domingo, 2 de setembro de 2012

Promotores se empolgam com 'flexibilização' no STF

Integrantes do Ministério Público avaliam que argumentos de ministros na condenação de réus do mensalão vão influenciar ações em 1ª instância

Fausto Macedo, Eduardo Kattah

A tendência do Supremo Tribunal Federal de "flexibilizar" o Direito Penal no julgamento do mensalão, ao condenar por corrupção sem exigir ato de ofício, vai refletir diretamente nas ações penais em curso na primeira instância da Justiça. A avaliação é de procuradores da República, promotores de Justiça e delegados da Polícia Federal que atuam no combate a desvios de recursos públicos.

"O entendimento do STF vai fortalecer grandemente o combate à corrupção no Brasil, agentes públicos vão ter noção de que é corrupção o fato de receberem vantagem indevida, mesmo que não façam nada formalmente, mesmo que não pratiquem ou assinem atos", alerta o procurador regional da República no Recife Wellington Cabral Saraiva, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Convenções Internacionais Contra a Corrupção do Ministério Público Federal.

O ato de ofício é produzido pelo administrador no exercício da função, mesmo quando não provocado. No caso do julgamento do mensalão, o ministro Luiz Fux asseverou: "Não se pratica um crime desses se não se tem autoridade. Esse potencial é que caracteriza o crime. Por isso a doutrina considera que o ato formal já caracteriza o ilícito. O ato de ofício é a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu oferecimento".

Saraiva considera que o Supremo "não está dando um cheque em branco para a polícia e para o Ministério Público, nem para o Judiciário; está apenas restabelecendo a força do Código Penal no capítulo da corrupção, conforme o artigo 317".

"A tese do ato de ofício que o STF construiu no julgamento da ação penal do ex-presidente Fernando Collor foi equivocada porque não corresponde ao requisito do artigo 317", afirma o procurador. "Não há nesse artigo descrição de que o agente público tem que praticar ato, a corrupção já se caracteriza quando (o agente) solicita a vantagem em razão da função. Essa é a questão-chave, o STF está resgatando a interpretação tradicional."

Ele prevê que a decisão do STF vai ter um reflexo não só na primeira instância judicial, mas também na administração pública. "Os membros das comissões de licitação, por exemplo, sabem agora que o enquadramento por corrupção poderá ocorrer porque receberam dinheiro, mesmo sem ter subscrito nenhum ato que favoreça determinada empresa. Parece detalhe técnico, mas vai ter uma força enorme em todo o País quando o Ministério Público começar a processar com base nessa nova interpretação, que sempre foi a correta."

A flexibilização foi contestada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado pelo STF. "Os ministros caminham numa linha de profunda flexibilização, tanto do Direito Penal quanto do processo penal, afastando garantias que são caríssimas à própria democracia."

Para o delegado da PF Milton Fornazari Junior, mestre em Direito Penal (PUC), "não há que se falar em flexibilidade de presunção da inocência, pois o entendimento dos ministros do STF não ultrapassa os limites do tipo penal, que é a maior garantia do cidadão, reflexo do princípio da legalidade".

Vantagem. "O tipo penal da corrupção passiva não exige a prova da prática específica do ato de ofício pelo acusado", diz o delegado. "Essa prova só será relevante para que o juiz decida se aumenta ou não a pena de prisão em um terço, conforme o artigo 317. Para que se conclua que o crime existiu e o sujeito possa ser responsabilizado por ele, basta a prova de que solicitou e/ou recebeu vantagem indevida."

O promotor de Defesa do Patrimônio Público de Minas, Eduardo Nepomuceno, disse que não há flexibilização na condenação do petista. "O deputado alegou: "Minha mulher recebeu dinheiro do PT, foi lá sacar para pagar a conta". Essa alegação da defesa é a defesa que tem de provar. Não é a acusação que tem de fazer prova negativa."

O procurador José Carlos Cosenzo, do Ministério Público de São Paulo, adverte que o Supremo "está deixando bem claro que acabou essa história de que precisa de ato de ofício para condenar". "Não vejo risco às garantias. Os juízes vão se sentir mais à vontade. Atos de corrupção são complexos. A partir da decisão do STF, a prova vai ser muito melhor aferida, de forma mais abrangente, examinada com mais amplitude pelos juízes."

Para Cosenzo, "o que o STF está dizendo é que aquele que domina o fato tem condições claras de sumir com provas, maquiar, dificultar. Maior elasticidade no exame da prova não significa prejuízo a quem alega inocência".

A procuradora regional da República em São Paulo, Janice Ascari, sustenta que "para a caracterização do crime a lei jamais exigiu que haja, sequer, a indicação de ato de ofício". "O STF, que já decidira assim antes, só reafirmou o óbvio, o que já está na lei, destruindo as teses criativas de defesa que podem até ter sido acolhidas pontualmente em instâncias inferiores."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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