sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Inflação não tira o sono do governo - Claudia Safatle

O aumento dos preços das commodities agrícolas deve pressionar os índices de inflação nos próximos meses, mas, segundo a avaliação de técnicos do governo e do setor privado, o impacto não será dramático. A atividade econômica ainda está fraca para sancionar repasses disseminados de preços e há, também, alguns elementos estabilizadores.

Os alimentos in natura, por exemplo, que tiveram elevação de preços nos últimos meses, devem agora experimentar queda e neutralizar parte dos efeitos dos grãos (milho, soja e trigo). A alta do milho se reflete no preço do frango, que ainda não repercutiu no IPCA. O ciclo da pecuária, porém, é favorável e a elevação do frango tende a encontrar um freio na própria estabilidade do preço da carne bovina.

O que os técnicos preveem é que os choques de oferta ocorridos nos últimos meses vão elevar um pouco a inflação - o que se refletiu no IPCA-15 de 0,39% divulgado na quarta feira. Mas não devem impor uma aceleração inflacionária, porque os efeitos de segunda ordem não serão muito relevantes. Seria uma alta transitória.

Cortar mais a Selic ou consolidar os ganhos obtidos?

O governo espera que o IPCA tenha queda na taxa acumulada em 12 meses, pois os índices mensais de agosto, setembro e outubro devem ser inferiores aos registrados no ano passado.

Embora o Banco Central mantenha o prognóstico de convergência da inflação para a meta de 4,5%, o fato é que torna-se a cada dia mais difícil encerrar o exercício com a inflação abaixo de 5%, mesmo com a economia crescendo bem abaixo do seu potencial.

Nos mercados, prevalece a convicção de que o BC está mais preocupado com o crescimento do que propriamente com a inflação e, portanto, a tendência seria de prosseguir com a redução da Selic. Espera-se mais um corte de 0,5 ponto percentual na próxima quarta feira, levando os juros para 7,5% ao ano.

Um dos argumentos para essa previsão é o de que não está clara a intensidade da retomada que se avizinha. A desvalorização da taxa de câmbio ajuda a indústria, a demanda doméstica continua robusta, os indicadores de vendas no varejo surpreenderam favoravelmente o mercado, mas outros índices não melhoraram e os indicadores de confiança - na parte ligada às expectativas - não apontam qualquer reação dos investimentos.

Se a economia estiver crescendo no último trimestre um pouco acima de 4%, como prevê o BC, o hiato do produto - definido como a diferença entre produto efetivo e o potencial - vai se fechar. Os especialistas do governo alegam, no entanto, que o PIB poderá crescer acima do seu potencial por alguns trimestres sem produzir aumento de preços, apenas ocupando a margem aberta pelo baixo desempenho dos meses passados.

Novos incentivos ao crescimento estão a caminho. O governo prepara uma forte ampliação das desonerações da folha de salário, pegando parte importante da indústria manufatureira. Pode esticar o prazo de vigência das isenções do IPI para os automóveis e para os produtos da linha branca. E estuda uma maneira de aumentar o preço dos combustíveis sem afetar o preço da gasolina para o consumidor final (apesar de já ter zerado a Cide, outros tributos federais incidem sobre os derivados de petróleo).

Na nova fornada de medidas - que já não será mais divulgada em pedaços e sim de uma só vez - virá, também, a redução das tarifas de energia elétrica e a renovação das concessões do setor por mais 20 anos.

Essas são, no seu conjunto, iniciativas destinadas a estimular os investimentos, ampliando a oferta, com efeitos sobre a inflação e sobre a taxa de crescimento.

Há, também, o risco subjacente de, no final das contas, o governo ter que abrir mão da meta de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para o próximo exercício, de forma a abrigar no Orçamento o conjunto dos incentivos fiscais adotados. O apoio da restrição fiscal, é útil lembrar, foi determinante para a redução dos juros.

Diante da conjuntura, e excluindo do cenário a possibilidade de novos problemas advindos do cenário externo, a pergunta que surge é se já não estaria chegando a hora de o Copom encerrar o ciclo de afrouxamento que começou há exatamente um ano e que derrubou a taxa básica de juros de 12,5% para 8% ao ano. Um corte de 450 pontos nos juros - mais uma sequência de estímulos fiscais para reanimar a economia - não tem como não fazer efeito sobre a atividade.


Se o IPCA não é um grande drama para este ano, o mesmo não se pode dizer da inflação de 2013, cujas expectativas de mercado apontam persistentemente para 5,5%. Há argumentos de ambos os lados. Tanto para prosseguir no corte da Selic quanto para concluir o processo de redução dos juros.

No relatório sobre a economia brasileira divulgado em julho, com base na coleta de informações até junho (quando a Selic era de 8,5% ao ano), o Fundo Monetário Internacional, após elogiar a ação agressiva do BC na redução da Selic, externou sua preocupação com a continuidade dos cortes e sugeriu que já era hora de dar uma "pausa".

A experiência passada, segundo o relatório, mostra que o impacto da queda dos juros sobre a economia é substancial. Salientou, ainda, que eventuais erros, agora, trariam prejuízos elevados para a credibilidade da autoridade monetária, numa hora em que a expectativa de inflação (e a inflação efetiva) ainda é alta.

O FMI anotou, também, que os investidores são céticos quanto aos juros de um dígito serem suficientes para fazer a inflação no Brasil convergir para a meta e que aguardam um aumento de até 2,5 pontos percentuais na Selic em 2013.

Ainda que a inflação deste ano não esteja tirando o sono do governo, a questão que vem à mente é sobre qual deveria ser a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) nas próximas reuniões, na da semana que vem e na de outubro, já mirando a inflação do próximo ano.

Será importante avaliar se o ganho marginal de continuar o processo de corte dos juros é maior do que o de manter a taxa num nível próximo ao atual por um bom período de tempo, consolidando esse novo patamar como uma conquista permanente.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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