O período eleitoral
que atravessamos - antevéspera do que encontraremos em 2014 - exibe cenário
anárquico resultante da fragmentação de grandes partidos políticos e da
proliferação de pequenos.
Getúlio Vargas reinou
15 anos, entre 1930 e 1945, sem Congresso, sem oposição, sem partidos. Ao
pressentir o fim da ditadura, concebeu a ideia da fundação do Partido Social
Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), gerados,
dialeticamente, para serem aparentemente antagônicos; o primeiro, como
representante das elites conservadoras; o segundo, como porta-voz do nascente
operariado. Vargas teria imaginado conservar-se no poder por meio de um deles,
ou da aliança entre ambos - como de fato ocorreu com a eleição do seu ministro
da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, para o período 1946-1950 -, e o
regresso ao Palácio do Catete, como presidente eleito diretamente pelo povo, em
1951.
Entre a queda da
ditadura em 1945 e o movimento militar de 1964, o País conheceu diversos
partidos. Além do PSD e do PTB, havia a União Democrática Nacional (UDN),
fundada em 6 de abril de 1945 sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes, com
o objetivo de organizar ampla frente em torno do restabelecimento das
liberdades democráticas, combater o crescente intervencionismo estatal na
economia e impedir a volta de Vargas.
Em plano secundário,
outros menores foram fundados, como o Partido Republicano, o Partido
Libertador, o Partido Social Progressista, Partido Democrata Cristão. Nenhum,
entretanto, chegou a adquirir expressão nacional. O Partido Comunista
Brasileiro, após 18 anos de vida clandestina, voltou à legalidade em novembro
de 1945, mas teve as atividades encerradas em maio de 1947 por decisão do
Tribunal Superior Eleitoral, acusado de ser "insuflador da luta de
classes, antidemocrático, ligado à União Soviética, a quem apoiaria em caso de
guerra com o Brasil".
O Ato Institucional
n.º 2, de 27 de outubro de 1965, baixado pelo presidente Castelo Branco,
decretou a extinção dos partidos e o cancelamento dos respectivos registros. Em
agonia desde o movimento de 31 de março, PSD, UDN, PTB e demais agremiações
desapareceram, abrindo vácuo que seria ocupado com a fundação da Aliança
Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), únicos
possíveis naquelas circunstâncias, em razão de rígidas imposições fixadas pelo
Ato Complementar n.º 4.
O restabelecimento da
liberdade de organização partidária deu-se ainda no regime militar, com a
aprovação da Lei n.º 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Desapareceram Arena e
MDB, dando lugar, respectivamente, ao Partido Democrático Social (PDS) e ao
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Desde então o País
acompanha a multiplicação de legendas, hoje em número de 30, a última
correspondente ao Partido Ecológico Nacional, registrado pelo Superior Tribunal
Eleitoral em junho do ano em curso, logo depois do Partido Pátria Livre e do
Partido Social Democrático. Do acentuado número de partidos decorre
elevadíssima quantidade de candidatos, na maioria interessados na colocação do
nome dentro do horário eleitoral obrigatório, com vagas esperanças de, quem
sabe, improvável vitória. Em São Paulo foram 12 postulantes à Prefeitura e
1.159 à Câmara Municipal.
Caracteriza-se o
quadro partidário pela total ausência de conteúdo ideológico. Todos os partidos
se assemelham na falta de identidade própria. PMDB, PTB e PDT tiveram registro
deferido em 1981 e o DEM, em 1986. O PT, em 1979. É muito pouco tempo para
acumulação de capital histórico e sedimentação de tradições, sobretudo quando
levamos em conta a idade dos partidos ingleses, americanos, franceses,
italianos, espanhóis. Temos seis partidos trabalhistas, quatro socialistas,
três republicanos (um deles progressista), dois comunistas, dois dos
trabalhadores, um humanista e solidário, um verde, outro ecológico e o Partido
Social Democrático, assumidamente sem posição à direita, à esquerda ou ao
centro, criado para ser o estuário onde desaguariam descontentes de várias
agremiações, em busca da luz do Sol.
Mesmo quem domina os
meandros da vida partidária não deixa de se surpreender com a facilidade com
que derrotados celebram alianças com vitoriosos, para deixar claro que todos se
põem de acordo quando se trata de auferir benefícios no centro ou na periferia
do poder.
Desde 1965, além da
Constituição de 1988, tivemos pelo menos meia dúzia de leis relativas às
eleições e aos partidos. Até hoje, porém, não conseguimos alcançar o ponto de
equilíbrio entre o exercício da liberdade de organização partidária e
exigências de entidades políticas idôneas, aptas a funcionar como correias de transmissão
entre o povo e os Poderes Executivo e Legislativo. Não temos, na verdade,
partidos caracterizados pela fidelidade da cúpula e dos filiados a programas e
ideias. O que prevalece, por todo o território nacional, são comitês volúveis e
transitórios, vivos nos períodos eleitorais para, em seguida, voltarem a
adormecer em torno de pessoas.
Segundo Ortega y
Gasset, notável filósofo espanhol autor de Rebelião das Massas, o sucesso do
regime democrático depende substancialmente do processo eleitoral. Não há
democracia que não tenha como suporte partidos comprometidos com ideias e
programas, independentes do Estado, eleitorado livre e Justiça soberana, pronta
para repelir manobras autoritárias e condenar a corrupção.
O brasileiro tem dado
demonstrações de amor à democracia e desejo de ter como governantes nomes
capazes e impolutos. Nem sempre acerta, mas quando erra o faz por ser vítima de
quadro partidário artificial, dominado por pequenos grupos cujo único interesse
é se manterem no poder, esquecidos das verdadeiras necessidades do homem do
povo.
Almir Pazzianotto Pinto,
advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário