terça-feira, 14 de agosto de 2012

Caixa 2 é tão imoral quanto comprar voto - Raymundo Costa

Uma coisa está fora de dúvida: rolou muito dinheiro no chamado mensalão. O que difere nos testemunhos até agora ouvidos é se foi dinheiro para comprar votos, o que caracterizaria o crime de corrupção, ou "simples" caixa 2 eleitoral, como quer fazer crer a defesa da maioria dos acusados e de que já falava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em julho de 2005, numa viagem a Paris.

Para a população, ao contrário das leis escritas por uma elite alfabetizada, não faz a menor diferença, como deixam claros os números da pesquisa Datafolha divulgada no último domingo.

Nada menos do que 87% dos entrevistados responderam que os réus da Ação Penal 470, o nome técnico do mensalão, deveriam ser condenados no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Com uma diferença: 73% acham que os acusados deveriam ser condenados e presos, enquanto 14%, mais condescendentes, responderam que todos deveriam ser condenados, mas sem a necessidade de ver o sol nascer quadrado, como diziam os cronistas policiais de antanho.


População acha que mensalão foi mesmo caso de corrupção

A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, teve a percepção exata do fato. Os advogados falam todos de caixa 2 de um crime eleitoral, "como se fosse conduta corriqueira, socialmente consentida", disse em entrevista publicada, na edição de ontem, de "O Estado de S. Paulo". A ministra, aliás, parece um retrato da população flagrado na pesquisa: diz que não conhece as provas dos autos, "mas para mim, o mensalão soa como corrupção".

Os dados do Datafolha são parecidos com pesquisa feita pelo próprio PT, preocupado com o impacto do julgamento na eleição: dos 81% que disseram ter conhecimento do mensalão, apenas 18% se consideram bem informado sobre o assunto. O que importa, no caso, é o que os entrevistados responderam à pergunta "você acha que o mensalão foi um esquema de corrupção ou arrecadação de dinheiro para pagar dívidas de campanha eleitoral"? A resposta também não deixa margem a duvidas: 82% disseram sim. Não existe escala de moralidade..

O povo não é bobo e nem precisa fazer essa distinção, de caráter legal, é certo, mas também de autopreservação de quem escreve as leis. Os números do instituto Datafolha revelam muito bem como o povo percebe um e outro.

É possível imaginar como crime eleitoral, por exemplo, a campanha fora de época, o que nem por isso a torna "socialmente consentida", para empregar a expressão de Eliana Calmon. Lula atuou nas brechas da lei à exaustão na campanha presidencial de 2010, para eleger Dilma.

Mas o jeito que o dinheiro trafegou no mensalão, passado de mãos em mãos em quartos de hotéis e descontos em boca de caixa, na época das transferências eletrônicas, tem o cheiro da corrupção, em uma das formas descritas no Dicionário Houaiss: substantivo feminino que também quer dizer "perversão, degeneração, depravação, devassidão, imoralidade, indecência".

Em resumo, não se pode dizer que se trata de uma "conduta corriqueira, socialmente consentida", como acham defensores dos réus e o ex-presidente como Lula. Sorte do PT é que 50% dos entrevistados do Datafolha disseram que o mensalão não influirá sobre seus votos.

O PSB de Minas Gerais, leia-se Aécio Neves, teve êxito no que nem o ex-presidente Lula conseguiu: juntar os PTs de Patrus Ananias e do ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), rompidos desde as eleições de 2010.

Mesmo depois que os dois reataram politicamente para disputar a Prefeitura de Belo Horizonte, ainda havia resíduos de insatisfação no grupo de Patrus, o candidato, que se dissiparam após duas intervenções do PSB consideradas desastrosas.

Uma chamava de "esmola" os programas sociais do governo Lula, outra dizia que o PT é o inimigo a ser enfrentado na eleição presidencial, desconsiderando o fato de que a presidente Dilma Rousseff é mineira de nascimento.

Bem antes das convenções de junho, o presidente do PT, Rui Falcão, pressentiu que a reedição da aliança (PSB, PT e PSDB, entre outros partidos) para a eleição de Belo Horizonte teria problemas. Falcão teve uma conversa com o prefeito Márcio Lacerda e com Valfrido Mares Guia, o big shot do PSB mineiro.

"Esse negócio vai ser difícil, não sei se posso assegurar o apoio do PT sem a coligação na proporcional", disse Falcão, referindo-se à eleição para vereadores. Voltando-se para o prefeito de BH, o ex-ministro Mares Guia (Coordenação Política) deu seu testemunho: "Márcio, eu conheço o PT, o Rui não está blefando", disse. Falcão acentuou que o pessoal de Patrus, no PT, tinha resistência à coligação, mas o próprio candidato cedeu à proposta de apoio à aliança.

O PT e Rui Falcão foram surpreendidos por uma carta de rompimento do PSB num sábado. "Não vamos nos abaixar", disse o presidente do PT aos dirigentes mineiros que o localizaram na Bahia para dar a informação. Rui Falcão ainda ligou para Mares Guia. "Presidente, você me conhece", respondeu o ex-ministro, duvidando da informação. Nem ele nem Roberto Amaral, vice-presidente nacional no PSB, sabiam de nada.

Ato seguinte, Dilma chamou o vice Michel Temer, que em menos de 24 horas tirou seu candidato a prefeito de Belo Horizonte e passou a apoiar Patrus Ananias. Com isso, o PMDB fez mais um gesto para assegurar o cumprimento de um acordo entre as duas siglas, pelo qual caberá aos pemedebistas presidir a Câmara, a partir do próximo ano, 2013.

O presidente do PT não tem dúvidas: Aécio Neves, o sujeito nada oculto por trás da candidatura de Márcio Lacerda, não acreditou que o PT lançaria candidato próprio e, se lançasse, Patrus Ananias e Fernando Pimentel jamais se recomporiam para indicar um nome competitivo, muito menos o do próprio Patrus, um ex-prefeito que deixou o cargo bem avaliado.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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