sábado, 10 de março de 2012

Quando cumprir a lei é um dilema

Congresso agora diz que prazo de 14 dias é pequeno para examinar casos de urgência

Isabel Braga, Cristiane Jungblut

O recuo do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmando a legalidade das medidas provisórias em vigor, não acabou com o mal-estar e a confusão no Congresso. Há dúvidas sobre como cumprir, de agora em diante, a exigência constitucional de criar uma comissão especial com deputados e senadores para analisar, em 14 dias, as medidas provisórias, antes de elas irem para votação nos plenários da Câmara e do Senado. O próprio presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), reclamou ontem. Disse que o Supremo desconsiderou o fator político no debate e na aprovação das medidas provisórias.

Segundo Maia, a aprovação de medidas provisórias é influenciada por questões políticas, como a demora causada pela obstrução da oposição e até do governo, em alguns casos. A série de dúvidas deverá levar à retomada da discussão da chamada PEC das MPs, apresentada pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), já aprovada naquela Casa e em tramitação na Câmara. Mas essa proposta, que acaba com a polêmica comissão mista especial para analisar medidas provisórias, sofre resistências na Câmara. Os deputados temem perder poder, e o Palácio do Planalto não gostou dos prazos estabelecidos para que uma medida provisória perca a eficácia, caso não seja votada.

"STF desconsiderou questão política"

Ao comentar a decisão do Supremo, Maia repetiu várias vezes que o tribunal não levou em conta o debate político e que se ateve a prazos. Na discussão de uma MP, os parlamentares negociam, até mesmo com o governo, possíveis mudanças no texto.

- Ainda há um certa incompreensão sobre o rito das MPs nas Casas. É uma questão política, não é regimental. Não votamos as MPs, muitas vezes, porque a oposição não deixa. As MPs são um instrumento de debate político. O Supremo desconsiderou a questão política. As MPs são usadas para pressionar o governo - criticou Maia. - É óbvio que a decisão (do STF) interfere nesse debate.

Apesar de elogiar o recuo do STF em relação às MPs antigas - que não terão sua legalidade questionada porque foram aprovadas sem a instalação das comissões mistas -, Maia demonstrou contrariedade. Disse que o prazo de 14 dias estabelecido por resolução que disciplina o trâmite das MPs na comissão mista, - e que nunca foi obedecido - pode ser insuficiente:

- Que bom que houve o recuo (da anulação das MPs aprovadas fora do rito). Causaria muita insegurança jurídica. Na decisão tomada, ficaram lacunas: como poderemos obrigar os deputados a participarem das comissões mistas e decidirem em 14 dias? O problema não é de regra e prazos, é político e vai continuar acontecendo! O regramento é claro e não há necessidade de alterar o rito das MPs. A comissão mista terá 14 dias para emitir um parecer único. Depois disso, ele será votado no plenário da Câmara e, depois, no do Senado. A Constituição estabelece as regras gerais, e a resolução determina os prazos. Serei um lutador para que a resolução seja cumprida em sua integralidade. Desmonta a tese de que não há regras claras na tramitação das MPs.

Nesse ponto, ficou evidente ainda a confusão dentro do Parlamento sobre a decisão do Supremo. Segundo regimentalistas da Câmara, o Supremo considerou inconstitucional a resolução número 1 do Congresso, de 2002, que dava prazo para a comissão especial se pronunciar. Isso porque o Supremo considerou que a comissão especial é obrigada a emitir parecer sobre uma medida provisória. A Constituição, no artigo 32, não fixa prazo. A decisão do Supremo, à disposição na página oficial do tribunal, é clara: o plenário do Supremo modificou a proclamação da decisão e declarou a inconstitucionalidade incidental dos artigos 5, caput, e 6, parágrafos 1 e 2, da Resolução 1/2002 do Congresso.

Nove MPs estão na pauta da Câmara

Maia sinalizou ainda que há dificuldades, entre os deputados, em acelerar a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que altera o rito das MPs (PEC70/2011), que já foi aprovada pelo Senado e está parada na Câmara. A PEC está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tem como relator o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), eleito recentemente presidente da comissão. Para Maia, Berzoini vai seguir o rito normal de tramitação de PECs na Câmara. Inicialmente, a PEC terá sua admissibilidade apreciada e, se passar na CCJ, o mérito terá que ser votado em comissão especial, antes de seguir ao plenário da Casa.

O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse, na véspera, que poderia aumentar a pressão para se discutir a PEC, mas não mostrou animação pela proposta:

- A decisão deixou dúvidas.

O texto original de Sarney foi alterado, no próprio Senado, pelo relator Aécio Neves (PSDB-MG). Pela proposta, acaba a comissão mista especial. A admissibilidade das MPs, ou seja, se elas têm caráter de urgência e relevância, deve ser analisada pelas Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado (CCJ). Além disso, a Câmara terá 80 dias para analisar uma medida provisória; depois, o Senado terá mais 30 dias; e ainda haverá dez dias para a Câmara reavaliar alterações feitas pelos senadores. No total, são os 120 dias de vigência de uma medida provisória.

A proposta do Senado ainda acaba com os chamados "jabutis". Determinando que uma MP só pode tratar de tema específico, sem inclusão de outros. Há nove MPS na pauta da Câmara; outras três entrarão nos próximos dias. Apesar de a decisão do STF só valer daqui para frente, o PPS vai exigir que o novo rito já seja aplicado para as MPs em tramitação na Câmara.

FONTE: O GLOBO

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