terça-feira, 12 de junho de 2012

Cabo das tormentas:: Míriam Leitão

A Espanha está tentando contornar o mais doloroso no processo de pedir socorro financeiro aos países do euro: a humilhação de ter as decisões de governo submetidas ao controle externo. Até agora conseguiu, porque os outros países líderes aceitaram construir um caminho alternativo. Os episódios recentes não estimulam o otimismo nesse caso. Um país quando começa a pedir resgate tem um preço a pagar.

O governo espanhol tem 47 bilhões em dívida para rolar ainda este ano e está pagando juros mais caros. Além disso, os bancos espanhóis têm alta exposição à dívida pública do país. São eles que financiam o governo, o que torna a crise uma espiral negativa. O governo vai pegar empréstimos para injetar dinheiro nos bancos, para saneá-los, mas isso vai piorar a qualidade dos títulos públicos porque a dívida aumenta. O endividamento público deve subir de 70% do PIB para 80% por causa desse empréstimo. Mesmo que se consiga uma contabilidade criativa que evite a alta da dívida líquida, no registro da dívida bruta terá que constar esse empréstimo.

Há também um deterioração no sentimento dentro da própria união monetária porque, diante de um mesmo problema, os líderes tomaram decisões diferentes. Grécia, Irlanda e Portugal terão que cumprir metas e submeter suas decisões à troica, que reúne os burocratas do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Mas a Espanha está conseguindo uma nova rota ao dinheiro dos mecanismos de financiamento para a saída da crise. E isso apenas porque é uma economia maior do que as outras.

Esse socorro não resolve os outros problemas do país: o baixo crescimento, o alto desemprego, a queda dos preços dos imóveis, a alta inadimplência.

Na opinião do economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio, a Europa está tentando evitar um desastre caso as eleições gregas deem vitória às tendências mais radicais, no próximo domingo. Se quem ganhar a eleição não cumprir o que foi acertado, a União Europeia pode decidir não financiar o país. Esse é um cenário de caos, pensa ele.

Camargo compara com a situação da Argentina, quando as províncias começaram a lançar títulos para pagar as próprias contas por falta absoluta de dinheiro, às vésperas do colapso do país. Na visão dele, o socorro à Espanha não resolve o problema e é só uma ação preventiva a esse cenário de descontrole que pode ocorrer numa saída desordenada da Grécia da união monetária.

Os títulos espanhóis terminaram o dia pagando 6,51% de juros, para vencimento em 10 anos. Uma forte alta frente os 6,22% de sexta-feira. Quanto maior a taxa de juros, maior o custo para o Tesouro espanhol se financiar. E se subiram é porque o anúncio do pacote de medidas não convenceu.

As bolsas europeias tiveram desempenho misto, com pequena alta na Alemanha, pequenas quedas na França e na Espanha. Mas o que chamou atenção foi o tombo de 2,79% na bolsa de Milão. Um prenúncio de que a Itália pode ser a próxima vítima? Os títulos do governo italiano voltaram a ser negociados acima de 6%. No Brasil, o dólar subiu para R$ 2,05, apesar de uma intervenção feita pelo Banco Central, que vendeu US$ 400 milhões em uma operação de swap. O Ibovespa caiu 0,79%. E a balança comercial começou junho no negativo. O temor dos analistas é que piore os termos de troca do Brasil, ou seja, caia de preço o que o Brasil vende, e suba o preço do que o Brasil compra, como resultado da alta do dólar.

É difícil saber o efeito que terá sobre os outros países da Europa o tratamento desigual dado a governos com problemas parecidos. O risco é de aumentar o ressentimento entre gregos, portugueses e irlandeses. Para a Espanha, a arquitetura da ajuda é de uma transferência de recursos do Fundo de Estabilidade Financeira para o fundo espanhol que socorrerá os bancos. Se fosse ajuda direta ao governo seria obrigatório que as autoridades assumissem metas de desempenho fiscal.

O que as autoridades da zona do euro temem é a consequência política de uma intervenção no formato mais tradicional. O governo de Mariano Rajoy tem apenas seis meses e já está com 80% de rejeição. A aceitação de uma supervisão externa sobre as decisões de governo o enfraqueceria ainda mais.

O que ficou claro depois desse fim de semana é que existe de fato duas europas. Uma delas é formada pelos quatro grandes países: Alemanha, França, Itália e Espanha. E outra é formada pelos outros países menores. Portugal, que faz parte do segundo grupo, vem fazendo um espantoso esforço, e até agora com êxito, de redução do déficit em transações correntes e de melhora das contas públicas.

Um caminho que pode sanar essa fratura - que permite que alguns contornem tormentas que outros têm que enfrentar - pode ser o de criar a obrigação de que os maiores bancos de todos os países se submetam à supervisão de uma autoridade bancária supranacional. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, defendeu esse caminho enfaticamente. Ele disse, numa entrevista ontem à noite ao "Financial Times", que diante da crise o único caminho é a união mais profunda da federação monetária. Barroso argumentou que a construção da União Europeia sempre foi "passo a passo", mas que agora é necessário um grande passo.

FONTE: O GLOBO

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