sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Modernização, questão agrária e República:: Luiz Werneck Vianna

Maria Alice Rezende de Carvalho: Boa tarde a todas e a todos presentes. É com grande emoção que cumpro, neste momento, a tarefa de apresentar Luiz Werneck Vianna, homenageado nesse 15º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia com o prêmio Florestan Fernandes, e que, na verdade, dispensa apresentações. Sua trajetória é conhecida de todos: inclui passagem pelas mais prestigiosas universidades do país, bem como a autoria de obra original sobre o Brasil. Pesquisador, ensaísta, observador atilado da conjuntura política, é, atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, onde coordena o Centro de Estudos Direito e Sociedade – CEDES. Tenho trabalhado com ele ao longo dos últimos 30 anos, e posso dizer que é um privilégio observar, de perto, a criatividade e a generosidade com que se movimenta no espaço acadêmico e no âmbito dos debates públicos.

Ainda ontem, o Prof. Rubem Barboza Filho, da UFJF, durante a Sessão de Abertura desse Encontro, apontou as duas principais linhas de força do pensamento de Luiz Werneck Vianna, ao aludir sua contribuição à renovação tanto da sociologia brasileira, quanto das teorias políticas que têm como objeto o Brasil contemporâneo. Essa é, pois, uma agenda que combina a dimensão histórica e a normativa, que associa conhecimento e ação, e que tem sido muito bem sucedida no esforço de atrair novas gerações para a prática das ciências sociais. Ao mencionar o compromisso de Luiz Werneck Vianna com a tradição e, ao mesmo tempo, a inovação da ciência que ajudou a institucionalizar, penso ter apontado uma de suas principais características. E mais não falo, pois estamos ansiosos para ouvi-lo.

Prof. Luiz Werneck Vianna: Agradeço à diretoria da Sociedade Brasileira de Sociologia por essa homenagem, que me toca e me emociona, na pessoa da Dra. Celi Scalon, minha ex-aluna em tempos idos, e, depois, colega na instituição em que trabalhei por trinta anos, que é, hoje, essa personalidade afirmativa no mundo das Ciências Sociais brasileiras. Agradeço, honrado, a presença dos colegas e dos estudantes, desse público juvenil que tenho diante de mim, público da minha predileção e para quem, confesso, vou falar.

Apesar do que consta na programação, não vou fazer uma conferência, não sei fazer conferência. Depois de muito pensar, julguei, de início, que a forma mais apropriada para me comunicar com meus colegas e estudantes de Ciências Sociais seria a de uma intervenção sobre um tema permanente da minha agenda de estudos, mas acabei por me fixar na ideia de produzir uma instalação, à moda dos artistas plásticos, que expõem suas intenções de forma fragmentada e esperam que o público formule livremente o seu entendimento a respeito dos fragmentos que o autor reuniu para sua contemplação.

Imagino que isso não seja fácil de fazer nas artes plásticas, e, com certeza, como reconheço agora — sem possibilidade de voltar atrás —, é terrivelmente difícil nas Ciências Sociais. Mas foi, tudo pesado, a estratégia que me restou, dado que a única coisa certa para mim é a de que não faria uma conferência. Nessa linha, solto do constrangimento da exposição de um argumento científico, optei por uma abordagem expressivista, mais pessoal, mais conforme à minha identidade, e começo por revelar o tema que me obsedou, desde sempre, como, de resto, de boa parte da minha geração, especialmente da intelligentsia, dos intelectuais, dos artistas. Esse tema ainda me ronda — o papel da questão agrária na modernização capitalista brasileira.

Desnecessário esclarecer que não frequentei a área de pesquisa dos estudos agrários, ao contrário da estimada Maria Nazaré Wanderley, sabiamente homenageada neste Congresso, reputada especialista no assunto que persegue há décadas, e do que extraiu sua influente produção acadêmica. Não falo dessa perspectiva, não é esse o meu ponto. Falo da perspectiva da Sociologia Política.

Recupero, aqui, como e com que motivações a questão agrária dominou o imaginário e as fabulações da minha geração, a começar pela filmografia. Dela, cito alguns casos exemplares: São Bernardo, de Leon Hirszman; Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, ambos com argumentos extraídos do romancista Graciliano Ramos; Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, versão cinematográfica da peça homônima de Dias Gomes; e, sobretudo, aquele que teve uma presença capital nessa geração de intelectuais, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Penso, ainda, no trabalho de um dos maiores documentaristas brasileiros, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, filme iniciado no sertão, nas circunstâncias do imediato pré-golpe de 64, com suas filmagens interrompidas com a fuga rocambolesca, em pleno sertão, do seu diretor, com a câmera na mão e o filme inconcluso que ele conseguiu salvar. “Cabra marcado para Morrer” somente será completado quase vinte anos depois.

A minha geração de intelectuais, criados e formados nos centros urbanos, tinha a imaginação fixada no mundo agrário. Mas que motivações, idealmente, nos aproximavam dele, nós que éramos tão distantes e estranhos à sua realidade? Chegamos ao tema agrário em busca de caminhos para a revolução, e tal como ocorreu com a intelligentsia russa de meados do século XIX — aqui, decerto em escala bem menor —, a “ida ao povo” se tornou um projeto geracional, do que foi exemplar a história do Centro Popular de Cultura (CPC), abrigado na União Nacional dos Estudantes (UNE), cuja breve existência — apenas três anos — não permitiu a maturação das muitas experiências que então buscavam caminhos de realização.

A leitura feita por nós de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de eloquência tipicamente barroca e com sua força messiânica, sugeria que a partir da energia do mundo do sertão podia vir a ser desatado um movimento, com raiz nas tradições profundas dos setores subalternos, desde que despertasse a paixão da inteligência e viesse a se encontrar com os operários dos grandes centros urbano-industriais, conduzindo a uma ruptura com a iníqua história republicana do Brasil. Nessa versão, hegemônica na esquerda da época, a revolução democrática brasileira seria conduzida pela articulação do moderno com a tradição, compreendida essa como representada pelos seres retardatários da nossa civilização. No caso, tal posição guardava afinidades com a de Euclides da Cunha, em Os Sertões, quando advertiu que “em vez da guerra contra os sertanejos, do que precisávamos era de uma propaganda tenaz, contínua e permanente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar para a nossa existência aqueles rudes compatriotas retardatários”.

Contudo, ressalte-se, a perspectiva de Glauber não sinalizava para essa direção, e, sim, para uma, digamos, antropologia visceral, um levante do sertão contra o que seria uma civilização tomada de empréstimo, sem raízes no Brasil profundo, arredia à política e às intermediações institucionais — “o sertão vai virar mar”—, não expressando, de modo algum, o pensamento da nossa geração, que tinha optado pela via da participação no jogo institucional e na organização político-partidária da esquerda da época com a pretensão de democratizar a república.

Mas, sem dúvida, repor o tema do sertão, em chave positiva, no imaginário da minha geração coube a Glauber Rocha, que, a seu modo, concedeu nova vida ao poderoso diagnóstico fixado no clássico de Euclides da Cunha. Como sabemos, os primeiros anos da República começam sob o signo de uma contraposição agonística entre a civilização e a barbárie, a partir de uma movimentação sertaneja de cunho messiânico no aldeamento de Canudos, logo interpretada nos círculos oficiais como uma sedição antirrepublicana a ser debelada pela força militar em nome de uma cruzada civilizatória. A República não estenderia a cidadania ao sertão, compreendendo-o, na metáfora usada por Euclides, como uma Vendeia a ser destruída.

O massacre de Canudos pelo exército republicano sinalizou não só o estranhamento que o sistema da ordem mantinha em relação ao sertão e ao sertanejo, quanto, de modo ainda mais geral, em relação aos trabalhadores da terra. Manteve o exclusivo agrário, e se recusou a abrir oportunidades para o imenso contingente populacional recém-liberto da escravidão e para os brancos livres e pobres do campo, onde viviam do favor de potentados locais ou sujeitos a regimes de trabalho de semisservidão. Foi com essas marcas que a nossa república se apresentou diante da esmagadora maioria da população brasileira que então vivia no mundo agrário, boa parte dela no sertão e nos lugares escondidos do Brasil.

A república, obra de elites modernizadoras, civis e militares, deixa, assim, intacta a estrutura da propriedade fundiária, que nos vinha da Colônia e do Império, com suas dramáticas repercussões sobre a estrutura social do país. Com Canudos, os militares, com seus toscos ideais civilizatórios de matriz positivista, demonstraram não compreender a necessidade de ampliação social da república — com a incorporação do sertão —, assim como deixaram patente sua indiferença em relação à questão agrária, que um Euclides, também ele de origem militar, veio a diagnosticar como a questão de fundo da rebelião sertaneja.

As elites civis, por sua parte, hegemônicas a partir do seu controle da economia da agroexportação, declinam do seu ideário liberal dos tempos em que se opunham à monarquia, para fazer do Estado um instrumento dos seus interesses, tal como consagrado, em 1906, no Convênio de Taubaté, uma política intervencionista destinada a garantir preços mínimos para a exportação do café por meio de recursos públicos. A modernização do capitalismo agrário, então representado pela cafeicultura, deveria encontrar sua escora de sustentação na agência estatal. Datam daí as origens do estilo de modernização conservadora, que vai fazer história entre nós, e que se vai consolidar nos anos 1930, quando o Estado se empenha na industrialização do país.

Nesse cenário nada perturba a paz dos latifúndios: os setores já capitalistas da agroexportação e os tradicionais, todos entranhadamente articulados em nome da defesa do exclusivo agrário e da reprodução do sistema político pelo voto de cabresto, com o qual os potentados locais exerciam seu mando sobre a imensa população dos subalternos do campo. Somente para registrar, vale considerar que a revolução agrária mexicana é de 1910. Aqui, afora a tropelia de poucos bandos de jagunços, que exerciam, eventualmente, funções de milícia privada a serviço dos grandes proprietários de terras em suas disputas políticas ou territoriais, nada se mexia. Patrimonialismo e capitalismo agrário, a modernização já é um projeto, mas o moderno não faz parte dele.

A república para nós foi isso, domínio oligárquico de elites agrárias e tradicionais, camuflado por uma vistosa arquitetura institucional de inspiração liberal, um liberalismo de ranço darwinista, que confiava ao mercado a sorte dos novos seres emergentes com a expansão do mundo urbano-industrial, impedindo-os da contratação coletiva da venda da sua força de trabalho pelos sindicatos e ignorando suas pretensões por direitos sociais. Essas primeiras décadas republicanas nos deixaram essas marcas, algumas delas notoriamente ainda presentes entre nós.

A propósito, James Harrington, autor de Oceana, um clássico da literatura republicana, escrito em plena Revolução Inglesa, em meados do século XVII, glosando Maquiavel, ao tratar do tema da fundação, anotava que “assim como ninguém me mostrará uma comunidade nascida reta que tenha algum dia se entortado, da mesma forma ninguém me mostrará uma comunidade nascida torta que tenha algum dia se endireitado”. Pretendo que esse pequeno texto de Harrington seja o mote da instalação que ora lhes apresento.

Chamo a atenção, porém, obedecendo, aliás, a própria linha argumentativa de Harrington, que ele próprio buscou remédio para a fatalidade do seu diagnóstico, pois acrescentou que, pela escolha reflexiva, os homens podem endireitar o que nasceu torto — a história não conhece a marcha à ré. Não somos prisioneiros das nossas origens, mas devemos reconhecer o quanto elas pesam, particularmente, agora, porque somos testemunhas de um processo, em cenário de plena democracia política, em que velhas estruturas e velhos personagens, com novas roupagens, encontram lugar em posições dirigentes em mais um ciclo de modernização capitalista do país.

Minha geração e a que foi anterior a ela, nas Ciências Sociais e no estrato dos intelectuais em geral, com papel destacado da literatura — ao menos dois nomes são de citação obrigatória, Graciliano Ramos, de Vidas Secas, e Guimarães Rosa, de Grande Sertão: Veredas —, empenharam-se em demonstrar o papel do mundo agrário na configuração quasímoda da nossa formação e nas lutas em favor da sua democratização. Os anos 1950 e os do começo dos 60 são de luta pela organização sindical dos trabalhadores do campo e pela democratização da propriedade da terra, a essa altura já em processo de articulação com o sindicalismo urbano, especialmente com os sindicatos operários.

A questão agrária, a partir daí, passa a ocupar um lugar destacado na agenda dos partidos de esquerda, na produção do ensaísmo e na das ciências sociais. Sob o governo João Goulart, de orientação democrática e popular, ela se converte em tema central do seu programa de reformas estruturais do país, quando, pela primeira vez em nossa história republicana, descortinou-se a possibilidade de desentortar as marcas que trazíamos da nossa fundação.

O torto, porém, não nos chegou como um resultado aleatório da nossa história, pois foi, desde sempre, fruto de uma ação concertada e preparada para repelir qualquer infração ao pacto das elites, no qual o estatuto do exclusivo agrário era uma de suas vigas mestras. No começo dos anos 1960, a ação transgressora esteve na iminência de se impor, dado o aumento das pressões em favor de uma reforma agrária. A percepção da época era a de que, no caso de democratização das relações sociais vigentes no mundo agrário, com a destituição social e política das oligarquias tradicionais ali enraizadas, tornava-se real a ameaça de uma perda generalizada, no campo e nas cidades, dos controles que exerciam sobre a vida popular. A intervenção militar de abril de 1964 foi, então, o remédio de que se socorreram as elites modernas e tradicionais.

O regime militar demonstrou, logo em seu inicio, que tinha plena consciência da gravidade da situação no mundo agrário, intervindo sobre ele com ações de alcance estratégico no sentido de imprimir outro curso aos conflitos já manifestos no seu interior. Em termos gerais, a orientação dessa estratégia visava, em uma política de longo prazo, a par do objetivo imediato de pacificar as disputas por terra e por direitos, incorporar o hinterland ao amplo movimento de modernização burguesa — flertando, mais uma vez, com a metáfora de Euclides, “o mar é que viraria sertão”, sujeito à colonização pelo sistema de vida do litoral.

Sob essa inspiração, sucedem-se as iniciativas: o Estatuto Rural, a montagem da Previdência Social Rural, os megaprojetos de colonização com estímulos à migração do campesinato do sul em direção à fronteira agrária do país, a estrada Transamazônica, a manipulação da movimentação demográfica, como em Serra Pelada. O sertão se torna uma empresa política do Estado e a fronteira passa a ser jurisdicionada pelo seu braço armado. Lembrar do major Curió e de suas façanhas na região. Sem que se reforme, no essencial e substantivamente, o estatuto da propriedade da terra, o hinterland, sob a condução do regime militar, é arrastado para a lógica da modernização burguesa.

De fato, tal movimentação ciclópica de homens e de recursos resultou na abertura de novas oportunidades de vida, vindo a favorecer a mutação social que levou a que migrantes camponeses originários do sul se convertessem em culaques modernos, mudando a paisagem política e social do sertão. Apenas em parte esse processo obedeceu ao ritmo natural de um movimento migratório, na medida em que ele foi acompanhado e administrado por políticas indutoras e de financiamento por parte do Estado, decisivamente em chave técnico-científica com a criação da Embrapa, que abriu novos horizontes para a agricultura, em especial para o agronegócio. Decididamente, essa não foi uma fronteira do tipo da americana do século XIX.

De outra parte, o próprio esforço industrial da modernização, que exigia grandes obras de infraestrutura como estradas, energia — a construção de Itaipu —, as obras do metrô, da ponte Rio-Niterói, levando a uma poderosa mobilização de mão de obra, incidiu sobre a atenuação da pressão que o campesinato exercia sobre a questão da terra. Desde aí, surgiu a fabulação de que o tema da democratização da terra estaria condenado ao anacronismo, com a própria esquerda arriando suas tradicionais bandeiras sobre o assunto, considerado um equívoco a ser corrigido.

O que importa registrar, no caso do regime militar foi o fato de ele ter se apropriado de boa parte da agenda do movimento democrático, inclusive quanto à questão agrária, realizando-a, em alguns dos seus tópicos, “por cima”, de modo decisionista e autocrático, restaurando o movimento da modernização conservadora e a sua forma específica de articulação entre as modernas elites industriais com as tradicionais do mundo agrário, essas últimas — uma singularidade do regime militar quanto a experiências anteriores —, tangidas, por políticas de Estado, a assumirem uma feição propriamente capitalista. A modernização deveria persistir, a passagem para o moderno é que deveria ser interditada.

Assim, apesar da ênfase do discurso político com que se instaura o regime militar, centrado na denúncia do populismo e do nacional-desenvolvimentismo do chamado ciclo Vargas, ele retoma e aprofunda a política dos surtos anteriores de modernização — o do Estado Novo e o de JK —, embora, ressalve-se que, no caso deste último, ela tenha sido conduzida de modo reverente às instituições políticas da Carta de 1946.

O regime militar, apesar das indecisões do seu início, por ensaio e erro, na medida em que se confronta com as dificuldades de governo, vai conceder, progressivamente, nova vida ao conjunto de práticas e políticas que presidiram a modernização estadonovista. Aliás, algumas lideranças e alguns ideólogos serão os mesmos: Francisco Campos, redator da Carta promulgada de 1937, será o autor do Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, justificando o novo regime em nome de uma revolução que se legitima a si mesma, não sujeita, portanto, a controles externos à manifestação da sua vontade soberana. Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal, em 1937, será o presidente da Arena, partido de sustentação política do regime militar.

Quanto aos sindicatos, retoma-se a forte tutela exercida pelo Estado, bane-se a estrutura partidária, e, de forma mascarada, retorna-se à política de nomeação dos governadores dos idos de 1937. O estilo político decisionista será também o de 37, assim como a orientação em favor de um capitalismo politicamente orientado para os fins de realização de objetivos nacionais, identificados segundo a livre discrição do grupo a que se confiava a chefia da nação.

As forças políticas e sociais que sustentaram a resistência democrática ao regime militar não ignoraram que o sentido de suas lutas se aplicava a objetivos bem além da sua simples substituição. Venceu, então, o diagnóstico de que a república nascera torta, sendo necessário rever seus fundamentos, e, para esses propósitos, o esforço de reflexão nas Ciências Sociais brasileiras, em particular nos anos 1970, deu não pequena contribuição. Veio delas a demonstração de que o autoritarismo político procedia da modernização conservadora, sempre reiterada entre nós, e que resultou em uma relação assimétrica entre um Estado ativo e uma sociedade dele dependente, e, pior, estranha a seus fins.

Ao longo dos anos da resistência democrática ao regime militar, tal diagnóstico não somente se adensou como formatou o seu programa, que veio a expressar os ideais e valores do moderno em contraposição às políticas e práticas da modernização conservadora da tradição republicana. Sua tópica será a do tema da autonomia da sociedade e da vida associativa em geral quanto ao Estado, a da descentralização, com ênfase na valorização do poder local — bordão da época, “as pessoas nascem e vivem nos municípios” —, a da democratização da terra, a da abertura da esfera pública à participação da cidadania.

Esse programa vai à Assembléia Constituinte de 1986 e será legitimado, em suas linhas gerais, na Carta de 1988, respaldado por um amplo sistema de direitos civis e públicos, em escala inédita entre nós. O texto constitucional, ademais, provavelmente em reação às práticas decisionistas do poder executivo em nossa tradição, cria um complexo sistema de contrapesos a fim de conter a discrição da Administração Pública, criando, entre outras importantes inovações institucionais, um Ministério Público dotado do papel de defensor das instituições democráticas e dos direitos da cidadania.

Sem dúvida, tínhamos encontrado os meios e modos para que nossa experiência republicana viesse a desentortar, expectativa que parecia ter se consolidado com as sucessivas presidências de Itamar Franco, de Fernando Henrique e de Lula, estes últimos destacadas personalidades políticas do movimento da resistência democrática contra a ditadura militar. No caso dos dois governos de Lula, com suas origens no sindicalismo operário e com sua história de campanhas políticas contra a tradição republicana brasileira, inclusive, em certos momentos, em matéria sindical, parecia próxima a hora de atravessar o Rubicão.

Não vou me deter na complexa conjuntura do período, e nem na análise das contingências com que se inicia o governo do PT, um partido de esquerda que conduz à Presidência um quadro egresso do movimento operário, portando um programa de mudanças. Meu ponto, lembrando, mais uma vez, o teorema de Harrington, é o de que, para endireitar “uma comunidade nascida torta”, não basta a um ator estar iluminado pelas melhores intenções, se ele se descuida de impedir que os males da sua má formação continuem a se reproduzir.

O fato fora de disputa é que está aí, diante de nós, uma moderna e consolidada ordem burguesa, com um capitalismo em expansão, com as instituições da democracia operantes, contando, agora, é verdade, com políticas sociais compadecidas quanto à multidão dos excluídos. Contudo, afora esse quadro de boas cores, na política e nas entranhas da nossa estrutura social, o que teria desentortado? Mudamos, de fato, ou mudamos-conservando? Com qual repertório se tem aprofundado a experiência capitalista brasileira, hoje já se projetando além de suas fronteiras, como em países africanos e do nosso subcontinente, como se estivéssemos dotados de um destino manifesto de política grão-burguesa?

A questão agrária, tal como se apresenta na cena atual, se constitui em um sugestivo sintoma de um processo de mudar-conservando, na medida em que, cortados os elos com sua significação de origem, foi capturada pela lógica da acumulação capitalista sob o agronegócio, novo carro-chefe da economia brasileira, sem que se tocasse nos fundamentos da nossa estrutura fundiária, em um processo transformista de modernização do sertão.

A sociedade e a política, nessa mutação, povoam-se de novos personagens influentes, tal como os chamados ruralistas à testa do agronegócio, presentes no Congresso com uma significativa bancada e no próprio governo, onde ocupam posições estratégicas. Na esteira desse movimento, surgem novas fabulações, algumas com origem na própria esquerda, identificando essa nova fração de classe burguesa como representativa dos interesses nacionais, defensora do território diante de uma pretensa ofensiva imperialista, papel antes outorgado, com justas razões, à indústria e ao mundo a ela correlato.

Não estou em cruzada contra o agronegócio, o que sustento é que a magnitude da sua presença na política e na esfera pública em geral imprime nelas um caráter conservador, quando não abertamente recessivo, inclusive porque a história com que se afirmou no capitalismo brasileiro não conta com registro no inventário de lutas da nossa democracia. Sintoma disso está na redução atual da questão agrária a um tópico minimalista, ausente da agenda política do país.

Nesse sentido, o caso do agronegócio serve de ilustração do atual estado de coisas no país, no sentido de fixar o entendimento de que estamos em pleno curso de mais uma onda dos processos de modernização que frequentam de modo recorrente a nossa história, dessa vez, é certo, sutilmente velada e certamente desacompanhada dos recursos repressivos das anteriores, embora, como seja típico a processos sociais desse estilo, sem estimular o moderno e a sua expressividade. Assim, na terra da jabuticaba — um fruto, diz-se, que somente medra aqui —, tem-nos cabido conhecer um processo bizarro de revolução passiva em que é a esquerda, contrariando a experiência clássica, que se empenha na dialética torta do mudar-conservando.

Os indicadores da ressurgência da síndrome característica dos nossos ciclos anteriores de modernização não se fazem esconder, pois estão aí na forma de um capitalismo politicamente orientado, no retorno às políticas e ao feitio da nossa tradição de centralização administrativa — a Federação míngua a olhos vistos —, nas relações entre o Estado e as grandes empresas — agora, chamadas de empresas-líderes —, na fusão entre economia e política, e, principalmente, nas práticas de um decisionismo mal camuflado nas operações do nosso dito presidencialismo de coalizão, que, na verdade, garantem ao executivo, pelo uso indiscriminado de medidas provisórias, capacidade de intervir sobre a sociedade sem que haja prévia deliberação, sem que se aponte para onde se quer ir. A propósito: qual o nexo necessário entre uma política de alcance social, como a erradicação da miséria, por exemplo, com o projeto grão-burguês de expansão do capitalismo brasileiro na economia-mundo?

Recaímos, quase sem sentir, nas malhas da nossa história, e a ironia está em que isso nos ocorre no momento em que tudo indicava que estávamos prontos para nos liberar dela. É verdade que no papel, com a Carta de 88, demos um passo importante nessa direção, mas a dimensão sistêmica, como, nós sociólogos, designamos os processos de reprodução da vida material nas sociedades do moderno capitalismo, tem nos escapado das mãos e segue seu curso autopoiéticamente.

Contamos, como sempre, com os recursos da crítica e dos que nos são fornecidos pela disciplina a que nos dedicamos, cuja produção brasileira jamais se conformou em submeter o moderno à modernização. Ainda aqui, nesse rico e concorrido Congresso, estamos empenhados, conforme a sua carta de convocação, nos desafios sociológicos envolvidos nos processos de mudança, que, como sabemos, não são poucos, mas o maior deles é o de não perder a perspectiva de que as mudanças efetivas são as que partem e se escoram na livre deliberação dos principais afetados por elas, e não aquelas que desabam sobre o corpo social em nome de uma razão pretensamente iluminada que detém em si um projeto para a nação.

Uma leitura da agenda deste nosso Congresso é mais eloquente do que qualquer das minhas palavras, pois é do moderno, da democracia, dos direitos da cidadania e das lutas por autonomia da vida popular que se vai tratar aqui. Reporto-me, no mais, a essa agenda.

Muito obrigado.

Transcrição de gravação revista pelo autor.

FONTE: ESPECIAL PARA GRAMSCI E O BRASIL.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Cheia avança no estado e expõe obras malfeitas
Brasileia, a cidade que virou Haiti
Indústria brasileira põe o pé no freio
Poupança tem a menor captação em 5 anos
Economia dos EUA dá sinais de recuperação

FOLHA DE S. PAULO
Ação contra o crack quer dispersar morador de rua
Dique se rompe no Rio, e 1.000 são retirados
Alckmin e Kassab agiram por temer pacote de Dilma

O ESTADO DE S. PAULO
Obama corta US$ 450 bi e reduz força militar dos EUA
Ruptura de dique esvazia cidade no RJ
Ministro tentou mudar verba
Queixas à Anvisa sobre próteses chegam a 12
Consumidor terá R$ 1,4 bi a mais na conta de luz

VALOR ECONÔMICO
Déficit da previdência pública atinge R$ 56 bi
Empresas têm caixa de US$ 7,7 tri
Aeroporto também atrai construtoras de menor porte
Lei das empresas individuais entra em vigor segunda-feira

CORREIO BRAZILIENSE
Bezerra usa Ministério para prestigiar irmão
Enquanto isso...

ESTADO DE MINAS
Isolados
Verba de Pernambuco é o triplo da de Minas

ZERO HORA (RS)
Em estado de seca
Verba para segurança não chega ao Piratini

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
IPTU pode subir bem mais do que a inflação
Governo Presente fica mais arrojado
Oposição poupa Bezerra Coelho e ataca Dilma
Mercadante anuncia centro de pesquisa para o Recife
Reconstrução no Sudeste terá R$ 500 milhões

Bezerra: Congresso beneficiou Pernambuco

Ministro atribui aumento a emendas parlamentares e diz que relações com Dilma estão boas, "como sempre estiveram"

Renata Leite, Carolina Brígido

RIO e BRASÍLIA. O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, voltou a negar ontem que esteja privilegiando seu reduto político, Pernambuco, na distribuição de verbas contra enchentes este ano, alegando que os recursos ao estado foram reforçados por emendas parlamentares no Congresso.

- A Lei Orçamentária Anual, que chegou ao Congresso, tinha recursos de prevenção na ordem de R$68 milhões. Lá no Congresso, pelo trabalho dos deputados e senadores, essa verba cresceu para mais de R$700 milhões. As diversas bancadas estaduais é que tiveram a iniciativa de ampliar os recursos de prevenção - disse o ministro, referindo-se aos números gerais do Programa de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres.

Segundo reportagem publicada ontem pelo GLOBO, Pernambuco tem 11,6% do orçamento do ministério de 2012 para desastres naturais, correspondentes a R$81,4 milhões. Em nota, o ministério afirma que R$70,6 milhões do total vieram de emendas propostas pela bancada do estado no Congresso.

Após se reunir com o governador Sérgio Cabral, no Palácio Laranjeiras, para tratar das chuvas no Rio, Bezerra negou qualquer desconforto político com o Planalto por conta da polêmica sobre a distribuição dos recursos da pasta.

- As relações estão boas como sempre estiveram - disse o ministro, aproveitando para informar que o governo federal instalou ontem grupos de acompanhamento e monitoramento no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.

O governo federal liberou ontem R$482,85 milhões para investimentos na reconstrução de cidades atingidas pelas enchentes e na prevenção de novos desastres. O dinheiro havia sido previsto como crédito extraordinário por medida provisória de 21 de dezembro e foi reativado por meio de decreto. A medida foi publicada no Diário Oficial da União. Ainda não foram definidos os municípios beneficiados. Isso vai acontecer aos poucos, conforme a necessidade.

A maior parte dos recursos, R$304 milhões, será aplicada em ações da defesa civil de reconstrução dos estragos causados pelas chuvas. Outros R$139,8 milhões, em obras preventivas de desastres. As duas cifras ficarão sob a tutela do Ministério da Integração.

O Ministério da Defesa terá R$32,92 milhões para investir em ações de reconstrução dos estragos. E R$6 milhões serão usados na implantação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

FONTE: O GLOBO

Verba contra cheia traz à tona disputa de PSB e PT

Após notícias sobre direcionamento de verbas para Pernambuco, petistas criticam abertamente ministro da Integração

Gerson Camarotti, Isabel Braga

BRASÍLIA. O fato de o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (PSB), ter imposto um desgaste político ao governo Dilma Rousseff nos primeiros dias do ano, com a polêmica em torno da distribuição de verbas para prevenção de enchentes, explicitou a disputa até então discreta entre o PT e o PSB, que tem como pano de fundo os movimentos rumo às eleições presidenciais de 2014. Diante das notícias sobre direcionamento de verbas para ações em Pernambuco, dirigentes petistas passaram a criticar abertamente o ministro Fernando Bezerra, apadrinhado político do presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Os petistas ficaram especialmente incomodados com o fato de o PSB ter deixado a presidente Dilma numa saia-justa ao dividir com ela a responsabilidade pelo destino dos recursos. Ao GLOBO, um interlocutor da presidente admitiu que ela, de fato, autorizou a destinação de verbas para construção de barragens em Pernambuco. Mas desconhecia a falta de ações e recursos para os demais estados.

O próprio Campos dividiu com Dilma a responsabilidade pela liberação dos recursos, o que levou o Planalto a adotar recuo estratégico. Nos bastidores, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, telefonou a petistas pedindo que evitassem polemizar em torno da intervenção no Ministério da Integração. No dia anterior, Gleisi divulgou nota dizendo que não havia intervenção. Ainda assim, o PT foi para o enfrentamento com o PSB:

- Esse é um estigma do Ministério da Integração Nacional: direcionamento para obras nos estados do Norte e do Nordeste. Aconteceu com o ex-ministro Geddel Vieira Lima e acontece agora. Estamos vendo que é um problema crônico. Esse ministério tem a Defesa Civil, e esse órgão precisa ter uma visão de país. E é neste período de chuvas que essa lógica fica explicitada - disse o secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR).

O líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), cobrou explicações de Bezerra:

- Cabe ao ministro aplicar corretamente os critérios técnicos na liberação de emendas para áreas atingidas, e ele não aplicou. Houve um equívoco na política que ele orientou. Isso tem que ser corrigido. Não cabe ao ministro dividir responsabilidades com a presidente Dilma.

Por trás da disputa está a pretensão política de Campos

Para o PSB, o pano de fundo desta disputa é, na verdade, as pretensões políticas de Eduardo Campos para as eleições presidenciais. Os socialistas acreditam que o PT tem explorado este fato para tentar enfraquecer a posição de Campos no cenário político nacional. Nos últimos meses, o governador tem recebido emissários de vários partidos para sondá-lo sobre 2014. Até integrantes do PMDB buscam aproximação com Campos. Na oposição, tucanos já sugeriram uma aliança para 2014.

Ciente da reação do PT aos movimentos do governador, o ex-presidente Lula advertiu seus companheiros de partido, sugerindo cautela para que não empurrem Campos, que considera aliado fiel, para o lado adversário. Campos tem ficado em silêncio, mas, diante das críticas do PT, houve reação do PSB.

- O fogo amigo petista não pode agir contra um ministro que atua com lisura e competência. Quem faz isso está querendo enfraquecer o governo Dilma - advertiu o líder do PSB, senador Antônio Carlos Valadares (SE). - O PSB sempre deu apoio histórico ao PT. Se o PSB se desvincular do PT, a coisa muda. Muitas vezes, o PT quer se impor como ator exclusivo do jogo político, deixando para os demais um papel de coadjuvante.

- Houve um mal-entendido. O ministro não impôs saia-justa à presidente Dilma. O PSB é leal à presidente. Sempre tem alguns que procuram fazer intriga na relação do PSB com a presidente - disse o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).

FONTE: O GLOBO

Oposição poupa ministro e critica presidente

Tucanos querem explicações de Dilma

BRASÍLIA. Ao contrário do que ocorreu com denúncias envolvendo outros ministros, a oposição evitou críticas diretas ao ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, e mirou na presidente Dilma Rousseff. Com o estado de Pernambuco privilegiado com recursos contra enchentes, os tucanos foram tímidos nos ataques, já que dois caciques do PSDB na Câmara são pernambucanos - o presidente da legenda, deputado Sérgio Guerra, e o novo líder, Bruno Araújo.

- O ministro tem que explicar os critérios para a liberação desses recursos - disse Guerra. - Agora, pela informação dele, a presidente Dilma está de acordo. Precisa dar também explicações.

Araújo diz que sempre irá considerar insuficientes os recursos para seu estado:

- Enquanto pernambucano, qualquer dinheiro para o estado sempre será insuficiente. Ficou claro que o governo não executou recursos suficientes.

Presidente do DEM, o senador José Agripino Maia (RN), também protegendo o ministro, diz que caberia à Dilma pedir ao ministro informações sobre as verbas.

- Não é boa vontade ou má vontade com o ministro, não se trata de contemplação, mas de constatação: a presidente é parte do erro.

FONTE: O GLOBO

Aécio critica uso de verba sem citar ministro

Rosa Costa

BRASÍLIA - Com o cuidado de não citar diretamente o nome do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (PSB), o senador Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas Gerais, um dos Estados mais atingidos pelas chuvas, criticou ontem, após ser provocado sobre o tema, a distribuição de recursos públicos para fins eleitorais.

"Qualquer destinação de recursos públicos que fuja de critérios técnicos e sem observar as emergências de cada região deve ser condenada e imediatamente corrigida", afirmou. "E o procedimento se aplica a todas as áreas, sobretudo às que envolvem vidas humanas." Segundo Aécio, em todas as situações deve prevalecer o critério técnico na distribuição de dinheiro público.

Apesar da crítica sutil, o ex-governador mineiro disse ter conversado por telefone com o ministro, que lhe prometeu dar "toda atenção" a Minas. Fernando Bezerra visita hoje as áreas mais atingidas do Estado, na companhia do governador Antonio Anastasia (PSDB).

Aliança. Anastasia também havia evitado críticas diretas a Bezerra para preservar as relações políticas com o PSB, partido que o apoiou na eleição do ano passado. O PSB está no arco de alianças dos tucanos em Minas Gerais e na capital Belo Horizonte, onde o prefeito Márcio Lacerda (PSB) tentará a reeleição com o apoio do PSDB. Além disso, faz parte da estratégia política tucana manter boas relações com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente nacional do PSB.

Reportagem do Estado publicada na terça-feira mostrou, com base em dados do Tesouro Nacional e da organização não governamental Contas Abertas, que Pernambuco concentrou quase 90% dos gastos da pasta destinados à prevenção e recuperação de áreas atingidas por desastres naturais, como enchentes e desmoronamentos.

Fernando Bezerra, pernambucano, foi indicado para a pasta por Eduardo Campos. O ministro, hoje, é visto como uma espécie de curinga do governador para disputar cargos públicos.

Ex-prefeito de Petrolina, ele transferiu recentemente o título eleitoral para Recife, o que alimentou especulações sobre a possibilidade de Fernando Bezerra ser o candidato do governador para a Prefeitura do Recife. O ministro e o governador, por ora, negam a pré-candidatura.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Editorial: De quem é a culpa?

Governo Dilma engana o povo

Assessoria PPS

A decisão do Ministério da Integração Nacional de enviar 90% dos recursos voltados a obras contra catástrofes ao estado de Pernambuco aponta para um erro político absurdo e inadmissível. As notícias publicadas nesta semana chocam os brasileiros frente a tantas tragédias em decorrência das fortes chuvas que atingem o país. Como resultado, a presidente Dilma cancelou as suas férias e ordenou que a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, “assumisse” o controle da Pasta. Gesto que faz o brasileiro pensar o quão competente e eficiente é a sua presidente da República.

Porém é necessário refletir até aonde vai a responsabilidade do ministro Fernando Bezerra e começa a de Dilma. É bom lembrar que a presidente esteve presente na inauguração do início das obras de duas barragens no município pernambucano de Cupira. Obras as quais consumiu boa parte dos 90% enviados aquele estado e autorizadas por ela.

Com isso perguntamos onde esteve Rousseff, e o ex-presidente Lula, durante esses nove anos de governo frente aos desastres climáticos. A impressão que se tem é que eles estiveram esse tempo todo garantindo recursos aos seus aliados em oposição as reais necessidades da população, principalmente daqueles que moram em áreas de risco. Durante esses nove anos pouco, ou nada, foi feito para, pelo menos, amenizar a dor dessas pessoas.

A intervenção branca anunciada por ela, nesse panorama, possui um único objetivo: desestabilizar o ministro Fernando Bezzera e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. De quebra, ainda tenta fortalecer a sua imagem de administradora dura que não admite erros e que combate planos gananciosos de aliados. Pura ilusão. Tudo não passa de uma grande manobra política. Basta lembrarmos a forma diferencial que ela tratou os sucessíveis escândalos que atingiram o governo.

O ministro Fernando Pimentel, por exemplo, mesmo afundado em diversas denúncias de corrupção, teve total e irrestrita proteção da presidente. Outros já não tiveram tanta sorte como parece ser o caso de Bezerra.

O Partido Popular Socialista condena a forma como foi feita a divisão dos recursos da Integração Nacional, mas não aceita o modus operandi adotado por Dilma Rousseff. A nação precisa saber que ela também é responsável e, por esse motivo, deveria ser responsabilizada por cada escândalo de corrupção ou de mau uso do dinheiro público que atinge o país. Diante de todo esse imbróglio, o presidente nacional do partido, deputado federal Roberto Freire (SP), fez uma provocação em seu twitter: Sertanejo de fibra tinha entregue o cargo e não de fininho ficaria.

FONTE: PORTAL DO PPS

A catastrófica política das ‘porteiras fechadas’

A distorção na execução do Orçamento está na raiz da construção do condomínio de governo petista. Faz parte da regra do jogo da partilha de poder exacerbada por Lula e mantida intacta por Dilma Rousseff. A lógica imposta pelo PT à aplicação dos recursos públicos obedece, fundamentalmente, a interesses político-partidários. O dinheiro não tem servido para atender a população, mas para amealhar votos e apoios que perpetuem este nefasto estado de coisas.

Dilma Rousseff decidiu interromper suas férias em função das calamidades que assolam o país. Calamidades tanto climáticas quanto orçamentárias – com o agravante de que estas contribuem para piorar aquelas. Não se deve esperar, porém, que os“critérios técnicos” agora prometidos para orientar a aplicação dos recursos públicos endireitem as ações do governo.

A distorção na execução do Orçamento está na raiz da construção do condomínio de governo petista. Faz parte da regra do jogo da partilha de poder exacerbada por Lula e mantida intacta por Dilma. É a face visível da política de “porteiras fechadas” que vigora na Esplanada – e que no ano passado rendeu farta safra de corrupção.

Dilma escalou assessores mais próximos para sugerir que está pondo ordem nas coisas e promovendo uma“intervenção branca” no Ministério da Integração Nacional, cujas verbas privilegiam, sempre, o estado de origem do ministro titular, seja ele quem e de onde for. Mas os atos da presidente não correspondem aos fatos.

Na área de prevenção a catástrofes, a execução orçamentária esteve tão desvirtuada nos últimos exercícios quanto estará também neste ano. Mostra hoje O Globo que Pernambuco, novamente, vai abocanhar a maior fatia dos recursos destinados a “gestão de riscos e resposta a desastres” previstos no Orçamento Geral da União para 2012.

O estado do ministro da Integração Nacional, a despeito de não ter um único município entre os 56 considerados mais vulneráveis a calamidades, deverá ficar com 11,6% do que a União prevê gastar em obras de contenção de enchentes e de desabamentos e na recuperação de danos causados pelas chuvas.

“O programa, que foi reestruturado e a partir de agora será tocado por cinco ministérios, tem uma programação de R$ 2,1 bilhões para serem distribuídos ao país inteiro este ano. O curioso é que 100% da verba que Pernambuco receberá para prevenção e recuperação de desastres naturais vêm do ministério chefiado por Bezerra”, sublinha o jornal.

Para comparar, o Rio de Janeiro– que tem 12 cidades em condições de maior vulnerabilidade, sofreu no ano passado e sofre neste verão com as chuvas – tem previsto 10,4% da verba federal para esta finalidade. E Santa Catarina, onde as cheias do rio Itajaí são tristemente frequentes, terá 4,4% do total.
Isso significa que o privilégio ao estado natal do ministro da Integração em 2011 não é um ponto fora da curva, justificado pelos ágeis projetos apresentados pelos pernambucanos – como Fernando Bezerra tentou argumentar ontem, em entrevista à imprensa.

A regra é a distorção e o desvirtuamento na aplicação das verbas públicas, em alguns casos até mesmo aproveitando-se de créditos destinados a outras regiões e a outros fins, como informa O Estado de S.Paulo.
“A construção de barragens em Pernambuco pegou carona numa autorização extraordinária de gastos destinada a combater os efeitos das enchentes nas regiões Sudeste e Sul. As obras nem sequer haviam sido autorizadas pela lei orçamentária de 2011, mas consumiram quase 90% dos pagamentos feitos no programa de prevenção de desastres”.

O ministério refuta as críticas. Mas suas próprias cifras dão a dimensão da distorção: oficialmente, Pernambuco recebeu R$ 98 milhões dos recursos destinados a ações de prevenção em 2011, o que representa 45% dos R$ 219 milhões distribuídos a todos os estados para esta finalidade pela Integração no ano passado. Dilma, garante Bezerra, sabia de tudo.

Não é só o direcionamento indevido que marca a aplicação das verbas federais. Há, também, a má gestão dos recursos, que joga no lixo tributos pagos pelo contribuinte. Enquanto as calamidades se repetem, dinheiro que poderia estar melhorando a vida das pessoas apodrece no cofre.

Segundo a Folha de S.Paulo, de R$ 2,75 bilhões previstos no Orçamento de 2011 para ações de prevenção de enchentes, desabamentos e deslizamentos no ano passado, R$ 529 milhões não chegaram a ser tocados.

Já o Estado de Minas faz uma conta mais ampla para mostrar que as pastas diretamente responsáveis pela execução de obras e ações de prevenção e recuperação de desastres ambientais estão entre as que têm mais baixa execução orçamentária na Esplanada.

Mostra o jornal que o Ministério da Integração Nacional aplicou R$ 7,9 bilhões (41%) dos R$ 19 bilhões previstos em 2011, enquanto o das Cidades foi ainda pior e gastou apenas R$ 2,3 bilhões (10%) dos R$ 22,5 bilhões orçados para 2011.

Desta profusão de números, o que salta aos olhos é que a lógica imposta pelo PT à aplicação dos recursos públicos obedece, fundamentalmente, a interesses político-partidários. O dinheiro não tem servido para bem atender a população, mas sim para amealhar votos e apoios que perpetuem este nefasto estado de coisas no poder.

FONTE: ITV

PPS solicita convocação da Comissão Representativa do Congresso

Jardim solicita convocação imediata da Comissão Representativa do Congresso

Roberto Emerich

O deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) solicitou, nesta quinta-feira (05), a convocação da Comissão Representativa do Congresso Nacional para debater os efeitos das fortes chuvas que atingem o país. O pedido foi encaminhado hoje, às 15h, para o presidente do Senado, e da Comissão, senador José Sarney (PMDB-AP). No documento, o parlamentar ressalta a necessidade de discutir as denúncias que envolvem o Ministério da Integração Nacional e a liberação de recursos extra orçamentários para as cidades impactadas.

Jardim, que representa o partido na Comissão, destacou que muitos municípios brasileiros se encontram em situação preocupante devido às chuvas e aguardam uma resposta rápida da União. O deputado defende também a necessidade de discutir o mau uso dos recursos, por parte do Ministério da Integração Nacional, para o combate de catástrofes. Para ele, esses fatores demonstram a urgência de se convocar a Comissão.

“A Comissão Representativa existe justamente para atuar em momentos de necessidades. Não há dúvidas que os casos das enchentes e dos deslizamentos necessitam de ações rápidas por parte do poder público. Precisamos auxiliar a população envolvida nessas catástrofes com políticas públicas que possam diminuir os riscos e ampliar a possibilidade de se preservar a vida. Estamos apelando ao presidente Sarney para que ele convoque os representantes da Comissão para que possamos fazer algo”, afirmou.

O parlamentar disse que a Comissão precisará debater também os repasses de 2011 realizados pelo Ministério da Integração Nacional. De acordo com Jardim, existe um descompasso entre as ações do Ministério e aquilo que o governo federal alardeia como sua prioridade.

“Não se trata de discutir as verbas que vão para Pernambuco. O estado precisa e elas são importantes. Contudo é importante discutirmos os critérios e as prioridades que nortearam a decisão do ministro Fernando Bezerra. Acredito que ele precisa vir aqui, no Congresso, dar essas explicações. A Comissão precisa encaminhar o pedido de informação apresentado pelo nosso líder Rubens Bueno (PPS-PR) e convidar o ministro para prestar contas das atividades da sua pasta”, defendeu.

O deputado adiantou que busca apoio dos demais membros da Comissão para a realização da reunião.

Confira o documento:

Excelentíssimo Senhor
Presidente José Sarney
Presidente da Comissão Representativa do Congresso Nacional

Assunto: Convocação de reunião da Comissão Representativa do Congresso Nacional

Senhor Presidente,

A comissão representativa do Congresso Nacional, a presidida pelo senhor, da qual tenho a honra de ser membro, possui como prerrogativa zelar pelas atribuições do Congresso Nacional durante o recesso Parlamentar.

O Brasil encontra-se em estado crítico devido às fortes chuvas deste período. Alguns municípios do país apresentam-se em situação alarmante, exigindo de nós, enquanto representantes do povo, um posicionamento firme e positivo. O estado de Minas Gerais, já apresenta 71 cidades em situação de emergência, as chuvas no Espirito Santo já afetaram mais de 11 mil pessoas, municípios fluminenses também se encontram em estado de alerta, e ainda não se pode precisar o número de mortos e desaparecidos devido às enchentes e arrastamentos, sem mencionar os prejuízos emocionais e financeiros das pessoas desabrigadas.

Agravando a situação, têm sido veiculadas na mídia nacional denúncias de mau uso da verba pública destinada à prevenção de desastres. No ano de 2011, 90% do orçamento com tal destinação, foi concentrado no Estado de Pernambuco, reduto eleitoral do Ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra. Fica evidente portanto, a necessidade de uma convocação da comissão representativa do Congresso Nacional para que se cumpra a função fiscalizatória desta instituição.

De acordo com a Resolução nº 3, de 1990, do Congresso Nacional, que dispõe sobre a Comissão Representativa, à comissão compete exercer atribuições de caráter urgente, que não possam aguardar o início do período legislativo seguinte sem prejuízo para o País ou suas instituições (art. 7º, XI). O Poder Público não pode aguardar até fevereiro para tomar as devidas providências.

Diante do exposto, solicito a Vossa Excelência, senhor presidente, que convoque reunião da Comissão Representativa do Congresso Nacional, com o objetivo de apreciar:

- eventual crédito adicional que esteja pendente de deliberação;

- análise do relatório apresentado do Deputado Glauber Braga, na Comissão especial da Câmara dos Deputados, sobre medidas preventivas diante de catástrofes. A comissão se dedicou durante todo ano de 2011 ao assunto, e o relatório aprovado pela comissão apresenta sugestões oportunas para o momento;

- encaminhar o requerimento de informação ao Ministro da Integração Nacional, apresentado pelo Deputado Rubens Bueno;

- outros assuntos pertinentes à questão em tela.

Na expectativa da pronta atenção de Vossa Excelência ao assunto, valemo-nos da oportunidade para renovar protestos de apreço e consideração.

Deputado Arnaldo Jardim
PPS/SP

FONTE: PORTAL DO PPS

A balança preocupa :: Roberto Freire

Em tempos de crise financeira global é auspicioso o incremento do saldo da balança de pagamentos do país, que registrou um índice recorde de crescimento, 26,8% sobre 2010. As exportações do país alcançaram o valor recorde de US$ 256 bilhões, e as importações ficaram em US$ 226,2 bilhões, avanço de 24,5%. Com isso, a balança comercial fechou 2011 com superávit de US$ 29,8 bilhões, o melhor dos últimos quatro anos, avançando quase 50%. No entanto, por trás desses números luminosos sub jaz uma realidade muito preocupante. Tais valores deveram-se basicamente à elevação dos preços das commodities, sobretudo minério de ferro e soja, que cresceram respectivamente 35,9% e 31,6%, aliado a um formidável incremento das exportações desses gêneros.

Assim, analisando-se friamente o referido saldo, assistimos três dependências que vem se cristalizando nos últimos dez anos de forma muito perigosa, a saber: a) do valor das commodities que o país exporta - variável que, frise-se, o país não controla; b) da China, como maior compradora desses bens, foi o principal destino dos produtos brasileirosem2011, o país comprou US$ 44 bilhões do Brasil, representando alta de 44% em relação a 2010; e c) crescente dependência tecnológica dos desenvolvidos EUA e Europa.

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, deve-se basicamente às commodities, responsável por 72% da pauta de exportações em 2011. Os manufaturados tiveram desempenho fraco. O principal, automóveis de passageiros, recuou 1,2% ante 2010. Já os calçados, afetados por câmbio e competição asiática, perderam 13,3% das vendas.

Castro lembrou, ainda, que a cotação do minério de ferro, por exemplo, está em queda no mercado internacional. O produto chegou a ser vendido por US$ 128 a tonelada em2011, mas o valor baixou para US$ 109. Essa variável, preço das commodities, em um país com baixa poupança interna é uma poderosa ameaça a um crescimento consistente. Daí a importância estratégica de se ampliar nossa capacidade fabril e de inovação tecnológica, algo que, infelizmente, só existe na propaganda do governo Dilma.

O fato é que a crise econômica mundial já reduziu a média diária de vendas ao exterior, derrubou o preço de commodities importantes e diminuiu a oferta de crédito para a indústria exportadora.

Em função das incertezas do panorama econômico mundial, cresce a escassez de crédito internacional e o enxugamento da liquidez pode colocar as exportações em situação difícil. Sem falar da crescente concorrência internacional. Tudo isso exige um governo ágil e capaz de transformar em atos idéias até agora desconexas do que seria uma efetiva política industrial. Tendo como meta os próximos trinta anos, e não os três, que o separa de uma nova eleição.

A política industrial que o governo Dilma apresentou não ataca o problema principal da indústria brasileira, o conhecido Custo Brasil. O protecionismo diminui a concorrência elevando os preços que o consumidor paga. O que precisamos é de uma reforma estrutural, para que nossas indústrias possam concorrer em pé de igualdade com os importados, e ganhe mercado aqui e no exterior. Reforma tributária e trabalhista. Infraestrutura logística. Financiamento produtivo a juros internacionais. O resto é apenas remendo.

Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Comida para pensar :: Fernando Gabeira

O ano passado foi humilhante para os profetas. Quem esperava tudo aquilo? Em 2012 o estômago vem antes dos sonhos. Uma nova alta de alimentos ameaça a estabilidade de muitos pontos do globo. Os economistas afirmam que haverá uma transferência de renda para os que produzem alimentos. O Brasil está bem na foto. Mas o quadro geral não é nada animador.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o mundo entrou numa fase perigosa. O preço dos alimentos atingiu o nível mais alto desde a crise de 2008: nesse ano era de 213 a média ponderada do preço de alguns produtos (carne, cereais, lácteos, azeites e óleos), no fim de 2011 subiu para 215. Isso no ano em que passamos a ser 7 bilhões no planeta. Cerca de 70 milhões de novas bocas surgem a cada ano. Sem nenhum alarme, é preciso encarar o problema

Em Moçambique o preço do pão provocou uma revolta em setembro. Em todo mundo o aumento de quase 80% no trigo ao longo dos dois últimos anos foi um elemento, às vezes subavaliado, de instabilidade política.

Se olharmos a produção mundial com a perspectiva dos últimos 50 anos, custa-nos a entender como a crise chegou a esse patamar. Os alimentos foram tratados como qualquer mercadoria. O avanço tecnológico e a competição aumentaram a produtividade num ritmo animador. Os custos de alimentação caíram dramaticamente, a ponto de a produção mundial sobrepassar as necessidades calóricas per capita em 20%.

Paul Roberts, no seu livro O Fim da Comida, insinua que não foi casual o aumento da obesidade na década de 1980, quando o modelo de grandes volumes e baixo preço dos alimentos atingiu sua maturidade. Apesar do progresso, porém, ainda se atribuem à fome cerca de 36 milhões de mortes, sem contar a fadiga permanente, a atrofia física e intelectual causadas pela subnutrição.

Nesta conjuntura de alta de preços e consumo crescente na China e na Índia, é razoável duvidar do crescimento sustentável do modelo de produção de alimentos, que depende basicamente de três fatores: energia barata, estabilidade climática e água abundante. A China volta-se para o mercado de alimentos não apenas porque tem muita gente, mas também pela redução de recursos hídricos em algumas províncias, onde houve superbombeamento para garantir a safra de cereais.

Tais fatores estratégicos ainda passam ao largo porque a conjuntura configurou o que os especialistas chamam "perfeita tormenta": vários fatores combinados puxaram as expectativas para baixo. Na Rússia houve a maior seca dos últimos 50 anos. Nos EUA, Austrália e Canadá registram-se grandes inundações. Alguns alimentos, como o milho, estão sendo usados na produção do etanol. E por último, mas com grande peso, houve o aumento do petróleo, embora menor que em 2008.

Cientistas e técnicos de grandes empresas, como Monsanto e Dow, acreditam poder resolver os grandes problemas da comida via conhecimento e inovação. Ainda que isso ocorra, a ausência de água abundante, energia barata e estabilidade climática transforma o quadro em que se movem. A elevação da temperatura e as mudanças no regime de chuvas tendem, mesmo em estimativas conservadoras, a frear o crescimento da produção mundial de alimentos. Como atenuante, áreas liberadas do gelo perene passam a ser mais produtivas em regiões frias. O aumento do petróleo revela a cada instante como é um dos insumos mais importantes na produção de alimentos, hoje - tratores, transporte da mercadoria, insumos para fertilizantes e pesticidas, o óleo é usado em todas as frentes.

Analistas como Paul Roberts reconhecem que novos eixos de poder alimentar se estruturam no mundo, principalmente o que associa um grande comprador como a China a um grande produtor que é o Brasil. Mas ele questiona a sustentabilidade a longo prazo: os produtores podem, ao longo do processo, esgotar também parte dos seus recursos hídricos.

No momento, o Brasil vive uma importante experiência externa no campo alimentar: depois de mandar seus soldados ao Haiti e contribuir para a pacificação do país, está sendo chamado a ajudá-lo a produzir sua própria comida. Atendendo a apelo da FAO, que pretende deslocar, pós-terremoto, 600 mil haitianos para o interior, o País enviou US$ 2 milhões, alguma toneladas de sementes e técnicos da Embrapa, além de ministrar cursos para os haitianos plantarem com êxito. Desse êxito, o próprio The New York Times reconheceu, depende o futuro próximo do Haiti: na capacidade de produzir parte de seu alimento reside uma das saídas para seu problema econômico e social.

Dia 1.º um brasileiro, José Graziano, assumiu a direção da FAO, prometendo, como não podia deixar de ser, buscar soluções para as dificuldades alimentares globais. Mas a FAO precisa de financiamento e os grandes doadores, como os EUA, estão se retraindo, em parte porque houve muitos casos de mau uso do dinheiro.

O Itamaraty, na preparação da Rio+20, formulou a seguinte pergunta: que novos instrumentos podem ser propostos para que o planeta avance no desenvolvimento sustentável? A renovação de um instrumento já existente, como a FAO, pode ser uma resposta. O Brasil ocupa a direção, é um dos maiores produtores do mundo, sediará uma conferência internacional e tem como objetivo n.º 1 de governo reduzir a miséria. Equacionar a produção de alimentos com a preservação ambiental e erradicação da miséria poderia ser um dos pratos de resistência no debate planetário de 2012.

Inegavelmente, o mercado propiciou um grande salto na produção, mas sozinho não resolve o problema. Quanto mais valor se agrega à comida, mais distante ela fica de mercados como Bangladesh ou Etiópia. Se os ganhos com a alta de alimentos transferem renda para os grandes produtores, eles podem ricochetear nos consumidores internos ou mesmo derrubar governos que não podem mais pagar os subsídios.

Sem arriscar profecias: a alta dos alimentos, tão presente em 2011, é do tipo que não festeja o réveillon, pois se move num tempo mais elástico do que a simples virada do ano.

*Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Enxurrada de descasos :: Marina Silva

As chuvas torrenciais chegam com o verão e de novo assistimos a cenas trágicas, com transbordamento de rios, queda de encostas e barreiras, alagamento de cidades inteiras. Até agora, três Estados foram fortemente atingidos, com milhares de pessoas desalojadas, dezenas de vítimas, municípios totalmente destruídos.

Em 2011, mais de 900 pessoas morreram só na região serrana do Rio. Salvo a criação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, que cobre só uma parte dos municípios críticos, tudo seguiu como antes.

Os cientistas vêm alertando que o aquecimento global provoca uma maior frequência de eventos climáticos extremos. Sabemos que a ausência de planejamento na ocupação de áreas urbanas expõe um grande contingente da população a riscos na maior parte das cidades brasileiras.

Mas, apesar de termos instrumentos técnicos e recursos para avaliar os riscos e adotar medidas de prevenção, fatores políticos fazem com que nos atolemos na lama da imprudência e deixemos milhões de brasileiros sujeitos a se tornarem vítimas dessas catástrofes.

Agora, por exemplo, ficamos sabendo que a pouca verba existente para a prevenção de desastres ambientais é destinada quase toda (90% dela) ao Estado de origem do Ministro da Integração Nacional. Desta vez, Pernambuco, mas, em 2010, quando o então ministro era baiano, foi a Bahia.

E mais: as duas cidades que receberam a maior parte das verbas não constam na lista de prioritárias para recebimento dos recursos. Só 1,5% da verba de prevenção foi para municípios de áreas de risco, segundo a ONG Contas Abertas, que realizou o levantamento.

Sabemos que o volume de recursos para a prevenção de desastres naturais é insuficiente diante do tamanho do problema. Pequeno em termos absolutos, cerca de R$ 155 milhões desembolsados em 2011, e, sobretudo, em termos relativos. Em 2011, o governo gastou mais de R$ 1 bilhão na recuperação das áreas afetadas.

O pouco recurso, quando disponível, não é efetivamente aplicado. Segundo a Contas Abertas, de 2004 a 2011 foi autorizada no orçamento do Ministério da Integração Nacional uma dotação de R$ 3,3 bilhões, mas apenas R$ 1,8 bilhão foi empenhado. Disto, só R$ 790 milhões foram pagos. Ou seja, nos últimos oito anos, menos de um quarto dos recursos virou obra para a prevenção de riscos.

Quando o Congresso voltar a discutir o Código Florestal, também precisará corrigir no projeto a permissão prevista para mais ocupações em áreas de risco ambiental, especialmente encostas e margens de rios. Os governos ainda não mostraram efetiva disposição de enfrentar tais problemas e proteger a população exposta. O que mais precisa acontecer?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Pelo telefone:: Merval Pereira

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, recusa fortemente a acusação de que as verbas para enchentes recebidas pelo estado tenham a ver com uma política fisiológica, ou com o aparelhamento do Ministério da Integração Nacional, que seu partido, o PSB, ocupa por meio de Fernando Bezerra.

Ele telefona para reafirmar que todas as verbas foram autorizadas pela presidente Dilma Rousseff pessoalmente, logo no início de seu governo, quando uma das regiões mais pobres de Pernambuco foi atingida pela terceira enchente em dez meses, entre 2010 e 2011.

Na descrição do governador, as enchentes transformaram uma situação "dura e difícil socialmente" daquela região, "uma das mais pobres de Pernambuco", em um "quadro de guerra".

Mais de 80 mil pessoas foram atingidas, cerca de 25 mil ficaram sem moradia, 300 escolas foram destruídas pelas águas, linhas férreas, transformadas em montes de ferro.

Dezesseis cidades ficaram sem água e energia, foi realizado o maior resgate aéreo de todos os tempos e mil pessoas passaram mais de um ano vivendo em tendas.

Eduardo Campos diz que, se tivesse feito gestões pessoais junto ao Ministério da Integração Nacional para passar à frente de outros estados na obtenção de verbas, "estaria no meu papel de defender o estado, e a imprensa, no papel dela de denunciar o privilégio".

Mas ele garante que nada disso aconteceu, e que a decisão sobre a prioridade para as obras em Pernambuco saiu de uma conversa que teve com a presidente Dilma.

"Lembro perfeitamente da conversa que tivemos ao telefone", diz-me o governador, reproduzindo de memória o diálogo com a presidente, que fora empossada recentemente. A iniciativa de telefonar partiu dela, depois da terceira enchente:

- Outra vez, Eduardo - lamentou a presidente, que já lidara com os problemas das enchentes anteriores quando era chefe da Casa Civil no governo Lula.

- O que é preciso fazer? Quanto custa? - perguntou Dilma, de maneira direta.

- R$500 milhões - respondeu o governador.

Com a mesma rapidez, a presidente reagiu:

- É muito dinheiro, não tenho como ajudar. Estou tendo que cortar custos.

Foi na época em que o governo anunciou o corte de R$50 bilhões no Orçamento para equilibrá-lo. O governador Eduardo Campos fez uma proposta:

- A cada real que o governo colocar no projeto de prevenção de enchentes, o estado coloca outro.

Como consequência da conversa, o Palácio do Planalto divulgou uma nota oficial no começo de maio de 2011 anunciando que faria o projeto de prevenção de enchentes com o governo de Pernambuco.

Os estudos foram realizados pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco, utilizando a memória do que fora feito em Recife, que também sofreu muito com enchentes.

Entre 1966 e 1975, foram construídas quatro barragens, e a última foi concluída no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Para a região em causa, é preciso construir cinco barragens, além de casas populares, recomposição das matas ciliares, reconstrução de pontes.

O programa Minha Casa Minha Vida está construindo 16 mil casas, e o governo de Pernambuco subsidia as moradias para os que ganham de 0 a 3 salários.

Como diz Eduardo Campos, grande parte dos projetos está sendo financiada com dinheiro "azul e branco", as cores de Pernambuco.

Todo esse quadro indica, para o governador, uma mobilização para reformas estruturais necessárias à região que tem tudo a ver com a função do Ministério da Integração Nacional.

"As obras são de interesse também de Alagoas, que sempre sofre com as enchentes de Pernambuco", ressalta.

O que para muitos representa um acordo tácito do PSDB com o PSB com vistas a uma ação eleitoral coordenada em 2014, quando Eduardo Campos poderia apoiar a candidatura de Aécio Neves à Presidência da República, ocupando quem sabe a vice na chapa tucana, para o governador de Pernambuco nada mais é do que o entendimento das políticas públicas que estão sendo executadas.

O governador Teotônio Vilela, do PSDB, apoiou as obras porque beneficiam também Alagoas. O governador Antonio Anastasia, de Minas, também não reclamou porque sabe os problemas que Pernambuco enfrenta. E também Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, não acusou Pernambuco de estar sendo beneficiado por métodos escusos.

Isto é, nenhum governador de outros estados também afetados pelas chuvas, como Minas e Rio de Janeiro, reclamou de um suposto privilégio de Pernambuco: "O Anastasia não reclamou, o Sergio Cabral não reclamou, o Teo Vilela apoiou. Eles sabem que não houve privilégios".

Para Eduardo Campos, o que há é muitos problemas e pouco dinheiro.

Na versão do governador, há um histórico de políticas fisiológicas no Ministério da Integração Nacional que contamina as decisões técnicas que estão sendo tomadas, mas ele rejeita a pecha de que esteja aparelhando o Ministério da Integração Nacional sob o comando de Fernando Bezerra.

Esse debate em torno de privilégios para Pernambuco está até mesmo trazendo dividendos eleitorais para seu governo, pois os eleitores acham que ele está defendendo os interesses do estado.

Ao mesmo tempo, Eduardo Campos teme que as críticas revolvam a percepção de um sentimento antinordestino que "não serve para o país".

Toda essa crise poderia ter sido evitada, admite Eduardo Campos, se o Palácio do Planalto tivesse desde o primeiro momento confirmado que as obras eram necessárias e tinham a autorização da presidente Dilma.

O mal-entendido não quer dizer que o governador, um dos mais importantes aliados do governo Dilma, tenha razões para mudar de posição. Mas a compreensão dos tucanos e a possibilidade de que Ciro Gomes - hoje adversário de Campos dentro do PSB - assuma um papel importante no governo Dilma só fazem ressaltar as difíceis relações do PSB com o PT.

FONTE: O GLOBO

Silêncio dos coniventes:: Dora Kramer

Natural seria que a notícia sobre a concentração dos recursos destinados à prevenção e combate a enchentes no Ministério da Integração Nacional para Pernambuco, Estado de origem e domicílio eleitoral do ministro Fernando Bezerra, suscitasse alguma reação entre governadores de outros Estados.

Normal seria que chefes de executivos estaduais reclamassem um mínimo de isonomia na distribuição de verbas, mais não fosse para denotar interesse na defesa dos direitos de seus governados.

Mas, não. A nenhum deles ocorreu estranhar de público a desproporção. E não foi uma desproporção qualquer: trata-se de 90% das verbas destinadas a um só Estado.

No lugar de protestos, o que se vê é um obsequioso silêncio. Uma espécie de salvaguarda de normalidade a uma situação de patente anormalidade. Nisso estão junto governadores de partidos situacionistas e oposicionistas.

Como se temessem se confrontar com o governo federal ou, pior, como se adotassem uma atitude preventiva: aceitando hoje que um ministro privilegie de maneira tão explícita o Estado de seu interesse, ficam credenciados para amanhã, quando eventualmente estiverem no manejo de verbas semelhantes, também poderem fazer uso do ministério em prol de suas conveniências.

É o silêncio dos coniventes. Muito comum quando há interesse político em jogo.

Pelo mesmo motivo nem sempre as queixas à Justiça Eleitoral em épocas de campanha são instruídas de maneira consistente de forma a permitir ao juiz uma condenação.

Mas o exemplo que serve melhor à comparação é o da regra da fidelidade partidária, instituída por interpretação do Tribunal Superior Eleitoral e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, determinando a perda do mandato do político que troca de partido sem causa considerada "justa".

Raros são os casos de partidos que reivindicam a devolução dos mandatos quando há o pedido de desligamento. O habitual é que as representações contra os chamados trânsfugas sejam feitas pelo Ministério Público.

E por que isso? Porque não convém ao partido recorrer a uma legislação que amanhã ou depois pode ser usada contra ele. Vigora, então, uma espécie de norma segundo a qual uma mão lava a outra (ou seria mais adequado dizer, uma mão suja a outra?) cujo resultado é a transformação da lei em letra morta.

Guardadas as proporções, é a razão pela qual os governadores assistem impassíveis a ações como essa da concentração do dinheiro para enchentes no Estado do ministro que deveria ser responsável por todo o País.

Mão de gato. O tucanato em geral, o senador Aécio Neves e área de influência no PSDB em particular pegaram leve, com críticas quase protocolares, no caso das consultorias de Fernando Pimentel porque o ministro da Indústria e Comércio foi e ainda é potencial aliado em Minas Gerais.

A fidalguia se repete com o ministro da Integração Nacional porque Fernando Bezerra é aposta eleitoral do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sonho de consumo do PSDB e de quem o presidente do partido, Sérgio Guerra, é firme aliado.

Posto assim o cenário, o PSDB não tem moral para dizer que o PT atua com foco exclusivo na disputa eleitoral, contribuindo para a deterioração da prática política no tocante ao exercício democrático do contraditório.

O PT coopta e estrangula a oposição, é verdade. Mas a oposição se deixa docemente estrangular. Aposta na articulação de bastidor em detrimento da relação com a sociedade.

Mesmo do ponto de vista das artimanhas políticas essa é uma forma esquisita de se conduzir: divide-se internamente e, em relação aos governistas, prefere a composição à oposição.

Na sequência. A Comissão de Ética Pública decidiu que Carlos Lupi não servia para ser ministro.

Há agora um movimento no PDT para discutir se ele serve para continuar presidindo o partido.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO