quarta-feira, 11 de julho de 2012

Falta de reformas desindustrializou país, diz FHC

Alex Ribeiro

WASHINGTON - Não é a chamada guerra cambial que empurra o Brasil para uma perigosa desindustrialização, mas a perda de competitividade causada em parte pela paralisia das reformas no governo Lula, afirmou ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nos Estados Unidos, horas antes de receber o Prêmio Kluge, por muitos considerado o Nobel das ciências humanas.

"Não há guerra cambial. O problema central de toda a economia é como você aumenta o investimento e a produtividade", disse Fernando Henrique, negando a expressão cunhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre as desvalorizações feitas por vários países do mundo para turbinar suas exportações.

"Agora mesmo, ajustaram o câmbio. Vai alterar muito isso? Muito difícil. Melhora topicamente", seguiu o ex-presidente tucano, falando sobre a recente alta do dólar no Brasil. Para FHC, as empresas têm dificuldades de concorrer com importados por causa da baixa produtividade da economia, ligada a fatores como altos custos de energia, má infraestrutura e peso dos impostos. "O governo Lula paralisou as reformas."

FHC ganhou o Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, devido às realizações de toda a sua vida acadêmica. Ele fez pesquisas sobre vários temas, como escravidão e elites, mas o seu reconhecimento veio com o livro "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", publicado em 1969 em co-autoria com o pesquisador chileno Enzo Faletto.

A visão dominante até então era de que países subdesenvolvidos, na periferia do mundo, estavam condenados a um estado de submissão econômica aos países ricos centrais. Os capitais investidos por países desenvolvidos nas economias subdesenvolvidas iriam apenas extrair riquezas. O rompimento dessa relação só seria possível com uma revolução socialista, dizia a tese corrente, como a de Cuba.

Avançando na teoria do economista argentino Raul Prebish, FHC e Faletto argumentaram que os países em desenvolvimento teriam a ganhar com os capitais de países ricos. "Percebemos que a periferia estava longe de ser homogênea e estática", disse FHC ao receber o prêmio, de acordo com cópia de seu discurso. "Países como Brasil, Argentina e México já tinham um começo de base industrial e se ligavam com a economia global de uma maneira diferente de países que eram apenas exportadores de recursos naturais", afirmou o ex-presidente, em entrevista. "Sem muita consciência, discutimos um pouco a globalização", afirmou. "Hoje, todo mundo sabe que é assim, mas na época levei muita crítica, sobretudo da esquerda."

No Brasil atual, o ex-presidente apontou problemas no papel do Estado na economia. "O governo sempre banca o crescimento, o problema é em que medida", disse. "No Brasil, você tem o caso do governo que escolhe campeões", afirmou Fernando Henrique, sobre os empréstimos com juros subsidiados feitos pelo BNDES para "10 ou 12 grupos". "Acho que isso excede o que é razoável."

Para FHC, os partidos políticos brasileiros deixaram de debater os grandes temas nacionais, em parte devido à formação de um consenso básico sobre política econômica.

"Quando eu estava no governo, diziam que eram políticas neoliberais. Agora, é o governo Lula, o governo Dilma, mas é a mesma coisa. Ninguém fala mais em neoliberal, porque foi aceito", declarou ontem.

O ex-presidente criticou a condução pelo Brasil da crise causada pelo impeachment do presidente Fernando Lugo, no Paraguai. "Acho que teria sido preferível a ação do Mercosul antes do impeachment, mandar uma missão negociadora para uma conciliação", disse.

FHC também criticou a rápida aceitação da Venezuela no Mercosul, porque pode criar problemas quando o Paraguai for readmitido e porque o novo sócio não cumpriu a obrigação de implementar a Tarifa Externa Comum (TEC).

Questionado sobre as eleições municipais de São Paulo, Fernando Henrique deu uma leve alfinetada no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se engajou na campanha do ex-ministro Fernando Haddad e candidato do PT à sucessão paulistana. "Estou torcendo por [José] Serra, ponto", afirmou, referindo-se ao candidato do PSDB. "Depois que sai da Presidência, ou mesmo na Presidência, nunca me envolvi com campanha municipal", comentou o ex-presidente tucano.

Fernando Henrique disse que pensará depois sobre o que fará com a premiação de US$ 1 milhão. "Eu dei 27,5% para o governo federal", disse, sobre o pagamento de Imposto de Renda. "Não foi decisão minha", afirmou FHC ontem.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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