domingo, 19 de agosto de 2012

A hora de Lewandowski

Ministro revisor começará a dar seu voto amanhã e deverá pedir a condenação da maioria dos réus, mas decisão sobre cúpula ainda é incerta

Revisor do processo do mensalão, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que protagonizou os debates mais duros até agora no julgamento, com o relator Joaquim Barbosa, começará amanhã a dar seu voto. A expectativa é que ele peça a condenação da maioria dos 37 réus, informa Carolina Brígido. Mas a decisão sobre os acusados de formarem a cúpula do esquema gera incertezas. Em 2007, ao receber a denúncia, ele isentou nove réus da acusação de formação de quadrilha, incluindo José Dirceu, mas foi voto vencido.

O fator Lewandowski

Ministros falam em condenações da maioria dos réus, mas destino da cúpula é incerto

Carolina Brígido

BRASÍLIA - Embora persistam as apostas de que o revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski, vai optar pela absolvição de figuras-chave do suposto esquema, como o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ministro deve votar pela condenação da maioria dos 37 réus. Como a votação será fatiada, Lewandowski falará sempre após o relator, Joaquim Barbosa, examinando cada capítulo da denúncia feita pelo Ministério Público Federal. Sem especificar os nomes dos investigados, ministros ouvidos pelo GLOBO acreditam que a Corte condenará a maioria dos réus, mas o destino dos nomes mais emblemáticos do processo ainda é incerto.

Pelo menos cinco ministros devem aceitar a acusação de formação de quadrilha proposta pelo Ministério Público contra 22 dos 38 réus. A defesa sustenta que o crime de quadrilha só pode ser cometido por pessoas com um interesse em comum. No caso do mensalão, a suposta quadrilha era composta por pagadores e recebedores de propina. O argumento dos advogados não convence os ministros ouvidos pelo GLOBO.

A partir de segunda-feira, o revisor começará a votar sobre desvios de recursos públicos - a parte que o relator escolheu para iniciar o julgamento. Só no último dia de julgamento os ministros vão calcular as penas dos eventuais condenados. O primeiro voto de Lewandowski será sobre os desvios de dinheiro público da Câmara dos Deputados. Em um dos trechos do voto, o relator condena o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção passiva e os empresários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios da SMP&B, por corrupção ativa. Como presidente da Câmara, o petista teria recebido R$ 50 mil dos empresários e, em troca, teria desviado recursos públicos em benefício dos empresários.

O parlamentar também teria recebido uma caneta Mont Blanc de Marcos Valério. A interlocutores, Lewandowski tem dito que dar uma caneta Mont Blanc de presente não configura ato de corrupção, a não ser que se prove que o agraciado tenha retribuído o favor com ato realizado por meio do cargo público que ocupa.

Em novembro, Lewandowski prometeu fazer um contraponto ao voto do relator. Como a expectativa é a de que Barbosa condene quase todos os réus, a declaração deu a ideia de que o revisor agiria de forma oposta. No entanto, essa ideia poderá ser derrubada nas mais de mil páginas de voto que Lewandowski preparou.

Em 2007, quando o STF decidiu receber a denúncia e abrir a ação penal, o revisor queria que alguns investigados não fossem processados por formação de quadrilha. Considerou que a denúncia não estava clara nesse aspecto. Para ele, havia "imprecisão terminológica", pois o texto confundiria o crime de formação de quadrilha com a existência de uma organização criminosa - delito inexistente na legislação brasileira.

Vale ressaltar que o voto dado no recebimento da denúncia não necessariamente deve ser repetido no julgamento final. Entre um e outro, há a instrução do processo, com colheita de provas e depoimentos que podem mudar o cenário. O material pode alterar a convicção do juiz.

Ao votar naquela ocasião, ele isentou do crime José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoíno, e integrantes do grupo do PP no suposto esquema: o ex-deputado federal José Janene (PP-PR), que morreu; o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE); o deputado Pedro Henry (PP-MT); o ex-assessor de Janene João Cláudio Genu; o dono da corretora Bonus-Banval, Enivaldo Quadrado; o ex-diretor da corretora Breno Fishberg; e o dono da empresa Natimar, Carlos Alberto Quaglia. O revisor foi vencido pela maioria e os réus acabaram processados por formação de quadrilha. No voto sobre o enquadramento de Dirceu no tipo penal, ele declarou:

- Pareceu-me que a denúncia, de fato, descreve a prática, em tese, de diferentes crimes praticados em concurso de agentes, e também em continuidade delitiva. No entanto, pelo menos no meu entendimento, não ficou tipificado, claro, com todos os seus elementos, o delito de quadrilha. Rejeito a denúncia neste particular.

Em relação a Genoino, também considerou que o Ministério Público não teria descrito de forma precisa a conduta do investigado para justificar que ele respondesse pelo crime.

- O delito de quadrilha, insisto, é de natureza formal autônomo com relação aos demais delitos praticados pelos integrantes de quadrilha. Os fatos verificados na denúncia para tipificar os crimes específicos que foram imputados a este denunciado, os delitos de corrupção ativa, na verdade, são talvez os mesmos, com tintas um pouco mais carregadas, que os utilizados para caracterizar os delitos de formação de quadrilha - afirmou.

Foi em relação à denúncia contra o grupo do PP que Lewandowski deu um voto mais alentado, expondo sua opinião sobre a caracterização do crime de formação de quadrilha.

- A denúncia não descreve adequadamente o liame subjetivo entre os partícipes da suposta quadrilha, nem indica de forma individualizada o comportamento típico de cada um deles. Tampouco precisa o momento e o lugar em que essa teria se estabelecido, chegando a atribuir esse crime a denunciados que não tinham qualquer relacionamento entre si, ou que sequer ou mal se conheciam. Fico sem saber se a denúncia imputa aos acusados crime de formação de quadrilha ou bando, crime de formação de organização criminosa ou delito de formação de uma associação criminosa.

Outros ministros do STF discordam da interpretação de Lewandowski. Um integrante da Corte ouvido reservadamente afirmou que o Ministério Público usou de uma figura de linguagem ao comparar a atuação dos réus a uma organização criminosa. No entanto, o crime de formação de quadrilha estaria claramente configurado na denúncia e nos autos do processo.

O voto de Lewandowski foi estruturado por réus, enquanto Barbosa dividiu sua peça por crimes. Na semana passada, o revisor brigou pelo direito de proferir o voto inteiro, e não conforme a metodologia proposta por Barbosa, com votações parciais dos crimes atribuídos aos réus. Lewandowski perdeu a briga e vai precisar adequar seu voto ao do relator.

FONTE: O GLOBO

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