terça-feira, 15 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA - Paul Kennedy: rios diferentes

A queda no valor do dólar, a desintegração dos sonhos europeus, a corrida armamentista na Ásia e a paralisia da ONU são indicadores de mudanças

Pela definição do dicionário, divisor de águas é uma linha imaginária que separa rios diferentes. A expressão também pode ser usada para descrever um fenômeno histórico e político. Um marco, um momento transcendental, o instante em que as atividades e circunstâncias humanas atravessam a linha divisória que separa diferentes eras.

Quando isso ocorre, poucas pessoas percebem que entraram em um novo tempo. A não ser, é claro, que o mundo esteja saindo de uma guerra catastrófica, como as napoleônicas ou a 2ª. Guerra.

Transformações históricas tão bruscas não são o objeto desse artigo. O que nos interessa é o lento acúmulo de forças modificadoras, na maior parte invisíveis, quase sempre imprevisíveis, que cedo ou tarde acabam transformando uma época em uma outra bem distinta.

Paul Kennedy é professor de História e Diretor de Estudos de Segurança Internacional na Universidade Yale. Entramos em uma nova era? O Estado de S. Paulo, 12/11/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Rocinha terá obras de R$ 756 milhões até 2014
Convênios longe da transparência

FOLHA DE S. PAULO
Ministro aprovou 7 sindicatos fantasmas
Secretário quer traficante em delação premiada no RJ
'Palavra de um governador já é prova', diz Agnelo

O ESTADO DE S. PAULO
Dono de ONG diz que viajou com ministro do Trabalho em 2009
Partido de Merkel dá 1º passo para permitir que países abandonem euro
Queda de juros no BB reforça medidas para estimular economia
Mercado pressiona e pede alto por papéis de Itália e Espanha
Nem pode ter benefício em troca de dados de policiais
Aldo faz "faxina" parcial no Esporte


CORREIO BRAZILIENSE
Fifa ignora Procon e faz venda casada
União gay garante visto a estrangeiro
Presidente de ONG diz que voou com Lupi

ESTADO DE MINAS
Copa 2014: Fifa ignora o Brasil e já vende pacotes

ZERO HORA (RS)
Cada adolescente infrator custa por mês R$ 9,4 mil ao RS

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Hoje é dia de protestos contra a corrupção

Convênios longe da transparência

Três anos depois de sua criação, ainda é precário o funcionamento do sistema de informações que permitiria ao público fiscalizar convênios entre a União e as ONGs. Os dados são incompletos, e o acesso é difícil, admite o controlador da União, Jorge Hage.

Transparência em falta

Sistema de acompanhamento em tempo real de convênios com ONGs não funciona

Roberto Maltchik

O governo patina há três anos para implementar o sistema que, de acordo com decreto assinado pelo ex-presidente Lula em 2008, deveria oferecer ao público condições de acompanhar em tempo real o detalhamento e a prestação de contas de convênios firmados entre a União e entidades privadas sem fins lucrativos. Até hoje, o Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv) não atingiu suas funcionalidades e é acessível apenas a quem está familiarizado com suas ferramentas. Os problemas do Siconv já provocam até mesmo disputa entre a Controladoria Geral da União (CGU) e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), vinculado ao Ministério da Fazenda.

Confrontado com as deficiências do Siconv, o controlador-geral da União, Jorge Hage, admitiu que a torneira dos desvios em convênios só poderá ser fechada depois que o sistema estiver integralmente operacional.

- Era um sistema eletrônico dentro do qual passariam a ser feitas todas as etapas de atividades de convênios. Desde a apresentação da proposta até a prestação de contas. Tudo on-line. Facilitaria enormemente. Essa era a ideia. Acontece que esse sistema até hoje não pôde ser implementado. Vários módulos estão faltando, inclusive o módulo que permitiria fazer o chamamento público (das entidades) de uma forma-padrão. E não da forma que cada ministério faz, ou não faz - disse Hage, em entrevista ao GLOBO.

O ministro reconhece que até agora o governo não informou ao Serpro, responsável pela implementação e manutenção do sistema, que o Siconv é prioritário. Hage, entretanto, anunciou que a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, já decidiu que o Portal de Convênios, cujo coração é o Siconv, entrou na lista de urgências do Planalto. Mas não arriscou marcar uma data para que o sistema opere plenamente.

- Não temos prazo definido. Espero que esteja pronto no primeiro semestre do ano que vem, mas, por ora, não posso quantificar nada porque está prevista uma reunião com a ministra Gleisi (para tratar do tema) brevemente. E, agora, nós estamos contando com a priorização, garantida pela chefe da Casa Civil - explicou.

Repasses, só com tudo regular

Depois que o Siconv estiver operando como foi previsto em 2008, o governo deverá lançar a Ordem Bancária de Transferências Voluntárias (OBTV), que vinculará os pagamentos às entidades ao cumprimento das exigências legais. Ou seja, se determinada organização não tiver cumprido adequadamente o processo de qualificação, escolha ou de prestação de contas, o próprio sistema se encarregará de bloquear os repasses.

- Todo pagamento vai ser feito através desse sistema. Qual é a grande importância disso? É que na ordem bancária se terá a síntese de todas as etapas anteriores. Desde o chamamento público até a aprovação da proposta. Tudo isso será pré-requisito. O Siafi (sistema de pagamentos) não vai pagar quem não tiver cumprido todo esse procedimento - disse Hage.

O chamamento público, aliás, é uma das deficiências do processo de escolha das ONGs que recebem dinheiro público. Só no último dia 16 de setembro, por decreto assinado pela presidente Dilma, todos os ministérios ficaram obrigados a produzir consultas ou seleções públicas para escolher as ONGs. Até então, essa modalidade era "preferencial".

O Serpro, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que a implementação do Siconv respeita "integralmente" os prazos estabelecidos pelo Ministério do Planejamento.

FONTE: O GLOBO

Ministro aprovou 7 sindicatos fantasmas

Lupi deu registro a entidades que representam indústrias inexistentes

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), concedeu registro a sete sindicatos patronais no Amapá para representar setores da indústria que não existem no Estado. Os certificados saíram a pedido do deputado Bala Rocha (PDT-AP), que afirma ter se valido da proximidade partidária com Lupi.


Nenhum dos presidentes dos sindicatos é industrial. Eles são motoristas de uma cooperativa controlada por um aliado de Rocha.

As entidades, sem estrutura montada, têm direito a receber imposto sindical.

O ministério foi avisado pela Federação das Indústrias do Estado do Amapá de que esses sindicatos não tinham a quem representar.

Mas a pasta alegou que “não cabe ao ministério apurar se os integrantes da entidade possuem indústria no ramo ao qual pretendem representar”. O Ministério do Trabalho nega ter cometido irregularidades.

Ministro ajudou aliado a criar sindicatos-fantasmas

Deputado obteve registro para entidades patronais sem representação no Amapá

Lupi assinou sete certificados dados a associações e afirma ter apenas seguido procedimentos legais

Andreza Matais e José Ernesto Credendio

BRASÍLIA - O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, concedeu registro a sete sindicatos patronais no Amapá para representar setores da indústria que, segundo o próprio governo local, não existem no Estado.

Os certificados saíram a pedido do deputado Bala Rocha (PDT-AP), dirigente do partido de Lupi, que afirma ter se valido da proximidade partidária com o ministro.

Nenhum dos presidentes desses sindicatos é industrial. São motoristas de uma cooperativa de veículos controlada por um aliado de Rocha. Os sindicatos têm registros em endereços nos quais não há estrutura montada.

As certidões foram dadas pelo ministério em abril e agosto de 2009 e levam a assinatura de Lupi, ao lado da inscrição "certifico e dou fé", e do então secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antonio de Medeiros.

O ministério foi avisado por ofício pela Federação das Indústrias do Estado do Amapá, em fevereiro de 2009, de que esses sindicatos não tinham representação.

Como resposta, a pasta alegou que "não cabe ao ministério apurar se os integrantes da entidade possuem indústria no ramo ao qual pretendem representar" e que apenas sindicatos poderiam fazer esses questionamentos.

Em agosto deste ano, o deputado Vinícius Gurgel (PRTB-AP) enviou ofício ao gabinete de Lupi reiterando as suspeitas de irregularidades.

Entre os sindicatos criados está o das Indústrias da Construção e Reparação Naval.

A produção de navios no Estado é zero, segundo o secretário de Indústria do Amapá, José Reinaldo.

Assim como não há indústria de papel e celulose, segmento que também ganhou carta sindical de Lupi. "No Amapá a gente apenas produz matéria-prima para fabricar papel", disse o secretário.

Hoje, afirma, o setor público domina a economia do Estado. Em 2009, segundo o IBGE, havia 145 empresas da indústria, com 4.000 empregos. "A criação de tantos sindicatos só se explica pelo cunho político", afirmou.

O reconhecimento do ministério daria aos sete sindicatos força para disputar o controle da Federação das Indústrias do Amapá, que tem orçamento anual superior a R$ 10 milhões e controla verbas do Sistema S (Sesi, Senai).

A federação é dirigida hoje pelo PR. Quem escolhe o presidente são os dirigentes dos sindicatos, por maioria.

Os sindicatos também têm o direito de recolher o imposto sindical pago por empresas que se filiarem a eles. A Caixa Econômica Federal, responsável por dividir o imposto, disse que o valor dos repasses é sigiloso.

Os presidentes dos sindicatos do Amapá têm em comum o fato de serem de uma cooperativa de motoristas ligada a um político do PTB, aliado ao PDT no Estado.

A maioria dos supostos industriais declarou à cooperativa ser motorista. As indústrias das quais dizem ser donos existem apenas no papel.

Três delas, de construção e reparação naval, papel e celulose e de bebidas não alcoólicas, são do mesmo endereço, uma casa num bairro simples de Macapá.

Para abrir um sindicato patronal, é necessário filiar ao menos três empresas com dois anos de atividade. O organizador da nova entidade também precisa ser dono de empresa do setor.

No caso do presidente do Sindicato de Joalheria e Ourivesaria, Rosiney Ribeiro da Silva, ele tem em seu nome um comércio atacadista de café registrado num endereço onde há uma casa.

O da indústria de mármores tem como endereço a cooperativa. O da indústria da pesca é registrado na casa do presidente do sindicato de material plástico.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

'Palavra de um governador já é prova', diz Agnelo

Ao ser questionado sobre a existência de provas de que o dinheiro que recebeu de um lobista era pagamento de um empréstimo, o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), disse: "Palavra de um governador de Estado já é, por si, uma prova".

Ele recebeu R$ 5.000 quando era diretor da Anvisa, em 2008.

"Palavra de governador é prova", diz Agnelo

Petista afirma que não precisa provar que dinheiro recebido de lobista era apenas a devolução de empréstimo

No dia que R$ 5.000 foram depositados em sua conta pessoal, Agnelo liberou empresa para participar de licitação

Filipe Coutinho

BRASÍLIA - O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), se negou a apresentar provas de que o depósito de R$ 5.000 feito por um lobista em sua conta bancária era apenas o pagamento de um empréstimo feito em caráter pessoal.

Ao ser questionado sobre o tema, o petista afirmou, via assessoria, que a "palavra de um governador de Estado já é, por si, uma prova".

Agnelo era diretor da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) quando, no dia 25 de janeiro de 2008, recebeu em sua conta pessoal um depósito de R$ 5.000 feito por Daniel Tavares, que trabalhava como lobista para a farmacêutica União Química.

Conforme a Folha revelou, Agnelo liberou no mesmo dia certificado para que a empresa pudesse participar de licitações. A Anvisa abriu investigação sobre o caso. A farmacêutica nega irregularidades.

Na segunda-feira da semana passada, Agnelo afirmou que o depósito foi a devolução de um empréstimo feito ao lobista. Ele disse que deu o montante em espécie, "em caráter pessoal, sem documento ou contrato".

Na quarta-feira, o petista afirmou que poderia provar que emprestou o dinheiro.

A Folha questionou quais eram as provas, mas ele não respondeu. Depois, por meio de assessoria, voltou à primeira versão. "O que o governador disse é que, de modo geral, há provas de que ele fala a verdade".

Em seguida, disse que a palavra de um governador deve funcionar como prova, "ainda mais quando confrontada com a de pessoas que a cada momento mudam de versão".

O lobista primeiro dizia que o depósito era parte de propina para o então diretor da Anvisa ajudar a União Química. Depois, passou a confirmar a versão do governador. A Polícia Federal já pediu ao Superior Tribunal de Justiça autorização para investigar o caso. Devido ao cargo, Agnelo tem foro especial.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PT já reclama de possível fusão de pastas em reforma

Partido fez chegar ao Planalto insatisfação quanto à provável fusão de ministérios; presidente diz que "avalia cenários"

Vera Rosa

BRASÍLIA - O comando do PT fez chegar à presidente Dilma Rousseff que o partido não vê com bons olhos a fusão dos ministérios "das minorias" em uma única pasta. Apesar de ser a primeira mulher eleita presidente do Brasil, Dilma não considera necessário ter uma secretaria especial só para cuidar do gênero feminino, mas enfrenta resistências para fazer o enxugamento da máquina.

A alegação dos petistas contrários à reforma mais ampla é de que essas cadeiras representam "conquistas" dos movimentos sociais e, além de tudo, têm baixo orçamento. Na prática, Dilma só mantém a Secretaria de Políticas para as Mulheres por seu caráter simbólico.

"Nós decidimos, no 4.º Congresso do PT, que as direções do partido, a partir de agora, terão cota de 50% para mulheres. Então, é preciso analisar tudo isso com muito cuidado", afirmou o deputado José Guimarães (CE), vice-líder do governo e vice-presidente do PT.

Em mais de uma ocasião, Dilma confidenciou o plano de incorporar as mulheres no guarda-chuva do Ministério dos Direitos Humanos, dirigido por Maria do Rosário, que também abrigaria Igualdade Racial. Bastou a notícia "vazar", no entanto, para que chovessem protestos por parte do PT.

Contrariada, a presidente disse a auxiliares que está avaliando vários cenários e ainda não bateu o martelo sobre a fusão de ministérios na reforma prevista para o fim de janeiro ou começo de fevereiro de 2012. "Eu não tenho intérprete", insistiu ela.

Eleição. Única representante da corrente Articulação de Esquerda na Esplanada, a ministra das Mulheres, Iriny Lopes, quer disputar a Prefeitura de Vitória (ES), em 2012, mas sua candidatura não é consenso dentro do PT. De qualquer forma, ela deve deixar a equipe, assim como Luiza Bairros (Igualdade Racial) e Luiz Sérgio (Pesca).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dono de ONGs diz que conhece Lupi e que providenciou avião, mas não pagou

"Queria dizer claramente que o ministro está equivocado ou sem memória"

Jailton de Carvalho e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O empresário Adair Meira, dono de três ONGs financiadas pelo Ministério do Trabalho, contestou ontem as declarações do ministro Carlos Lupi de que os dois não se conheciam. Em tom de desafio, o empresário sustenta que tem "elementos suficientes" para fazer o ministro refrescar a memória. Meira confirmou que "providenciou" o avião que, segundo a revista "Veja", foi usado por Lupi para fazer visitas ao Maranhão em dezembro de 2009. Em depoimento na Câmara, na quinta-feira passada, Lupi negou qualquer vínculo com Meira.

- Queria contestar essa história do ministro. Eu queria dizer claramente que o ministro está equivocado ou está sem memória. Acho que essas palavras bastam por enquanto: ele está equivocado ou sem memória - disse Meira, ao GLOBO.

O dono das ONGs Fundação Pró-Cerrado, Renaspi e Cepros disse que Lupi não poderia, em hipótese alguma, ignorá-lo, como fez na Câmara. Questionado sobre as supostas relações com Meira, Lupi negou qualquer proximidade com o empresário. E até deu a entender que nem sabia qual era o nome dele.

- Não tenho nenhuma relação com... como é o nome?... seu Adair. Posso ter e devo ter encontrado ele (sic) em algum lançamento de convênio. Não sei onde ele mora. Nunca andei em aeronave pessoal dele nem de ninguém - disse Lupi, na Câmara.

Para Meira, a realidade não é bem assim.

- Não quero dizer que o ministro está faltando com a verdade. Mas tenho elemento suficiente para ele lembrar. Ele não pode fazer daquele jeito que ele simplesmente não conhece, como se tivesse algo a temer - disse o empresário.

A Controladoria Geral da União investiga supostas irregularidades das ONGs de Meira com recursos do Ministério do Trabalho. Em um dos casos, aponta falta de comprovação de despesas de R$5 milhões.

Meira disse que ajudou a viabilizar o fretamento do avião usado no Maranhão, mas que não pagou a conta do serviço:

- Eu providenciei (o avião). Fiz o contato porque aquela companhia é de Goiânia.

O empresário não respondeu, no entanto, se viajou no mesmo avião, conforme informou a "Veja". Meira disse que se certificaria sobre o conteúdo de declarações do ex-secretário Ezequiel Nascimento e, em seguida, responderia à questão. Mas o empresário confirmou participação na festa de divulgação dos programas do ministério no Maranhão, organizada pela equipe de Lupi.

- Eu estava num daqueles eventos - disse.

Ex-secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho, Ezequiel Nascimento continua em silêncio. Ele está sendo ameaçado e foi pressionado nos últimos dias para mudar sua versão e desmentir o relato de que Lupi viajou num avião emprestado por Meira.

Nas palavras de dirigentes do PDT, Ezequiel entrou na lista negra da cúpula do partido. Mas, em desabafo com interlocutores, mandou avisar que não voltaria atrás no depoimento dado à "Veja". Procurado ontem pelo GLOBO, o ex-secretário do Ministério do Trabalho não retornou. Mas, para alguns integrantes do PDT, disse que não mudaria o relato:

- Eu não vou desmentir. Não estava bêbado. Não estava drogado. Não volto atrás. Posso não falar mais, mas se desmentir agora fico desmoralizado - desabafou Ezequiel para um interlocutor.

Ele contou que precisou desligar o telefone no domingo, para não receber mais pressão de pedetistas. Por esses relatos, está amedrontado com a pressão que sofre desde sábado, quando foi publicada a notícia de que Lupi teria usado, em viagem oficial ao Maranhão, um avião alugado por Meira. Atualmente, Ezequiel está lotado em cargo comissionado na assessoria técnica da liderança do PDT na Câmara.

Emissários de Lupi teriam pedido para Ezequiel desmentir que o ministro estivesse nos voos do avião alugado por Adair Meira na visita feita a nove municípios do interior do Maranhão, em dezembro de 2009. Ontem, Ezequiel contou detalhes para esse interlocutor. Pela sua versão, o ex-governador Jackson Lago (PDT-MA) tentava recuperar espaço político, depois de perder o mandato pela Justiça Eleitoral. E, para ajudar Lago, Lupi marcou uma viagem que incluiria agenda oficial e política em vários municípios.

Como o PDT regional havia alugado uma aeronave Sêneca sem pressurização, rejeitada por Lupi, o ministro teria mandado Ezequiel arrumar um avião mais moderno com Meira. O empresário não apenas cedeu o avião como o acompanhou em todo o trajeto no Maranhão, para se aproximar do ministro e com isso, tentar conseguir convênios no futuro. Ao GLOBO, o deputado Weverton Rocha (PDT-MA) disse que Lupi e o ex-governador Jackson Lago utilizaram o avião Sêneca, enquanto Ezequiel chegou à cidade maranhense de Grajaú no avião King-Air, emprestado por Meira.

O Ministério do Trabalho não comentou as declarações de Adair Meira.

FONTE: O GLOBO

Brasileiros vão às ruas pelo fim da impunidade

Em pelo menos 33 cidades do país, internautas protestam hoje contra a corrupção; no Rio, há três eventos marcados

Bruno Góes e Juliana Castro

O feriado da proclamação da República, comemorado hoje, virou pretexto para milhares de brasileiros saírem às ruas em protesto contra a corrupção. No Rio - às 10h, em Manguinhos, e às 15h, na Cinelândia e em Copacabana - e em pelo menos mais 32 cidades do país, internautas vão pedir o fim da impunidade e apoiar iniciativas como a Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados ou que renunciaram ao cargo para evitar a cassação.

No Centro do Rio, o movimento "Todos Juntos Contra a Corrupção" vai montar um varal com notícias de denúncias.

- A ideia é colocar o máximo de notícias sobre corrupção desde que começou essa onda de denúncias. Comprei uma corda de 300 metros e espero que as pessoas possam colocar lá o que a gente vê todo dia - diz Cristine Maza, uma das organizadoras do protesto.

A ONG "Rio de Paz", responsável pelas vassouras que ficaram famosas desde o protesto na Praia de Copacabana, em setembro, vai levar adereços: desentupidores de vaso, vassouras e dois sanitários, com uma torre no meio, simbolizando o Congresso. Criticados por não terem pauta comum, os manifestantes começam a organizá-la pelo Facebook: além da Ficha Limpa, devem levantar a bandeira do voto aberto no Congresso e da aprovação do projeto que torna corrupção crime hediondo.

Em São Paulo, estudantes vão acampar em frente ao Museu de Arte de São Paulo e fazer um ato também simbólico: escrever uma palavra -- ainda não revelada - com cinco mil velas acessas. A partir das 14h, o grupo vai crescer com a chegada de outras pessoas convocadas pelas redes sociais para a passeata.

A capital paulista vai ainda sediar um congresso no dia 9 dezembro - Dia Internacional de Combate à Corrupção -, organizado pelos mesmos movimentos que divulgam a passeata anticorrupção no estado. Eles já fizeram convites a intelectuais, juristas e auditores de contas públicas.

- Teremos palestras, e essas pessoas vão falar quais iniciativas são boas e ruins, o que é ou não constitucional. A intenção é sair com uma proposta para entrar em petição pública e recolher assinaturas, nos moldes do que aconteceu com o Ficha Limpa - diz Carla Zambelli, uma das organizadoras da marcha.

FONTE: O GLOBO

Fifa ignora Procon e faz venda casada

A Lei da Copa nem foi aprovada, e a federação já negocia pacotes: ingressos, hotel, viagem. O valor pode chegar a R$ 4 milhões.

Fifa vende pacotes contestados

Em análise pelo Congresso e condenado por orgãos do consumidor, comércio casado de bilhetes está anunciado no site da entidade

Josie Jeronimo

A Federação Internacional de Futebol (Fifa) não esperou nem mesmo a Câmara dos Deputados votar a Lei Geral da Copa para iniciar as vendas casadas de ingressos, hospedagem e translados para o evento de 2014. É a lei em tramitação no Congresso que determinará a forma de comercialização dos bilhetes da Copa do Mundo e, apesar de o texto do Executivo tratar da venda de pacotes, a modalidade já foi condenada por órgãos de defesa do consumidor do Brasil e caberá ao Legislativo permiti-la ou não. Por meio da empresa Match Hospitality, pacotes que variam de R$ 1 mil a R$ 4 milhões, segundo a cotação de ontem, são oferecidos no portal da Fifa desde o dia 3 deste mês.

O presidente da Comissão Especial da Copa do Mundo, deputado Renan Filho (PMDB-AL), afirmou que, se a Câmara rejeitar a venda casada na votação da lei geral, a prática da Fifa estará irregular. No entanto, a tendência da Casa é acatar a liberação da venda dos pacotes. "Vai ferir o Congresso se a lei vetar a conduta que eles estão tendo. Mas a lei geral não deve vetar completamente a venda casada", diz Renan.

Trinta e três agentes de vendas estão espalhados por 80 países e o escritório referência de São Paulo já atende a pedidos por telefone, mas por enquanto a prioridade de compra é para pessoas jurídicas. O mapa da distribuição dos agentes de vendas mostra que a Fifa concentra na Europa sua expectativa de comercialização dos pacotes no Brasil. O planejamento também privilegia nossos vizinhos da América Latina. As vendas casadas são distribuídas por cinco modalidades de pacotes.

O mais completo, e primeiro a ser vendido, dá direito a ingressos nos jogos que acontecerão em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, abertura com a Seleção Brasileira, semifinais e a final. A cifra milionária de R$ 4 milhões pela venda casada é para um grupo de 26 pessoas. A cesta oferecida pela empresa credenciada pela Fifa é composta por bilhetes, tendas e camarotes privativos nos estádios, alimentação durante os jogos, estacionamento preferencial e atividades de "entretenimento". Como os pacotes "VIPs" oferecem visão privilegiada dos jogos, os melhores ingressos já ficarão reservados para a venda casada antes de chegarem ao público brasileiro.

Estrangeiros

O presidente da Comissão Especial da Copa afirma que a maior parte dos pacotes é destinada a torcedores de outros países e que o público brasileiro não será afetado. Mas na lista das vendas casadas da Fifa há opções direcionadas à Seleção Brasileira que obrigam o torcedor a adquirir pacote de quatro jogos — nas fases classificatórias, oitavas ou quartas de final — que varia de R$ 1,7 mil a R$ 21,3 mil para assistir a somente um jogo do Brasil.

Os roteiros oferecidos mostram que a entidade concentrará a promoção internacional dos jogos no Sudeste. Jogos fora do eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte ficaram de fora da primeira fase de venda dos pacotes.

A capital fluminense, por sua vez, teve tratamento diferenciado para conciliar o turismo regional e os jogos. O preço da venda casada para as disputas em território fluminense é de R$ 71 mil. O Correio entrou em contato com a Fifa para questionar o número de ingressos reservados para venda casada, mas não obteve resposta.

Críticas à remoção de moradores

A Anistia Internacional condenou ontem a remoção de famílias nos preparativos para a Olimpíada de 2016. O texto, enviado ao Comitê Olímpico Internacional (COI), aponta que moradores de dezenas de bairros de baixa renda perderam ou estão sob risco de serem desalojados de suas casas, o que "fere os valores que as Olimpíadas representam e os compromissos internacionais do Brasil com os direitos humanos". A Anistia diz ainda que as famílias atingidas não vêm sendo indenizadas.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

PSDB quer nova ação contra Carlos Lupi

Senador Álvaro Dias avisa que a legenda vai protocolar representação no Ministério Público para investigar denúncia de que ministro teria usado avião alugado por empresário

BRASÍLIA – As novas denúncias contra o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, divulgadas no fim de semana pela imprensa, levaram o PSDB a protocolar nova representação no Ministério Público Federal. Foi o que disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) em discurso em plenário ontem. É a segunda representação, agora pedindo a “investigação judiciária necessária para a responsabilização civil e criminal dos envolvidos” nos últimos escândalos de corrupção no ministério do Trabalho. A revista Veja publicou matéria sobre viagem que Lupi teria feito ao Maranhão no avião alugado pelo empresário Adair Meira, que chefia uma rede de ONGs conveniadas ao ministério e envolvidas em irregularidades. O ministro havia negado na Câmara ter qualquer relação com o empresário.

“O pedido ao Procurador-Geral da República trata da instauração do inquérito policial para apurar a materialidade e a autoria de todos os envolvidos e de promover as devidas ações de improbidade administrativa e de reparação cível ao erário em face da conduta ilícita dos servidores públicos”, explicou.

Além disso, o PSDB apresentou requerimento na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) convidando o ministro a prestar esclarecimentos e defender-se das acusações de improbidade administrativa. Segundo disse, “a ideia do debate com o ministro é tentar ampliar a capacidade de indignação da população brasileira, oferecendo a ela oportunidade de conhecer melhor os detalhes das falcatruas que são anunciadas pela imprensa do país”.

O parlamentar também pretende pedir que o líder do partido na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), estude a possibilidade de a mesa daquela Casa instaurar o procedimento necessário para julgar o ministro Carlos Lupi por crime de responsabilidade. Lupi disse aos deputados, na semana passada, não ter relações com Adair Meira, o que segundo a reportagem da Veja não corresponde à verdade.

Ontem, o presidente em exercício do PDT, André Figueiredo, disse que vai cobrar do diretório do partido no Maranhão a prestação de contas de 2009 para comprovar o pagamento do jatinho usado em viagem do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ao Estado. “Se ele (lLupi) afirmou que foi pago pelo Maranhão, deve estar na contabilidade do Estado. Vou cobrar na volta do feriado”, disse.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

UPP social :: Merval Pereira

A qualidade das operações policiais de ocupação das favelas cariocas para a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) tem melhorado a cada nova ação, e a retomada da Rocinha agregou ao respeito aos direitos humanos um fator fundamental para o seu sucesso: o serviço de inteligência que possibilitou a prisão da cúpula do tráfico no morro, especialmente o chefe das operações, o traficante Nem.

Embora as autoridades esclarecessem sempre que o objetivo das ações era retomar o território dominado pelo tráfico, e não prender os traficantes ou tentar acabar com o tráfico de drogas nas comunidades ocupadas, havia sempre a sensação de que uma parte da ação policial se frustrara com a fuga dos traficantes não se sabe bem para onde.

Com a retomada da Rocinha, viu-se que os chefes do tráfico de outras favelas pacificadas estavam "exilados" por lá.

Essa mudança de comportamento, aliás, já havia sido notada na ocupação do Complexo do Alemão, quando os limites da lei foram respeitados, assim como os direitos dos cidadãos, até mesmo dos traficantes.

A operação no Alemão mostrou que as forças policiais e militares tiveram uma boa atuação dentro do estado de direito, que era possível ser duro, manter a ordem, sem violação dos direitos civis, do direito da população.

Mesmo assim, houve relatos de abusos de poder por parte de policiais envolvidos na operação, e uma corregedoria foi instalada no local para ouvir as queixas dos moradores. Na Rocinha, grupos de defesa dos direitos civis estão de plantão. Eventuais abusos têm que ser reprimidos para que não se rompa a confiança da comunidade nas autoridades.

A qualidade da ação do governo foi aumentando à medida que as forças mostravam-se capazes de atuação coordenada em diversos níveis do aparato policial, realizando uma ação de natureza federativa.

A prestação de contas regular que foi feita à população desde os primeiros movimentos de ocupação continuou na da Rocinha, e o cuidado com detalhes como o de policiais não usarem mochila, para não deixarem dúvidas sobre o que carregavam, mostra que o objetivo de contar com o apoio da população, tanto local quanto da opinião pública de maneira geral, era um objetivo estratégico da ação policial.

Na ação da Rocinha, pela primeira vez de maneira explícita, ficou evidenciada a existência da banda saudável da polícia se contrapondo à tristemente conhecida "banda podre".

Os confrontos em que policiais que faziam escolta de bandidos foram presos por policiais que perseguiam os bandidos, ou os episódios em que policiais recusaram subornos altíssimos, mostraram que há uma base para se fazer um trabalho de reformulação das polícias, sem o qual estaremos enxugando gelo.

O treinamento dos policiais que operam nas UPPs tem esse objetivo, e já está em processo uma renovação de quadros que é fundamental para que, a médio e longo prazos, tenhamos uma polícia mais moderna e mais confiável.

A tomada da Rocinha evidencia também a importância das UPPs Sociais, que têm como objetivo promover o desenvolvimento social, incentivar o exercício da cidadania, derrubar fronteiras simbólicas e estimular a integração das favelas ao resto da metrópole.

"O papel da UPP Social é levar a República à favela", costuma resumir Ricardo Henriques, presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), que está à frente do projeto.

Os principais obstáculos são a fragmentação de ações e a descontinuidade de projetos. É grande a dispersão de programas: há 197 deles para as favelas. Cada um com várias ações. A multiplicidade de ONGs que lutam entre si pelo controle da pobreza pode trazer tanta ineficiência às ações quanto a disputa dos diversos órgãos do poder público na área social.

Falta articular áreas do poder público, e uma história exemplar aconteceu no Morro da Providência, cujos moradores reclamaram a ausência de sinalização, causa de um crônico problema no trânsito local.

Pediam há 15 anos que o problema fosse resolvido. Bastou alguém entrar em contato com o Detran e, em 15 dias, um projeto de engenharia de trânsito foi executado no local.

Há um problema de gestão em toda essa área. A atuação da UPP Social do Morro da Providência será o modelo, com gestão integrada, participativa, em rede, sem ascendência hierárquica.

Uma das tarefas do IPP é coordenar as diversas ações para obter delas maior eficiência. A distribuição territorial dessas ONGs é outra tarefa, pois várias fazem a mesma coisa, enquanto há falta dos serviços que prestam em outras favelas.

A diferença não apenas geográfica, mas social, entre os morros ocupados exige quase que uma ação customizada, pelo menos inicialmente: os morros do Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, são de classe média baixas e já se autodenominam de "Alto Leme", ao contrário da comunidade do Morro da Formiga, na Tijuca.

Segundo Ricardo Henriques, são chave para o programa a regularização fundiária e a formalização de um modo geral. Com relação à formalização dos pequenos negócios nas favelas, o peso dos impostos, das taxas e da própria burocracia pode significar problemas para os favelados.

Já há estudos para que uma legislação especial ajude os pequenos empreendedores nessas comunidades liberadas, que terão que se integrar à sociedade formal, aumentando seus gastos.

Isso porque já houve problemas em comunidades em que o poder público, com o objetivo de alcançar um "choque de ordem" no que antes era a informalidade controlada pelo tráfico, acabou causando problemas para os empreendedores que estavam instalados dentro de uma realidade completamente diferente.

A ideia é usar os cursos do Sistema S (Sesc, Senai, etc) para qualificar a mão de obra. O objetivo das UPPs Sociais é a integração "territorial e simbólica" da favela ao bairro, a ponto de não haver mais diferença entre um e outro.

FONTE: O GLOBO

Missão impossível :: Eliane Cantanhêde

Com tantas belezas e peculiaridades, o Rio sempre abriga vários governadores simultaneamente. Agora mesmo, Sérgio Cabral (PMDB), de fato e de direito, Aécio Neves (PSDB), ex de Minas, e Eduardo Campos (PSB), oficialmente de Pernambuco. Confira o CEP.

A estrela que sobe, porém, é a do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, 54, gaúcho de Santa Maria, expert em inteligência policial e cérebro da guinada histórica que ocorre no Estado, principalmente na cidade maravilhosa.

Beltrame tem muitas coincidências com Rudolph Giuliani, o prefeito da "Tolerância Zero" em Nova York, que encarna bem o "Yes, we can" da campanha posterior de Barack Obama à Presidência.

Beltrame e Giuliani são de famílias italianas e formados em administração. Um, o nosso, é delegado da PF. O outro, o deles, é procurador. Ambos acreditam que o impossível é possível e levam ao pé da letra as funções de homens públicos.

Foi pela ousadia e estratégia de Beltrame que o Estado recuperou o Complexo do Alemão e a Rocinha (esta sem um só tiro) e devolveu a cidadania a seus moradores. E ele tenta inaugurar uma nova era com os policiais que recusaram propinas fabulosas e puseram o traficante Nem na cadeia. Parece pouco? Pois, no Rio, a "bola" é a regra, não a exceção.

Surge, assim, um nome novo no cenário político. Só não custa lembrar que Giuliani conquistou o reconhecimento público, capas de revista e prêmios internacionais, mas jamais se elegeu mais do que prefeito. Tentou em 2000, de novo em 2008 e não emplacou. Fala em insistir em 2012, mas praticamente sem chance.

Uma pena. Se Beltrame e Giuliani enfrentam a criminalidade e a corrupção com tanta firmeza e sucesso, por que não assumir responsabilidades mais globais como governadores, quem sabe até presidentes? Faltam-lhes carisma e apoio partidário?

Mistérios da política.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Avis rara:: Dora Kramer

Nesses tempos em que os fatos sustentam a desconfiança da população em relação ao poder público, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, é uma das exceções que confirmam a regra.

Sem vedetismo nem concessão ao voluntarismo triunfalista, privilegiando sempre a ação do coletivo, Beltrame conduz o processo de liberação dos territórios dominados pelo tráfico nos morros do Rio como um profissional na acepção da palavra e exala confiabilidade.

Pelo apoio que recebe da população local, a admiração que conquista no País e o capital político transferido ao governador Sérgio Cabral Filho, até poderia posar de herói, mas não é esse seu foco.

Para começar, não cede a mistificações. Avisa logo que o objetivo da ação executada no Rio desde 2008 com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) não é acabar com o narcotráfico. É devolver à população e ao Estado os territórios que durante 40 anos foram gradativamente capturados pelo poder paralelo da bandidagem.

"Não tenho pretensão de acabar com o tráfico. Enquanto houver consumidores haverá drogas. Meu objetivo é tirar a arma pesada das mãos dos bandidos que escravizam comunidades, porque não é admissível que um sujeito de arma na mão determine aonde vai ou deixa de ir uma pessoa", disse em entrevista ao Estado em maio de 2010.

Há quem ache pouco e cobre mais. Evidente, é preciso muito mais diante do que governantes e (por que não dizer?) governados deixaram acontecer na cidade síntese do Brasil à vista de todos.

Mas, uma construção de décadas feita na base na conjunção entre a leniência (não raro cumplicidade) das autoridades e a complacência da sociedade, não se desfaz de uma hora para outra. É preciso investimento, planejamento e, sobretudo, continuidade independentemente de quem venha a suceder Cabral.

Gaúcho, quando chegou ao Rio Beltrame se impressionou com a tolerância geral diante de uma óbvia deformação: "Há anos que se vê a Rocinha crescendo e ninguém se pergunta quais são os interesses que permitem que isso aconteça".

Na época, 17 morros já estavam ocupados. Com a Rocinha são 19. Beltrame avisava que a ofensiva era irreversível e não havia possibilidade de o tráfico retomar os territórios. "Se entrarem com 10, 15 bandidos num morro eu ponho 500 homens e corro com eles de lá."

E eles "correm" para onde? "As lideranças para seus redutos de origem, alguns são presos pela polícia antes da ocupação e o "soldado" que fica no morro acaba sendo preso quando vai às ruas praticar outros crimes, ou denunciado pela população que perde o medo de falar."

Já anunciava a realização de uma "segunda etapa" de cerco aos "grandes chefes".

Delegado da Polícia Federal por mais de 20 anos, com experiência no desmonte de igrejinhas do crime organizado, no primeiro governo Lula trabalhou em Brasília, participou de um grupo organizado pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para investigar o que de podre havia na estrutura da PF no Rio e assim conheceu as peculiaridades do crime na cidade.

Na opinião dele, diferente de todas as demais em termos de combate à bandidagem: "Aqui a polícia precisa atuar em várias frentes ao mesmo tempo: o crime de rua, as facções fortemente armadas, as milícias e os territórios dominados".

Chamado pelo então recém-eleito governador Sérgio Cabral Filho antes do início do primeiro mandato em 2006, fez uma exigência e foi atendido: não haveria ingerência política na nomeação da equipe de Segurança Pública.

Foram dois anos de planejamento até a implantação da primeira UPP. Um trabalho vagaroso, mas que tem se mostrado consistente. Um enorme passo no enfrentamento de um tema que afugenta governantes.

Uma coisa são as impropriedades do governador Cabral, outra é o acerto da escolha e a autonomia conferida a Beltrame.

Fez a diferença. Basta ver os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva. Na Presidência durante oito anos cada, não fizeram coisa alguma para minorar a insegurança do público que assola o Brasil.

UPP não resolve o problema? Não, mas ao menos algo se move.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma candidata e presidente:: Vinicius Torres Freire

Bem ou mal, alguns números econômicos chutados na campanha começam a virar realidade

Em maio de 2010, a candidata Dilma Rousseff mandou um "bilhetinho aos brasileiros" interessados em política econômica. Em Nova York, para encontros com representantes do dinheiro, de Wall Street, vazou o que seriam alguns princípios que "tranquilizariam" os "mercados".

O que dizia a candidata?

1) Que tentaria reduzir a dívida pública para uns 30% ao final de seu mandato;

2) Que, para isso, manteria o programa de superavit primários. Melhor ainda, tentaria levar a poupança do governo (antes do pagamento de juros) para 3,3% do PIB;

3) Que gostaria de baixar a taxa real de juros básica para "perto de 3%, mas sem fazer mágica"; o Banco Central continuaria autônomo;

4) Não aumentaria mais os repasses do governo para o BNDES;

5) Reforma tributária seria uma de suas prioridades (coisa que reafirmou quando empossada);

Tenha sido por acidentes do destino ou desejo da presidente, meio na marra ou não, Dilma está no caminho de cumprir tais "promessas". No entanto, a política econômica dilmiana é muito diferente daquela do primeiro governo Lula.

Alguém pode dizer que o Banco Central "não é mais autônomo". Mas mesmo entre os povos dos mercados do Brasil se dissemina a ideia de que o BC, sob nova direção, pensa mesmo de modo diferente das diretorias anteriores. Isto é, "pensa mal", segundo a opinião mais comum, mas não se sujeita aos desejos da presidente.

De resto, note-se que o cumprimento das "promessas" de Dilma não significa que o Brasil entrou no caminho do crescimento duradouro.

No mais, o que aconteceu com as promessas do "bilhetinho aos brasileiros"?

O superavit primário voltou à casa dos 3,1%, 3,2%, depois do relaxamento do segundo governo Lula.

É divertido lembrar, porém, que o governo não estava muito inclinado a poupar mais. Mas a inflação crescente e a crise feia no mundo (além de receitas de impostos excepcionais) levaram Dilma e seus economistas ao caminho da prudência.

A taxa real de juros no mercado está em torno de 4%. Bancões brasileiros preveem que a Selic caia a 9% no ano que vem. Pode ser então que a taxa real fique abaixo de 4%.

Convém lembrar outro porém: a taxa real de juros está caindo, mas com a ajuda de uma inflação mais alta. No entanto, é preciso dizer que o mercado não está fazendo guerra aberta, na prática, contra essa derrubada dos juros, que o próprio mercado considera forçada.

Sim, difícil imaginar que a dívida pública fique muito abaixo de 35% do PIB mesmo ao final do governo Dilma, em 2014. Mas a redução da dívida terá sido relevante.

Enfim, não houve mais aumento de fundos para o BNDES. Pode-se dizer que, depois de duas centenas de bilhões de reais de dinheiro extra, financiado com dívida cara, seria uma desfaçatez inflar ainda mais o bancão estatal de desenvolvimento. Mas não houve mais dinheiro.

Reforma tributária não sairá. Mas mudanças progressivas no ICMS virão. E mais uma ou outra isenção tributária, na folha de salários, talvez.

Desafetos do governo talvez digam que é possível contar uma grande mentira com verdades parciais. É mesmo. Mas a crítica banal ao governo padece do mesmo problema.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Classe média globalizada :: Paulo Paiva

Uma das consequências mais profundas da atual crise financeira e econômica será a mudança do peso relativo dos atuais países industrializados e emergentes na economia mundial. Desde a década de 1950, a principal fonte do crescimento econômico tem sido o consumo da classe média nos EUA e na Europa Ocidental. No caso americano, a participação do consumo na renda se manteve por todo o período em torno de 64%. O modelo de bem-estar construído nessa economia se baseia no uso de bens duráveis sempre renovados, na utilização ilimitada de energia e na expansão da oferta de crédito.

Ao longo do tempo, esse padrão de consumo se difundiu e conquistou o mundo. Tornou-se global. Um dos desafios mais importantes dos países emergentes tem sido estimular o crescimento de suas economias e promover a inclusão de parte de sua população no mercado de consumo. Nos últimos anos isso está ocorrendo, como no caso brasileiro - amplamente comemorado.

Olhando para o futuro, para onde irá a classe média com as tendências conhecidas de crescimento das economias industrializadas e emergentes? Um estudo recente da OCDE realizado por Homi Kharas tenta responder essa pergunta analisando dados de 145 países que representam 99% do PIB e 98% da população mundial. Foi definido como classe média o conjunto de domicílios cujo dispêndio diário por pessoa se situa entre US$ 10 e US$ 100, no conceito PPP (purchasing Power parity). Mesmo tendo as cautelas necessárias para analisar os resultados, o movimento no sentido leste é impressionante.

Atualmente, 54% da classe média do mundo está nos EUA e na Europa, e representa 64% do total do consumo. A classe média da Ásia conta por 28% do total e por 23% do consumo. Em 2020 a participação relativa da classe média americana e europeia cairá para 32%, respondendo ainda por 46% do consumo total. Em 2030, americanos e europeus representarão 21% da classe média mundial e 30% do consumo. Os asiáticos, em 2020, já serão a maioria da classe média, com 54% do seu total, contando por 44% do consumo. Em 2030 chegarão a 66% e a 59%, respectivamente.

Esse movimento acompanha o que as tendências da economia indicam. Estimativas da equipe de pesquisa econômica do Bradesco sugeriam recentemente que a participação do G7 no total do PIB mundial cairá dos 40% atuais para 32%, enquanto a participação das sete maiores economias emergentes saltará de 28% para 38%. China, que participa hoje com 13% do PIB mundial, se equiparará em 2020 aos EUA, com 18% cada.
Em relação à população mundial, a classe média, que atualmente responde por 26% dos 7 bilhões de habitantes, recentemente comemorados, chegará a 60% dos possíveis 8 bilhões que estarão no planeta em 2030, dos quais 66% vivendo na Ásia. Assim, nos próximos 10 anos deverão se incorporar à classe média mundial cerca de 1,4 bilhão e, até 2030, 3 bilhões de pessoas, na sua imensa maioria no continente asiático, principalmente na China e na Índia.

Quais os efeitos disso sobre a economia no longo prazo? Diferentemente dos EUA, na China o consumo representa só 30% do produto. Ela manterá o seu crescimento suportado por investimentos e saldos comerciais crescentes, quando o consumo se mover para dentro de sua região? Será possível expandir o padrão de consumo ocidental com uso ilimitado de energia, predominantemente não renovável, para um volume de consumidores três vezes maior do que o atual? Haverá uma tendência inflacionária decorrente do aumento de demanda por alimentos e energia?

Se o crescimento da classe média indica a possibilidade da manutenção do crescimento econômico nas próximas décadas, questões relativas ao padrão de consumo, sustentabilidade ambiental e inflação devem cada vez mais constar da agenda de preocupações com o bem-estar da população mundial. Cristine Lagarde, diretora-geral do FMI, já está prenunciando uma década perdida. Uma década passa rapidamente. Outras não poderão se perder.

Paulo Paiva, professor da Fundação Dom Cabral, foi Ministro do Trabalho, do Planejamento, Orçamento no governo FHC.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Florestas energéticas :: Xico Graziano

O homem, dizem, dominou o fogo há 500 mil anos. Juntamente com o raio solar, a queima da lenha energizou a civilização até começar a era dos combustíveis fósseis. Agora, com a crise ambiental se agravando, ressurge a madeira como energia renovável. O passado no presente.

Na fascinante história da energia, desde quando moradia se abrigava nas cavernas, a chama da madeira ocupou papel central na proteção humana. Inventada a máquina a vapor, a fogueira do lenho impulsionava as caldeiras da "maria-fumaça". Até ser substituída pelo óleo combustível. Coisa de 120 anos.

Fogão a lenha virou grife na culinária metropolitana. Poucos sabem, porém, que cerca de 3 bilhões de pessoas ainda utilizam a acha para a cocção alimentar, prática condenada pela Organização Mundial da Saúde em razão da intoxicação causada pela fumaça nos ambientes domésticos. Fogão a lenha no mundo mata, lentamente, 2 milhões de pessoas por ano.

No Brasil, os arbustos retorcidos da Caatinga nordestina encontram-se no limite de exploração. Percebe-se no Semiárido o desenrolar da história primitiva, agravada pela pressão populacional. O que antes significava uma boa condição de vida agora mostra um perigo ecológico: surrupiar a madeira das florestas nativas agride a biodiversidade e agrava o efeito estufa no planeta. Fazer o quê?

Plantar florestas. Ninguém melhor que os japoneses para ensinar a lição do reflorestamento. Lá a silvicultura começou a ser implantada a partir de 1700, proposta na era Tokunawa para recompor as florestas quase dizimadas por completo. A China, tardiamente, segue caminho semelhante. A África, ao contrário, desertifica-se a olhos vistos.

Edmundo Navarro de Andrade, visionário agrônomo, deve ter-se inspirado nos xoguns japoneses quando, em 1904, trouxe mudas de eucaliptos australianos para o Brasil. Era seu intuito produzir dormentes para assentar os trilhos da então Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Naquela época, frondosos e centenários ipês, perobas e jequitibás da Mata Atlântica tombavam para auxiliar, impulsionado pelas ferrovias, o progresso do País.

Mais tarde, em 1922, chegaram as primeiras mudas de pinheiros norte-americanos, introduzidos pela Companhia Melhoramentos. Neste caso a extração da celulose se vislumbrava. Seja para a finalidade do uso madeireiro, seja destinadas à fabricação de papel, as florestas plantadas demoraram a se expandir no Brasil. Somente após os anos 1970, estimulados por generosos incentivos fiscais, os reflorestamentos se avolumaram.

Em Minas Gerais, especialmente, as florestas de eucalipto motivaram-se também para abastecer os fornos da siderurgia do aço. Limpo, ecologicamente correto, tal carvão vegetal se distingue de seu parente ancestral, o carvão sujo oriundo das matas nativas. Onde reside a diferença?

Na energia renovável. Toda a matéria vegetal - folhas, galhos, troncos - se gera por meio da fotossíntese. Nesse processo, havendo água e radiação solar, as plantas "respiram" gás carbônico (CO2) da atmosfera, liberando oxigênio. O carbono assim absorvido se transforma, e se armazena, na biomassa.

A cada ciclo, as árvores crescem absorvendo gás carbônico e, se sofrerem combustão, devolvem para a atmosfera o carbono acumulado na madeira. Por essa razão, considera-se zerado o balanço de carbono oriundo de florestas plantadas.

Diferente conta se faz quando ocorre desmatamento das florestas nativas. Nesse caso as emissões de carbono das queimadas se contabilizam no efeito estufa do planeta. Idêntico procedimento se verifica na queima de petróleo, pois o negro combustível nada mais é do que acúmulo de matéria orgânica decomposta, ocorrido há milhões de anos.

Recentemente, visto o drama das mudanças climáticas, surgiram as florestas energéticas. O processamento da madeira com alta tecnologia gera um novo produto no mercado, conhecido como pellet - pequenos aglomerados secos que duplicam o poder calorífico da lenha comum. O fogo antigo moderniza-se e espanta o seu passado antiecológico.

Quem lidera, por aqui, a implantação de florestas energéticas é a Suzano, tradicional empresa do setor papeleiro, que anunciou vultosos investimentos nos novos negócios, de olho na Europa. Lá, as geradoras de energia precisam atender às rígidas diretivas que obrigam a aumentar a renovabilidade da matriz energética. Pellet da madeira tupiniquim vai limpar o Primeiro Mundo.

Esse movimento da economia de baixo carbono ajuda a turbinar a silvicultura no Brasil, atividade que já ocupa 6,5 milhões de hectares. Para comparação, os cafezais atingem 2,3 milhões de hectares plantados. Carregado por má fama no início, pelo fato de derrubar mata nativa, Cerrado principalmente, para plantar bosques homogêneos, o reflorestamento valoriza-se na agenda da economia verde.

O eucalipto, particularmente, está feliz, rompendo a velha sina de estragar o solo. Estudos como os do professor Barrichelo (Esalq-USP) comprovam que, afora o seu rápido crescimento, nada diferencia a demanda de água do eucalipto da advinda por outras árvores frondosas. Manejo florestal moderno protege, não compromete, os recursos hídricos.

Ambientalistas e ruralistas, perdidos no cansativo e infrutífero debate sobre o Código Florestal, bem que poderiam prestar mais atenção às reais oportunidades do mundo sustentável. Um olhar mais isento permitiria sair da agenda negativa do desmatamento e encarar o futuro. Nele, longe do preservacionismo puro e do vândalo produtivismo, se encontram as florestas energéticas.
Um patamar superior da produção no campo.

Xico Graziano, agrônomo, foi Secretário, do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Itália sofreu um golpe de mercado:: Clóvis Rossi

Silvio Berlusconi aviltou a democracia, mas a sua saída do poder acabou sendo mais uma violência

Silvio Berlusconi conspurcou de tal maneira a democracia italiana que a sua substituição acabou sendo aviltada.

Foi um golpe, um golpe de mercado, executado pelo presidente Giorgio Napolitano, sob as ordens do duo Alemanha/França, mas por inspiração do mercado.

Por incrível que pareça, Berlusconi disse uma verdade - talvez a única de seus 17 anos de nefasta presença na política italiana - ao afirmar, na mensagem de despedida, que não perdera a confiança do Parlamento, a única maneira limpa de destituir um governante no parlamentarismo.

Ao contrário, ganhou um voto de confiança uma semana antes da demissão. Pode-se até interpretar que perdeu a maioria absoluta no voto seguinte (sobre as contas do Estado), mas não basta para caracterizar a perda de confiança.

Como, não obstante, se viu forçado a renunciar pela pressão dos mercados -justamente ele, um homem de mercado-, havia duas formas legítimas de substituí-lo: ou indicar algum nome da maioria parlamentar ou convocar eleições.

O presidente Napolitano preferiu, no entanto, nomear Mario Monti primeiro como senador biônico (o que está dentro das regras porcas da política italiana) e depois como primeiro-ministro, embora não faça parte da maioria.

Como sou o inimigo número 1 de teorias conspiratórias, vou tomar como mera coincidência o fato de a Goldman Sachs, gigante do mercado, ter emitido nota, na tumultuada semana prévia à queda, em que dizia: "Um governo técnico [na Itália] teria maior credibilidade na comparação com outros executivos".

Napolitano preferiu um técnico e, ainda por cima, alguém que foi vice-presidente da Goldman Sachs.

É uma saída muito parecida com a da Grécia, em que a dupla Merkozy (Angela Merkel + Nicolas Sarkozy) impôs outro tecnocrata, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, para substituir George Papandreou, o primeiro-ministro que ousara pretender que coubesse ao eleitorado a decisão sobre o pacote de ajuste/socorro, que, afinal, incide diretamente sobre a vida dos eleitores.

Comenta José Ignacio Torreblanca (Conselho Europeu de Relações Exteriores), em artigo para o espanhol "El País":

"O sentido último da democracia é que o povo governe a si próprio. Por isso, embora um grande número de cidadãos não entenda no detalhe as causas, consequências e possíveis soluções para a crise do euro, tem, sim, clara uma coisa: se democracia significa capacidade de decidir, a capacidade de decisão de nossas democracias é hoje sumamente limitada".

É possível que o alívio pela saída de um personagem nefando como Berlusconi encubra o golpe, mas temo que, depois de algum tempo, venha o incômodo exposto pelo escritor italiano Ugo Cornia em artigo para "El País" de ontem:

"Acaba Berlusconi, mas a única diferença será que já não haverá sexo no telediário, o que não é grande coisa. Se não se pode discutir sobre determinados ajustes socioeconômicos porque estão feitos e são, ademais, indiscutíveis, era preferível falar dos costumes sexuais das classes dirigentes. Assim, pelo menos, dávamos risada".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Perto e longe:: Míriam Leitão

Quem esticar os olhos para o alto, de vários pontos da Zona Sul, consegue ver a Rocinha; qualquer morador dos bairros instalados no entorno da favela ouve há anos as histórias do que se passa lá. Ao mesmo tempo, sempre pareceram histórias de outro mundo, do reino dos Lulu, Bem-Te-Vi, Nem. As estatísticas mostram que a fronteira não é ilusória.

Um morador da Rocinha tem menos da metade dos anos de estudo que um da Lagoa. Pelos dados do IBGE, já com base no censo de 2010, no Flamengo e em Copacabana há 263 e 245 pessoas com mais de 65 anos para cada grupo de 100 pessoas com menos de 15 anos. No Leblon, a relação é de 164 e na Gávea é 127. Na Rocinha são apenas 13 pessoas com mais de 65 para cada 100 pessoas com menos de 15 anos. Uma população envelhecida, de um lado, e uma população espantosamente jovem, do outro. Veja a comparação entre a pirâmide etária de Copacabana e da Rocinha no blog. Parecem dois países.

Uma pesquisa sobre as favelas do Rio feita pela FGV com base no Censo de 2000, mas atualizada pela Pnad, mostra que a taxa de fecundidade de jovens de 15 a 19 anos da Rocinha é cinco vezes maior do que as da mesma idade que moram na Lagoa.

Há várias distorções e distâncias no Rio. Entre as favelas e os bairros; entre as favelas; dentro delas. A Rocinha emprega mais de 6 mil pessoas de outras áreas da cidade, é geradora de emprego. Mas ao mesmo tempo tem bolsões de pobreza, alto índice de doenças, como a tuberculose, por exemplo.

Sempre houve também diversas formas de os moradores lidarem com a realidade da autoridade que os traficantes se investiram diante da omissão do Estado. Alguns temiam, outros odiavam, uns, pragmaticamente, se curvavam a seu poder, pedindo ajuda para disputas de propriedade ou até brigas familiares.

O estado do Rio chegou lá antes da ocupação. Ruth Jurberg, coordenadora de trabalho social da Casa Civil, tem liderado uma série de trabalhos na Rocinha. Uma das pesquisas que coordenou foi sobre a economia local, as empresas que atuam lá. Mas tem sido feitos outros trabalhos, pesquisas e consultas aos moradores há cinco anos.

- O canteiro social que montamos lá funcionava com o tráfico e tudo, sem se intimidar, e em contato direto com os moradores. Capacitamos 450 moradores para fazerem o Censo habitacional e empresarial. Havia muita dúvida sobre quantos eram os moradores: são 101 mil. Fizemos o Censo Empresarial que trouxe muitas informações - disse Ruth.

A Rocinha tem uma economia forte, pelo menos três grandes bancos brasileiros estão instalados lá. Há também 6.529 empresas de empreendedores locais funcionando na favela. A pesquisa levou um ano e dois meses, de maio de 2008 a julho de 2009, trabalhando todos os dias da semana, inclusive sábado e domingo. Quase a totalidade das empresas respondeu ao questionário. Apenas 12,6% funcionam na própria casa do empreendedor. Em geral, o estabelecimento funciona em local separado. A maioria é de serviço, cuja oportunidade surgiu como a de creches, lavanderias, transporte. Elas estão distribuídas de maneira desigual: se em Barcelos há 17% das empresas, mais de mil delas; na Rua Quatro, 11,5%, mais de 700; na Curva do S há apenas duas empresas.

Noventa por cento são informais, e destas, 76,2% não querem se formalizar: 44% nunca sentiram necessidade e as outras disseram que falta capital, é muito burocrático, falta informação, os impostos são altos. Portanto, se alguém está achando que, pacificada, a Rocinha vai querer entrar na economia formal, precisa entender que primeiro é necessário convencer os empreendedores de que vale a pena; criar vantagens. A maioria (63%) tem computador e está conectada na internet. Diante da pergunta de como vai seu negócio: 71,7% responderam "estável"; 20,5%, "crescendo". Os empresários têm baixo grau de escolaridade: só 1,1% com curso superior; 48,2% têm o primeiro grau incompleto e até 5,2% se declararam analfabetos.

A economia foi encontrando seu caminho e os empreendedores foram surgindo, ou pelas oportunidades abertas ou pela necessidade criada pelo desemprego. A taxa de desemprego é mais alta nas favelas, a renda familiar é bem menor, segundo atestam estudos da Fundação Getúlio Vargas para o Instituto Pereira Passos.

A Rocinha tem uma completa simbiose com os bairros ao lado. No domingo, fui andando da Gávea ao Leblon, mas o restaurante que escolhi estava fechado para almoço. Os garçons e os cozinheiros não conseguiram ir ao trabalho.

- Todos moram na Rocinha - explicou uma das recepcionistas.

Pela simbiose e pela geografia, Rocinha e Vidigal ficam perto de Leblon, Gávea, São Conrado. Pela realidade vivida pelos moradores, até agora ficavam num reino distante.

Os helicópteros sobrevoam a área há vários dias. Ontem continuavam, mas foram mais insistentes na noite de sábado para domingo; de madrugada deram voos rasantes. Eles nos lembraram que o outro mundo do qual nos falam nos restaurantes, nas cozinhas, nos salões de beleza não é distante, e nossos destinos sempre estiveram conjugados.

FONTE: O GLOBO

Nossos pequenos Iraques:: Janio de Freitas

O que ameaça as invasões às favelas do Rio não é e não será a arma inimiga; é a política

É total a naturalidade com que todos testemunhamos, via imprensa e TV, o uso necessário dos monstros blindados em favelas.

Mas são em tudo veículos de combate assemelhados ou idênticos aos das brutais guerras do Iraque, do Afeganistão, da Líbia -no entanto necessários aqui para a reincorporação ao Estado e à cidade de uma área que nem chega a um pequeno bairro.

Por mim, entre o fenômeno do poder de traficantes e a naturalidade dos bem-letrados ante a necessária situação bélica, não sei o que é mais ridículo para o país e mais doentio na sociedade brasileira.

Assim estão feitas com êxito as três invasões simultâneas. O que as ameaça não é e não será a arma inimiga. É a política, que, caso não seja ainda, não está longe de ser mais uma distorção doentia da atualidade brasileira.

Se ao governador Sérgio Cabral não for reconhecido outro mérito, a determinação de destroçar, com o auxílio de José Mariano Beltrame, o domínio criminoso das favelas ninguém lhe poderá tirar. Mas depois vem o depois. E o depois, na política brasileira, tem vícios perversos que só muito raramente não se impõem.

No problema das favelas cariocas há uma sucessão desses depois. Na primeira eleição estadual livre, por exemplo, Brizola foi eleito em 1982 com programas sociais que incluíam vários projetos para as favelas e outras zonas carentes.

Um deles, que avançou muito e se estendeu pelo Rio e pelo Estado, foi o dos Cieps, colégios de período integral, com alimentação e todas as atividades pedagógicas, em prédios projetados por Niemeyer. Pouco tempo já comprovava resultados fascinantes, o que produziu apoio até na oposição para mais colégios. Moreira Franco sucedeu Brizola. Sustou de imediato o programa de construção de Cieps e abandonou os já ativos.

Moreira Franco elegeu-se por força da promessa de acabar com a incipiente violência urbana em seis meses. Passados os rapapés de dois ou três meses, deu sumiço no falso mago que inventara e abandonou a violência a si mesma.

Tiveram o igual fim os programas de creches, postos de saúde e esportivos que encontrara. Moreira Franco foi ajudado a eleger-se pelos meios de comunicação, pelo governo Sarney e pelo poder econômico para tentar extinguir os laços da parte majoritária da população com Brizola. O demais eram problemas de quem os tinha e continuaria a tê-los, multiplicados.

Exemplo recente, forçando-se um salto lamentável, está em uma das favelas agora ocupadas. Cria política de Cesar Maia, o arquiteto Luiz Paulo Conde empenhou-se, como prefeito, no projeto Favela Bairro, bastante interessante como presença do Estado.

Para sua efetivação no Vidigal, Conde fez comprar um correr de moradias desde a célebre avenida Niemeyer até o alto final da favela. Seria a área de um plano inclinado ou de carros suspensos em cabos aéreos.

Apressado pelo fim próximo do mandato, Conde pagou preços altíssimos pelas moradias visadas, para evitar retardamentos. Pagou o bastante para os vendedores comprarem, entre outros, a maioria dos apartamentos duplex em três prédios de projeto muito criativo de Sérgio Bernardes.

Conde teve tempo apenas para deixar tudo encaminhado ao sucessor. Que seria Cesar Maia, àquela altura, porém, brigados política e pessoalmente. Cesar e seu secretário de urbanismo, o verde Alfredo Sirkis, abandonaram o legado de Conde, para não lhe servir de promoção.

As casas da longa e cara faixa desapropriada foram reocupadas, com outras desapropriações. E a falta da urbanização planejada continuou a facilitar, cada vez mais, a inviolabilidade dos que agora precisaram ser desalojados com carros blindados de combate, nesse mínimo Iraque vizinho do Leblon. Depois, pode ser qualquer coisa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Eu amo tudo o que foi... :: Fernando Pessoa

Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa, 1931.