver e morrer? Ironicamente, o exercício sobre si mesma fez com que a razão devolvesse ao catolicismo, e às outras religiões, um território que parecia ter sido perdido quatro séculos atrás: aquele do sentido para o existir humano. A veemência obtusa e histérica de Richard Dawkins não é a resposta adequada a esta reviravolta inesperada, como mostra Terry Eagleton.

Na verdade, a hermenêutica feita por Ratzinger parece congruente com a reflexão de alguns acadêmicos confessadamente católicos, mesmo que não manifestem muita admiração pelo Papa. São estes autores, sem atribuir a eles nenhuma responsabilidade direta pelo pensamento de Ratzinger, que gostaria de explorar, ainda
que rapidamente. Refiro-me a Alasdair MacIntire, com o seu Depois da Virtude, e a Charles Taylor, em A Secular Age. Os dois organizam uma polêmica hermenêutica do mundo moderno a partir do catolicismo, entendido como uma perspectiva generosa do mundo, sem a tentação de justificá-lo como a religião verdadeira. Esse ponto é interessantíssimo, pois envolve uma mistura de crença com a consciência de que, tanto as religiões quanto a razão são invenções humanas para responder à questão do significado da vida. Ou seja, jogos de linguagem. O que leva à indagação de qual é a melhor invenção e de como explicar a fé.

Em Depois da virtude, MacIntire não faz uma defesa explícita da religião em geral ou do catolicismo em particular. Mas é a estrutura de seu argumento é que nos interessa aqui. Para ele, o ocidente tornou-se, a partir do início da modernidade, incapaz de produzir juízos morais, entregando-se ao “emotivismo” como se estivesse construindo as bases para a liberdade humana. O emotivismo é uma doutrina para a qual todos os juízos normativos, incluindo os juízos morais, não passam de expressões de preferência, expressões emocionais ou afetivas, na medida em que são de caráter moral ou normativo. Todas as variadas doutrinas emotivistas reconhecem a impossibilidade de padrões morais objetivos, o que acaba por significar a inexistência de justificativas finais para a ação moral. Resulta disso o caráter interminável, arbitrário e fracassado do debate moral ocidental e moderno, que se alimenta na verdade de fragmentos esparsos herdados de uma visão anterior, que tem no aristotelismo a sua formulação paradigmática. A ética aristotélica é teleológica e funcional, afirma MacIntyre. Ela supõe, em primeiro lugar, uma diferença entre o homem tal como ele é e o homem como poderia ser se descobrisse a sua natureza essencial e o seu télos. A ética quer, precisamente, capacitar o homem para esta transição, educando nossos desejos e emoções através de uma razão prática para uma vida virtuosa. Este esquema é aumentado com as crenças teístas, cristãs como as de Tomás de Aquino, judaicas como as de Maimônides, islâmicas como as Ibn Roschd. Por outro lado, além de teleológica, a ética aristotélica seria funcional, e nasce da pergunta sobre o que o bem para o homem, concebido apenas no interior de uma trama de relações que constituem a comunidade.

Para Aristóteles, explica MacIntyre, o bem é a eudamonia, cuja difícil tradução pode ser feita como o estado de estar bem e de fazer o bem ao estar bem. As virtudes seriam as qualidades que permitiriam aos homens alcançar este bem, mas não podem ser encaradas como um meio. O que constitui o bem para os homens é uma vida completa, vivida da melhor forma possível, e o exercício das virtudes é uma parte necessária e fundamental dessa vida, não se reduzindo a um exercício preparatório para a obtenção da felicidade. Por outro lado, agir virtuosamente não é agir contra nossas inclinações: é agir com base na inclinação formada pelo cultivo das virtudes. O que é bom, portanto, exige a capacidade de discernimento, própria da razão prática, para além da mera obediência às normas e ao direito, cuja existência necessária não cobra a sua separação do reino da moralidade. Assim, uma concepção do bem, e do homem voltado para o bem, na sua função social específica, ofereceria à ética aristotélica a condição de se pronunciar substantivamente sobre um ato ou vontade humana do mesmo modo que uma proposição factual, organizando um ponto de vista objetivo sobre nossas ações morais.

Ao afastar o aristotelismo de seu horizonte, pela adoção das variadas versões do emotivismo e suas seqüelas burocráticas e individualistas, o Ocidente sofreu uma enorme perda. Tornou-se weberiano, atravessado pelo “politeísmo de valores”, dependurado em normas pretensamente morais, como o imperativo kantiano, ou em um sistema jurídico-formal, e com o fantasma de Nietzsche a assombrá-lo. E elegeu suas máscaras: a do esteta rico – à la Simmel -, a do terapeuta e a do administrador (entre os quais se situam os economistas e os sociólogos). Nenhum destes personagens é capaz de realizar um debate moral. Os conflitos, sejam entre indivíduos ou interiores a ele, são sempre uma confrontação entre uma arbitrariedade contingente e outra, e esta perda da capacidade de discriminação moral foi, equivocadamente, celebrada como progresso e acréscimo de liberdade. Ao alcançar a soberania em seu próprio domínio, o indivíduo perdeu seus limites tradicionais proporcionados por uma identidade social e uma visão da vida humana marcada por um fim determinado, teísta ou não. Diante desse diagnóstico, cabe a pergunta: podemos ainda conceber a vida humana como uma unidade, as virtudes como capacitadoras para um fim? MacIntire acredita que sim, pela restauração do aristotelismo em formas locais de comunidade, ao modo das cidades italianas da Renascença. Mas avisa que isto é uma espécie de fé.

Não tenho a intenção de fazer justiça a MacIntyre e ao seu livro. Meu interesse é o de ressaltar a estrutura de seu argumento, que tenta capturar o emotivismo moderno jogando-o contra mais de um milênio de história e contra um fundo comum às religiões e culturas próprias ou mais próximas do ocidente. E, de certo modo, descrevendo-o como um processo contingente, não necessário, como um acidente no interior de toda a história da humanidade, que nos obriga no presente a retornar a uma fonte esquecida de significado. Coerentemente, isto só poderia ter sucesso pela negação das estruturas burocráticas modernas, do individualismo que lhes é afim, em comunidades locais que restituam aos homens a condição de seres sociais, mesmo em meio a um processo de globalização. Embora a solução de MacIntyre não seja a mesma de Ratzinger, a estrutura do argumento é semelhante, na medida em que implica em mobilizar um ponto de partida anterior para a hipótese da modernidade como uma perda. Este projeto de investigação ressurge ampliado e balanceado em Charles Taylor, com o seu A Secular Age. Se não tive a intenção de fazer justiça a MacIntyre, o mesmo digo, e com mais razão, em relação a Taylor. Um crítico já assinalou que, com cerca de oitocentas páginas, A Secular Age parece um mapa do mundo do tamanho do mundo. Daí a dificuldade de sintetizá-lo.

A questão básica que Taylor se coloca é a seguinte: “The change I want to define and trace is one which takes us from a society in which it was virtually impossible not to believe in God, to one in which faith, even for the staunchest believer, is one human possibility among others”. Taylor recusa as teorias tradicionais da secularização, com origens weberianas, que acabam por supor a existência, no Ocidente, de um processo retilíneo e crescente de desencantamento do mundo e racionalização da vida, libertando as várias dimensões públicas da vida social do império das religiões. Como se a parte norte do Ocidente estivesse sofrendo um contínuo processo de amadurecimento, livrando-se das crendices do passado, iluminada pela razão e seus frutos. Além de insuficiente, esta versão do processo seria apenas uma das três possíveis encontradas por Taylor. Vinculada à primeira, a segunda estaria fundada na hipótese da diminuição progressiva dos crentes, mesmo em sociedades que mantivessem vestígios de referência pública a Deus. E, finalmente, a terceira e mais complexa, com a atenção voltada para as condições das crenças, tenta desvendar o caminho histórico seguido pelo Ocidente para a passagem de uma sociedade em que a crença em Deus não era ou não podia ser desafiada para uma sociedade em que esta é apenas uma opção entre outras, e não a mais fácil de abraçar. Esta última é a perspectiva com a qual trabalha para um cuidadoso olhar sobre os cinco últimos séculos vividos pelo norte do Ocidente. As duas primeiras perspectivas seriam extremamente restritas e duvidosas, para ele. Em primeiro lugar, porque o desenvolvimento da ciência no ocidente, pelo menos nos três primeiros séculos da modernidade, não resultou na incompatibilidade com a crença em Deus.

Mais ainda, como no Deísmo, derivou precisamente da crença em Deus. Por outro lado, o número de crentes pode ter diminuído se consideradas as vertentes católica e protestante, mas nada indica que o número de pessoas com – ou em busca de - experiências religiosas, dos mais variados tipos, tenha diminuído no Ocidente. E aqui entramos no cerne de sua visão panorâmica e detalhada do caminho percorrido pelo Ocidente. Tentando desesperadamente resumir a sua perspectiva, a secularização não pode ser entendida como uma marcha progressiva e sagital. Ao contrário, ela é feita por rupturas e novos recomeços. Como bom hegeliano, Taylor está atento ao caráter dialético e, de certo modo ascendente, da secularização. Os antecedentes deste processo podem ser encontrados ainda na Idade Média, na atuação de elites – religiosas ou não – interessadas numa crescente individuação da fé, em detrimento das formas rituais e públicas da religiosidade do cristianismo. Este movimento adquire uma força contagiante na Reforma Protestante, escapando de seus limites elitistas. A Reforma Protestante constitui, para Taylor, um passo decisivo para a criação do que ele chama de “humanismo exclusivo”, próprio da secularização, que propicia o aparecimento do Deísmo, da ética da benevolência e da concepção da sociedade como uma ordem impessoal. A base antropológica deste caminho seria a construção de um buffered self, por oposição ao self poroso do cristianismo medieval, aberto à experiência do transcendente. Mas esta sociedade da impessoalidade, da rotina, do homem comum e da vida comum, logo provoca a reação crítica em nome da “plenitude” da vida, como no Romantismo, ou no tipo de pensamento de Nietzsche, em busca de algo heróico diante da ausência de sentido substancial para a vida. Este tipo de reação não necessita do transcendente, desdobrando-se no interior do “immanent frame” constitutivo da secularização. A estrutura do argumento de Taylor repete a dinâmica percebida por Norbert Elias, que vê o processo civilizatório ocidental como a disseminação de comportamentos e práticas adotados inicialmente por elites ou aristocracias. Os efeitos “Nova” – termo retirado da Física – e “Super-Nova” ocorrem precisamente quando, no interior do “immanent frame”, multiplicam-se as possibilidades competitivas de concepções de vida boa entre as elites e altera-se decisivamente o “imaginário social” da população européia, em especial no século XIX.

E nesse momento se materializa com clareza o que ele chama de secularização um – o avanço da ciência e da técnica sobre as crenças teístas tradicionais, uma nova concepção do tempo e do espaço – e a secularização dois, a diminuição do número de crentes e a generalização de uma atitude, ou de incredulidade ou de indiferença religiosa. O desenvolvimento deste “immanent frame” muda inteiramente as condições para os crentes. Se no mundo medieval prevalecia uma crença naif em Deus, agora as circunstâncias da secularização a reclamam como uma crença reflexiva, como uma opção entre outras de plenitude. Reflexividade que também aumenta as possibilidades de experiência, ou do transcendente ou de um sentido além da vida, tornando mais complexa e variada a vida religiosa dos europeus e norte-americanos. A “era das mobilizações” e a “era da autenticidade” ampliam as possibilidades nos dois campos, dos crentes e não crentes, acentua Taylor, tratando dos tempos mais recentes. E com referência ao campo religioso, assinala novas alternativas que parecem se despedir daquilo que conhecemos como história cristã e ocidental.

Este pálido resumo do complexo panorama desenhado por Taylor é suficiente, no momento e para os propósitos deste texto. Mas algumas observações merecem ser feitas. Taylor não deseja tratar a crença e a descrença como perspectivas competidoras, envolvidas num jogo de soma-zero, mas como diferentes formas de entender a vida e de diferentes formas de responder às nossas perguntas e desafios práticos. Assim, o panorama atual do norte do Ocidente seria composto por esta pluralidade interna dos dois campos – dos crentes e não-crentes – e atravessado por pressões cruzadas e dilemas nascidos de questões como o aborto, a eutanásia, a clonagem humana, a exploração de embriões, que afetam as pessoas tanto quanto o casamento entre homossexuais, a proximidade de outras culturas trazidas pela migração e assim por diante. Pluralidade e dilemas que tendem a enfraquecer a força de todas as opções. Taylor sem dúvida reconhece os ganhos da história moderna do Ocidente, como os direitos humanos, o respeito maior à pessoa, a capacidade técnica e científica de controle da natureza, o desenvolvimento material, e não demonstra nenhuma tolerância para com as atitudes reacionárias do Catolicismo, a exemplo daquelas de Pio IX. Mas, ao final, mesmo com esta percepção balanceada dos ganhos e perdas do Ocidente, não hesita em retomar o ponto de MacIntyre: tudo isso foi um grande “desvio” de um ponto original, uma torção histórica que opôs razão e fé de forma contingente e desnecessária. O retorno a esta origem não equivale, para Taylor, a uma volta ao mundo medieval, mas à noção de ágape, ou seja, o amor de Deus por cada um de nós e que podemos compartilhar com os outros. De um ponto de vista prático, isso pode parecer frustrante. Na entrevista a The Utopians, Taylor é mais claro. Retoma a idéia de “ecumenismo” do Vaticano II para a convivência de culturas e religiões – tema a respeito do qual o Papa não sabe o que dizer, acrescenta – e sugere que, diante deste panorama de pluralidade, a esquerda ocidental deveria se orientar pelo fortalecimento do republicanismo, reativando a experiência do humanismo cívico, ponto que o aproxima mais uma vez de MacIntyre.

O livro de Taylor é uma fundamentação exaustiva de um pensamento póssecular. Mas feito de um ponto de vista católico, não-protestante e não-weberiano. O protestantismo representa um afastamento da origem que Taylor quer recuperar, um passo do grande “desvio” moderno e ocidental, e a sociologia de tipo weberiana – em especial a sua versão da secularização – é a manifestação mais clara de uma teoria unthought, ou seja, uma teoria na qual a imaginação teorética é determinada por um determinado esquema de crenças e valores de um investigador subsumido ao immanent frame. Estas duas fontes reflexivas não teriam a mesma capacidade de produzir uma percepção genealógica – mas não foucaultiana e simplesmente desmistificadora – da complexa narrativa do Ocidente moderno, precisamente por se constituírem em episódios e manifestações do processo de secularização. O Catolicismo, obviamente não na sua forma institucional e canônica, seria capaz de propiciar este ponto de vista mais universalista para uma avaliação do Ocidente moderno, dado seu parentesco com as outras religiões mundiais, antigas ou não, dadas a sua anterioridade e relativa externalidade à secularização, e porque hoje dispõe de um aparato também racional – sem abrir mão da fé e da teologia do amor – para um diagnóstico do Ocidente.

Surpreendentemente, o apoio a este tipo de vertente reflexiva católica vem de um marxista, Terry Eagleton, que, por razões biográficas e/ou teórico-práticas, celebra a afinidade entre a teologia fundante do Cristianismo e as aspirações de Marx e de um socialismo mais aberto. Na verdade, a preocupação de Eagleton é a de contrabalançar os efeitos do ceticismo pós-modernista, encontrando nos aspectos revolucionários originais do cristianismo e do marxismo um meio de reconstruir uma ética transformadora.

Em O debate sobre Deus, Eagleton investe contra o exército dos Novos Ateus, representados por Richard Dawkins e Christopher Hitchens. O curto prefácio com que inicia seu livro já é absolutamente revelador. É tão verdade que a religião tem provocado um terrível sofrimento à humanidade – afirmação com a qual ele concorda - quanto a redução das escrituras judaicas e cristãs a uma caricatura, de forma especial o Novo Testamento. Contra esta indolência intelectual, Eagleton não convida ninguém a tornar-se um crente ou a conhecer melhor um oponente, mas a descobrir, no cristianismo, os “... insights valiosos quanto à emancipação humana, numa época em que a esquerda política carece seriamente de boas idéias... Se tento “ventriloquizar” o que considero uma versão do evangelho cristão importante para radicais e humanistas, não desejo ser confundido com um idiota. Mas as escrituras judaicas e cristãs têm muito a dizer sobre algumas questões vitais – morte, sofrimento, amor, autodespojamento e congêneres – a respeito das quais a esquerda, boa parte do tempo, tem se mantido em silêncio. Está na hora de por fim a esta timidez politicamente incapacitante”.

Em outro livro, O problema dos desconhecidos. Um estudo da ética, Eagleton retoma e desenvolve a mesma inspiração. Escolhe, para reunir e distinguir as grandes famílias morais do Ocidente, a trindade lacaniana do Imaginário, do Simbólico e do Real. Cada uma destas dimensões produziria um tipo de ética ou moral: a ética da benevolência, como em Adam Smith, a moral hiper-racional ao estilo kantiano, e a ética do Real, epresentada por Levinas, Derrida, Badiou e Zizek. Eagleton assinala os limites de cada uma destas vertentes, reclamando a necessidade de um retorno à tradição judaico-cristã, antes de sua institucionalização em Igreja, e ao marxismo de antes do stalinismo, formas de traição do significado político e libertário que ambos abrigavam em sua origem. Não há aqui como discutir detalhadamente o que a prosa sarcástica de Eagleton nos oferece, mas vale ressaltar o que ele julga ser aquilo que associa as vertentes originais do cristianismo e do marxismo, e que as torna superiores às outras éticas fundadas no imaginário, no simbólico e no real: “A fé cristã, como a entendo, não é primariamente uma questão de avalizar o postulado da existência de um Ser Supremo, mas o tipo de compromisso manifestado por um ser humano no final de seus limites, de seus tropeços na escuridão, na dor e na confusão, que mesmo assim permanece fiel à promessa de um amor transformador”.

MacIntyre e Taylor assinariam embaixo, com reservas em relação à crença em um Ser Supremo. De toda forma, é pelo aristotelismo que também Eagleton uma idéia de ética destinada a esclarecer o que é o bem para os homens, insistindo no tema do ágape cristão como o fundamento desta ética do amor transformador. É claro que Eagleton não é unanimidade, até mesmo pelo sarcasmo e pela audácia em misturar coisas que a academia tende a manter separadas. Mas é certamente o exemplo de um possível debate entre razão, ciência e religião, buscando a constituição de uma ética nos termos aristotélicos, ou seja, numa perspectiva universalista semelhante a de Taylor e MacIntyre.

Não pretendo discutir a possível superioridade desta sobre outras. Mas talvez a recuperação desta vertente possa dar origem a uma provocação final. O fenômeno religioso mais evidente hoje no Brasil é o aparecimento e a disseminação do pentecostalismo entre os setores mais pobres da sociedade brasileira. Creio que este fenômeno, e o modo específico de institucionalização das ciências sociais entre nós, encontram suas raízes no modo como a modernização brasileira separou razão e religião. Para a academia, um módulo inconscientemente protestante e dominantemente weberiano incrustado numa larga tradição católica e tomista – como nos ensinou Morse -, a religião sempre apareceu como obstáculo à ocidentalização do Brasil. Em especial o tipo de catolicismo próprio dos três primeiros séculos de história, definido normalmente como uma obtusa materialização da contra-reforma tridentina. Mas na verdade, foi esta linguagem religiosa e católica destes séculos iniciais que se ofereceu como o território para a conformação de uma sociedade que, apesar do latifúndio, da escravidão, da violência, detinha um grande poder de incorporação e uma dinâmica potencialmente democrática.

Esta origem efetiva da sociedade brasileira foi abandonada, tanto pelas nossas elites intelectuais e políticas, quanto pelas elites religiosas. A hierarquia católica, ao final do Império, decidiu, por inspiração papal, acabar com o tipo de catolicismo existente, e que já havia se firmado como a base da sociabilidade brasileira. E mesmo Dom Pedro mandando para a prisão dois bispos insanos, este processo continuou, e criou uma fenda entre as exigências religiosas da elite e a vida religiosa popular. O resultado, depois de um século, é precisamente o pentecostalismo. Por outro lado, as elites intelectuais e políticas brasileiras passaram a imaginar a nossa modernização como uma obra de aniquilamento de nossa origem efetiva, e com isso deram vazão aos vários projetos de modernização por cima da sociedade brasileira, a maioria demofóbicos. As elites intelectuais, e posteriormente a própria academia, sustentaram de algum modo a natureza destes projetos modernizantes e demofóbicos, precisamente pela adoção de uma perspectiva de tipo weberiana, pronta a celebrar as vantagens democráticas e progressistas da Reforma Protestante e a deplorar a sua ausência entre nós, perversamente contaminados pelo catolicismo da contra-reforma. Na sua ausência, seria precisamente as ciências sociais, aí incluída a economia, que deveriam se colocar como as substitutas iluminadas de uma religião atrasada, própria de um povo analfabeto.

Se a vertente reflexiva que apresentei pode ter uma conseqüência, é a de nos livrar deste aparente imperativo de condenação de uma religiosidade original da população brasileira. E com isso abrir as portas para uma compreensão mais generosa dos sonhos que habitam este imaginário. O pentecostalismo hoje presente no Brasil não é herdeiro desta tradição, a não ser que ele seja convencido de que pode ser. Ele pouco tem a ver com a constituição de uma sociedade capaz de compartilhar, na sua pluralidade, uma ética transformadora. É eficaz para o pretende, mas o que pretende não parece eficaz para um possível overlaping consensus em torno de uma democracia viva no Brasil. Não estou simplesmente repetindo a atitude de distância iluminista da academia em relação às experiências religiosas do povo. Meu ponto é simples: se abandonarmos a distância que guardamos em relação às religiões, encarando-as apenas como objetos de estudo, estaremos também superando a idéia de uma academia autopoiética, e nos tornando interlocutores legítimos para persuadir as crenças e religiões presentes em nossa realidade que temos um desafio em comum: a construção e a consolidação de uma democracia. E que sobre isto temos coisas a dizer a elas, do mesmo modo que temos coisas a ouvir delas.

* Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

FONTE: BOLETIM CEDES – OUTUBRO/DEZEMBRO 2011

Saudades:: Graziela Melo

Saudades
dos pássaros...
é que vou
sentir!!!

quando
deste
mundo,
solitária,
me for...

da flores,
dos amigos
e,
até mesmo
das dores...

das emoções
mais sutís!!!

Parada,
pálida,
fria
e inerte,

incapaz
de qualquer
ação...

debaixo
daqueles tais
palmos
de terra,

estarei
distante
das maudades
das guerras

de homens
sem compaixão!

Enquanto
se desmancha
meu corpo,

no frio
e na solidão!!!

Rio de janeiro, 19/02/2011