terça-feira, 23 de outubro de 2012

Anarquia partidária - Almir Pazzianotto Pinto


O período eleitoral que atravessamos - antevéspera do que encontraremos em 2014 - exibe cenário anárquico resultante da fragmentação de grandes partidos políticos e da proliferação de pequenos.

Getúlio Vargas reinou 15 anos, entre 1930 e 1945, sem Congresso, sem oposição, sem partidos. Ao pressentir o fim da ditadura, concebeu a ideia da fundação do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), gerados, dialeticamente, para serem aparentemente antagônicos; o primeiro, como representante das elites conservadoras; o segundo, como porta-voz do nascente operariado. Vargas teria imaginado conservar-se no poder por meio de um deles, ou da aliança entre ambos - como de fato ocorreu com a eleição do seu ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, para o período 1946-1950 -, e o regresso ao Palácio do Catete, como presidente eleito diretamente pelo povo, em 1951.

Entre a queda da ditadura em 1945 e o movimento militar de 1964, o País conheceu diversos partidos. Além do PSD e do PTB, havia a União Democrática Nacional (UDN), fundada em 6 de abril de 1945 sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes, com o objetivo de organizar ampla frente em torno do restabelecimento das liberdades democráticas, combater o crescente intervencionismo estatal na economia e impedir a volta de Vargas.

Em plano secundário, outros menores foram fundados, como o Partido Republicano, o Partido Libertador, o Partido Social Progressista, Partido Democrata Cristão. Nenhum, entretanto, chegou a adquirir expressão nacional. O Partido Comunista Brasileiro, após 18 anos de vida clandestina, voltou à legalidade em novembro de 1945, mas teve as atividades encerradas em maio de 1947 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, acusado de ser "insuflador da luta de classes, antidemocrático, ligado à União Soviética, a quem apoiaria em caso de guerra com o Brasil".

O Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965, baixado pelo presidente Castelo Branco, decretou a extinção dos partidos e o cancelamento dos respectivos registros. Em agonia desde o movimento de 31 de março, PSD, UDN, PTB e demais agremiações desapareceram, abrindo vácuo que seria ocupado com a fundação da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), únicos possíveis naquelas circunstâncias, em razão de rígidas imposições fixadas pelo Ato Complementar n.º 4.

O restabelecimento da liberdade de organização partidária deu-se ainda no regime militar, com a aprovação da Lei n.º 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Desapareceram Arena e MDB, dando lugar, respectivamente, ao Partido Democrático Social (PDS) e ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Desde então o País acompanha a multiplicação de legendas, hoje em número de 30, a última correspondente ao Partido Ecológico Nacional, registrado pelo Superior Tribunal Eleitoral em junho do ano em curso, logo depois do Partido Pátria Livre e do Partido Social Democrático. Do acentuado número de partidos decorre elevadíssima quantidade de candidatos, na maioria interessados na colocação do nome dentro do horário eleitoral obrigatório, com vagas esperanças de, quem sabe, improvável vitória. Em São Paulo foram 12 postulantes à Prefeitura e 1.159 à Câmara Municipal.

Caracteriza-se o quadro partidário pela total ausência de conteúdo ideológico. Todos os partidos se assemelham na falta de identidade própria. PMDB, PTB e PDT tiveram registro deferido em 1981 e o DEM, em 1986. O PT, em 1979. É muito pouco tempo para acumulação de capital histórico e sedimentação de tradições, sobretudo quando levamos em conta a idade dos partidos ingleses, americanos, franceses, italianos, espanhóis. Temos seis partidos trabalhistas, quatro socialistas, três republicanos (um deles progressista), dois comunistas, dois dos trabalhadores, um humanista e solidário, um verde, outro ecológico e o Partido Social Democrático, assumidamente sem posição à direita, à esquerda ou ao centro, criado para ser o estuário onde desaguariam descontentes de várias agremiações, em busca da luz do Sol.

Mesmo quem domina os meandros da vida partidária não deixa de se surpreender com a facilidade com que derrotados celebram alianças com vitoriosos, para deixar claro que todos se põem de acordo quando se trata de auferir benefícios no centro ou na periferia do poder.

Desde 1965, além da Constituição de 1988, tivemos pelo menos meia dúzia de leis relativas às eleições e aos partidos. Até hoje, porém, não conseguimos alcançar o ponto de equilíbrio entre o exercício da liberdade de organização partidária e exigências de entidades políticas idôneas, aptas a funcionar como correias de transmissão entre o povo e os Poderes Executivo e Legislativo. Não temos, na verdade, partidos caracterizados pela fidelidade da cúpula e dos filiados a programas e ideias. O que prevalece, por todo o território nacional, são comitês volúveis e transitórios, vivos nos períodos eleitorais para, em seguida, voltarem a adormecer em torno de pessoas.

Segundo Ortega y Gasset, notável filósofo espanhol autor de Rebelião das Massas, o sucesso do regime democrático depende substancialmente do processo eleitoral. Não há democracia que não tenha como suporte partidos comprometidos com ideias e programas, independentes do Estado, eleitorado livre e Justiça soberana, pronta para repelir manobras autoritárias e condenar a corrupção.

O brasileiro tem dado demonstrações de amor à democracia e desejo de ter como governantes nomes capazes e impolutos. Nem sempre acerta, mas quando erra o faz por ser vítima de quadro partidário artificial, dominado por pequenos grupos cujo único interesse é se manterem no poder, esquecidos das verdadeiras necessidades do homem do povo.

Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Fonte: O Estado de S. Paulo

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