sábado, 15 de dezembro de 2012

Carlos Marighella - Almir Pazzianotto Pinto

Marighella nasceu em Salvador no dia 5 de dezembro de 1911. Era filho de Augusto Marighella, mecânico natural da Itália, e de Maria Rita Marighella, descendente de escravos africanos.

O Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - Pós 1930, editado em 2001 pela Fundação Getúlio Vargas, encontra-se sucinta e desapaixonada biografia do homem que, "influenciado pelas ideias socialistas do pai", aceitou a ideologia marxista-leninista e se filiou, com apenas 19 anos de idade, ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Desde esse momento a trajetória de Marighella passou a ser determinada pela turbulência política que caracterizou a nossa História, da ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, na crista de revolução que liquidou a República Velha, até o regime militar implantado em 31 de março de 1964.

Como um dos principais quadros do Partido Comunista Brasileiro, que tinha como secretário-geral Luís Carlos Prestes, Marighella desfrutou breves períodos de legalidade, tendo sido eleito, com outros 13 companheiros comunistas, deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Pouco depois, em 1947, todavia, o partido voltou a ser condenado à ilegalidade e todos tiveram o mandato cassado.

O movimento militar de 64 apanhou os comunistas desprevenidos. Crentes no dispositivo militar com que João Goulart imaginava contar para defendê-lo e na mobilização dos sindicatos que dirigiam em aliança com o PTB, não tiveram chance de sequer ensaiar reação. Quem nos conta é Hércules Corrêa, no livro Memórias de um Stalinista, à época deputado estadual, presidente do Sindicato dos Têxteis do Rio de Janeiro e da Comissão Permanente das Organizações Sindicais do Estado da Guanabara, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), secretário da bancada parlamentar do PCB, integrante da Comissão Executiva do PCB-Rio e do Comitê Central do PCB, responsável pela Seção Nacional Sindical, líder da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT).

No dia 31 de março, ao procurar o presidente Goulart no Palácio das Laranjeiras, tomou conhecimento de que, para evitar possível guerra civil, este regressara a Brasília e se preparava para deixar o País. Após perambular cinco dias pelas ruas do Rio de Janeiro, Hércules Corrêa escondeu-se no sítio do partido localizado em Jacarepaguá. "Só naquele lugar, e muito aos poucos, fui começar a me dar conta da derrota que sofremos. A coisa foi descendo sobre mim, como um torpor, até que me vi inteiramente tomado por um desalento absurdo, um quase desespero", escreveu o dirigente comunista.

Carlos Marighella engrossou o rol dos derrotados. Reagiu, porém, de maneira diferente. Rompeu com a alta direção do Partido Comunista, que se recusava a optar pela luta armada. A terrível experiência adquirida com a malograda Intentona Comunista de 1935 permanecia na memória dos dirigentes, os quais sabiamente reconheciam a impossibilidade de derrotar o maior Exército da América Latina com um punhado de militantes velhos, inexperientes, desarmados. Volto a Hércules Corrêa e ao livro de memórias, onde escreveu: "O Partido opunha-se a qualquer ação armada contra o regime. Calculávamos que não teríamos chance de nos contrapor aos militares, por falta de adesão da população, e que poderíamos estimular um endurecimento da repressão - que já não estava de brincadeira".

Conta Jacob Gorender, no livro Combate nas Trevas, que desde 1962 já se esboçava no seio do PCB movimento divisionista. De um lado, Luís Carlos Prestes e Giocondo Dias opondo-se a qualquer aventura armada e, de outro, facção radical decidida a partir para a revolução à frente de trabalhadores e camponeses. Segundo o Dicionário Histórico-Biográfico, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) "foi constituído com o objetivo de promover a derrubada do sistema capitalista, através da revolução armada", ao passo que o velho PCB "defendia o caminho pacífico para a revolução brasileira".

Relata Hércules Corrêa que "o ano de 1967 foi muito traumático para o PCB. Carlos Marighella foi expulso do Partido pela sua opção pela luta armada". Escreve que se encontraram em São Paulo, ambos procurados pela polícia, antes de Marighella fugir para Cuba. Foi quando advertiu: "Ficou maluco, ô baiano? Essa história de guerrilha não vai dar certo nunca no Brasil". Respondeu Marighella: "Escuta Hércules, não adianta. Eu já estou decidido. O que você tem a fazer é me desejar boa sorte".

O que se seguiu é conhecido. Durante os "anos de chumbo" o Brasil acompanhou aquilo que Gorender denominou "o combate nas trevas". A desproporção de forças, aliada à maciça repulsa dos trabalhadores, dos camponeses, da classe média, dos servidores públicos ao terrorismo e à guerra civil determinaram o esgotamento da luta armada, tornando menos áspero o retorno à democracia.

Marighella participa da História como propagandista da guerrilha urbana. Não obstante os esforços de biógrafos no sentido de apresentá-lo como figura suave, de nobre caráter, dele permanece a imagem de terrorista que repudiava "a farsa eleitoral". Em lugar das disputas democráticas, propunha a insurreição, a destruição de propriedades rurais, assaltos a bancos, invasões de empresas, atentados, assassinatos. O Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, cujo texto é encontrado na internet, não projeta a imagem de um homem pacífico, mas de alguém afeito à violência.

Delatado, não se sabe por quem, Marighella foi emboscado e morto em São Paulo pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, em 4 de novembro de 1969. Confirmava-se a previsão de Hércules Corrêa feita em 1967. Eliminado o chefe, a luta armada entrou em declínio e em pouco tempo se encerrou.

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/12/2012

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