domingo, 19 de agosto de 2012

Inflação, seca e Petrobrás - José Roberto Mendonça de Barros

As perspectivas da inflação para este ano se alteraram bastante, devido a dois diferentes choques: um agrícola, resultado do clima conturbado deste ano, e outro referente ao curso futuro dos preços de combustíveis, decorrente da publicação do balanço do segundo trimestre da Petrobrás.

Comecemos com a questão agrícola. No final do ano passado, as cotações internacionais de alimentos apontavam para uma grande folga no abastecimento global, tendo caído algo como 15% entre agosto e dezembro de 2011, medido pelo índice CRB de produtos agrícolas. Com isso, os analistas e as autoridades esperavam uma folga no custo de alimentação, o que deu uma das bases para a queda na taxa básica de juros (Selic) fixada pelo Banco Central.

Entretanto, diz-se bem que o homem põe e Deus dispõe. Desde o início do ano problemas climáticos vêm cobrando um pesado tributo sobre a produção agrícola. No nosso verão forte, a seca quebrou a safra de milho e soja nos Estados do sul, no Paraguai e, especialmente, na Argentina.

Em seguida, a produção de trigo (o cereal com maior folga de oferta) na Ucrânia e na Rússia foi afetada tanto pelo frio como por uma seca forte, e o milho na França por seca e calor.

Até aí, o sistema ainda conseguiria se equilibrar apenas com altas moderadas de preços. Mas, a partir de meados de junho, e em curtos 45 dias, o mercado virou espetacularmente com a confirmação de uma devastadora onda de calor e seca nos Estados Unidos.

A estimativa mais recente do Departamento de Agricultura prevê uma quebra superior a 100 milhões de toneladas de milho, resultado irreversível a esta altura. A quebra da soja é da ordem de 15 milhões de toneladas, que pode ainda ser alterada, a depender das chuvas no resto deste mês.

O desastre poderia ser algo amenizado caso a mistura de etanol de milho na gasolina fosse temporariamente reduzida naquele país. Entretanto, isso parece muito pouco provável, uma vez que o presidente Obama não correria o risco de desagradar os produtores rurais do Meio-Oeste americano em ano de eleição.

Com isso, os preços de grãos subiram muito, e atingiram nesta semana US$ 8 por bushel para o milho, US$ 16,30 para a soja e US$ 8,90 para o trigo. No final de março as cotações eram, respectivamente, US$ 6.40, US$ 14 e US$ 6,50 por bushel, provocando altas de 25% para o milho, 16% para a soja e impressionantes 37% para o trigo. A quebra dos grãos irá se refletir em toda a indústria de alimentação, especialmente no setor de óleos e carnes, aqui via elevação no custo das rações.

O choque dos preços de grãos imediatamente se transmitiu ao Brasil. O preço do milho em Campinas estava 24% maior que em março, e a soja em Paranaguá, 45%, afetando desde já os preços no atacado e o IGP-10, divulgado esta semana. Este último subiu 1,59% em agosto e 7,5% em 12 meses. A alta do custo das rações está destruindo valor na cadeia das carnes; o caso dos suínos é o mais agudo, uma vez que os produtores independentes estão liquidando seus plantéis com grande prejuízo.

Nos produtores integrados, o peso fica na indústria, pois é ela quem deve entregar a alimentação para os produtores. De qualquer forma, a produção de carne suína vai se reduzir até o Natal, o que elevará os preços, no momento de maior demanda aqui no Brasil.

O mesmo processo ocorrerá nas outras carnes. Isso significa que o índice do custo de vida, o IPCA, vai ser muito pressionado até o final do ano, com o custo da alimentação chegando próximo aos 10% e o índice geral na casa de 5,5%.

O segundo elemento novo no cenário decorre da publicação do resultado da Petrobrás no segundo trimestre. O prejuízo da companhia causou espanto a todos, mas a franqueza da presidente Graça Foster ao comentar o evento foi muito bem-vinda. Acredito que os seguintes pontos merecem ser destacados.

Em primeiro lugar, chamo a atenção para a fragilidade da gestão Gabrielli. Convenhamos que derrubar o caixa da Petrobrás exige muita aplicação. Entre outros exemplos, deve ser mencionada a queda na eficiência nos poços da Bacia de Campos para 70%, o que exigiu a montagem de um plano emergencial de ações e gastos para recolocá-la em 90%.

Dois bilhões de reais foram lançados como despesa na abertura de poços que se revelaram secos ou não comerciais. Embora tal fato seja normal nesse tipo de negócio, isso me faz lembrar a hipótese básica que suportou a mudança no regime de exploração do petróleo. Recordemos que o bem-sucedido sistema de licitação foi alterado para o esquema atual de partilha, que coloca toda a primazia da exploração nas mãos da Petrobrás, tendo por base um alardeado "risco zero" no pré-sal e, nesse caso, não se deveria entregar para estrangeiros qualquer tipo de prêmio.

Ora, fica agora ainda mais claro que o risco geológico existe de fato, algo que a Exxon já havia provado ao gastar US$ 500 milhões na perfuração de dois ou três postos secos, que a levou a abandonar a exploração no País. O fator risco e a queda de eficiência sem dúvida sugerem que os custos de exploração da companhia seguirão crescendo no futuro, e pressionando seu fluxo de caixa.

A companhia perdeu a bagatela de R$ 7 bilhões no trimestre com o subsídio à gasolina, um valor excepcionalmente alto e insustentável até para alguém do porte da Petrobrás. Recordemos que a importação de gasolina em larga escala é um fenômeno recente que remonta a março do ano passado, quando a capacidade de refino da Petrobrás atingiu o limite. Desde então, cada barril adicional de consumo de gasolina no Brasil é um barril adicional de produto importado.

Tal fenômeno continuará a ocorrer nos próximos anos, simplesmente porque as refinarias da Petrobrás ou não saíram ainda do papel (casos do Ceará e do Maranhão) ou estão com os projetos atrasados em vários anos e não se tem segurança de quando começarão a operar. Sabe-se apenas que não será antes de 2015.

O caso das refinarias em construção, Abreu de Lima em Pernambuco e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, é extraordinário. Seus orçamentos iniciais rondavam os US$ 2 bilhões. Alterações de projetos, ampliações e um enorme atraso na construção resultaram em números esperados da ordem de US$ 20 bilhões, muitas vezes maior que os custos de projetos similares no mundo.

Como disse a presidente Graça Foster, é um caso para ser analisado e nunca mais repetido. Afora a pressão sobre os recursos da Petrobrás é seguro que por vários anos a conta de importação da gasolina será elevada. Por isso, é imperativo que o preço da gasolina reflita mais diretamente o custo de importação e o produto não fique mais submetido a uma política populista de congelamento de preços, como ocorreu nos últimos anos. Espero, em consequência, uma elevação nos preços da gasolina antes do final do ano.

A Petrobrás agora, também precisa de uma expressiva elevação na produção de etanol, para que possa economizar também por aí sua conta de importação. Por isso, não será possível continuar apenas na estratégia de abaixar tributos para manter o preço da bomba inalterado. O setor de etanol, que está sendo destruído pela política populista de derivados de petróleo, deverá, finalmente, receber um estímulo de preços para retomar níveis maiores de produção na próxima safra.

Além da alimentação, parece-me inevitável que os combustíveis também pressionarão os índices de inflação.

Uma última observação acerca da Petrobrás. A companhia é vítima do excesso de ambição da política pública. O governo deseja produzir muito petróleo, muito rápido, com a melhor tecnologia, a custos razoáveis e com 60% de conteúdo nacional. Conseguir tudo isso, ao mesmo tempo, é simplesmente impossível.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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