sexta-feira, 2 de março de 2012

Contra a corrente:: Míriam Leitão

O governo brasileiro passou mais uma trava na porta da mesma tecnologia: aumentou o prazo para que o capital estrangeiro possa ficar livre do IOF. Antes, empréstimo com vencimento abaixo de 90 dias pagava imposto. Em março passado, foi para um ano; em abril, dois anos; em julho, foi criado o imposto sobre derivativos. Ontem, o prazo foi de novo ampliado, para três anos. O país tenta em vão conter a enxurrada de dólares.

O gráfico abaixo foi elaborado pela consultoria inglesa Capital Economics e mostra todas as vezes em que o governo baixou alguma medida para impedir a valorização do real. Vejam que, apesar de todas as intervenções, o real continuou se valorizando, até que a crise na Zona do Euro ficou mais forte, por volta de setembro de 2011, e a moeda brasileira se desvalorizou muito rapidamente.

O economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman e Associados, acredita que as medidas do governo não têm efeito sobre a taxa de câmbio e acontecem apenas para mostrar que algo está sendo feito. Segundo ele, o que realmente importa para definir a cotação do real é a relação do dólar perante uma cesta de moedas internacionais e o preço das commodities que o Brasil exporta.

- Quando o dólar se desvaloriza em relação ao euro, ele também perde valor em relação a uma cesta de moedas de países emergentes. É um fenômeno que não acontece apenas com o real. Já em relação às commodities, o Brasil é um exportador líquido, e isso quer dizer que quando o preço delas fica mais alto, mais dólares vêm para o país - explicou Alexandre.

De fato, os números mostram que a valorização do real não é caso isolado. Em relação ao peso mexicano, por exemplo, a desvalorização do dólar é de 8,58% este ano, maior do que os 8,4% de perda frente o real. A moeda americana também cai 7,82% sobre o rand sul-africano; 7,29% em relação ao dólar neozelandês; e 5,42% sobre o dólar australiano. Ou seja, a nossa moeda tem o mesmo comportamento que a de outros países, principalmente dos que são exportadores de matérias-primas.

O que realmente acontece é que em momentos de relativa tranquilidade na economia mundial a moeda americana se desvaloriza. Em agosto de 2008, por exemplo, antes do estouro da crise internacional e de toda a expansão monetária feita pelos banco centrais para combater a crise, o dólar chegou a ser cotado a R$ 1,55, no dia 1 de agosto.

Schwartsman questiona o conceito de guerra cambial anunciado pelo governo. Explica que a ação do Banco Central Europeu (BCE) de emitir mais euros não teve como objetivo desvalorizar a moeda, mas sim evitar que houvesse a quebra de alguma instituição financeira na Zona do Euro, que provocasse uma crise sistêmica.

- Quando o BCE aumentou a base monetária, o efeito foi de valorizar o euro, e não desvalorizar. O euro estava se desvalorizando com o crescimento da crise e a desconfiança sobre a Zona do Euro. Quando o BCE afastou o risco de quebra de algum banco, o euro voltou a ser uma moeda atrativa e se valorizou em relação ao dólar. É exatamente o contrário - disse.

De uma forma geral, a reação do mercado sobre a medida do governo foi de descrença. O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, por exemplo, acredita que novas medidas serão anunciadas, mas que ainda assim a tendência será de valorização da moeda brasileira.

"Tal medida e os sinais de que o governo pode intervir de outras formas sobre o mercado cambial podem minimizar a pressão de curto prazo para a valorização do real. Contudo, continuamos acreditando que os fundamentos apontam na direção de um câmbio mais apreciado do que no nível atual, diante da liquidez mundial abundante", disse o banco em relatório.

A valorização do real tem efeitos benéficos porque estimula os investimentos. Schwartsman lembra que os investimentos no Brasil estão num nível baixo, na casa de 18% do PIB, e que essa taxa seria ainda mais baixa se a moeda fosse desvalorizada:

- Só existem três formas de levantar recursos para investir: o governo corta gastos e faz poupança; os consumidores cortam gastos e fazem poupança; toma-se poupança de outros países. Como no Brasil o governo aumenta os gastos e estimula também as compras dos consumidores, só sobra a poupança externa. É por isso que temos um déficit em conta corrente de cerca de US$ 50 bilhões.

Diante de um quadro de relativa impotência sobre o câmbio, o governo deveria trabalhar para dar mais condições de competitividade para a indústria, que é quem mais sofre com a concorrência dos importados e as dificuldades em exportar. Mas até a indústria se beneficia em parte da alta do real porque pode importar máquinas que aumentam a produtividade. O comércio também agradece o fortalecimento da moeda, porque isso facilita importações e aumenta a concorrência entre os seus fornecedores.

FONTE: O GLOBO

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