segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O brilho de Nelson Rodrigues – Fernando Gabeira

No ano do centenário, as frases e imagem de Nelson Rodrigues estão em todos os jornais. É uma excelente oportunidade para reencontrar sua inteligência, mas sobretudo sua dimensão humana.

Nos anos 60, achava Nelson Rodrigues reacionário. Nada demais, pois ele também se achava. Tanto, que esse foi o título de um dos seus livros. Jamais duvidei que fosse um os maiores dramaturgos de nosso tempo.

Era muito limitado definir Nelson Rodrigues em termos apenas políticos, direita e esquerda.

Acabo de ver a longa entrevista que ele concedeu a Otto Lara Resende, seu amigo. E confesso que lamentei não encontrar mais com facilidade personagens dessa dimensão e entrevistas tão fascinantes na tevê.

Nelson falou muito bem do Brasil, previu que teria uma grande importância no futuro. E disse que detestava as granfinas porque elas desprezavam o Brasil.

Numa entrevista convencional discutiriam as chances do Brasil. Mas as criações de Nelson eram muito mais interessantes para a conversa. Ele afirmou que conheceu uma granfina com nariz de cadáver num elevador.

Da granfina, a conversa acabou desembocando também numa outra criação rodriguiana: o canalha fundamental.

O que era o canalha fundamental? Otto chegou aos detalhes: qual a idade de um canalha fundamental? Nelson afirmou que a época era de canalhas fundamentais e que se um deles subisse num tamborete de querosene atrairia centenas de outros canalhas fundamentais.

No mesmo bloco em que Otto menciona a incompreensão com a obra de Nelson, sobretudo pela censura que sofreu, aparece o romantismo que sempre o inspirou, mostrando o absurdo que foi considerar Nelson um imoral. Beijo na boca? Na visão de Nelson, homem só deveria beijar na boca uma única mulher em sua vida. Se não encontrasse essa mulher, não deveria beijar nenhuma outra.

Certo da imortalidade da sua alma, Nelson parecia não se importar muito com a imortalidade de sua obra. Seus personagens, suas imagens, o fascínio de sua inteligência, no entanto, sobrevivem.

Sua discussão com Otto Lara sobre os jovens é muita engraçada. Nelson afirma que aos 18 anos o jovem não sabe nem dizer boa noite para a namorada. Otto contesta com exemplos e cita Napoleão, um dos ídolos de Nelson.

- Napoleão tinha 27 anos - diz Otto.

- Tinha 29 - diz Nelson - você subtraiu dois.

Era uma conversa de amigos, competindo carinhosamente. Terminou, como não poderia deixar de ser, com o célebre conselho de Nelson aos jovens:

- Envelheçam.

É possível discordar de Nelson e reconhecer ao mesmo tempo o brilho com que defendia suas ideias. Nelson era Nelson. Não escreveria algo como o “Doce Pássaro da Juventude”, do americano Tennessee Williams. Ambos têm lugar de honra na dramaturgia moderna. E os jovens seguem sua vida.

FONTE: JORNAL METRO - RIO

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