sexta-feira, 27 de abril de 2012

A palavra seda:: João Cabral de Melo Neto

A atmosfera que te envolve 
atinge tais atmosferas 
que transforma muitas coisas 
que te concernem, ou cercam. 


E como as coisas, palavras 
impossíveis de poema: 
exemplo, a palavra ouro, 
e até este poema, seda. 

É certo que tua pessoa 
não faz dormir, mas desperta; 
nem é sedante, palavra 
derivada da de seda. 

E é certo que a superfície 
de tua pessoa externa, 
de tua pele e de tudo 
isso que em ti se tateia, 

nada tem da superfície 
luxuosa, falsa, acadêmica, 
de uma superfície quando 
se diz que ela é “como seda”. 

Mas em ti, em algum ponto, 
talvez fora de ti mesma, 
talvez mesmo no ambiente 
que retesas quando chegas, 

há algo de muscular, 
de animal, carnal, pantera, 
de felino, da substância 
felina, ou sua maneira, 

de animal, de animalmente, 
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta 
persiste na coisa seda. 

(Quaderna, 1956-1959)

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