sexta-feira, 2 de março de 2012

Canibalismo monetário:: Celso Ming

A presidente Dilma Rousseff tentou compensar com contundência verbal a falta de contundência prática do governo nas decisões anunciadas ontem para estancar ou reverter a valorização do real (queda do dólar).

Dilma criticou os países ricos por "canibalizarem os emergentes" com "políticas monetárias inconsequentes". Ou seja, condenou as impressionantes emissões de moeda do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e do Banco Central Europeu (BCE) para desbloquear o crédito nos países de origem, pelo impacto negativo que provocam no resto do mundo - especialmente nos emergentes.

Os ingleses chamam a isso de reduzir o vizinho à condição de mendigo (beggar thy neighbour). O ministro da Fazenda, Guido Mantega, preferiu defini-lo como guerra cambial.

A agressividade verbal da presidente pode significar ou a necessidade de maior rigor no controle do afluxo de moeda estrangeira sobre o Brasil; ou a falta de opções eficazes à disposição do seu governo.

Mantega impôs novo aperto à tomada de empréstimos externos pelas empresas brasileiras. Até ontem, financiamentos levantados lá fora com prazo inferior a 720 dias (dois anos) pagavam pedágio (IOF) de 6% - para serem desestimulados. A decisão de ontem ampliou esse prazo para 1.080 dias (três anos).

Como Mantega ameaçava acionar seu "arsenal de medidas", sugerindo recorrer a artilharia pesada, a decisão foi tão branda que foi recebida com alívio. Pareceu que o governo não pretendeu mais do que equiparar o prazo mínimo desses empréstimos externos ao dos de três anos, que o BCE concedeu nas Operações de Refinanciamento de Longo Prazo (LTRO, na sigla em inglês) aos bancos europeus.

Ainda ontem, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, apontado como consultor informal da presidente Dilma para assuntos econômicos, também considerou baixo o fogo de artilharia. Sugeriu que as entradas no País de recursos financeiros fossem submetidas à quarentena, ou seja, que ficassem por um período paradas no Banco Central, sem direito à remuneração.

Belluzzo recomendou, também, triagem na entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs). Isso exigiria a adoção de um critério objetivo para acolher com champanhe e banda de música os capitais desejáveis (que viessem para investir e criar empregos) e mandar de volta os indesejáveis. A ideia não é só evitar a entrada de recursos destinados a especular com diferença de juros; é, principalmente, evitar que capitais predatórios concorram para valorizar o real (derrubar o dólar) e, assim, tirar competitividade da produção nacional.

Essas propostas enfrentam dois problemas. O primeiro é entender que a entrada de recursos especulativos seja relevante. Dirigentes do Banco Central têm dito que não são. E o segundo, que esse controle qualitativo dos investimentos seja de aplicação simples. Por que investimentos em indústria de capital chinês seriam bem-vindos e os feitos em supermercados (como Walmart ou Carrefour) não? Ontem, Mantega negou a intenção do governo de "taxar a entrada de IEDs".

Fica no ar a pergunta: afinal, o que a presidente Dilma pretende fazer para evitar o canibalismo das grandes potências sobre as vítimas emergentes?

CONFIRA

No gráfico, o comportamento do comércio exterior do Brasil nos últimos 13 meses.

Dilma errou. Ao expor sua indignação contra políticas dos grandes bancos centrais, a presidente Dilma cometeu dois equívocos técnicos. O primeiro foi afirmar que essas políticas provocam um “tsunami fiscal”. O correto teria sido dizer “tsunami monetário”. O segundo, dizer que “só ontem (dia 29) foi 1 trilhão de euros”. Na verdade, esse último despejo de empréstimos aos bancos pelo BCE somou 529,5 bilhões de euros.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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