sábado, 6 de outubro de 2012

A defesa do STF - Merval Pereira


Entre os desserviços que o ministro Ricardo Lewandowski está prestando no julgamento do mensalão, talvez o mais nocivo seja a tentativa de desacreditar o STF nos seus comentários paralelos. Certa vez classificou o julgamento como "nada ortodoxo", sugerindo que estavam sendo esquecidas jurisprudências e relegadas medidas de proteção aos réus definidas na lei.

Ao anunciar, na abertura de seu voto que absolveria o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que se punha ao lado de "princípios fundamentais" do processo penal moderno, que se constituiu em "marco civilizatório importantíssimo, instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado", Lewandowski atirava sobre seus pares a suspeita de que não seguiam as mesmas regras ao condenar "inocentes" como o ex-presidente do PT José Genoino e Dirceu. Chegou a dizer "repudiar a perspectiva que considera o réu como inimigo". Esquecendo-se de que os réus, esses sim, representavam o "arbítrio do Estado", pois faziam parte fundamental do governo petista sob o qual a trama criminosa foi armada e executada, segundo a denúncia, a partir de gabinetes do Planalto.

A maioria do plenário, no entanto, demonstra estar bastante convicta de suas posições, sendo exemplo disso os resultados acachapantes das condenações. E, sempre que podem, os ministros rebatem as insinuações de que estariam flexibilizando a legislação, com inovações no julgamento que reduzem a garantia constitucional dos acusados.

O revisor disse, em seu voto de anteontem, que a maioria teria decidido pela desnecessidade da indicação do ato de ofício para provar-se a culpa de um réu, no que foi prontamente rebatido por Gilmar Mendes, que afirmou que o STF havia identificado, sim, atos de ofício dos políticos acusados de corrupção passiva: os votos e a participação em reuniões. E Celso de Mello lembrou que o Ministério Público "indicou que todo esse comportamento se realizou no contexto, pelo menos, de duas grandes reformas: a previdenciária e a tributária".

Da mesma maneira, a condenação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha por corrupção passiva teve por base o dinheiro recebido de Marcos Valério, tendo o petista praticado o "ato de ofício" de convocar a licitação que resultou na vitória da agência do publicitário corruptor.

Rosa Weber, citada pelo revisor como adepta da tese da desnecessidade de identificação do ato de ofício, afirmou considerar que houve, sim, compra de votos. Ela citou autores para defender a tese de que um réu pode ser condenado mesmo à ausência de provas testemunhais ou de documentos. Chegou a dizer que os indícios "gritam nos autos". Também esclareceu sua posição sobre uma maior elasticidade na admissão da prova em caso de crimes dessa natureza, os "crimes de poder", "que em absoluto implica em qualquer flexibilização de garantias constitucionais aos acusados". Para ela, "o ordinário se presume. Só o extraordinário se prova. (...) se ocorrem fatos ou circunstâncias tão intimamente ligadas que chegam a formar um convencimento de que o acusado tenha cometido o crime, esses indícios também serão provas tão claras como a luz".

Luiz Fux lembrou acórdão da Suprema Corte de Portugal no sentido de que a prova nem sempre é direta. "Nós juízes nos valemos de regras de experiência. Será que nestas condições seria possível não saber?", ressaltou, lembrando que anteriormente Ayres Britto havia utilizado o mesmo raciocínio.

A sombra de Lula

Poucos notaram, mas na quinta-feira houve diálogo em que a figura do ex-presidente Lula esteve presente de maneira velada:

Lewandowski : Eu não via a prova. Eu gostaria de ver a prova. Estou dizendo que há uma prova frontalmente contrária

Marco Aurélio: Vossa Excelência imagina que um tesoureiro de um partido político teria essa autonomia?

Lewandowski: Ao contrário do que já foi dito, eu não acredito em Papai Noel, mas disse que é possível que eles tenham cooperado a mando de alguém, mas esse alguém precisa ser identificado.

Marco Aurélio: Esse alguém não estaria denunciado no processo?

Lewandowski : Não, não é isso...

Fonte: O Globo

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