domingo, 5 de fevereiro de 2012

Um africano veste Prada:: Vinícius Torres Freire

Crescimento medíocre de um ano dos Estados Unidos equivale a alta de 25% do PIB da África Subsaariana

Quase todos os dias, os jornalistas tratamos dos dramas das economias dos ricos Estados Unidos e União Europeia; nos esquecemos um tanto do rico Japão, que parou de crescer faz uns 20 anos e se tornou crise carne de vaca, em relativo oblívio.

Porém é raro se perguntar por qual motivo os países ricos ainda precisariam crescer tanto. O crescimento americano foi medíocre no ano passado? Foi: 1,8%. Caso esse aumento da renda (do PIB) americana fosse adicionado ao PIB da África Subsaariana, digamos, o crescimento africano teria sido de 25%, o triplo do chinês.

O PIB do Brasil é mais de 50% maior que o da África (inteira, e não apenas a Subsaariana). Aqui vivem menos de 200 milhões de pessoas; lá, mais de 1 bilhão.

Sim, se trata de aritméticas ingênuas, uma caricatura grotesca como vestir um somali esquálido de Gucci ou Ralph Lauren. Por ora, pois, passemos.

Sim, não é possível ignorar a crise euro-americana. A lambança promovida pela finança mundial, assessorada e marquetada pelos economistas, ainda pode empestear (mais) o mundo inteiro.

Sim, o lixo nuclear financeiro vai ser enterrado apenas quando a economia euro-americana voltar a crescer.

Isto posto, limpa a sujeira da finança, pergunte-se de novo: por que o mundo rico precisa crescer muito mais? No nível da renda per capita deles, com uma distribuição melhorzinha, a maioria dos problemas materiais não estaria resolvida? Estaria, mas essa é outra tolice ingênua. Não é isso que está em jogo.

Economias de mercado, "capitalismos", são movidas pela acumulação sem sentido. "Sem sentido" não quer dizer "desvairado", mas "sem objetivo determinado", como por exemplo o de fornecer três cuias diárias de comida para todo mundo, além de um abrigo, água limpa e vacinas, afora o tempo para preguiça e dançar forró no terreiro.

O capital se acumula para se acumular, ponto. Economias de mercado foram até hoje as mais capazes de produzir muito e rápido, mas não está no gene delas um plano de distribuição decente ou de paz na terra para pessoas de boa vontade.

Em termos econômicos, para nem falar dos políticos, a pergunta do fim do crescimento dos ricos é ainda tola. Não parece possível manter as economias num "estado estacionário", sem regressão. Não há como, sem mais, transferir poupança e ainda menos investimento do mundo rico para o tumulto africano -nem que houvesse vontade.

O crescimento do mundo rico um dia vai se derramar sobre a África ao sul do Saara, sobre o sul da Ásia etc.? Uhm. Quando? Quantas gerações mais vão viver no lixo até que isso aconteça? Haverá recursos bastantes (físicos)? Qual a "consistência intertemporal" (como dizem os economistas) dessa conversa fiada?

Nenhuma. Assim como nenhuma é a chance de haver coordenação econômica mundial (rir, rir, rir) que realocasse recursos (de capital, políticos, educacionais) de modo a fazer a economia andar mais ali, menos aqui.

A gente discute se os EUA vão crescer 0,3% mais ou menos em 2012 (1,8% ou 2,1%?); esse 0,3% dobraria o crescimento da África deste ano. É uma caricatura. É grotesco, horrendo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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