sábado, 24 de dezembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: um modelo antigo

Tudo isso é muito novo e intrigante. Nós formos marcados pelo conceito da transformação como ruptura. A revolução era o modo de quebrar a ordem existente e estabelecer a igualdade e a justiça. Havia uma classe predestinada a cumprir esse papel histórico, que era a classe trabalhadora, e a conquista do poder se daria pelo controle do Estado. O partido se apoderava do Estado e a partir daí transformava a sociedade.

Esse modelo evidentemente não funciona mais. Do ponto de vista da visão revolucionária do passado, as mudanças nos valores e nas condutas das pessoas eram criticadas como expressões do reformismo, não da ruptura. Isso não quer dizer que hoje não possa haver rupturas. Na Tunísia e no Egito o protesto ganhou tal força que provocou a queda do regime autoritário.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. A soma e o resto, págs. 60-61. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
EUA desistem de barreira contra etanol brasileiro
Dilma corta R$ 0,73 do salário mínimo
33 mil jornais e sites contra a lei de Cristina
Dipp: falta bom-senso a juízes e CNJ

FOLHA DE S. PAULO
Cai sobretaxa do etanol nos EUA
Manifesto pró-corregedora expõe racha entre juízes
Radar já pode ser instalado sem aviso aos motoristas

O ESTADO DE S. PAULO
EUA se abrem ao etanol do Brasil após três décadas
Ministro critica colegas do STF na crise com corregedoria
Anvisa pede 'recall' de próteses de mama
Salário mínimo vai para R$ 622 a partir do dia 1º

CORREIO BRAZILIENSE
Salário mínimo de Dilma é de R$ 622
Próteses põem Brasil em alerta
EUA abrem mercado ao etanol brasileiro

ESTADO DE MINAS
Cidades de Minas tentam receber dívidas de R$ 8,8 bi
Salário mínimo sobe para R$ 622 no dia 1°

ZERO HORA (RS)
Salário mínimo será de R$ 622

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Novo salário mínimo é fixado em R$ 622
Aécio admite aliança PSDB-PSB em 2014

Entre a cruz e a caldeirinha:: Bolívar Lamounier

Em números redondos, a nova classe média deve ter hoje uns 50 milhões de eleitores. Sim, eu disse 50 milhões. É um número considerável. Significa que ela pode decidir qualquer eleição, certo? Errado. Uma camada social desse tamanho votar de modo homogêneo é uma hipótese inconcebível. Como os eleitores de qualquer outro grupo social, os da nova classe média podem pender para um lado numa eleição e para o outro na eleição seguinte. Depende das questões que estejam mobilizando o país naquele momento, da credibilidade que os candidatos e partidos tenham ao encarná-las, e por aí afora.

A esse respeito, as duas eleições de Fernando Henrique e a primeira de Lula foram bem eloquentes. Em 1994 e 1998, a questão em jogo era a estabilidade econômica. Em ambos os casos, a classe média ajudou a eleger Fernando Henrique no primeiro turno. Em 2002, a agenda esteve mais voltada para o campo social e o crescimento. Uma parcela importante da classe C votou em Lula, se bem que o fundamental para a vitória dele foi o voto nordestino. O corte decisivo foi o regional.

O voto da classe C fica mais compreensível se levarmos em conta as suas propensões ideológicas? A resposta é não. A parcela do eleitorado que compreende razoavelmente a distinção entre esquerda e direita e decide em função dela não chega a 15%: isso com uma enorme boa vontade, e não só no Brasil, ressalve-se.

Devemos então concluir que as preferências eleitorais carecem totalmente de lógica? Que os enfrentamentos não passam de lutas do tipo cabra-cega? Também não. Há períodos em que as preferências se confundem e outros em que elas se reorganizam e voltam a se diferenciar. Com a ascensão de Lula, está provado que milhões de eleitores confiaram em seu carisma e refletiram menos sobre os próprios valores e interesses individuais.

Paulatinamente, porém, essa situação deve se alterar. Haverá uma bifurcação mais nítida, com uma parte da classe média ainda apostando no intervencionismo econômico do estado e a outra se convencendo de que uma cultura estatizante como a nossa lhe antepõe obstáculos quase insuperáveis.

Ao contrário da classe média antiga para a qual o serviço público (civil e militar) representou uma base econômica segura -, a nova classe média dependerá muito mais do setor privado. É no mercado que ela vai se sustentar, batalhando por empregos ou estabelecendo-se por coma própria. Se bobear, ficará entre a cruz e a caldeirinha.

Haverá empregos de boa qualidade para esses milhões e milhões que estão tentando ascender na escala social? É óbvio que não. A competição será dura. Os jovens terão de se preparar muito, e não preciso lembrar o estado catastrófico em que se encontra a educação pública brasileira.

Terão eles condições de sobreviver e de se desenvolver como pequenos empreendedores? O problema, como ninguém ignora, é que vão enfrentar um estado hostil, ou indiferente, muito pouco amigo dos pequenos negócios.

FONTE: VEJA, nº 50. - 14/12/2011

O panorama da renda no momento da crise :: Washington Novaes

O falecido ministro Roberto Campos recomendava cuidado com as estatísticas, porque com elas se pode demonstrar qualquer coisa - embora ele mesmo fosse mestre em usá-las em defesa de suas teses raramente pacíficas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comentados há poucos dias (15/12) pelos jornais poderiam ser um bom exemplo, ao mostrarem que 25% de toda a renda gerada no País se concentra em cinco municípios, apenas (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte). Mas os dados também mostram que essa parcela da renda se concentra em menos de 0,1% dos 5.565 municípios brasileiros e nesses cinco vive 12% da população total.

Outro dado da concentração da renda está em que 51 municípios (menos de 1% do total) detêm 50% do produto interno bruto (PIB), enquanto 1.302 outros municípios (23% do total) geram apenas 1% do PIB. Ou ainda: os 10% de municípios com maior PIB têm 95,4 vezes mais renda que a média dos 60% de municípios com menor renda. E três quartos dos municípios têm renda inferior à média nacional.

Convém ter essas informações presentes no momento em que tanto se apregoa a ascensão da economia brasileira a um seleto clube no mundo, com possibilidade de se transformar numa das maiores em pouco tempo (dependendo do quanto seja ou não atingida pela crise dos países industrializados). Elas podem ser cotejadas também com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - Pnud (Agência Estado, 3/11). Consta ali que o Brasil está em 84.º lugar entre 187 países avaliados, com IDH de 0,718. A Noruega, primeira colocada, tem 0,93; e o país latino-americano mais bem avaliado, o Chile, em 44.º lugar, tem 0,805. O IDH leva em conta, além do PIB per capita, a expectativa de vida (73,5 anos no Brasil) e os anos de escolaridade (7,2 anos médios, aqui) da população.

Avaliações internacionais como essa têm mostrado o Brasil como um dos países de maior concentração da renda no mundo. O próprio governo federal tem informado que o programa Bolsa-Família beneficia hoje quase 13 milhões de lares, onde vivem mais de 40 milhões de pessoas, perto de 20% da população total. E temos 9,7% de analfabetos, ou 18,6 milhões de pessoas. Por outro ângulo, verifica-se (Estado, 28/11) que São Paulo tem nada menos do que 914.926 famílias vivendo em situação de risco, em áreas precárias ou em terras irregulares; 25% da população, perto de 4 milhões de pessoas, mora "em favelas, loteamentos, cortiços e outras áreas irregulares". Só para eliminar essa precariedade seria necessário investir R$ 58 bilhões em 14 anos. E pode ser ainda mais contundente: segundo o Unicef-ONU, em uma década dobrou e chegou a 661 mil o número de lares chefiados por adolescentes (15 a 19 anos) e a 113 mil o número de famílias chefiadas por crianças entre 10 e 14 anos (Estado, 1/12). Não bastasse, a cada dia são assassinados 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos.

O economista Fábio Giambiagi, em artigo neste jornal (29/11), fez outras aproximações. Segundo ele, o Brasil em 2011 tem 20% de sua população no patamar da pobreza e 7% na "extrema pobreza". A renda média das pessoas de 10 anos para mais, segundo estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que cita, era de R$ 1.094 em setembro de 2009. Mas a renda média dos 10% mais pobres não passava de R$ 109. Já o Censo de 2010 diz que a média nacional da renda domiciliar per capita era de R$ 668. Mas os 25% mais pobres da população não passavam de R$ 188 (pouco mais de um terço do salário mínimo da época) e 50% não ultrapassam R$ 375 (menos de três quartos do salário mínimo).

Mesmo entre proprietários na área rural a situação pode ser muito inquietante, se se lembrar (Estado, 1/12) que 70,4% dos 5,2 milhões estão nas classes D e E, ou seja, 3,46 milhões, enquanto nas classes A e B são apenas 300 mil. Outros 796 mil pertencem à classe C e 433 mil têm "valor bruto de produção nulo". A classe D/E contribui com apenas 7,6% do valor bruto de produção, com metade dos seus integrantes gerando um valor anual de até R$ 1.455, apenas. Na classe intermediária (15,4% dos estabelecimentos e 13,6% do valor bruto de produção), a renda líquida mensal fica entre R$ 947 e R$ 4.083. A classe A/B, com 5,8% dos estabelecimentos, detém 78,8% do valor bruto de produção.

Ninguém mais duvida de que o ponto crucial para a transformação desse quadro está na educação. Porque hoje temos 3,1% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos fora da escola (5,5% no Norte; 3,2% no Nordeste; 2,8% no Sudeste e Centro-Oeste; e 2,2% no Sul); 16,7% da faixa entre 15 e 17 anos também está fora da escola (18,7% no Norte; 17,2% no Nordeste; 18,6% no Sul; 16,9% no Centro-Oeste; e 15% no Sudeste). É uma base que precisa de investimentos maciços, juntamente com uma formação profissional muito mais eficiente em todas as faixas - quando nada para eliminar o índice alarmante de "analfabetismo funcional" (há quem fale em mais de 50% das crianças e adolescentes até o oitavo ano de escola).

Sem avanços expressivos nesse campo, será difícil também melhorar o panorama na área do emprego, em que a ocupação de pessoas de 10 anos ou mais pouco passa de 53,3% (60,1% é a maior taxa, no Sul; e 47,1% a menor, no Nordeste). E pouco menos de dois terços (65,2%) têm carteira assinada.

Tendo em vista todo este quadro, a tarefa dos próximos tempos será duplamente difícil entre nós: impedir que o País seja atingido com intensidade pela transferência de custos da crise econômico-financeira do "Primeiro Mundo"; e trabalhar para que os custos da crise aqui, como lá, não sejam bancados por toda a sociedade, que teria de pagar por excessos do setor financeiro. Se na Europa e nos Estados Unidos as consequências disso já são alarmantes, imagine num país com as desigualdades de renda e oportunidades como o Brasil. Seria profundamente injusto.

Washington Novaes, jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Aécio sobre Pimentel: 'Homem público tem de explicar'

Aliado do ministro em BH, senador diz que ministro tem de ir ao Congresso falar sobre consultorias e critica Dilma

Thiago Herdy

BELO HORIZONTE (MG). O senador Aécio Neves (PSDB) defendeu ontem a ida do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, ao Congresso para explicar contradições a respeito das atividades da P21 Consultoria e Projetos. Aécio criticou a presidente Dilma Rousseff (PT), que vem defendendo Pimentel publicamente por considerar que as suspeitas se referem à vida pessoal do ministro, e não às atividade à frente do ministério - ele atuou na consultoria em 2009 e 2010, logo após deixar a prefeitura de Belo Horizonte e antes de virar ministro.

- Eu acho que é muito difícil separar duas vidas. Quando você vem para um cargo público, você vem com a sua vida privada. Nós somos a mesma pessoa, seja em casa, seja fora de casa, com os mesmos valores e a mesma conduta. Eu não acho que tenha sido uma declaração feliz da presidente Dilma - disse o tucano, que é aliado de Pimentel na prefeitura de Belo Horizonte e não descarta reeditar a aliança com o PT na campanha pela reeleição do prefeito Márcio Lacerda (PSB), em 2012.

Neste mês, o PSDB tentou aprovar a convocação do petista em comissões do Senado e da Câmara, mas a base governista blindou as convocações, a pedido da presidente Dilma. O partido decidiu, então, encaminhar um pedido formal de informações por escrito ao ministro, que, nas últimas semanas, evitou jornalistas em eventos públicos e se recusou a prestar esclarecimentos sobre as denúncias. A solicitação deverá ser encaminhada pela Mesa Diretora do Senado em fevereiro.

Apesar de dizer respeitar a opção política de Pimentel, que se recusou a dar explicações perante o Congresso, Aécio afirmou que ele deveria mudar de posição:

- Todo homem público tem que estar disposto, com muita serenidade e transparência, a dar explicações, para não deixar que pairem dúvidas sobre a sua atividade. Se pudesse dar a ele uma sugestão, seria que ele fosse ao Congresso.

"O PT trata seus políticos de forma diferenciada"

Na opinião do senador, a blindagem do ministro pela base aliada do governo é uma evidência de que "o PT trata de forma diferenciada os seus (políticos) em relação aos aliados", numa referência aos ministros de partidos como PMDB, PCdoB e PDT, que foram ao Congresso prestar esclarecimentos quando surgiram suspeitas a respeito de suas atividades.

Entre 2009 e 2010, período entre sua saída da prefeitura de Belo Horizonte e a chegada ao governo Dilma, Pimentel faturou R$2 milhões em serviços de consultorias. Metade deste valor (R$1 milhão) foi pago pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), para conversas informais e palestras nas dez regionais da entidade em Minas. No entanto, O GLOBO apurou que as palestras nunca ocorreram. Pimentel também recebeu R$400 mil da QA Consulting, empresa do filho de seu sócio. Parte desse pagamento foi realizado dois antes de a QA receber R$230 mil da HAP Engenharia, cujo dono divide com Pimentel o banco dos réus em ação do Ministério Público por suspeita de superfaturamento em obras. No mesmo período, não há registro de serviço prestado pela QA para a HAP no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-MG).

Sócios da ETA Bebidas do Nordeste, de quem Pimentel recebeu R$130 mil, negaram em entrevistas gravadas pelo GLOBO ter condições financeiras de pagar o referido valor pela consultoria. Mas, depois que o caso foi denunciado, um dos sócios voltou atrás, confirmou a contratação, mas não deu detalhes do serviço. Outra cliente do ministro, a construtora Convap, pagou R$514 mil a Pimentel poucos meses antes de ganhar duas licitações de R$95,3 milhões na prefeitura de BH.

FONTE: O GLOBO

Aécio fala em aliança com PSB em 2014

Embora reconheça que sigla seja aliada do governo federal petista, senador tucano diz que "as coisas podem estar diferentes" até a eleição

Marcelo Portela

BELO HORIZONTE - O senador Aécio Neves (PSDB-MG) admitiu ontem a possibilidade de o partido tentar uma aproximação com o PSB para a corrida pela Presidência da República em 2014. Cotado como um dos principais nomes do tucanato para disputar a sucessão presidencial, o senador lembrou que os socialistas atualmente integram a base do governo, mas ressaltou que "em 2013 ou em 2014 as coisas podem estar diferentes".

O PSB tem ganhado espaço no cenário nacional e conseguiu eleger seis governadores no ano passado, sendo quatro deles no Nordeste, região em que o PSDB tem dificuldade de penetração e que deu expressiva votação para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a atual presidente Dilma Rousseff. E o presidente nacional socialista, o governador Eduardo Campos (PE), também é tido como um nome que pode ter peso decisivo na balança da sucessão presidencial.

Aécio ressaltou que é preciso "respeitar a posição" do PSB, hoje um partido aliado do Palácio do Planalto, mas lembrou que o PSDB já tem proximidade com os socialistas em várias cidades, como em Belo Horizonte, onde os tucanos devem reeditar a coligação em torno da reeleição do prefeito Marcio Lacerda (PSB), cuja vitória em 2008 também teve apoio do PT. Para expandir essa aliança ao cenário nacional, porém, o senador acredita que os tucanos precisam apresentar "um projeto que signifique expectativa de poder, um modelo novo para o Brasil".

"Vamos definir cinco ou seis grandes bandeiras que vão emoldurar as nossas candidaturas, inclusive nas eleições municipais", afirmou Aécio. "O PSDB tem que ir definindo, clareando essas suas ideias e, em 2013, vamos ver aqueles que queiram se unir em torno desse projeto. E o PSB tem conosco relações importantes em vários Estados. Temos de dar tempo ao tempo. O PSB hoje participa da base de governo, mas em 2013 ou em 2014 as coisas podem estar diferentes", observou.

O tucano voltou a defender a realização de prévias para a escolha do nome que disputará a Presidência pelo PSDB, daqui a menos de três anos. "Ninguém é candidato de si próprio. Acho que o PSDB tem nomes colocados e, lá na frente, vamos definir quem é o melhor."

Municípios. Apesar de ser considerado um dos principais nomes da oposição, Aécio afirmou ontem que não pretende atuar diretamente na costura de candidaturas nas eleições municipais de São Paulo e Belo Horizonte. Em relação à capital paulista, o senador mineiro declarou-se favorável ao lançamento de um nome tucano para "fortalecer o PSDB", "trazendo o maior número de aliados possíveis", mas afirmou que ficará "na torcida", sem se envolver diretamente.

"O PSDB de São Paulo não só tem a autonomia. Tem a capacidade, a liderança necessária para construir essa aliança. No nosso caso, ficamos à disposição para ajudar a consolidação da candidatura do PSDB. Nada além disso", disse o senador.

Após encontro com o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), na manhã de ontem, Aécio afirmou que adotará a mesma posição em relação à sucessão na capital mineira. Apesar de classificar como "natural" a reedição da aliança com o PSB de Lacerda, o senador disse que a "negociação vai ser conduzida pela direção municipal" do partido, já que a parte majoritária do PT mineiro, que também defende a coligação com os tucanos em torno do socialista, reivindica a indicação do vice, como ocorreu em 2008.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista: historiador Marco Antonio Villa

'Na luta contra a cidadania, o Estado ganha de goleada'

Gabriel Manzano

O mensalão que se arrasta na Justiça há anos, a Lei da Ficha Limpa que vai sendo adiada, a batalha do Conselho Nacional de Justiça pelo controle de tribunais e juízes. Esse retrato do Brasil não é só uma questão de justiça: é uma longa luta que se trava entre Estado e cidadania. "E nessa luta o Estado arbitrário prevaleceu e a cidadania perdeu de goleada", resume o historiador Marco Antonio Villa. "Como poderia ser diferente", pergunta ele, "se até o STF dá exemplos de atitudes não-republicanas?"

A cidadania desprotegida, seja em tempos de mensalão ou, bem lá atrás, na escravidão, é o eixo central das 160 páginas de A História das Constituições Brasileiras - 200 Anos de Luta contra o Arbítrio, o livro que Villa acaba de lançar, com seis capítulos - um para cada constituição - e um sétimo contendo um detalhado não-elogio ao Supremo, "porque o Judiciário é, de longe, o pior dos três Poderes".

É um relato direto, sem juridiquês e até divertido, tantos os absurdos que Villa garimpou em sua pesquisa. Para citar apenas dois: a primeira carta, de 1824, ignorou por completo a escravidão, com a qual conviveu por sete décadas. E a de 1967, no auge do regime militar, decidiu que "toda pessoa física e jurídica é responsável pela segurança nacional" - um simples truque para prender qualquer cidadão, sob qualquer pretexto, por falta gravíssima.

A goleada a que o autor se refere nasce de uma receita bem brasileira: "Temos leis voltadas não para o Brasil real, mas para um país imaginário. E garantias ao cidadão que dependem de regulamentações jamais feitas."

O sr. estudou seis constituições aprovadas em 164 anos. O que há de comum entre elas?

Em quase todas se percebe uma luta, que vem desde a independência, do cidadão contra o Estado arbitrário. Nessa luta, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada.

De que forma?

A cultura do Brasil consiste em escrever uma lei no papel e imaginar que o problema está resolvido. Da primeira à última carta, determinou-se a autonomia dos poderes mas quem sempre mandou, como manda hoje, foi o Executivo. Organizavam-se eleições e elas eram fraudadas. Mulheres não votavam, não havia direito de greve. Surgem leis que dependem de regulamentação e esta nunca é feita. A carta atual, de 1988, um avanço em relação às outras, criou o mandado de injunção. Ele permite ao cidadão ir ao Supremo e exigir o atendimento de um direito se ele não está regulamentado.

Pode dar exemplos práticos?

Como mostra o livro, a primeira constituição, de 1824, feita pelo Parlamento, foi atirada no lixo pelo imperador. No lugar dela D. Pedro I fez outra que vigorou quase sete décadas e ignorou por completo a existência da escravidão. As duas seguintes, a da República em 1891 e a de Getúlio Vargas em 1934, deveriam depender, para serem aceitas, da confirmação popular, em um plebiscito. Nem uma nem outra tiveram esse plebiscito. A de 1937 introduziu uma "ditadura constitucional" que delegava poderes intermináveis ao Estado. Este tinha todos os direitos e o cidadão todas as obrigações. A de 1946, que redemocratizou o País após a ditadura varguista, recuperou as liberdades mas abriu tantos leques que se reduziu a um edital de licitação e incluiu em um artigo a obrigatoriedade de se concluir a rodovia Rio-Bahia em dois anos...

Nessa sequência, como entra a ditadura militar de 1964?

A contribuição do regime militar de 1964 foi um nunca acabar de arbítrios, casuísmos e aberrações. A Constituição de 1967 determina que "toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei" - simples truque para acusar qualquer um de crimes gravíssimos. Dois anos depois, aprovou-se um artigo constitucional que obrigava o Estado a pagar as despesas médicas do já afastado presidente Costa e Silva. Esse tipo de cuidado traduzia uma curiosa obsessão dos militares: o empenho deles não era para cumprir a lei, mas por tornar legal tudo o que faziam.

O arbítrio virou um "direito constitucional" do Estado.

Exato. As ditaduras acabaram constitucionalizando o arbítrio. Isso virou uma cultura típica do País. Um grande exemplo foi a pérola criada pelo jurista Carlos Medeiros da Silva, ao justificar o fim da eleição direta na ditadura de 1964. Ele sustentava que "o traumatismo da campanha pela eleição direta ou degenera o processo eleitoral ou impede o vencedor de governar em clima de paz e segurança". Era o retrato do regime.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Hora de pagar o bônus por fidelidade

Depois de aprovar matérias de interesse do governo, parlamentares voltam a Brasília na semana que vem para pressionar pelo empenho de R$ 2 bilhões em emendas, o dobro do que o Palácio do Planalto pretendia liberar até o dia 31

Erich Decat, Denise Rothenburg

Depois de um ano em que o governo venceu praticamente todos os embates no Congresso, chegou a hora do bônus — liberação das emendas individuais e de bancada apresentadas ao Orçamento de 2011. Para isso, parlamentares da base aliada, e até da oposição, desembarcam em Brasília na segunda-feira com o apetite aguçado. Os líderes dos partidos governistas querem um total de R$ 2 bilhões, dinheiro que consideram suficiente para atender três emendas de bancada para cada estado e, ainda, ampliar o atendimento das emendas individuais de R$ 6 milhões para R$ 8 milhões. O governo, no entanto, acena com R$ 1 bilhão.

Na semana passada, o governo liberou R$ 9,1 bilhões para os ministérios. O valor, entretanto, não foi todo para o atendimento das emendas. Por isso, depois do Natal, os lideres retomam as reuniões. A expectativa de líderes do governo ouvidos pelo Correio é a de que sejam liberados até o último dia do ano pelo menos R$ 1 bilhão. O dinheiro dessas emendas são destinados — normalmente — para atender à demanda de pequenas obras solicitadas por prefeitos e vereadores que fazem parte da base eleitoral dos parlamentares nos municípios. Por exemplo, quadras de esporte, praças, postos de saúde. A realização desse tipo de obra ganha ainda mais importância tendo em vista as eleições municipais em 2012.

Parte da correria dos congressistas, também deve-se ao fato de que 31 de dezembro é o último dia para o governo empenhar (promessa de pagamento) os recursos de emendas referentes aos anos de 2006 a 2009, os chamados restos a pagar. O destino principal dos parlamentares será o gabinete da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, responsável pelos acordos para votação das matérias de interesse do governo no Congresso.

Na lista dessas propostas, está o projeto de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que autoriza o governo federal a aplicar livremente 20% dos recursos arrecadados com os impostos. O valor estimado para a DRU é de R$ 62,4 bilhões, uma quantia considerada essencial pela equipe econômica face aos possíveis impactos internos da crise internacional. "Os parlamentares vão marcar presença nas portas dos ministérios em busca da liberação das emendas", disse o vice-líder do governo no Congresso, Gilmar Machado (PT-MG).

"Eu mesmo estarei em Brasília para tratar de algumas ações minhas que precisam ser concluídas. Alguns projetos aqui para a Paraíba", ressaltou o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO). "Agora é a correria pela raspa do tacho. Mas muitos ministérios não vão conseguir empenhar em razão de problemas na ponta com os convênios, ou mesmo em razão de alguns municípios estarem com problemas de inadimplência", avaliou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Metade do previsto

A avaliação é a de que quem estiver em Brasília leva mais recursos. "Estarei aqui. A semana que vem vai ser aquela loucura, todo mundo pensando em recesso, mas tendo que assegurar os recursos para os municípios", ressaltou o vice-presidente da CMO, Rodrigo de Castro (PSDB-MG). O bônus para oposicionistas também pingará generoso, já que um acordo com tucanos e democratas permitiu a votação do Orçamento, mesmo sem quórum suficiente.

Apesar da força-tarefa nos últimos dias do ano, o montante que deve ser liberado pelo governo para os congressistas não deve chegar nem à metade dos R$ 13 milhões previstos para as emendas individuais no Orçamento deste ano. A principal causa da retenção dos gastos deve-se ao corte de R$ 50 bilhões nos gastos anunciados no início do ano. Diante da tesoura afiada, o acordo é que os parlamentares reeleitos em 2010 recebam R$ 6 milhões, em média. Os parlamentares de primeiro mandato terão apenas R$ 3 milhões, cada um.

"A semana que vem vai ser aquela loucura, todo mundo pensando em recesso, mas tendo que assegurar os recursos para os municípios" - Rodrigo de Castro (PSDB-MG), vice-presidente da Comissão de Orçamento

"Agora é a correria pela raspa do tacho. Mas muitos ministérios não vão conseguir empenhar em razão de problemas na ponta com os convênios, ou mesmo em razão de alguns municípios estarem com problemas de inadimplência" - Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Repasses no apagar das luzes

Parlamentares retiram emendas da Copa e das Olimpíadas para alocar em obras. Rodoanel de São Paulo recebeu R$ 175 mi

Vinicius Sassine

Ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de preparação para a Copa do Mundo de 2014 e de organização das Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 perderam dinheiro nos minutos finais que antecederam à votação do relatório geral do Orçamento da União de 2012. O texto foi apreciado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional, na última quinta-feira, antes de ser aprovado em plenário no mesmo dia.

No fim da tarde, a sessão foi interrompida para que o relator-geral, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), analisasse as emendas apresentadas de última hora por bancadas e comissões. A reunião foi retomada, por volta das 19h, com a inclusão de um adendo de 144 páginas ao relatório, contendo as emendas acatadas por Chinaglia. O adendo praticamente não foi analisado pelos deputados presentes. Novos serviços e obras foram incluídos no Orçamento de 2012 e ações precisaram perder recursos — como do PAC, da Copa e das Olimpíadas — para a consolidação da manobra.

Os deputados aprovaram o relatório e o adendo sem saber a extensão dos recursos retirados do PAC. Os órgãos que mais perderam dinheiro foram o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Valec Ferrovias, subordinados ao Ministério dos Transportes. Obras rodoviárias e ferroviárias estão entre as principais do PAC, com maior montante de recursos. Cidades viram encolher a destinação de dinheiro para esgotamento sanitário e urbanização de assentamentos em condições precárias.

Um dos pleitos atendidos, a poucos minutos da aprovação do relatório geral do Orçamento de 2012, foi a destinação de dinheiro para o trecho norte do Rodoanel, em São Paulo. A obra já tinha reservados R$ 437,5 milhões para o próximo ano e, depois da negociação política e da decisão do relator de acatar a emenda, foram reservados mais R$ 175 milhões. O Superior Tribunal de Justiça conseguiu mais R$ 5 milhões, a partir da aprovação do adendo, para assistência médica e odontológica aos servidores. Outros R$ 20 milhões já estavam reservados.

Irregularidades

Para a construção de um viaduto sobre a linha férrea em Mogi das Cruzes (SP), o relator do Orçamento aceitou a inclusão de R$ 35 milhões. Essa é uma das obras com suspeitas de irregularidades durante a crise no Ministério dos Transportes, em julho deste ano. A emenda que pediu a alteração foi coletiva.

Vão receber dinheiro, em função da aprovação de última hora do adendo, a Agência Espacial Brasileira, para implantação do Complexo Espacial de Alcântara, no Maranhão (R$ 7 milhões a mais); a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), para implantação do reator multipropósito brasileiro (que produz isótopos radioativos com fins medicinais — R$ 7 milhões a mais); e o programa de desenvolvimento de satélites, com acréscimo de R$ 3 milhões; dentre outras ações diversas.

Depois de aprovado na CMO, às 20h de quinta-feira, o relatório geral do Orçamento de 2012 foi aprovado às 23h45, 15 minutos antes do prazo regimental.

Silêncio sobre o reajuste

Todos os interlocutores do governo no Congresso Nacional, presentes nas tensas negociações para aprovação em plenário do Orçamento de 2012, garantiram que a presidente Dilma Rousseff iria responder hoje às cartas emitidas por entidades representativas dos aposentados. As entidades, ligadas à Força Sindical, reclamam do silêncio da presidente. A decisão do governo de não dar reajuste aos aposentados quase emperrou a votação do Orçamento no plenário do Congresso. A resposta às cartas foi a garantia dada pelos líderes governistas para que o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, recuasse da intenção de impedir a votação. O recuo ocorreu. Dilma não encaminhou ontem as cartas aos aposentados, conforme informação da Secretaria de Imprensa da Presidência da República.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Dilma teve base menos fiel que Lula e FHC

Em 2011, 87% dos deputados de siglas que têm ministérios votaram a favor do governo, contra 92% em 2003 e 88% em 95

Em coalizão ampla e heterogênea, disputa por espaço e divergências levaram a indisciplina, afirmam analistas

Paulo Gama 

SÃO PAULO - A base de sustentação da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados foi menos fiel ao governo em seu primeiro ano de mandato do que a de seus antecessores, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.

A taxa de disciplina dos deputados dos sete partidos que têm ministérios no governo Dilma atingiu 87%. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, esse índice chegou a 92%. Em 1995, na estreia de FHC, a taxa foi de 88%.

Dilma chegou ao final de 2011 enfrentando oposição de apenas 4 das 23 legendas com representantes na Câmara.

Para Fabiano Santos, coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Uerj, com tantos aliados é natural que apareçam focos de tensão na base do governo.

Além da disputa por espaço político, que pode se manifestar em indisciplina nas votações, a heterogeneidade dos aliados acarreta divergências em torno das políticas discutidas, afirma.

Rubens Figueiredo, cientista político pela USP, diz que a disciplina menor também pode ser reflexo da falta de traquejo de Dilma na relação com o Congresso. "A articulação política não está entre seus principais atributos."

Aliados do governo queixaram-se o ano inteiro de que suas indicações para cargos demoraram a ser atendidas. Preocupado com a necessidade de conter seus gastos, o governo também demorou para liberar recursos para projetos financiados por emendas dos parlamentares.

Os infiéis

PDT e PR foram os partidos governistas menos fiéis. A indisciplina das duas siglas foi de pouco mais de 20%, maior que a de legendas sem cargos no primeiro escalão. Os deputados do PT seguiram o governo em 95% dos votos, e os do PMDB, em 88%.

O PR mudou seu comportamento em relação ao governo após a substituição de Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes, em julho. Dilma escolheu para seu lugar Paulo Passos, que, apesar de filiado à legenda, não agradou a bancada do partido, que se declarou independente. Sua taxa de disciplina caiu de 90% para 70%.

Já o PDT, segundo partido menos fiel, foi instável durante o ano todo. Para Santos, a posição foi uma forma de o PDT, que tem uma base eleitoral trabalhista, se contrapor ao Planalto em um ano em que o governo foi obrigado a fazer ajustes fiscais.

Em fevereiro, quando a Câmara votou um projeto que aumentava o valor do salário mínimo, 10 dos 26 deputados do PDT votaram contra a proposta defendida pelo Palácio do Planalto. A taxa de indisciplina, de 40%, foi a maior entre os partidos aliados.

Mesmo com a infidelidade mais alta, o governo teve sucesso em discussões importantes -apesar de ter deixado de lado projetos como uma reforma tributária ampla. Sua maior derrota foi no Código Florestal, em emenda que previa anistia a desmates.

Ainda que com concessões, aprovou o projeto que regulamenta os gastos com saúde pública definidos pela Emenda 29, a DRU -que lhe permite gastar como quiser parte do Orçamento- e um novo regime de licitações para acelerar obras da Copa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Freada da economia põe em risco ajuste fiscal

Dívida pública deve subir se o país crescer menos do que 3% ao ano

Analistas de mercado projetam queda da dívida pública para 38% do PIB, mas só se o Brasil crescer 3,4%

Gustavo Patu

BRASÍLIA - A freada da economia não põe em risco só a popularidade da gestão Dilma Rousseff. Taxas baixas de crescimento tendem a comprometer o indicador mais observado pelos mercados para avaliar a solidez das contas públicas.

Dados do Banco Central mostram que, se a renda nacional crescer a taxas inferiores a 3%, como grande parte dos analistas já projeta para este ano, o ajuste fiscal lançado pela nova administração petista ficará ameaçado.

Mesmo que a área econômica cumpra suas projeções de arrecadação de impostos e controle de gastos, uma estagnação mais prolongada torna tais metas insuficientes para assegurar a trajetória de queda da dívida pública.

Desde o governo Lula, o endividamento total de União, Estados e municípios caiu do equivalente a 60% para pouco menos de 40% do PIB.

Esse desempenho debelou os temores de investidores e analistas quanto à política econômica do PT e permitiu a melhora da imagem do país no cenário internacional.

Mas uma análise das contas brasileiras nos últimos anos aponta que a propalada austeridade do governo teve peso inferior, na redução da dívida, ao da aceleração do crescimento econômico.

A política fiscal se baseia em metas para o superavit primário, ou seja, em poupar uma parcela da receita tributária para cobrir os encargos das dívidas interna e externa.

Logo que assumiu, em 2003, Lula elevou a meta de superavit. Dilma, em fevereiro, restabeleceu o objetivo de fazer uma poupança na casa dos 3% do PIB, que havia sido deixado de lado nos dois últimos anos do antecessor.

Embora seja elevado para padrões internacionais, esse superavit está longe de ser suficiente para pagar a conta de juros da dívida pública.

Quando se analisam todas as receitas e despesas, o governo ainda gasta mais do que arrecada. Isso significa que o valor nominal da dívida cresce continuamente.

Para fechar as contas, é necessário um patamar mínimo de crescimento: se o PIB se expande mais rapidamente que a dívida, a capacidade de pagamento do país melhora.

Mesmo em queda nos últimos anos, o deficit público ainda se mantém em torno de 2,5% do PIB. Com a queda dos juros, espera-se uma queda para 2,3% no próximo ano.

PIB em baixa

Segundo a pesquisa mais recente do Banco Central, os analistas de mercado projetam uma queda da dívida pública de 38,5% para 38% da renda nacional em 2012.

Essa expectativa se baseia em um crescimento de 3,4%: taxas mais baixas tornarão a melhora incerta, ainda mais porque a receita do governo também será afetada.

Embora o superavit prometido em 2011 esteja quase garantido, a queda da dívida neste ano dependerá de fatores alheios à política fiscal.

Com a desaceleração da economia, a proporção entre dívida e PIB tem caído devido à inflação, que eleva o valor nominal do PIB, e à alta do dólar -que eleva o montante em reais das reservas cambiais do BC, que são abatidas no cálculo da dívida.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Procuradoria investiga truculência no Porto do Açu

Seguranças de empresa de Eike e funcionários da Codin, do governo estadual, estariam agindo como milícias

Henrique Gomes Batista

O Ministério Público Federal (MPF) abriu na quinta-feira um inquérito para apurar denúncias de que seguranças das obras do Superporto do Açu, da LLX, empresa do grupo EBX, de Eike Batista, estariam agindo como milícias e ameaçando moradores da região. O procurador Eduardo Santos de Oliveira resolveu abrir o procedimento depois de receber denúncias sobre irregularidades nas desapropriações de propriedades rurais na área do futuro porto.

Cerca de 800 famílias que gostariam de permanecer na região estariam sofrendo ameaças para deixar o local. Ainda de acordo com informações recebidas pelo MPF, moradores que já foram removidos para áreas até sem água potável não teriam recebido indenização e alguns despejos foram realizados sem a apresentação de ordem judicial.

- Na semana passada, ouvi relatos de moradores e produtores que me deixaram impressionados. Alguns disseram que os seguranças privados contratados pela EBX e funcionários da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) intimidaram moradores, derrubaram casas de madrugada e até abriram valas em frente às portas de algumas casas para impedir a saída de moradores. Temos que investigar isso - afirmou o procurador, que resolveu abrir logo o inquérito para tentar evitar conflitos entre moradores e representantes das obras.

Autoridades teriam sido negligentes, diz procurador

O procurador afirmou que a primeira providência que tomou foi comunicar o caso à Polícia Federal, para avaliar a legalidade da empresa de segurança privada contratada pelo grupo de Eike Batista. Além disso, ele vai enviar ofícios a diversos órgãos estaduais e municipais para apurar uma eventual negligência das denúncias formuladas por moradores e proprietários rurais:

- Eles me disseram que, antes de procurar o Ministério Público Federal, tinham procurados outros órgãos, e que não foram apurar as denúncias - disse.

O MPF vai enviar ofícios, ainda, à Polícia Militar, à Polícia Civil, ao Ministério Público Estadual (MPE), à Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ao governador do Estado e à prefeitura de São João da Barra para que prestem esclarecimentos. Diretores e empregados da empresa LLX - responsável pela obra - também deverão ser chamados a depor. Caso sejam comprovadas violações graves dos direitos humanos e omissão do poder público local, o MPF poderá solicitar à Justiça a atuação da Força Nacional na região.

Segundo empresa, governo é responsável por desapropriar

Em nota, a LLX informou que mantém guarda patrimonial dentro das áreas que pertencem à companhia. Porém, afirmou que a desapropriação é feita pela Codin. A Codin, por sua vez, informou, também em nota, que desconhece a atuação de milícias em São João da Barra. "A atuação na região é pautada pela legalidade e sem violência. A companhia afirma ainda que já vem pagando auxílio produção a 131 beneficiários que tiveram suas terras imitidas na posse no decorrer deste ano, de um total de 151 propriedades nessa primeira fase", afirma a nota. O governo do Estado afirmou que não se pronunciaria por não ter sido notificado até o momento.

FONTE: O GLOBO

Em busca do simbolismo profundo:: Marco Aurélio Nogueira

O Natal é predominantemente uma festa cristã. O dia 25 de dezembro, porém, nem sempre foi uma data dos cristãos, pois até o século 3.º esteve associado ao nascimento anual do "deus Sol" na abertura do inverno. A Igreja Católica, interessada na conversão dos povos pagãos, apropriou-se da data para nela acomodar o nascimento de Jesus. Mesmo assim, o Natal continuou a ser maior do que a cristandade e permaneceu sendo comemorado por muitos não cristãos em diversas partes do mundo. Tornou-se o centro das festividades que celebram o fim do ano. Aos poucos, com o avanço do capitalismo e a preponderância crescente do mercado na vida das sociedades, converteu-se no grande momento econômico de cada ano, período em que indústria, comércio e consumidores são dominados por um afã produtivista e consumista sem paralelo.

A dimensão econômica do Natal passou a concorrer com a força simbólica da data, concentrada na confraternização e na solidariedade. A pressão comercial tornou-se tão intensa que transfigurou algumas belas tradições populares - a troca de presentes, a refeição especial, as árvores enfeitadas, o bom velhinho -, reduzindo-as a caricaturas esvaziadas do simbolismo mais substantivo da data.

A confraternização e a solidariedade perderam força, mas não desapareceram. Manteve-se viva a expectativa de que na última semana de cada ano o mundo seja contagiado por um clima diferente, em que armas e soldados devem voltar para casa ou, ao menos, confraternizar com seus inimigos nos campos de batalha, como dizem ter ocorrido no Natal de 1914, na 1.ª Guerra Mundial, quando soldados britânicos, alemães e franceses decretaram um armistício informal para poderem celebrar a data, com direito a trocas de presentes e disputas de partidas de futebol.

É verdade que nos anos subsequentes do conflito os bombardeios foram intensificados na véspera de Natal para que novas tréguas não se repetissem. E nem todo 25 de dezembro é marcado pela paz e harmonia entre os povos. No geral, porém, o mundo parece pacificar-se quando chega o fim do ano.

Sendo assim, não custa imaginar o que aconteceria se o clima natalino passasse a preencher os 365 dias do ano. Haveria mais fraternidade e solidariedade, evidentemente, e se poderia iniciar a construção de um mundo mais cooperativo e justo, menos desigual e violento, mais sério e competente para evitar que somas gigantescas continuem a ser gastas com armas e negócios enquanto centenas de milhões de pessoas morrem de fome, doenças e superexploração.

Um mundo que não atenta para esses paradoxos é indigno de ser associado ao simbolismo natalino profundo. Falo do "mundo", mas deveria falar de pessoas e instituições, de governantes, líderes políticos, empresários, banqueiros, intelectuais, igrejas, partidos e organizações várias, mercados e sociedades civis. Onde estão eles e por que não conseguem dar um jeito nas coisas, pavimentando estradas por onde a humanidade possa reencontrar-se consigo mesma?

Seria ingênuo demais dizer que a este mundo de pessoas e instituições falta o espírito fraterno da solidariedade, que ele se move exclusivamente por interesses egoístas, escravizado pela face demoníaca da riqueza e da acumulação de poder. Tal modo de pensar não leva em conta a dureza da vida, a direção cega dos processos econômicos, as estruturas sociais que cerceiam as pessoas em nome da ordem e da segurança. Acima de tudo, deixa de lado o caráter complexo do ser humano, essa figura simultaneamente racional e irracional, capaz de amar e odiar com igual intensidade, que acredita em deuses e bruxas, mas cultiva a ciência, que é calculista e passional, ansioso e bonachão, em suma, sapiens e demens ao mesmo tempo, como gosta de falar o sociólogo Edgard Morin.

A sociedade humana - o mundo dos homens e das instituições - não se governa com facilidade. Está sempre submetida a dinâmicas e contradições difíceis de ser controladas. E quanto mais evoluiu, quanto mais caminhou em direção à sua fase de plena globalização, mais foi ficando desafiadora. Por um tempo, entre as décadas de 1950 e 1980, a regulação dos mercados e as políticas de bem-estar ajudaram a organizar uma socialidade mais justa e menos desigual, mas isso não se espraiou pelos diferentes países. O planeta ficou assim mais desigual, ainda que seus diferentes povos se fossem aproximando e interagindo. Mais tarde, a desregulação tomou conta de tudo, políticas neoliberais entraram na moda, os mercados sobrepuseram-se aos Estados e o império das finanças exibiu suas garras, dando um xeque-mate em governos e políticos. Muitos cederam e permitiram que mercados, finanças e Estados compusessem um sistema que se dissociou das comunidades e passou a tiranizá-las. Em 2008 esse sistema mergulhou em crise e espalhou seus gases maléficos por diversas regiões, a começar dos Estados Unidos e da União Europeia.

E é assim que o mundo vai passar os últimos dias do ano. A crise que o devasta é econômica e financeira, mas carrega consigo duas características emblemáticas: não perdoa ninguém e não se pode valer das virtudes da política. Por isso não se resolve. O sistema responsável pela crise opera de costas para a política, esteriliza-a, escancarando a impotência de partidos e líderes políticos. Com isso despoja as sociedades de seus principais recursos de produção de solidariedade e justiça social. Indignados e manifestantes saem às ruas por toda parte e fazem ouvir a voz de seus protestos, mas não se mostram com força suficiente para plasmar outra situação. Seja como for, estão em movimento.

Por isso, se é para nos lembramos do Natal e de seu simbolismo profundo, que pensemos por um momento, nesta última semana de 2011, nos caminhos que a política tem a oferecer para que a solidariedade possa ser celebrada de fato.

Feliz ano-novo para todos.

Professor titular de Teoria Política e Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Retrato da burocracia:: Merval Pereira

A cientista política Maria Celina D"Araujo, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, analisando a composição dos altos cargos públicos no Brasil tendo como foco o perfil político, econômico e social dos ocupantes de cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) níveis 5 e 6, nos governos Fernando Henrique e Lula, chega à conclusão de que, embora a partidarização tenha sido maior no governo Lula, e a conexão entre serviço público, filiação sindical e partidária reflita-se mais intensamente na nomeação dos dirigentes públicos quando o PT está no poder, em ambos os governos "é alta a qualificação técnica e acadêmica dos dirigentes públicos, bem como sua experiência profissional".

Ela chega à conclusão de que as qualificações acadêmica e técnica desse grupo evidenciam que não se pode reduzir essas nomeações a mero "clientelismo político". A qualificação técnico-acadêmica não é incompatível com preferências partidárias e alto envolvimento com movimentos da sociedade civil, frisa Maria Celina. O estudo mostra que a formação na alta direção pública está cada vez mais se afastando dos "cursos tradicionais", e que novos saberes passam a ocupar maiores espaços na política.

Se Direito é o curso de graduação mais frequentado pelos dirigentes do governo FH, a economia é o mestrado com mais formados. No governo Lula, por sua vez, é marcante o percentual de pessoas formadas em outros cursos.

Em ambos os governos, contudo, surpreende a presença de mestres em Ciências Sociais. No nível de doutorado a concentração em economia continua no governo FH, mas o percentual de doutores em Ciências Sociais fica em segundo lugar em ambos os governos.

Chama a atenção que no governo do tucano a presença de mestres e doutores formados no exterior seja significativamente maior. A exemplo do que aconteceu com as instituições do curso de mestrado, mais uma vez a presença de doutores formados em Brasília aumenta no governo Lula.

O trabalho mostra que a presença de um ou outro partido no governo tem impactos importantes sobre os critérios de escolha dos altos dirigentes públicos.

Várias evidências atestam, segundo o estudo, o maior ativismo social do PT e de seus dirigentes no partido e no governo, em contraposição ao caráter mais parlamentar do PSDB. Outras conclusões da pesquisa mostram que as taxas de associativismo dos dirigentes públicos são mais altas no governo Lula. O PT é o partido mais organizado e o que melhor conhece seus quadros. Por isso, no governo, não só tem controle sobre as nomeações a serem feitas como consegue ter informações cadastrais sobre quem indicar para os cargos disponíveis entre os 22 mil cargos de confiança do Poder Executivo.

O levantamento de Maria Celina mostra que a sindicalização no setor público no Brasil acompanha a de países altamente desenvolvidos e está associada também a mais altas taxas de filiação partidária.

No Brasil, os últimos dados são de 2000, resultado de pesquisa iniciada na gestão de Bresser-Pereira no Ministério da Administração e Reforma do Estado, e indicam percentual de 76%. Não há atualização disponível desses dados, mas tudo indica, segundo Maria Celina, que não deve ter havido mudanças substanciais. O Brasil está pouco abaixo da Escandinávia (até 93%), mas acima de países desenvolvidos como Japão e Alemanha quando se trata da filiação sindical de trabalhadores do setor público.

Os resultados da pesquisa para o governo Lula mostraram que os dirigentes públicos integram um grupo de profissionais, em sua maioria, de carreira no serviço público, formados em boas e tradicionais escolas, com alta titulação, com forte presença técnica em áreas estratégicas do governo e com vasta experiência em cargos da administração pública. Ao mesmo tempo, evidenciaram tratar-se de uma elite altamente politizada, partidarizada, sindicalizada, com altos índices de engajamento social.

A avaliação das experiências anteriores desses profissionais, de sua formação acadêmica e suas capacidades específicas permite, para Maria Celina, a conclusão de que, em geral, mostram competência para ocupar funções públicas, ao contrário de percepção corrente que aponta para as altas taxas de clientelismo na ocupação dos cargos de confiança. De toda forma, ressalta, "os índices de associativismo sindical e partidário chamaram a atenção". No caso do governo Lula, dos 24% filiados a partidos, 77% eram filiados ao PT; dos 41% sindicalizados, 32% eram filiados ao PT; dos 45% pertencentes a movimentos sociais, 39% eram filiados ao PT.

Dados parciais sobre o governo FH indicam que os vínculos com movimento sindical, partidos, associações, conselhos profissionais e movimentos sociais dos dirigentes públicos são menos intensos do que o evidenciado na gestão Lula.

Sobre a proveniência desses dirigentes, identifica-se até o momento que o governo Lula recorreu mais aos funcionários de carreira do que o de FH. O governo do petista teria recorrido mais ao quadro de funcionários de carreira dos órgãos do governo federal, servidor efetivo do órgão ou requisitado da esfera federal.

"Nossa hipótese é que essa presença mais marcante de funcionários públicos federais pode explicar a grande frequência de sindicalizados e de filiados ao PT tendo em vista as altas taxas de filiados ao PT e de sindicalizados entre os servidores públicos", analisa Maria Celina. Segundo estudos, desde 1992 o partido mantém um cadastro nacional dos filiados que ocupam cargos no serviço público e um banco de dados dos eleitos nos planos nacional e estadual. Dessa forma, o nível de controle da informação interna do partido é precioso e funciona como um GPS das chances e das possibilidades de o partido ocupar espaços de poder.

Igualmente importante, frisa a professora, é que todos os parlamentares eleitos precisam ceder ao menos um dos assessores a que têm direito para servir ao partido. Isso equipa o PT com quadros técnicos e instrumentos de gestão e controle que o PSDB, por exemplo, demonstra não ter. Quando o PT se tornou governo, o cadastro de possíveis ocupantes de cargos era fácil de confeccionar, mesmo com a ausência de experiência do partido no governo federal. ( Amanhã: "O partido no poder")

FONTE: O GLOBO

A inexorável perda do poder:: Fernando Rodrigues

Perder poder é sempre desagradável. Impossível agir com naturalidade nessas situações. A estridente disputa interna no Judiciário nada mais é do que o sintoma de um processo cujo desfecho será o fim da inimputabilidade na qual se refugiam muitos juízes.

Parece que foi há cem anos, mas, na década passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal era Nelson Jobim. Obcecado por números, ele iniciou uma coleta a respeito dos orçamentos de Tribunais de Justiça do país. Inexistia estatística confiável sobre os ganhos dos juízes.

"Os TJs não diziam o valor exato dos salários. Em vários casos, eu pedi a algum juiz amigo que me desse uma cópia do seu contracheque, do qual eu rasgava a parte com o nome. Aí, calculava-se o valor da folha de pagamento daquele determinado tribunal", lembra Jobim.

Nesta semana, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, revelou que 45% dos desembargadores de São Paulo não entregam suas declarações de bens e rendimentos ao TJ. Em Mato Grosso do Sul, 100% descumprem essa regra -imposta por uma lei de 1993.

Segundo Eliana Calmon, alguns juízes não entregam suas declarações por desconhecerem a exigência legal. Críticos dirão: eles fingem ignorância. É possível, embora não seja um despautério imaginar juízes desinformados, despreparados e incapazes de entender com precisão a função que desempenham.

Há uma frase comum quando alguém questiona uma sentença. O magistrado quase sempre responde: "Decidi de acordo com a minha consciência". Argumento menos republicano, impossível. Juiz deve proferir decisões de acordo com a lei. E agir no seu cotidiano da mesma forma. No fundo, a crise atual é positiva. Mostra o Judiciário prestes a perder seu poder autocrático. O processo é lento, mas inexorável. Juízes terão de se comportar como todos os outros cidadãos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Fracasso irredutível:: Hélio Schwartsman

Já que Delfim Netto levantou o problema das previsões erradas dos economistas, acho que podemos tratar deste segredinho sujo que afeta em maior ou menor grau todas as ciências sociais.

Quem demonstrou cabalmente a precariedade dos prognósticos de economistas e cientistas políticos foi Philip Tetlock. Ele coletou, ao longo de 20 anos, 28 mil previsões feitas por 284 experts. A conclusão do estudo, publicado em 2005, é que eles se saíram ligeiramente melhores que o acaso. Um macaco lançando uma moeda obteria resultados parecidos.

Como é possível que tanta gente inteligente e estudiosa, que dedicou a vida a um ramo do saber, não consiga superar o macaco? A explicação é de ordem física. Nós nos habituamos a ver a ciência prevendo com enorme precisão fenômenos como eclipses e marés. Só que estes são sistemas não complexos. Aqui, para efeitos práticos, o todo não difere da soma das partes, o que permite montar equações relativamente simples que resultam em predições acuradas. Embora um bom número de fenômenos naturais siga esse padrão, há muitos que não o fazem.

Em sistemas complexos, que incluem quase todas as atividades humanas, o todo é mais que a soma das partes. É como um avião: nenhuma das peças que o compõem é capaz de voar, mas o conjunto, sim.

Prognósticos sobre sistemas complexos, quando possíveis, ficam à mercê de pequenas perturbações que podem alterar de forma dramática os resultados, em especial se o prazo é dilatado. É o efeito borboleta.

Isso significa que devemos desistir dos modelos econométricos? Calma lá. Apesar de suas limitações, eles nos ajudam a entender melhor os fenômenos e, ao menos em teoria, podem ser aperfeiçoados. O que podemos fazer é tentar recalibrar nossas mentes, para interpretar os vaticínios menos como um oráculo e mais como o resultado de um exercício intelectual irredutivelmente falho.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Olhar no futuro:: Regina Alvarez

A chegada de 2012 com tantos pontos de interrogação no cenário internacional deixa todos apreensivos e reativos. Os empresários estão retraídos, revendo planos de investimento e gastos futuros. O governo se vale de medidas emergenciais para reativar e proteger setores da economia, tentando contornar problemas estruturais. Mas a crise pode servir para abrir janelas de oportunidade para o país.

O professor Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral, que coordena no Brasil dois importantes estudos internacionais sobre competitividade: do Fórum Econômico Mundial e da escola de administração suíça IMD, lembra que o país teve perda importante no ranking de competitividade em 2011, fator que vai fazer a diferença no enfrentamento das turbulências no ano que vem. Problemas estruturais como a falta de infraestrutura, a burocracia, a carga tributária alta e a corrupção jogaram contra o país.

Aumentar a competitividade é condição indispensável para o Brasil manter-se na disputa internacional e até fazer gols em uma conjuntura de crise. Nesse sentido, o professor Arruda considera que o país tem muito a aprender com os chineses. Eles têm visão de longo prazo, investem fortemente em tecnologia e inovação, em infraestrutura, em formação e qualificação profissional. E vão fundo quando se trata de conhecer um parceiro em potencial. É assim que agem em relação ao Brasil.

- O país deveria olhar a China não como um concorrente, mas como parceiro - recomenda.

O Brasil tem um enorme mercado consumidor, que se tornou objeto do desejo dos países asiáticos, em razão de seus excedentes de produção. A China tem produtos em excesso e capital para investir.

- Por que então não deixar os chineses instalarem aqui suas fábricas e exigir como contrapartida investimentos em infraestrutura, por exemplo? - sugere o economista.

No Brasil, as contrapartidas exigidas pelo governo estão relacionadas à geração de emprego. Na China, à pesquisa e inovação. Mostra que o olhar da China é sempre de longo prazo.

Arruda avalia que a questão da competitividade entrou na agenda do governo, mas as ações são lentas e insuficientes. Um exemplo são os incentivos recentes ao setor têxtil focados apenas no emprego, quando esse segmento da indústria poderia aproveitar a oferta de bens de capital mais baratos para investir em máquinas e equipamento e melhorar a competitividade.

Mesmo barco

Nenhum país ficará imune a um agravamento da crise na zona do euro. Isso vale para o Brasil e para os demais da América Latina, porque a região tem problemas comuns: excessiva dependência das exportações de matérias-primas para a China, falta de infraestrutura, desigualdade, corrupção e baixa escolaridade. Mas, na visão de analistas, o impacto de uma piora no cenário internacional será diferenciado na região, porque alguns países estão mais preparados para enfrentar as turbulências e outros menos.

Atrativo

O economista venezuelano Pedro Palma prevê queda no crescimento e nas exportações, pressões inflacionárias e fuga de capitais da região, se a crise na Europa piorar, mas ressalva: "A sólida posição econômica que se tem hoje em boa parte da América Latina poderia minimizar esses efeitos negativos e, inclusive, ser um atrativo para os investidores europeus que estão em busca de oportunidades em outras economias".

Em alta

Chile, Colômbia e Peru, que fizeram o dever de casa, estão mais fortes para enfrentar as turbulências.

- Os países com grau de investimento e com uma sólida situação fiscal são os mais bem preparados - destaca o economista argentino Fausto Spotorno, da consultoria Orlando Ferreres.

A Colômbia avança nas reformas, o Chile é o mais desenvolvido da América Latina e segue com políticas adequadas.

- Lá a política fiscal tem mecanismos de autoequilíbrio. Em anos de pujança fiscal se faz poupança para usar em anos de crise. Por aqui não temos nada parecido, pelo contrário - destaca o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

Em baixa

As economias mais afetadas seriam aquelas pouco diversificadas e mais dependentes das exportações de commodities, como é o caso da Venezuela. A Argentina, o Equador, a Bolívia e a Venezuela tendem a acelerar seus desajustes, na visão do analista. "A discrepância de modelos dentro do continente deve aumentar, com o Brasil ficando no meio do caminho", prevê Sérgio Vale.

FONTE: O GLOBO

Fazer escolhas:: Celso Ming

A equipe econômica do governo Dilma já não insiste, como até há algumas semanas, em projetar o avanço do PIB em 2012 em 5%. Já trabalha com números mais modestos, ao redor dos 4%. No entanto, o Banco Central, bem mais realista, apontou quinta-feira, no seu Relatório Trimestral de Inflação, um crescimento do PIB de apenas 3,5%.

O que se pode dizer é que, num quadro de estagnação global, as tendências mais realistas para 2012 são de uma expansão mais modesto da economia brasileira, equivalente ao que se obterá neste ano.

O problema não é apenas esse, mas também o de que, além de enfrentar uma atividade econômica mais fraca, sobe o risco de que, em 2012, o governo Dilma também não consiga empurrar a inflação para o centro da meta (de 4,5%), como vem insistentemente prometendo e como está nos documentos oficiais do Banco Central.

Os números prévios (IPCA-15) de dezembro divulgados quarta-feira, como se pode ver à direita, não confirmaram perda de força da inflação brasileira. Não dá para afirmar que os resultados relativamente ruins da inflação de dezembro tenham sido somente um ponto fora da curva, atribuível à demanda exacerbada de final de ano.

Ao contrário. Novos fatores tendem a jogar mais lenha para a fornalha. A partir de janeiro, por exemplo, o salário mínimo enfrentará o reajuste já contratado ao redor dos 14% ao ano, acima do avanço da inflação e da produtividade. Num mercado de trabalho fortemente aquecido, como se viu pelo desemprego recorde de novembro, esse é um fator que, por si só, tem possibilidades de puxar os preços para cima. Além disso, 2012 será um ano de eleições municipais que, no Brasil, funcionam como aglutinação de forças para as eleições de dois anos depois, quando da definição dos novos governadores e do presidente da República para o período seguinte. Isso significa que as despesas públicas têm tudo para aumentar para fora do previsto, sobretudo nos Estados e nos municípios – o que deverá concorrer para a criação de renda e o aumento da demanda. Enfim, estamos falando de um quadro que tem tudo para dar corda à inflação.

Boa pergunta consiste em saber como se comportará o Banco Central na condução de sua política monetária (política de juros) numa provável conjuntura crescimento mais baixo, retração do superávit primário e alta da inflação.

Isto posto, convém lembrar que a intenção do coquetel de política monetária adotado em 2011 foi proporcionar uma dose mais alta de austeridade fiscal (aumento do superávit primário para 3,1% do PIB) para que os juros básicos (Selic) pudessem cair e, com isso, ajudar a impulsionar a atividade econômica.

Para isso, o governo Dilma apostou em pressões mais baixas nos preços dos alimentos em consequência do agravamento da crise internacional. Agora se vê que esse alívio não bastou para segurar os preços nos níveis pretendidos. Além do mais, as autoridades não contavam com o esticão dos custos dos serviços e dos combustíveis (pela baixa oferta de etanol).

Isso dificulta a sustentação da atual combinação de políticas econômicas ao longo de 2012. Com esse patamar de inflação, o desarranjo pode ser elevado e o Banco Central deve ter dificuldades para manter o atual ritmo de desaperto monetário para depois abril. Cresce também a probabilidade de que a alta dos juros tenha de ser retomada no final do segundo semestre do ano que vem.

Se isso se confirmar, a doceira de Brasília não poderá entregar o bolo enfeitado prometido pela presidente Dilma. Isso significa que o governo precisará fazer novas escolhas. Terá de eleger o objetivo mais importante: se é controlar a inflação, se é obter a baixa acentuada dos juros ou se é assegurar um crescimento econômico mais alto do que o que vai pintando para 2012.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Milícia em projeto de Eike é alvo de investigação

MPF apura violação de direitos humanos

RIO - O Ministério Público Federal de Campos investiga suposta formação de milícias e violação de direitos humanos no município de São João da Barra, no Rio de Janeiro, onde será construído o Porto do Açu, empreendimento do grupo EBX, do empresário Eike Batista.

Seguranças privados e policiais militares estariam atuando de forma truculenta e arbitrária na desapropriação de agricultores e pescadores da região, de acordo com nota do MPF.

Segundo a assessoria da LLX, braço de logística da EBX, a desapropriação no local é de responsabilidade da Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro), e o empreendimento do Porto do Açu, ainda em construção, conta com segurança privada nas portarias que dão acesso ao local.

Já a Codin disse em nota "desconhecer completamente questões relativas à atuação de milícias em São João da Barra" e que a suspeita não condiz com os métodos de atuação do órgão. "As desapropriações foram e serão feitas na forma da lei

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O peso dos juros a pagar sobre a dívida pública

Embora o governo federal tenha apurado, até novembro, um superávit primário de R$ 91,1 bilhões, a dívida pública federal continuou crescendo: 28% nos 11 primeiros meses do ano, atingindo R$ 1,806 trilhão, e a Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi), com R$ 1,752 trilhão, representa a maior parte e aumentou 9,3% em 11 meses.

O problema da dívida interna é que uma grande parte das emissões primárias é feita para atender à necessidade de pagar parte dos juros, pois o superávit primário não é suficiente. Em novembro, a apropriação positiva de juros foi particularmente elevada, atingindo R$ 16,61 bilhões para uma emissão líquida de R$ 3,38 bilhões.

O governo justifica esse valor elevado pela alta dos juros que se verificou no mercado. De fato, nos três últimos meses, a apropriação dos juros chegou a somar quase R$ 50 bilhões, e R$ 191,4 bilhões nos 11 primeiros meses, isto é, 10,55% do estoque da dívida.

O Tesouro não dá muitos detalhes sobre o custo da dívida e informa apenas que o custo médio acumulado da dívida interna baixou de 12,66% ao ano, em outubro, para 12,60%, em novembro, e o da dívida externa acusou forte aumento no mesmo período, de 8,85% para 14,73%, fruto da aversão ao risco, mesmo para o Brasil, indicando que deveríamos ter aproveitado para aumentar a dívida interna nos meses anteriores. Para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal, o governo terá de emitir títulos no valor de R$ 950 milhões, aumentando assim a dívida com recursos que certamente serão repassados a um preço inferior ao da captação, como já foi o caso do BNDES.

O perfil da dívida brasileira não é tranquilizador, especialmente no clima de incerteza que a economia mundial atravessa. A dívida interna que vence em 12 meses representa 23,70% do total, e a dívida externa de igual prazo, 12,58%. O prazo médio da dívida interna é de 3,52 anos e o da externa é de 6,52 anos.

Seria preciso avaliar como se poderia aumentar o superávit primário para cobrir parcela maior dos juros sobre a dívida e como procurar reduzir a dívida pública externa, que representa apenas uma parte do endividamento do Brasil com o exterior, mas chega a US$ 297,6 bilhões, ao que há de acrescentar juros num total, até outubro, de US$ 14 bilhões neste ano. O maior problema para a dívida pública federal é o de reduzir um custo que não se justifica, levando em conta os fundamentos da nossa economia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

33 mil jornais e sites contra a lei de Cristina

A Associação Mundial de Jornais, que reúne 33 mil periódicos e sites, criticou a nova lei que põe o papel jornal sob controle do Estado argentino, acusando Cristina Kirchner de perseguir a imprensa

Associações de imprensa criticam Cristina

Entidades internacionais dizem que diários, que terão papel-jornal regulamentado pelo Estado, são perseguidos

Do La Nación*

BUENOS AIRES. A Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN, na sigla em inglês) condenou "energicamente" a lei que autoriza o governo argentino a controlar o mercado de papel para diários. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) também desaprovou a medida e classificou como "perversas" as intenções do governo de controlar a liberdade de imprensa com a nova lei. A organização disse esperar que a legislação seja considerada inconstitucional.

Em comunicado divulgado ontem, a WAN, que representa 18 mil periódicos e 15 mil sites de todo o mundo, expressou que a medida é "claramente" parte de uma campanha da Casa Rosada "contra a imprensa independente", que "viola princípios fundamentais da liberdade de imprensa" e que poderia ser usada para "censurar e castigar" os meios de comunicação por comentários críticos ao governo.

"Acreditamos que a medida, que impõe o controle governamental sobre a empresa privada, é um passo para trás da Argentina e provocará um dano à reputação internacional do país", alertou o comunicado. "A medida permite a interferência do governo na imprensa, com a desculpa de manter a diversidade dos meios de comunicação. Este argumento é ainda mais absurdo na era digital, quando os meios de comunicação são mais diversos do que nunca."

Na quinta-feira, o Senado, com os votos de 33 kirchneristas e oito aliados, sancionou a lei que estatiza a produção, venda e distribuição do papel-jornal, principal insumo dos periódicos. Houve apenas 26 votos contrários ao projeto, além de uma abstenção.

A medida também restringiu a importação e deu ao Estado amplos poderes para intervir na empresa Papel Prensa, controlada conjuntamente pelo governo e pelos jornais "Clarín" e "La Nación", ambos críticos ao governo.

Recursos de publicidade reduzidos para opositores

Os projetos foram votados menos de duas semanas após o governo recuperar o controle do Senado. E não se tratam de medidas isoladas em relação à imprensa.

A presidente Cristina Kirchner iniciou sua reação às críticas jornalísticas ainda no início de seu primeiro mandato, quando veículos considerados opositores tiveram recursos de publicidade oficial significativamente reduzidos. Jornais de pequena tiragem - como o "Página 12", cuja circulação não chega aos 15 mil exemplares diários - recebem até US$5,1 milhões por ano - se forem simpáticos ao governo. Enquanto isso, o "Clarín", que vende 20 vezes mais, recebe apenas 4,1% deste valor (US$210 mil).

Em 2009, Cristina sancionou a Lei sobre Serviços Audiovisuais, que reduziu o número de concessões permitidas por empresa de 22 para dez, ainda contestada na Justiça pelo Grupo Clarín. Enquanto espera a resposta dos tribunais, o jornal sofre inspeções da Receita Federal e até bloqueios às empresas encarregadas pela distribuição do diário. Uma dessas operações chegou a levar 200 fiscais à sede do periódico.

Concessões de internet e TV a cabo sob risco

Os tentáculos do governo também se estendem a outros fronts. No ano passado, a Casa Rosada tentou anular a concessão da Fibertel, fornecedora de internet ao "Clarín". O caso aguarda decisão judicial. E, na semana passada, a Cablevisión, fornecedora de TV a cabo do mesmo grupo, sofreu uma intervenção policial.

Na quinta-feira, 23 publicações usaram suas páginas para denunciar a perseguição que sofrem sob comando de Cristina. O "La Nación", participante do protesto, afirmou estar com todos os seus bens bloqueados pela Justiça, a pedido da Receita Federal, que exige o pagamento de uma suposta dívida de US$38 milhões. Somando todos os outros meios de comunicação também acusados de sonegar o Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA), o débito da imprensa com o Estado chegaria a US$116 milhões.

Líderes oposicionistas se juntaram aos proprietários de periódicos e já denunciam, em organizações internacionais, a suposta inconstitucionalidade das leis regulamentadoras do papel-jornal. Além da WAN, autora do comunicado que, ontem, condenou o controle governamental sobre os insumos dos diários, outras entidades foram acionadas, como a Organização de Estados Americanos.

* Com agências internacionais

FONTE: O GLOBO