sábado, 17 de março de 2012

Pará usa Anistia e não reabre o caso Curió

O juiz federal João Otoni de Matos, de Marabá (PA), rejeitou ontem a denúncia do Ministério Público contra o coronel Sebastião Curió, acusado de sequestrar cinco militantes na ditadura. Para Matos, a Lei de Anistia impede a investigação de crimes daquele período. Já a ONU pediu que a Justiça do Brasil apure esses csos.

Lei da Anistia volta ao STF

Justiça rejeita denúncia contra Curió, e tribunal vai decidir se desaparecimentos estão perdoados

Carolina Brígido, Juliana Castro e Thiago Herdy

No dia em que a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu que o Judiciário brasileiro levasse adiante a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel Sebastião Curió pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes capturados na guerrilha do Araguaia na década de 1970, o juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, no Pará, rejeitou a iniciativa. O MPF informou que vai recorrer da decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Como o grupo está desaparecido até hoje, o MPF argumentou que o crime não terminou e não poderia ser acobertado pela Lei da Anistia, que perdoou ilícitos cometidos por agentes do governo e opositores durante a ditadura militar. A tese não convenceu o magistrado paraense.

Para resolver de vez a questão, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga na próxima quinta-feira se crimes continuados, como os desaparecimentos, estão incluídos entre os que foram perdoados pela Lei da Anistia. A Ordem dos Advogados do Brasil entrou com embargo para esclarecer o alcance da Lei da Anistia, depois do questionamento dos procuradores. Em 2010, o STF decidiu que a lei perdoou crimes políticos cometidos durante a ditadura militar, mas o MPF levantou nova argumentação que exige esclarecimento.

O juiz que rejeitou a denúncia do MPF contra Curió considerou ilegal a argumentação dos procuradores federais e ressaltou aspectos políticos. "Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", anotou João César Matos em sua decisão.

A denúncia aponta como vítimas Maria Célia Corrêa, a Rosinha; Hélio Luiz Navarro Magalhães, o Edinho; Daniel Ribeiro Callado, o Doca; Antônio de Pádua Costa, o Piauí; e Telma Regina Cordeiro Corrêa, a Lia. Eles teriam sido sequestrados por tropas comandadas pelo então major Curió entre janeiro e setembro de 1974, levados a bases militares coordenadas por ele e submetidos a sessões de tortura. Depois disso, nunca mais foram vistos.

Para Matos, os procuradores não apontaram "documento ou elemento concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido, e permaneceriam até hoje, sequestrados".

Segundo o magistrado, para configurar crime de sequestro, não basta o fato de os desaparecidos não terem sido localizados. "Aliás, dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o parquet (o MPF) que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia", disse. O juiz também considerou que, mesmo que houvesse indício de crime, o militar não poderia ser punido, pois teria prescrito.

O advogado Adelino Tucunduva, que atua na defesa de Curió, comentou a decisão da Justiça do Pará em rejeitar a denúncia do Ministério Público Federal contra o militar:

- A decisão não é diferente do que esperávamos. Se por um lado existem procuradores afoitos, por outro há juízes com os pés no chão.

ONU pede que caso de Curió vá adiante

Antes da decisão da Justiça do Pará, a ONU divulgou nota em Genebra assinalando que o acolhimento da denúncia seria "um primeiro passo crucial na luta contra a impunidade que rodeia o período do regime militar no Brasil".

"Estamos esperançosos de que o Judiciário brasileiro vai defender os direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça, permitindo que este processo muito importante vá para a frente", disse o comunicado, que remete a uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou ao Brasil esclarecer os fatos e punir os responsáveis pelos crimes cometidos por agentes da ditadura no Araguaia .

A denúncia do MPF foi ajuizada na última quarta-feira. com a esperança de ser a primeira ação do país com o objetivo de punir um militar por crime cometido na ditadura. "As violentas condutas de sequestrar, agredir e executar opositores do regime governamental militar, apesar de praticadas sob o pretexto de consubstanciarem medidas para restabelecer a paz nacional, consistiram em atos nitidamente criminosos, atentatórios aos direitos humanos e à ordem jurídica", diz a denúncia.

A ação leva a assinatura dos procuradores da República Tiago Rabelo e André Casagrande Raupp, de Marabá; Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr., de Belém; Ivan Marx, de Uruguaiana; Andrey Borges de Mendonça, de Ribeirão Preto; e Sérgio Suiama, de São Paulo. Em nota, os procuradores ressaltaram a importância da ação. "Não existe convicção de que as pessoas estão mortas, portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas", diz a nota.

Em São Paulo, parentes de opositores ao regime militar e organizações de defesa dos direitos humanos lamentaram a decisão da Justiça .

- O Judiciário brasileiro está abrindo mão de mais uma oportunidade de consolidar o estado de direito no Brasil, é decepcionante - criticou Beatriz Affonso, diretora do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), entidade que levou o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

- Essa foi a primeira, mas não será a última vez em que juízes federais terão que se deparar com a questão. Com a decisão, retornamos a um lugar conservador e inadequado a uma democracia sólida - acrescentou Beatriz.

Irmã de três guerrilheiros que teriam sido torturados e mortos no Araguaia, Maria Laura Petit se disse indignada e frustrada pela recusa de recebimento da denúncia e acusa o Judiciário paraense de "cerceamento de direito".

- A sensação que fica é de que, politicamente, o Brasil teve avanços nos últimos anos, como eleições diretas etc. Mas, em outros níveis, sobrevivem enclaves autoritários que nos impedem de rever o nosso passado e viver uma democracia verdadeira. É isso que estamos encontrando hoje no Poder Judiciário - afirmou.

Irmão de Maria Célia Corrêa, estudante de Ciências Sociais que desapareceu no Araguaia, Aldo Corrêa já temia que a denúncia não fosse aceita:

- Era uma questão de coragem para a Justiça aceitar essa denúncia. Não importa se o Estado já havia considerado em lei que minha irmã está morta. Nós queremos saber o que aconteceu com ela, onde está o seu corpo.

FONTE: O GLOBO

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