sábado, 6 de outubro de 2012

O "queixo de vidro" - Carlos Melo


Modernos instrumentos de sondagem eleitoral fazem com que as pesquisas de intenção de voto assumam centralidade muitas vezes descabida. Partidos, candidatos e eleitores movem-se em torno delas, que se transformam em elementos de propaganda eleitoral. Mas, um surrado clichê parece mesmo fazer sentido: a pesquisa que vale é a das urnas, no dia da eleição. Fora disso, pesquisas são como fotos, retratam o momento. Eleição é filme, permanente movimento.

No filme desta eleição, José Serra ponteou inicialmente e surgiu como favorito. Mas suas dificuldades são maiores que o esperado; o recall é o das promessas não cumpridas fazendo carregar um quase recorde de rejeição. Depois, Celso Russomanno disparou, aproveitando-se do fastio com a disputa PT X PSDB, deu vigorosa largada. Mas, sangra, agora, na linha de chegada. Paralelamente, Fernando Haddad, apesar dos padrinhos e da TV, patina abaixo dos índices PT, talvez porque o PT não seja mais o mesmo.

Ao final, o clímax da fita é o despencar de Russomanno. É um corpo que cai. Serra e Haddad estão por um focinho; e até Gabriel Chalita começou se deslocar com alguma esperança. Tudo ficou imprevisível. Na vertigem dos números, não se sabe quem irá ao segundo turno. O passaporte de Russomanno estava carimbado, mas tudo caminha para que lhe cancelem o visto.

Difícil explicar, mas é necessário compreender. Em primeiro lugar, nada indica que o cansaço com PT e PSDB tenha sido superado. Mesmo que Serra e Haddad ultrapassem Russomanno, somam menos da metade do eleitorado. Ademais, Gabriel Chalita tem crescido com um discurso de outsider. Em que pese o tamanho de suas máquinas, a maioria ainda não vê PT e PSDB como alternativas.

Então, o que pode ter se passado para que movimentação tão expressiva ocorresse e o candidato do PRB desidratasse tanto e tão rápido?

Celso Russomanno navega nas águas do conservadorismo e da religião. Mas, dizer que são os conservadores que o abandonaram ou que foi a ação da Igreja Católica que o afetou reduz a abrangência do fenômeno; José Serra, mais palatável a esses setores, não tem subido na proporção da queda de Russomanno. Há também os ressentidos com o mercado, que buscam no astro da TV uma espécie de Procon pessoal: não houve conflito nem candidato que se aventurasse por essa vereda. Esse público ainda lhe parece fiel.

Sobra-nos o enorme segmento dos carentes de políticas públicas, altamente dependente da ação do Estado. E, nesse campo, houve, sim, um fato: salvo engano, foi no debate da TV Gazeta que Fernando Haddad descobriu e acertou o "queixo de vidro" de Russomanno: apontando a inconsistência de sua tarifa proporcional, deixou patente que o adversário não entendia do riscado. A partir de então, houve uma avalanche de críticas: o candidato do PRB perdeu a majestade.

Para não dar o braço a torcer, Russomanno insiste na qualidade de suas "teses" (sic); o faz com incomum veemência. Mas, ao mesmo tempo, procura coordenador respeitável para seu eventual plano de governo. A insistência e a virulência com que se defende nessa área revelam mais do que ocultam: o gancho no queixo o deixou atordoado.

Pesquisas qualitativas poderão demonstrar se a hipótese se sustenta; o quanto a preocupação com a qualidade das políticas públicas pode, realmente, influenciar um determinado tipo de eleitor, fazendo-o mover-se para portos mais seguros: as políticas públicas de Serra e do PT podem não ser solução, mas ao menos foram testadas.

A carência de boas políticas públicas não é novidade em São Paulo. Todavia, que uma parte da população supere ideologias e conflitos, buscando resguardar interesses mais imediatos, isto, sim, parece notável numa campanha que se esmerava pelo personalismo. Ainda que não se trate de politização, o pragmatismo não deixa de ter valor. Talvez as cenas do próximo capítulo insinuem algum avanço.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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