terça-feira, 3 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA - Eric Hobsbawm: a velha esquerda

A esquerda tradicional estava orientada para um tipo de sociedade que já não existe mais ou está deixando de existir. Acreditava-se sobretudo no movimento operário como o grande responsável pelo futuro. Bem, nos desindustrializamos e isso já não é possível”, destaca o historiador.

As mobilizações de massa mais efetivas hoje são aquelas que começam em meio a uma classe média moderna e em particular em um grupo grande de estudantes. São mais efetivos em países onde, demograficamente, os jovens são mais numerosos.

Eric Hobsbawm, historiador britânico. Revoluções de 2011 'me lembram 1848'. Entrevista. O Estado de S. Paulo, 1/1/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
PF investiga tráfico de pessoas na fronteira
Sortudos, mas descuidados
Voos atrasam na volta do feriadão
Comércio exterior do país é recorde

FOLHA DE S. PAULO
TJ vai rever pagamento a juízes
Com mau tempo, Rio vive dia de caos em aeroportos
R$ 4 bilhões por dia

O ESTADO DE S. PAULO
Ministro dá ao seu Estado 90% da verba antienchente
Pacote terá incentivos à exportação de manufaturados
Santos dobrará capacidade do maior porto da AL até 2013
Venda de Carros bate novo recorde

VALOR ECONÔMICO
Concessões de 2012 exigirão investimentos de R$ 90 bi
Exportações sentem o peso da crise
Cresce número de juízes sob investigação

CORREIO BRAZILIENSE
Flagelo no Rio e em Minas. Voos atrasam
Brasil bate recorde no comércio exterior, mas crise já ameaça vendas

ESTADO DE MINAS
Aumento dos aposentados será discutido em fevereiro

ZERO HORA (RS)
Concursos oferecem mais de 20 mil vagas
Paraguai detecta novo foco de aftosa
Crescem as multas por falta de uso do cinto

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Litoral Norte deve ganhar novo acesso
Jogo duro com os taxistas
Violência mais forte que o pacto

Ministro dá ao seu Estado 90% da verba antienchente

Estado do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB), Pernambuco foi o maior beneficiado por verbas da pasta para combate e prevenção de desastres naturais, como enchentes, revela Marta Salomon. Em obras novas, iniciadas em 2011, o Estado concentrou 90% dos gastos, segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas com base em registros do Tesouro Nacional. Pernambuco recebeu R$ 25,5 milhões, 14 vezes mais do que o segundo colocado, o Paraná, vítima de deslizamentos provocados pelas chuvas no ano passado. Bezerra é conhecido pela fidelidade ao governador Eduardo Campos, aliado do governo federal, e tem sido cotado como candidato à prefeitura do Recife. O ministério contestou a forma de cálculo das despesas contra desastres naturais. O governo de Pernambuco afirmou que os recursos se referem a contratos firmados em 2010, período em que a pasta da Integração Nacional foi comandada pelos baianos Geddel Vieira Lima e João Santana Filho, ambos do PMDB

Integração dá 90% de verba antienchente para Pernambuco, Estado do ministro

Marta Salomon

BRASÍLIA - Pernambuco, Estado do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, foi o principal destino de verbas do ministério comandado por ele em prevenção e preparação de desastres naturais, como enchentes e desmoronamentos. Em obras iniciadas em 2011, Pernambuco concentrou 90% dos gastos da pasta destinados a esse fim, mostra levantamento feito com base em dados do Tesouro Nacional e pela organização não governamental Contas Abertas.

Duas obras que consumiram grande parte dos gastos de R$ 25,5 milhões no Estado tiveram as ordens de serviço assinadas pela presidente Dilma Rousseff em viagem ao município de Cupira, no final de agosto. Indicado para o cargo pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, Bezerra é pré-candidato em 2012 (leia texto abaixo). Ele nega.

As barragens de Panelas 2, em Cupira, e de Gatos, no município de Lagoa dos Gatos, somam R$ 50 milhões em recursos já comprometidos desde maio. O dinheiro deverá ser liberado ao longo das obras.

A concentração de verbas do programa de prevenção e preparação para desastres em Pernambuco foi tão grande que o Estado lidera o ranking da liberação de dinheiro da União mesmo quando é considerado o pagamento de contas pendentes deixadas pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse ranking, Pernambuco é seguido pelos Estados da Bahia, São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

Dos gastos autorizados e pagos em 2011, Pernambuco recebeu 14 vezes mais do que o segundo colocado, o Paraná, onde chuvas fortes provocaram enxurradas e deslizamentos no ano passado. Pernambuco recebeu R$ 25,5 milhões, contra R$ 1,8 milhão liberado para o Paraná, dos R$ 28,4 milhões pagos em obras autorizadas em 2011 para a prevenção de desastres naturais. O restante foi para outros Estados.

A construção de reservatórios para conter cheias na região metropolitana de São Paulo, ação que teve R$ 31 milhões de gastos autorizados pelo Orçamento de 2011, não recebeu nenhum tostão, mostra o levantamento.

A Bahia ocupa o segundo lugar na lista de pagamentos feitos em 2011 por conta de contas pendentes deixadas pelo governo Lula, com mais de R$ 10 milhões à frente de São Paulo. O levantamento considerou pagamentos registrados no Siafi, o sistema de acompanhamento de gastos da União até o dia 19 de dezembro.

"Se, nos últimos anos, a prevenção de desastres tinha um sabor de acarajé, agora ganhou ritmo de frevo", compara o economista Gil Castello Branco, secretário executivo do Contas Abertas. O privilégio da base eleitoral do ministro da Integração é um fenômeno já registrado na gestão de Geddel Vieira Lima, do PMDB (veja box ao lado).

Quando Pernambuco registrava saldo maior de desabrigados por enchentes (em 2010 cerca de 80 mil pessoas), a Bahia concentrava mais da metade das verbas. O número de vítimas, no entanto, nem chegou perto do total de mortos na região serrana do Rio.

Prevenção. Ainda de acordo com o levantamento, a União gastou mais em 2011 com os efeitos dos desastres do que para preveni-los. Mesmo depois de o ministério ter estabelecido como meta para o ano "ampliar gastos em prevenção em relação aos gastos de resposta e reconstrução".

Em 2011, gastos com resposta a desastres caíram de R$ 2,3 bilhões para R$ 1 bilhão (até 19 de dezembro). Ainda assim, foram muito maiores do que os R$ 139 milhões gastos com prevenção. A pesquisa considerou ações do programa de prevenção e preparação de desastres, que inclui obras preventivas, a construção do centro nacional de gerenciamento de riscos, a capacitação em defesa civil e até publicidade.

O Ministério da Integração contesta a forma de cálculo das despesas com prevenção de desastres restritas ao programa da pasta e alega que os maiores gastos da União em drenagem e contenção de encostas são feitos pelo Ministério das Cidades.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

TCE quer saber destino de R$10,9 milhões

Secretaria estadual de Obras/RJ não informou onde dinheiro federal foi aplicado

Gabriel Mascarenhas, Luiz Ernesto Magalhães

As chuvas neste início de 2012 demonstram, quase um ano após a tragédia que matou mais de 900 pessoas na Região Serrana, que muitas cidades continuam vulneráveis. Em janeiro de 2011, União, Estado e prefeituras anunciaram investimentos milionários para recuperar os municípios. O que foi feito até agora não é suficiente e, além disso, o governo do estado ainda não explicou ao Tribunal de Contas (TCE) como a Secretaria de Obras aplicou R$10,9 milhões de um montante de R$70 milhões enviado pelo governo federal, no início do ano passado, para ações de socorro e assistências a vítimas da tragédia.

Se um total de R$114,9 milhões - vindos de diversas fontes - foram gastos em obras emergenciais e recuperação de pontes e estradas destruídas em 2011, as chuvas chegaram sem que acabassem as intervenções de contenção de e recuperação de encostas. Como se não bastasse, milhares de famílias em Friburgo, Bom Jardim, Teresópolis e Petrópolis continuam a receber aluguel social de R$500 em abrigos ou nas áreas de risco.

Em Friburgo, onde muita gente entrou Justiça para receber o aluguel social, há denúncias de de pagamentos feitos indevidamente.

- Em janeiro, faremos um recadastramento. Há denúncias de que uma mesma família recebe até três benefícios. Hoje, pagamos 2.660 aluguéis, mas a demanda é maior. Temos mais 2.100 sem receber e, destas, 500 famílias entraram na justiça requerendo o benefício - disse o secretário municipal de Assistência Social de Friburgo, Josué Edinézer.

Nenhum centavo dos R$452,6 milhões anunciados em obras do Minha Casa Minha Vida para reassentar famílias foram pagos. Os locais escolhidos pelas prefeituras não atraíram as empreiteiras ou precisaram ser revistos, devido aos custos da obras.

FONTE: O GLOBO

Após ano de crise, Cabral usa UPPs para se recompor

Governador afastou-se da presidente ao criticar a distribuição dos royalties do petróleo e, agora, tenta recuperar seu cacife político

Luciana Nunes Leal

RIO - Na noite de reinauguração do Palácio Guanabara, sede do governo restaurada graças a empresas privadas que bancaram as obras de R$ 19,2 milhões, o governador Sérgio Cabral (PMDB) resumiu a atual gestão, em discurso bem-humorado: "O governador é o Pezão, o primeiro-ministro é o Regis e eu fico ali animando a festa".

Foi esta dupla - Luiz Fernando Pezão, vice-governador e coordenador de infraestrutura, e Regis Fichtner, secretário da Casa Civil - que tocou o dia a dia da administração e esteve ao lado de Cabral nos momentos críticos do ano passado.

Depois de uma sucessão de crises, denúncias, más notícias no plano pessoal e do esfriamento da relação com a presidente Dilma Rousseff, o governador encerrou 2011 tentando capitalizar a bem-sucedida ocupação da Favela da Rocinha pelas forças de pacificação, logo depois da prisão do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem.

A política de combate ao crime, baseada nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), está a cargo do terceiro homem forte do governo, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

Pezão fala em "urucubaca" quando comenta sobre 2011. "Todo mês vinha uma pancadaria", lamenta. O vice elege as enchentes na região serrana, em janeiro, que deixaram mais de 900 mortos, o pior pesadelo do ano. "A situação das cidades fugiu do controle", reconhece.

A crise política veio em junho. Depois de um desgastante embate com bombeiros em campanha salarial, em que determinou a prisão dos responsáveis pela invasão do quartel-general da corporação, Cabral viveu um drama pessoal que descambou em uma série de suspeitas de favorecimento, tráfico de influência e falta de decoro.

O acidente de helicóptero que matou sete pessoas no sul da Bahia, entre elas a namorada de um de seus filhos, mostrou a proximidade do governador com o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, que tem contratos milionários com o governo do Estado. Revelou também a ligação estreita de Cabral com um dos homens mais ricos do mundo, Eike Batista, que costumava emprestar seu avião para o governador.

Mais uma vez, Pezão foi o esteio de Cabral. O vice tinha acabado de viajar para alguns dias de férias no sul da Itália. "Voltei correndo. Fiquei seis horas na cidade", relembra. E sai em defesa do governador. "Como é que não pode ser amigo do empreiteiro? Vai ser só amigo do operário? O Brasil pune muito o sucesso das pessoas", reage Pezão.

Embate com Planalto. A tensão voltou em setembro, quando avançava no Congresso a proposta de distribuição dos royalties do petróleo que tira recursos do Rio. Cabral elevou o tom das críticas aos parlamentares e cobrou "coerência" da aliada Dilma Rousseff e o compromisso de vetar qualquer mudança prejudicial aos Estados produtores.

No Palácio do Planalto, o comportamento do governador foi mal recebido. Um integrante da coordenação política da presidente reclamou que ele foi "tratado como um filho" pelo ex-presidente Lula e que Dilma fez questão de manter a mesma política de atenção às demandas do Estado. Não aceitaria, portanto, ser desafiada e colocada contra a parede.

Dilma teve uma conversa com Cabral e Pezão, no início de outubro, mas a aprovação do projeto no Senado reacendeu o mal-estar. A crise dos royalties arrefeceu com a decisão de empurrar para 2012 a discussão na Câmara. O desfecho deste imbróglio será decisivo para o futuro da relação entre Dilma e Cabral.

Por enquanto, o discurso do governador é de total apoio à reeleição da presidente.

Afilhado. Aos poucos, Cabral começa a tratar da sua sucessão. Neste ponto, estão de volta os dois escudeiros. O governador costura uma ampla aliança para a eleição de Pezão em 2014.

Há três semanas, em jantar com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e parlamentares do recém-criado PSD, que já tem a maior bancada na Assembleia Legislativa fluminense, o governador lembrou a importância de prorrogar a aliança fechada para a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB) em 2012. Kassab comprometeu-se com o apoio ao candidato de Cabral.

Um dos cenários da sucessão estadual é a repetição de uma chapa só de peemedebistas, com Regis Fichtner candidato a vice de Pezão. Ninguém no governo fluminense fala abertamente de eleição, mas a ideia começa a se espalhar. Fichtner tem tido maior visibilidade no governo, com discursos constantes em solenidades. Foi ele quem coordenou as obras do Guanabara e ganhou os elogios na festa de reinauguração. Naquele mesmo dia, 15 de dezembro, comandou o anúncio das mudanças na zona sul para a construção da linha 4 do metrô.

A proposta de chapa puro-sangue se fortalece diante da provável saída do PT da aliança em 2014, com a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo. O petista tentou disputar com Cabral em 2010, mas foi convencido por Lula a desistir. Agora, está decidido a lutar para ser candidato. O discurso oficial, no entanto, é conciliador. "Acho possível que surja um candidato unificado de PT e PMDB", diz o senador. "Vamos ver como estarão os pré-candidatos lá na frente."

Colaborou Vera Rosa

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PSDB repaginado em 2012

De olho no eleitorado, tucanos vão criar áreas para discutir temas como meio ambiente, esporte e cultura

Guilherme Amado

A oposição quer que 2012 seja considerado o ano da reação de quem, desde 2003, vem encolhendo à medida que o PT e seus aliados crescem. Essa é a promessa do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que planeja uma série de novidades para o principal partido da oposição. Novas secretarias, mais discussão e foco nas cidades em que os tucanos venceram em 2010. A aproximação com o eleitorado, retomada no ano passado, deve ser radicalizada em 2012. "Vamos acabar com essa doença de pouca interlocução com a sociedade", afirma Guerra.

Dando continuidade ao movimento de popularização iniciado em 2011, os tucanos vão criar mais sete secretarias, a exemplo do braço sindical e da área de mulheres. As secretarias serão de temas sociais, como meio ambiente e sustentabilidade, saúde, esporte, etnias, educação, portadores de necessidades especiais e cultura.

O PSDB também programou congressos regionais ao longo de 2012 e um exclusivamente para sindicalistas, em março. Tudo antes das eleições municipais de outubro. "Estamos mudando o partido, que nunca teve esses congressos. É gente nova", explica Guerra. Além dos encontros nacionais, haverá seminários ligados aos temas das novas secretarias.

O presidente tucano também já marcou uma reunião com os dois outros principais partidos de oposição, DEM e PPS, para discutir como será a estratégia de atuação dos três. Um dos temas a ser discutido será a parceria dos três nas eleições municipais. A expectativa do PSDB é eleger um total de mil prefeitos. Hoje, a sigla comanda 790 municípios.

O foco dos tucanos deve ser nas capitais dos estados em que José Serra venceu em 2010, além de outros em que o partido considera ter vantagem em relação aos partidos governistas. "Em estados em que temos o governo, saímos na frente", afirma Sérgio Guerra, que diz esperar que o partido cresça no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Tocantins, Pará, Alagoas e Roraima.

Falta de uma bandeira

No DEM, a estratégia será manter o que se tem e tentar frear o crescimento dos governistas, principalmente do PT, no Nordeste. Em Sergipe, estado em que a oposição vem minguando a cada eleição, o único deputado federal de oposição, Mendonça Prado, acredita que a prefeitura de Aracaju deve voltar para as mãos dos partidos de oposição. "Na capital, Alckmin e Serra venceram, em 2006 e 2010. O governo está perdendo espaço", vislumbra. O parlamentar acredita que 2012 marcará o fim do crescimento do PT pelo Nordeste. "A imagem deles não é mais tão boa. Eles cresceram rebocados por Lula", avalia.

As projeções da oposição não encontram ressonância entre os cientistas políticos. Cesar Romero, da PUC-Rio, acredita que falta a eles uma bandeira. Segundo Romero, a "faxina" da presidente Dilma Rousseff conseguiu afastar do governo a imagem de leniência em relação à corrupção, diminuindo o poder de fogo de PSDB, DEM e PPS. O professor acredita que o definhamento de algumas alas do PSDB e do DEM tem a ver com os programas de transferência de renda iniciados já no governo Fernando Henrique. A cada eleição, esse processo se intensificaria. "Os políticos conservadores começaram a definhar com o Bolsa Escola. Ao fazer esse sistema em que o repasse do dinheiro do governo federal para a população dos pequenos municípios é feito sem a intermediação de políticos, diminui o poder das oligarquias, que se alimentavam disso", descreve Romero.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Fim da briga interna

Apesar de estar no campo oposto ao de Guerra, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza, concorda com o presidente do PSDB em relação à oposição. "Eles se afastaram da sociedade", resume. Mas as combinações de opiniões param por aí. O deputado avalia que a oposição ainda não encontrou um rumo. "A derrota política foi maior do que a eleitoral. O PSDB elegeu mais governadores e em estados mais fortes economicamente do que o PT. Mas faltam projetos e discursos, sem falar na guerra interna permanente deles", critica.

O cientista político Marcos Figueiredo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, avalia que o projeto tucano dará novo gás à oposição, mas cessar a briga interna é fundamental. "Eles têm que resolver qual é a liderança que vai prevalecer: o Serra ou o Aécio. Isso é crucial para enfrentar a próxima campanha. E tem que definir já, porque o partido tem que ter liderança popular", sugere Figueiredo. "Eles estão no caminho certo, estão arejando o partido, promovendo novas lideranças. É uma refundação do PSDB", avalia.

Figueiredo acredita que os tucanos tenham demorado a entender as mudanças em curso na sociedade, com os programas sociais criados e ampliados pelo PT. "É claro que eles não são contra essas mudanças. Mas ficaram um pouco sem discurso, porque era o projeto social-democrata que eles mesmos não executaram".

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Além dos números:: Merval Pereira

Mais importante que definir que ter o sexto Produto Interno Bruto (PIB) do mundo não significa ter um país melhor - estamos em 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); em 88º no Índice de Desenvolvimento Educacional; ainda somos um dos mais desiguais na distribuição de renda do mundo, apesar dos avanços recentes - é entender que, para deixarmos de ser o 73º país no ranking de renda per capita, temos que encarar as reformas estruturais de que o país necessita para crescer sustentavelmente, principalmente na educação.

Mesmo porque a previsão de que passamos o Reino Unidos se baseia em expectativas de crescimento e câmbio que estão sujeitas a alterações que podem mudar novamente o ranking, embora a crise financeira internacional torne quase inexorável a ascensão dos países emergentes.

A Goldman Sachs, que "inventou" o acrônimo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para tornar palpável o crescimento dos emergentes, considera que é possível que dentro de 18 anos a economia da China venha a ser tão grande quanto a dos Estados Unidos.

Desde o início da crise financeira internacional, em 2007, os Brics respondem por cerca de 45% do crescimento global.

A soma do PIB dos Brics pode alcançar a dos países que compõem hoje o G-7 por volta de 2032, sete anos antes do previsto inicialmente.

Com relação ao Brasil, um estudo do empresário Paulo Cunha mostra que, se a renda per capita brasileira tivesse crescido até hoje à mesma taxa do período de 1900 a 1980, estaríamos com 35% da renda dos americanos - próximos do Chile e melhores que o México.

E se tivéssemos crescido mais aceleradamente, ao ritmo registrado entre 1950 e 1980, quando crescemos a uma média anual de 7%, (nosso PIB registrou médias asiáticas: 7,15% de 1950 a 1959; 6,12% de 1960 a 1969; e 8,78% de 1970 a 1979), estaríamos hoje com 48% da renda americana, semelhante à de Portugal.

Ao contrário, se de 1900 a 2004 a renda per capita tivesse crescido no ritmo dos últimos 25 anos, nossa renda seria equivalente a 18% da renda atual, o que corresponderia às rendas do Quênia e da Nigéria - estaríamos entre os 15 países mais pobres do mundo.

O PIB per capita do Brasil em 1980 equivalia a 30,5% do dos Estados Unidos; em 2009, essa relação caiu para 22,7%.

Ao contrário, no mesmo período, o PIB per capita da Coreia do Sul em Paridade de Poder de Compra (PPC) equivalia a 18,8% do norte-americano, quase a nossa situação hoje, e era 60% menor do que o PIB per capita brasileiro naquela ocasião.

Mas nesses 30 anos a Coreia do Sul conseguiu aumentar o percentual em relação aos Estados Unidos para 60,3%. Esse avanço tem a ver principalmente com o salto de qualidade no ensino que o país deu nos últimos anos.

Até 1980, o Brasil cresceu mais que a média mundial: de 1900 a 1980, a renda per capita brasileira cresceu em média 3,04%, enquanto a renda mundial cresceu 1,92%.

O período de maior crescimento foi o de 1950 a 1980, que alguns classificam como os "anos dourados", quando o país cresceu em média 4,39% sua renda per capita, para um crescimento médio mundial de 2,83%. Nesse período, o Brasil figurou entre os dez países mais dinâmicos do mundo.

A partir daí, assistimos a uma redução de 90% do ritmo de crescimento per capita - de 4,39% para 0,43% de 1980 a 2004.

No trabalho "Redução da desigualdade da renda no governo Lula - Análise comparativa", o professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que no período de 2001-10 o Brasil teve uma taxa média anual de crescimento do PIB real per capita de 2,2%, inferior à média de um painel composto por 12 países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

O crescimento médio anual do país no período de 1995 a 2009 foi de 2,9%, fazendo com que a elevação da renda tenha sido de apenas 22%, contra 100% na Índia e 226% na China no mesmo período.

Mesmo crescendo a apenas 3% ao ano (previsão que já está sendo reduzida pelos especialistas), o PIB brasileiro aumentará mais que o dos países europeus e o dos Estados Unidos nos próximos anos, o que coloca o país no G-6 da economia mundial.

Mas crescerá menos que emergentes como China e Índia. Devido ao baixo índice educacional e à falta de infraestrutura, Brasil e Índia crescerão em velocidade menor que Rússia e China nos próximos 20 anos, segundo estudo da Goldman Sachs, criadora dos Brics.

Mas, mesmo a lista das dez maiores economias do mundo devendo ser bastante diferente da de hoje nos próximos anos, há um detalhe fundamental: as maiores economias, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB), provavelmente continuarão não sendo as mais ricas em termos de renda per capita.

Pelas projeções, os cidadãos dos Brics continuarão sendo mais pobres na média que os cidadãos dos países do G-6 de hoje, com exceção talvez da Rússia.

O Brasil, se conseguir manter uma média de crescimento do PIB de 3,5% ao ano, chegará a 2050 com uma renda per capita de US$26.500, próximo à de Portugal hoje, muito longe do que já têm hoje França e Alemanha (cerca de US$44 mil), menos do que o Japão (cerca de US$45 mil) e os Estados Unidos hoje (cerca de US$48 mil).

Para piorar a perspectiva, mesmo com a crise financeira internacional, o PIB per capita dos maiores países continuou crescendo, mesmo o do Japão, que está em recessão há quase 20 anos.

Portanto, mesmo que chegue a ser a 5ª economia de um mundo conturbado, o país continuará tendo desvantagens competitivas sérias.

Os países que fazem parte da OCDE, os mais avançados do mundo, aplicam cerca de 7% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil não passa de 1%, sendo suplantado largamente por Coreia do Sul e China, países que estavam atrás de nós nesse setor nos anos 1980.

A participação brasileira na produção mundial caiu de 3,1%, em 1995, para 2,9%, em 2009, o que denota falta de competitividade. No mesmo período, a China saltou de 5,7% para 12,5%, e a Índia foi de 3,2% para 5,1%.

Em 1960, a Coreia já tinha escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, e essa diferença só fez aumentar de lá para cá, estando atualmente em mais de seis anos.

FONTE: O GLOBO

Que potência é essa? :: Eliane Cantanhêde

A grande (e ótima) novidade anunciada durante as minhas férias foi que o Brasil passou o Reino Unido e é agora a sexta economia do mundo. Uau! Somos uma potência! Mas que potência é essa?

A infraestrutura é sofrível. Os "apaguinhos" são quase rotina, os portos estão cheios de gargalos, as estradas são péssimas, ferrovias praticamente inexistem.

Chegar de uma viagem internacional é um inferno no Galeão e em Guarulhos, as grandes portas de entrada, e até mesmo em aeroportos menores, como o de Natal, onde há três (isso mesmo: três) esteiras de bagagem até que a ampliação seja concluída.

Quanto à educação: Será que o país tem boas escolas para a maioria e profissionais de ponta para enfrentar os desafios do crescimento e da competitividade em todos os setores? Há dúvidas.

E o país consegue ser a sexta economia mundial com um IDH ainda vexaminoso. Quando você passeia pelo interior do Nordeste, onde as coisas vêm melhorando, é verdade, assusta-se com os ainda extensos bolsões de miséria atolados em dois ou três séculos atrás.

Povoados sem asfalto, um atrás do outro, com crianças barrigudinhas e descalças correndo na poeira, entre mulheres de ar sofrido e pele encarquilhada e homens trôpegos pela cachaça e pelo cansaço de uma vida inteira de trabalho duro, debaixo de sol a pino e em regime de semiescravidão.

Não consta que haja gente e cenários assim no Reino Unido e na França, o próximo país a ser, bem antes do que se previa, ultrapassado pela economia emergente do Brasil.

O que está em pauta não é (só) o ritmo da economia e o complexo equilíbrio entre crescimento mais baixo e inflação debochada, mas principalmente a qualidade do desenvolvimento. Há que se discutir por que, para que e para quem o Brasil assume ares de potência.

Ótimo 2012!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O grande desafio da oposição em 2012:: Fabiano Santos

Várias análises têm mostrado que a disputa partidária no Brasil, sobretudo a que gira em torno das eleições presidenciais, encontrar-se-ia bem estruturada em três blocos. Um primeiro segmento votaria no PT e na esquerda de uma maneira mais ampla. Um segundo segmento corresponderia ao eleitorado conservador, por isso rejeita o PT e tem optado pelos candidatos do PSDB em aliança ou não com o DEM, antigo PFL. O terceiro segmento seria o assim chamado eleitor "pivotal", mediano ou de centro. Mais volátil, decide seu voto ao longo da campanha, sopesando custos e benefícios esperados de cada opção. Sendo a tese correta teríamos, então, um eleitorado dividido em dois blocos, segundo o tipo de decisão de voto: aqueles que votam na esquerda e os que a rejeitam fariam parte de um mesmo grupo, a saber, dos que votam prospectivamente, de acordo com visões de mundo e em programas. O segundo grupo seria formado exclusivamente pelo eleitor de centro, o "pivotal", eleitor que decide seu voto retrospectivamente, com base no desempenho do governo e no que apreende ao longo de campanhas eleitorais.

Uma premissa importante dessa estória repousa no papel ocupado pelas forças que ofertam candidatos e políticas ao eleitor. Pela esquerda, de fato, o PT e partidos aliados de esquerda têm feito sua parte, administrando conflitos internos de maneira a não comprometer seus objetivos primordiais, quais sejam, manter a Presidência e ministérios sob seu comando, além de continuar aplicando políticas de resgate da dívida social brasileira. O problema mora no lado conservador, no bloco anti-esquerda. A disputa fratricida, com desdobramentos editoriais de estrondoso sucesso, além de propostas de CPI, não depõe a favor das lideranças de um projeto de oposição à altura das necessidades do país. Nem, ademais, das legítimas aspirações de sua clientela eleitoral cativa, na qual se inclui boa parte de nossas elites econômicas, além de "formadores de opinião".

Na democracia, tão importante quanto se ter um governo legitimado pelo voto e que tenta verter em políticas prioridades reveladas pela maioria da população é a existência de uma ou várias forças de oposição a este governo. Mais especificamente, é a existência de um partido ou coalizão de forças que se apresente como alternativa crível para o conjunto do eleitorado que distingue um regime político como democrático. Se a disputa entre lideranças é fator inarredável da vida dos partidos, é também verdadeiro que a partir de certo limite o conflito deixa de ser um dos componentes inevitáveis da convivência democrática e passa a comprometer a credibilidade dos atores que dele fazem parte. Passa a comprometer a capacidade destas lideranças em articular interesses e ideias alternativas às que preponderam no governo em torno de uma agenda consistente de políticas. Difícil precisar quando tal limite é ultrapassado; entretanto, há indícios importantes de que o processo vem ocorrendo no âmbito da oposição.

Um exemplo consiste na recente criação do PSD e seu posicionamento de neutralidade que assumiu vis-à-vis o governo. Ora, não é possível dissociar a decisão de políticos de orientação conservadora de criar um novo partido, cujo código de conduta é a possibilidade de vir a fazer parte de qualquer governo, da incapacidade dos tucanos de se manterem como alternativa viável de projeto de poder. Pois bem, se a estória de criação do PSD torna-se um padrão, então, claramente não estaremos mais diante de uma vida partidária estruturada em torno de dois blocos na disputa presidencial, convivendo com uma pluralidade de forças, de oposição e sustentação ao governo, no âmbito legislativo. A dinâmica da política brasileira estaria se aproximando mais dos processos de construção e ruptura de coalizões, tal como teorizada pelo cientista político norte-americano William Riker, em 1963.

Em sua obra clássica, "The Theory of Political Coalitions", Riker apresenta a política como um jogo de soma-zero sendo seu prêmio fundamental a conquista de posições no governo. Como estas posições são limitadas, ou "escassas", os parceiros de hoje podem tornar-se os inimigos de amanhã. Visões de mundo, conflitos em torno de interesses de atores sociais, sejam baseadas em classes ou identidades alternativas, nada mais seriam do que elementos secundários de um mesmo e mais fundamental objetivo, a saber, controlar a máquina governamental. Neste cenário, uma oposição não se torna governo porque vence eleições a partir da articulação de interesses e ideias alternativas as que ocupam o poder. Uma oposição "conquista" o governo por conta de um rearranjo de forças ocorrido no âmbito da coalizão predominante, que eventualmente se torna muito grande. Eleições teriam muito pouco a dizer neste processo, seriam uma espécie de epifenômeno de algo mais essencial - a luta intra-elites pela ocupação de espaço no poder do Estado.

Nenhuma teoria sobre a política representa aquilo que ocorre verdadeiramente no processo de disputa pelo poder. A política resulta das escolhas promovidas pelos atores que participam deste processo, escolhas que são feitas em circunstâncias históricas concretas. Se a política brasileira continuará bem estruturada em torno de dois blocos, que representam alternativas relativamente claras para os eleitores, não sabemos de antemão. Isso dependerá de decisões e cursos de ação adotados pelas lideranças dos partidos que têm protagonizado o conflito político desde meados dos anos 90 do século passado. Pelo lado do governo, não vejo indícios de que esta dinâmica possa vir a ser quebrada. Pelo lado da oposição, não obstante, observo caminho mais tortuoso, no qual personalidades têm se colocado acima das instituições. Isto não é bom para a democracia. Não é bom para o país.

Fabiano Santos é cientista político, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj)

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O mundo e o Brasil em 2012 :: Murillo de Aragão

Com este texto, encerro a trilogia de artigos que busca examinar o Brasil em 2012. Abordo, desta feita, os vetores internacionais e sociais. O Brasil é um país paradoxal. Mesmo sendo a quinta economia do mundo e tendo um PIB maior do que, por exemplo, o Reino Unido, ainda apresenta baixo impacto no cenário internacional.

Apesar de ser um dos maiores exportadores de commodities do mundo, sua participação no comércio mundial é pálida - menos do que 5%. E embora seja um dos destinos prediletos de investimentos estrangeiros em todo o planeta, o capital estrangeiro não representa 20% do PIB do país.

Em 2012, o Brasil continuará a sua lenta progressão rumo ao estrelato mundial. Seremos cada vez mais conhecidos. Exportaremos um pouco mais. Teremos mais investimentos estrangeiros.

Como consequência, estaremos mais expostos aos humores de um mundo em crise econômica. A Europa estará em recessão e os Estados Unidos, provavelmente, estarão saindo lentamente dela.

Nesse cenário, nosso relativo isolamento, os fundamentos de nossa gestão econômica e a dinâmica de nosso mercado interno nos dão certa proteção e tranquilidade. Tanto por conta de nossas reservas quanto pela nossa capacidade de vender o que o mundo precisa, mesmo em crise.

Por um lado, um mundo em crise afeta as exportações. Por outro, a maior oferta de produtos no país combate a inflação.

Para o bem do Brasil, estarmos um tanto distantes da confusão global é uma boa coisa. Em consequência, o quadro interno - ainda que não se configure ideal - será de satisfação da sociedade, que devolverá a sua boa percepção do ambiente político na forma de índices elevados de satisfação popular.

No campo social, examinando os sinais identificáveis, e a despeito das articulações contra a corrupção e de estudantes por conta de agendas específicas, a desestabilização da sociedade parece improvável.

Junto à população, apesar da irritação de muitos, o ambiente psicossocial é favorável ao governo e isso se configura de forma hegemônica nos dias de hoje.

Combinam-se, favoravelmente, a imagem positiva de Dilma e o desempenho do seu governo na economia. O que resulta em uma massacrante aprovação, por um lado, e um imenso desinteresse pelas agendas propostas pela oposição.

Nesse sentido, falta ao Planalto uma estratégia de comunicação institucional efetiva, ainda que, de certa forma, a comunicação pessoal de Dilma seja mais do que adequada. Mas ajudaria ao governo e à sua imagem se suas ações obtivessem maior repercussão. Não apenas por meio de anúncios, aos quais ninguém presta atenção.

Entretanto, a lógica publicitária não deve presidir as estratégias de comunicação. Nem apenas buscar a imprensa como canal preferencial de comunicação. É uma tarefa difícil, já que, muitas vezes, o filtro da imprensa joga em dois campos que não interessam à cidadania: às vezes deixa de noticiar ações positivas do governo para não ser tachada de "chapa branca"; às vezes entra no mercado se vendendo em troca de anúncios gordos.

Cientista político e presidente da Arko Advice Pesquisas

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Meia novidade:: Jânio de Freitas

Não é só o PSDB que se repete em São Paulo; o PT também o faz, mas sua repetição contém promessa

O PSDB paulista agita-se, ou melhor, mexe-se, acompanhado pelo jornalismo político como solução contra o marasmo (não o do PSDB, o do calendário político). Novidade à vista? Sem dúvida, em certo sentido.

Mais uma vez os peessedebistas discutem a conveniência partidária de esperar, ou não, que José Serra se defina com clareza entre o que parece que vai e não vai. E assuma a candidatura à prefeitura paulistana, dando início à atividade já atrasada, ou libere o partido para encaminhar alguma perspectiva.

A disposição do PSDB de ainda reviver tal situação, e com calma e cuidados, pode não ser surpreendente, mas é uma novidade na luta das pretensões eleitorais viáveis. Nelas, a procura é a de amarrar o máximo possível com a melhor antecedência.

Há uma particularidade a mais nesse PSDB. O traço marcante na atual atividade dos partidos, considerados como base da vida política, é a perda, por dispensa, de suas identidades. Já em estágio final, como no PMDB, ou em avanço acelerado, como no PSB e no PPS, entre outros. O DEM, que fugia à regra e mudara de nome sem mudar a face, teve facilitada pelo PSD de Kassab, com tantos raptos de demistas, a superação de sua perplexidade.

Em tudo isso, o PSDB manteve-se o PSDB, com suas eminências dizendo as mesmas coisas de ontem, de anteontem e de antes; alheio à grande maioria eleitoral; com as aparências resguardadas no Congresso pelo oposicionismo sem oposição, útil só para lembrar uma ou outra de suas conhecidas concepções. Mas daí não decorreram demonstrações seguras de que tenha reduzido a sua forte potencialidade eleitoral: continua como a oferta mais próxima e confiável para os conservadores em geral. Dilapida-a, porém.

O PSDB volta a discutir o que não pode mais discutir. Ficou evidente, na última eleição presidencial (para não ir mais longe), o seu prejuízo com o tempo perdido enquanto José Serra bloqueava Aécio Neves e não se decidia. E Lula aproveitava para apresentar Dilma a cada recanto do país. Depois, nem bolinha de papel salvaria mais.

Não é só o PSDB, no entanto, que se repete em São Paulo. O PT também o faz -mas, em vez de risco, sua repetição contém promessa. Em boa parte, proporcionada pelo PSDB.

Incorreção

Em parágrafo sobre a "produção" do livro "Privataria Tucana", do repórter Amaury Ribeiro Jr., atribuída ao Palácio do Planalto por Marco Antonio Villa, dei nome incorreto ao professor de história da Universidade Federal de São Carlos. Mas, por sorte, mantive-o entre seus pares do Império Romano: chamei-o Marco Aurélio Villa. Se bem que o imperador Marco Aurélio, antes de falar e de escrever, tinha o hábito da reflexão -e com isso legou à literatura e ao pensamento suas veneradas "Meditações".

Dois tiros

Técnicas da Guerra Fria: no Ocidente foi publicada foto, fornecida por agência, de um foguete provocadoramente disparado por "navio do Irã" no mar de Omã, em frente ao estreito de Hormuz. E mais tarde o comando iraniano informava não haver ainda iniciado o exercício com disparos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Balanço sem drama nem oba-oba:: Rolf Kuntz

A economia brasileira foi destaque internacional no fim 2011, com a imprensa britânica noticiando a ascensão do Brasil ao sexto lugar entre as maiores potências econômicas, posto ocupado anteriormente pelo Reino Unido. A informação foi baseada em projeção do Centro para Pesquisa Econômica e de Negócios, de Londres. Pelos cálculos divulgados, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ter chegado a US$ 2,51 trilhões em 2011. O do Reino Unido deve ter ficado em US$ 2,48 trilhões. A confirmação oficial desses dados só virá em alguns meses, quando os governos fecharem as contas.

A informação foi manchete de três jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo na terça-feira (27/12), mas, de modo geral, a história foi tratada com sobriedade. Até o ministro da Fazenda Guido Mantega foi comedido em seus comentários e lembrou a distância entre as condições de vida no Brasil e nos países mais desenvolvidos. Em algum momento nos próximos 10 a 20 anos, disse o ministro, os brasileiros terão um nível de vida tão bom quanto o do mundo rico antes da crise.

Na última semana de 2011 os jornais trataram de juntar informações, em grande parte incompletas, para um balanço do ano. De modo geral, conseguiram oferecer ao leitor material suficiente para montar um quebra-cabeça com peças de cores variadas, algumas luminosas, outras nem tanto. O noticiário sobre as contas públicas foi apresentado de forma positiva.

Dados melhores

Quase todos os grandes jornais deram destaque ao cumprimento de 99% da meta fiscal até novembro, com superávit primário de R$ 126,8 bilhões acumulado em 11 meses. Esse resultado é a economia feita, no dia a dia da administração, para o serviço da dívida pública. Como em geral é insuficiente para cobrir todos os compromissos vencidos, o setor público permanece com um déficit nominal. Entre janeiro e novembro esse déficit chegou a R$ 89,4 bilhões, valor correspondente a 2,36% do PIB.

Na maior parte da Europa o rombo fiscal é muito maior. É estimado em 3,7% na Itália, 5,8% na França e 8,8% no Reino Unido. OGlobo publicou um excelente quadro colorido com os dados principais das contas brasileiras e as comparações internacionais. Bons gráficos permitem apreender rapidamente a informação essencial e facilitam a leitura do material. Com frequência, no entanto, os gráficos publicados em jornais brasileiros são um desafio até para o leitor especializado.

O balanço do mercado financeiro foi publicado sem grandes variações entre os jornais. Na sexta-feira (30/12), Estado de S.Paulo e Globo chamaram a atenção na primeira página, em matérias de uma coluna, para a queda de 18,1% da bolsa brasileira, A Folha de S.Paulo deu manchete com o outro lado da história, a valorização do ouro e do dólar. Os dois lados compõem um cenário de crise perfeitamente enquadrado nas mais velhas tradições do mercado financeiro. Nas seções de economia, a grande manchete havia sido publicada pelo Globo no dia anterior (29): “Crise engole uma Vale na Bolsa”. As empresas de capital aberto perderam R$ 213,6 bilhões de valor de mercado em um ano.

Do lado mais luminoso houve as notícias sobre o desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas, o mais baixo em nove anos. Também os dados da balança comercial, com superávit de US$ 26,84 bilhões acumulado até 25/12, foram bem melhores do que os previstos até havia poucos meses, graças aos preços dos produtos básicos e ao apetite da China por matérias-primas.

Fluxo significativo

O Banco Central divulgou em seu relatório trimestral de inflação um balanço provisório do ano e projeções para 2012. O BC estimou um crescimento econômico de 3% em 2011 e projetou uma expansão de 3,5% em 2012. O Ministério da Fazenda continua apostando num aumento maior para o PIB, algo na faixa de 4% a 5% nos próximos 12 meses.

A projeção mais pessimista do BC é a da balança comercial. O superávit cairá de US$ 28 bilhões estimados para este ano para US$ 23 bilhões, e o gasto com importações voltará a crescer mais velozmente do que a receita de exportações – 7% e 4,3%, respectivamente. Essa tendência, já observada em anos anteriores, havia sido interrompida por algum tempo, mas deverá retornar, por causa do descompasso entre a demanda interna e a produção da indústria, submetida a uma forte concorrência estrangeira. Se a crise internacional, como se prevê, derrubar os preços das commodities, as contas externas brasileiras serão duramente afetadas.

O governo tem procurado apoiar a indústria brasileira diante dos competidores externos, mas tem recorrido principalmente a medidas de contenção das importações. A última novidade foi anunciada na semana final do ano pelo ministro da Fazenda: ele planeja mudar a forma de tributação dos têxteis e roupas importados. A ideia é deixar de lado a alíquota sobre o valor do produto e cobrar uma taxa sobre o peso. Esse regime é normalmente evitado, em todo o mundo, quando se trata de produtos manufaturados.

Os jornais foram além da informação oficial, publicaram opiniões críticas de quem entende do assunto e avançaram na discussão da política brasileira de regulação comercial. Essa política tem sido liderada há algum tempo pelo Ministério da Fazenda, sem participação das áreas mais competentes nessa matéria, como o Ministério de Relações Exteriores e a Camex (Câmara de Comércio Exterior). Numa economia com um fluxo de comércio acima de US$ 400 bilhões (exportações mais importações), regras de promoção e de defesa deveriam merecer um tratamento mais técnico. Alguns jornais, pelo menos, têm chamado a atenção para isso.

Rolf Kuntz é jornalista

FONTE: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

Linha de frente:: Míriam Leitão

A corrente de comércio exterior do Brasil continua crescendo, mas permanece concentrada em alguns produtos e algumas empresas. A Vale sozinha representa 13% das exportações. As previsões são de continuar em 2012 sendo o carro-chefe das vendas ao exterior. Mesmo com a crise, a China iniciou programa de construção de 36 milhões de casas populares e há escassez de minério de ferro no mundo.

O diretor de Relações com Investidores da Vale, Roberto Castelo, disse que mesmo com as dificuldades econômicas do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, e até com uma pequena desaceleração na China, a demanda por minério de ferro continuará alta:

- A China é muito relevante na demanda mundial e lá não houve queda. O programa de construção de casas populares dará um forte impulso ao mercado imobiliário. É para construir 36 milhões até 2015. No ano passado, foram apenas iniciadas as 10 milhões previstas no ano, e em 2012 a meta é construir outras 10 milhões de residências. A economia deve crescer menos, de 7% a 8%, mas mesmo assim com demanda firme por metais, até pelo início do décimo segundo plano quinquenal.

Segundo Castelo, há falta no mundo de novos projetos de expansão de produção de minério de ferro e escassez de oferta de qualidade, o que beneficia o Brasil. Os preços que caíram um pouco no ano passado devem se recuperar ligeiramente. Mas mesmo quando caíram permaneceram em nível alto. O que significa que o carro-chefe da exportação brasileira continuará em movimento.

O Brasil exportou dez vezes mais minério de ferro que carros; seis vezes mais soja que aviões; três vezes mais açúcar em estado bruto do que refinado. A Europa mesmo em crise comprou mais de nós. A China se consolidou como o principal parceiro. O comércio exterior brasileiro mostra que o país tem uma carteira de clientes diversificada e portanto o país nunca ganha com a crise. Japão, China, Estados Unidos, Europa e América Latina são grandes compradores do Brasil. O país ainda é altamente dependente das vendas de matérias-primas agrícolas e metálicas.

O total exportado e importado pelo Brasil ficou 25% maior este ano e o saldo fechou em US$29,79 bi. As previsões feitas no ano passado e registradas no Boletim Focus erraram redondamente. Na primeira semana de 2011, a média do mercado previa: US$8,7 bilhões de saldo. A propósito, previa 4,5% de PIB e 5,3% de inflação. Com essa cautela colocada sobre a capacidade de previsão dos economistas é que se registra aqui que a projeção do Focus para o saldo de 2012 é US$10 bilhões menor do que 2011.

Ano passado, até com a Europa, centro da crise, o Brasil aumentou em volume e em valor suas exportações. De janeiro a novembro, comparado com o mesmo período de 2010, houve um salto de US$10 bilhões.

No total dos dados, o que mais impressiona é que as exportações da Vale aumentaram mais de 50%. A Petrobras também tem um naco grande das exportações brasileiras, mas também aumentou em 2011 as importações, principalmente de gasolina, e o resultado foi um déficit de US$7,6 bilhões de janeiro a novembro. Isso sim é espantoso. Que o Brasil tenha que importar gasolina e álcool, abrindo um déficit deste tamanho em produto que poderia estar sendo produzido no país da autossuficiência e do biocombustível.

Há uma tendência antiga do Brasil de considerar que a exportação de minerais e produtos agrícolas, como minério de ferro, soja, carne, café, açúcar, não são suficientemente nobres para um país que quer ser primeiro mundo. Não há nada de errado nas exportações de produtos nos quais temos oferta e competitividade. O que precisa ser olhado com cuidado é o que está acontecendo com as exportações de manufaturados.

A indústria da transformação cresceu menos do que o resto do país nos últimos anos. Segundo José Roberto Mendonça de Barros, em artigo no "Estado de S. Paulo" neste fim de ano, o PIB total do país cresceu 16% nos últimos quatro anos, e o PIB da indústria cresceu apenas 4%. Ela não tem demonstrado capacidade de competição forte nem no mercado interno e pelos resultados se vê que os remédios usados não estão funcionando. Benefícios fiscais e elevação do protecionismo para algumas áreas não estão aumentando a competitividade da economia.

Em favor do que o Brasil tem de competitivo, como nos minerais e agronegócio, e no que o Brasil está demonstrando não conseguir competir, que é a maior parte da indústria de transformação, o melhor é tornar a economia como um todo mais eficiente. Se houver uma redução do custo tributário para as empresas e pessoas através de uma reforma tributária, se o governo reduzir o volume de impostos que as empresas pagam sobre a folha salarial, se houver investimentos certos na infraestrutura de transporte, todos os setores serão beneficiados. Ajudar o produtor de carro ou o empresário do setor têxtil é menos importante do que tornar a logística do país mais eficiente. Isso ajudará o produtor de soja, que perderá menos com o custo do transporte do seu produto, ou o empresário do setor industrial que também precisa de estradas mais rápidas.

Os bilhões emprestados e de capitalização transferidos aos frigoríficos não aumentaram a exportação de carne. Em volume, as exportações caíram 1,5% de janeiro a novembro. A venda externa de carne bovina industrializada, em volume, caiu 15%. Em vez de pensar em solução para cada setor, e ficar oscilando de lobby em lobby, o governo tem que encarar o que precisa ser feito para tornar a economia como um todo mais capaz de ocupar espaço nos mercados interno e externo. A escolha de setores, empresas, os benefícios setoriais não vão transformar o país em grande exportador.

FONTE: O GLOBO

Os balanços e as promessas de 2012:: Luiz Gonzaga Belluzzo

Iniciada no segundo semestre de 2007 e acelerada no infausto episódio da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, a crise não dá sinais de arrefecer. Alguns analistas, como Krugman, Roubini, Michel Aglietta, Martin Wolf e Cláudio Borio avançaram na compreensão do fenômeno ao buscar sua gênese nas transformações ocorridas nas relações indissociáveis entre a esfera monetário-financeira e a chamada "economia real".

No ciclo de expansão recente, combinaram-se métodos inovadores de "alavancagem" financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação. A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias. Amparado na "extração de valor" ensejada pela escalada dos preços dos imóveis, o gasto dos consumidores alcançou elevadas participações na formação da demanda final em quase todos os países das regiões desenvolvidas. Enquanto isso, as empresas dos países consumistas cuidavam de intensificar a estratégia de separar em territórios distintos a formação de nova capacidade e a captura dos resultados.

No período de euforia, as grandes empresas deslocaram sua manufatura para as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade. Americanos e europeus correram para a Ásia e os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças, exportaram manufaturas baratas para os países e as regiões de origem. Embalados pela expansão dos gastos das famílias, realizaram lucros e acumularam caixa (em geral nos paraísos fiscais) além de cavar alentados déficits em conta corrente na pátria-mãe.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto nos emergentes asiáticos. O balanço global registra a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pela concorrência internacional.

Imagino que alguns olhares ainda reconheçam nessas transformações os movimentos da economia capitalista ou da economia monetária da produção, como Keynes a qualificava. Nela imperam o avanço da divisão do trabalho entre grandes, médias e pequenas empresas privadas, a ampliação das relações de assalariamento em suas várias formas, a dominância da moeda bancária produzida e reproduzida pela generalização das operações de débito-crédito e o impulso à expansão ilimitada dos mercados.

Essa economia pode ser concebida como grande painel de balanços inter-relacionados. Observados em suas interrelações, os balanços dos bancos, empresas e famílias, governos e setor externo registram, em cada momento, os resultados das decisões de financiamento e de gasto tomadas privadamente por cada um dos participantes do jogo do mercado. As decisões privadas de gasto apoiadas no crédito - o pagamento de salários e as compras entre as empresas - criam o fluxo de renda agregada da economia e, ao mesmo tempo, modificam a situação patrimonial dos protagonistas.

Na fase ascendente do ciclo, o fluxo de lucros e a poupança das famílias e do governo cuidam de garantir o serviço e estabilidade do valor das dívidas e dos custos financeiros. As poupanças decorrentes do novo fluxo de renda constituem o funding do sistema bancário e do mercado de capitais. Estes últimos, em sua função de intermediários, promovem a validação do crédito e da liquidez (criação de moeda) "adiantados" originariamente para viabilizar os gastos de investimento e de consumo.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento "excessivo" das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos bancos centrais, as instituições financeiras acumularam reservas excedentes, mas hesitam em emprestar até mesmo às suas congêneres. Entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits fiscais aumentaram, engordando as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. Já os desequilíbrios em conta corrente dos balanços de pagamentos não andam nem desandam.

Nos últimos três anos, as famílias com equity negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos ensaiam políticas de austeridade fiscal.

Tais decisões são "racionais" do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do "peso" das dívidas cujo "valor" está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Condenado a torcer por Obama :: Clóvis Rossi

A alternativa mais forte, Mitt Romney, tende a ser usina de atritos para a diplomacia brasileira

Se Mitt Romney ganhar o "caucus" de Iowa hoje, tende a consolidar-se como o pré-candidato mais sólido para ser o nome da oposição republicana a Barack Obama.

Azar do Itamaraty: Romney será uma verdadeira usina de problemas para a diplomacia brasileira, a julgar por suas posições a respeito de América Latina.

James Bosworth, blogueiro do Latin America Monitor, incrustado no "Christian Science Monitor", levantou alguns dos pontos que Romney já colocou no papel.

Escreveu o blogueiro: "Estrategicamente, Romney vê duas grandes ameaças na região". A primeira: "Venezuela e Cuba estão liderando um movimento "bolivariano" virulentamente antiamericano na América Latina, que busca minar as instituições de governança democrática e as oportunidades econômicas".

Sabendo-se o tratamento que os Estados Unidos, com governos democratas ou republicanos, dão a Cuba, fica fácil imaginar o problemão que será equiparar a Venezuela de Chávez à ilha caribenha. Chávez nem precisa de ações norte-americanas para sentir-se permanentemente ameaçado pelo "imperialismo". Imagine então se houver de fato alguma ação.

Ele fatalmente pedirá solidariedade a seus pares da Unasul e da recém-lançada Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe), ambas concebidas, pelo menos aos olhos de Chávez, como maneira de afastar a ingerência norte-americana em assuntos do subcontinente.

Segunda ameaça: "A região está também testemunhando uma epidemia de gangues criminosas violentas e de cartéis de droga, que espalharam morte e desgraça por México, América Central e Caribe".

A resposta de Romney, se eleito, seria criar uma Força-Tarefa Conjunta para Crime e Terrorismo no hemisfério, que "coordenará o trabalho de inteligência e de aplicação da lei". A força-tarefa seria o instrumento para "cortar todas as conexões financeiras, logísticas e materias" entre a região e os grupos terroristas externos, como o Hizbollah.

Parece desnecessário lembrar que essa iniciativa é uma revisita ampliada ao plano de usar bases na Colômbia pelos militares norte-americanos, que foi uma fonte de atrito direto com o Brasil. Se aconteceu assim com um projeto menos ambicioso, imagine a confusão que dará a tentativa de colocar todos os países da região em uma ação conjunta, que, fatalmente, teria a liderança dos EUA, dada a formidável disparidade de meios entre Washington e qualquer um dos países latino-americanos/caribenhos.

Por fim, Romney pretende, nos primeiros cem dias no cargo, lançar uma "Campanha para Oportunidade Econômica na América Latina", destinada a "contrastar os benefícios de democracia, livre-comércio e oportunidades econômicas com os males causados pelo modelo autoritário de Venezuela e Cuba".

Tem todo o jeito de ser uma retomada da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), posta em hibernação, aparentemente definitiva, justamente pelos desentendimentos entre Estados Unidos e Brasil.

O potencial de atritos é, portanto, enorme, em forte contraste com a placidez das relações Lula/Bush, Obama/Lula e Dilma/Obama.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O cineminha do padre :: José de Souza Martins

A molecada da minha rua era quase toda frequentadora do cineminha do Padre Ézio, na matriz nova de São Caetano. O subúrbio voltava a respirar aliviado depois das noites medonhas dos blecautes da Segunda Guerra mundial, alcaguetes disfarçados de patriotas caçando furtivamente quintas-colunas pelas ruas escuras, os supostos espiões do Eixo.

Seu Sales, subdelegado de polícia, mesmo de dia, ao encontrar alguém na rua, especialmente os moleques, levava o indicador esquerdo ao olho e puxava a pálpebra inferior para baixo, num gesto típico da época, que queria dizer "estou de olho em você". Acabou a guerra, passaram-se os anos e o subdelegado envelhecido e barrigudo continuava com o gesto ameaçador. Castigara-o a contumácia: de tanto arregaçar a pálpebra, ela não voltara mais ao lugar, aquele olho arregalado, o róseo avesso exposto, deformando-lhe o rosto como testemunho pavoroso da ditadura, da guerra e da repressão.

Terminara, também, o miserê de pão, das longas filas para conseguir um filãozinho de pão de trigo com o cartão de racionamento. Filas demoradas, de crianças, pois os pais não podiam perder tempo. A criançada se animava a ir à padaria mais para sentir o aroma do pão quente, saindo do forno. Nos bairros, nos arrabaldes, no subúrbio, os aromas eram monumentos olfativos que, com o tempo, a metrópole perderia. Eu podia cheirar o que não podia comer.

A molecada de minha rua chegara, também, à idade da primeira comunhão. Quem fosse à missa e comungasse recebia na porta da igreja um cartão carimbado que dava direito a ingresso no cineminha do padre Ézio, italiano de Trento, vigário da paróquia da Matriz Nova, na tarde do domingo. Muitas das crianças dos bairros operários de São Paulo e do ABC não tinham os tostões para pagar o ingresso dos cinemas de verdade. Mas algumas paróquias tinham o seu modesto cinema dos pobres de Nosso Senhor. Em silêncio e em nome de Deus, o padre disputava com os cinemas comerciais a alma pura das crianças. Era cinema mudo, de tela pequena, que projetava filmes antigos, em preto e branco, pequenas comédias do Carlitos, desenhos do Popeye, do Mickey. Eram filmes curtos, de poucos recursos, em que o maravilhoso dependia muito da imaginação de quem os via, distantes no tempo e antiquados em relação aos luxuosos filmes falados e coloridos.

Quase na metade do século 20, as crianças viam no cineminha do Padre Ézio os filmes que seus pais e avós haviam visto no começo do século. O que dava uma sensação muito boa de que o mundo mudava, mas não mudava tanto. As gerações continuavam juntas. Sendo os mesmos filmes de antes da guerra, a guerra parecia apenas indevida intromissão, mero e descabido incidente na vida das gentes simples, que viviam do suor do próprio rosto para ter na mesa o pão nosso de cada dia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Guerra:: Cecília Meireles

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...

Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... — e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas, sobre fotografias,
— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas.

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'