sexta-feira, 13 de julho de 2012

TCM questiona a licitação dos ônibus do Rio

Relatório aponta irregularidades em 33 das 41 empresas participantes da concorrência e acha indícios de formação de cartel

Luiz Ernesto Magalhães

RIO - O Tribunal de Contas do Município (TCM) identificou indícios de formação de cartel e irregularidades na documentação das empresas que disputaram e venceram em 2010 a primeira licitação pública da história da cidade para operar todas as linhas de ônibus e o bilhete único em regime de consórcio. Segundo o TCM, das 41 empresas que participaram da concorrência para operar o sistema por 20 anos — renováveis por igual período—, apenas oito teriam respeitado as normas do edital de concessão. As informações constam de um relatório do conselheiro Antônio Carlos Flores de Moraes, votado em plenário na última quarta-feira.

No voto, Flores concede 30 dias para que as secretarias municipais de Fazenda e de Transporte prestem esclarecimentos sobre os problemas apontados no documento, informando que providências serão adotadas. No entendimento do conselheiro, as 33 empresas em situação irregular deveriam ter sido excluídas da licitação. Segundo ele, os técnicos do TCM constataram diversas semelhanças entre os consórcios que participaram. Os fatos, diz o relatório, servem de “indícios à formação de cartel”.

O Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas dos consórcios, informou que não vai se manifestar até conhecer o teor do relatório. Por meio de nota, a Secretaria municipal de Transportes afirmou que não recebeu o documento e que as regras do edital eram claras, públicas e foram cumpridas. Também acrescentou que o edital foi aprovado pelo próprio Tribunal de Contas.

Entre os pontos destacados pelos técnicos do TCM está o fato de que as empresas vencedoras do certame já operavam no sistema antes da licitação. Além disso, o endereço oficial dos quatro consórcios era o mesmo: a sede do Rio Ônibus (Rua da Assembleia, 10, 39º andar, Centro). Mais um ponto que chamou a atenção foi que os CNPJs dos quatro grupos tinham sido abertos no mesmo dia.

Outra coincidência, diz o relatório, é que os consórcios procuraram as garantias financeiras exigidas no edital na mesma instituição bancária e no mesmo dia.

Para o TCM, uma possível formação de cartel também é suscitada quando se nota que 16 das 41 empresas inscritas participavam de mais de um consórcio. De acordo com os técnicos, o edital proibia que uma mesma empresa participasse de mais de um consórcio vencedor.

Doze pessoas são sócias em mais de uma empresa

Além disso, 12 empresários aparecem como sócios em mais de uma empresa. Apenas o empresário Jacob Barata Filho, por exemplo, figura em em sete empresas (Alpha, Ideal, Transurb, Normandy, Saens Peña, Verdun e Vila Real). Outro empresário, Álvaro Rodrigues Lopes, aparece como sócio de cinco empresas (City Rio, Algarve, Rio Rotas, Translitorânea e Andorinha). Flores observou também que o edital previa uma contrapartida financeira das empresas para a prefeitura. Mas isso não aconteceu. Os contratos de concessão foram assinados sem que as empresas pagassem qualquer valor pelos quatro lotes licitados.

O relatório indica que apenas as empresas São Silvestre, Vila Isabel, Litoral Rio, Santa Maria, A. Matias, Paranapuan, Pavunense e Jabour teriam respeitado as normas legais. O documento cita ainda uma inquérito em andamento no Ministério Público do Rio sobre o processo de licitação. O MP instaurou a investigação há quase dois anos, depois que reportagens do GLOBO mostraram que sócios de empresas em dificuldade para comprovar a regularidade com o fisco fundaram outras companhias e ganharam lotes.

A licitação realizada pela prefeitura em 2010 atraiu inicialmente mais de 40 empresas e consórcios do Rio, São Paulo, França e Argentina que se habilitaram a participar da concorrência. Mas apenas duas empresas de São Paulo apresentaram propostas para participar da disputa de alguns lotes com os grupos que já atuavam no Rio. Acabaram sendo eliminadas, entre outras razões, por terem apresentado prazo maior para a implantação do bilhete único.

Os critérios adotados para reajustar as tarifas nos últimos anos também são questionados pelo TCM. O tribunal considerou que o cálculo leva em conta o número de passageiros transportados e o custo de insumos e mão de obra. Mas não as receitas extras que os consórcios aferem com a administração de 25 terminais rodoviários e a exploração de publicidade nos coletivos. Em alguns terminais, foram abertos estabelecimentos comerciais como bares e farmácias que geram recursos para as companhias.

Outros repasses na mira do tribunal

Um outro convênio entre a prefeitura e empresas de ônibus já havia sido analisado esta semana durante a apreciação das contas da gestão do prefeito Eduardo Paes de 2011. Assinado entre a Secretaria municipal de Educação e os consórcios, ele prevê verba de R$ 50 milhões para a instalação nas escolas de um sistema eletrônico de controle de frequência e transporte para os alunos. Há uma sindicância do TCM específica sobre o assunto ainda em curso.

Mas o relatório de Flores de Moraes revela a existência de mais um processo envolvendo repasses de verba do município para os consórcios: o convênio 8/2012, assinado em fevereiro deste ano, trata de valores de R$ 55 milhões para as empresas transportarem alunos da rede pública.

A prefeitura nega qualquer irregularidade. Mas, para o conselheiro, o convênio fere a Lei de Responsabilidade Fiscal por gerar despesas que terão que ser arcadas pela próxima administração. “Assim, evidencia-se, mais uma vez, um completo desrespeito ao procedimento licitatório e à Lei Orgânica do Município que preceitua em seu artigo 403 a gratuidade aos estudantes”, afirma ele num trecho do relatório.

FONTE: O GLOBO

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