sábado, 14 de abril de 2012

OPINIÃO DO DIA – Rubens Bueno: engessar e blidagem

Num caso desses não há como engessar a investigação. Os fatos que vão surgindo são mais fortes que qualquer tentativa de blindagem. O estranho é que agora, quando surgem nomes do PT envolvidos com o contraventor, como é o caso do governador Agnelo Queiroz e sua equipe de governo, o partido tenha se dividido sobre a necessidade de devassar a vida de Carlinhos Cachoeira.

E aí entra, por exemplo, a construtora Delta, que é ligada ao esquema de Cachoeira e doou R$ 1,15 milhão para a campanha do PT em 2010. Vale lembrar, ainda, que a Delta é a empresa que mais se beneficiou com as obras do PAC.

Se pensaram que iriam instalar uma CPI para investigar apenas seus desafetos ou para abafar o mensalão, se enganaram. Não é a toa que a própria presidente Dilma mandou seus ministros deixarem de defender a CPI."

BUENO, Rubens, deputado federal (PR) e líder no PPS na Câmara, Portal do partido, 13/4/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
No Rio, BB e Caixa não estão preparados para reduzir juro
CPI terá Collor e Renan
Para PT, Agnelo chegou ao fim
Ministro na Cracolândia
Saúde pública: Brasil terá mais 30 hospitais para aborto

FOLHA DE S. PAULO
Por novo Código Florestal, Planalto cede a ruralistas
Deputado diz que sabia de contravenção de Cachoeira
PM levantou dado sigiloso de rival do governador do DF
Presidente cobra juros menores de bancos privados
Líder colombiano apoia ataque de Dilma a países ricos

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma pede a Lula cautela com CPI do Cachoeira
Presidente diz que juro é entrave e cobra bancos
Diagnóstico de anencefalia será padronizado
Governo propõe mínimo de R$ 667,75

CORREIO BRAZILIENSE
Demóstenes ofereceu ajuda do MP de Goiás a Cachoeira
Mínimo será de R$ 667 em 2013
TRE cassa o mandato de Benedito Domingos

ESTADO DE MINAS
Queda de braço por juros mais baixos
Faltam hospitais para fazer aborto no país

ZERO HORA (RS)
Concursos em Xeque

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Pernambuco se livra da termelétrica suja
Mínimo pode ser de R$ 667,75 no próximo ano
Diagnóstico da anencefalia terá exame padrão

CPI terá Collor e Renan

A CPI do Cachoeira terá entre seus membros os senadores Fernando Collor, que sofreu impeachment depois da CPI do PC, e Renan Calheiros, que renunciou à presidência do Senado para não ser cassado. O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, negou liminar pedida por Demóstenes Torres para desconsiderar as gravações em que trata dos interesses do bicheiro

De alvo de CPI a juiz

Collor será um dos integrantes de comissão que investigará elo de Cachoeira com políticos

Maria Lima, Isabel Braga

Tentáculos da contravenção

Passados 21 anos de seu impeachment na CPI do PC Farias, o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) se sentará agora na cadeira dos juízes na CPI Mista que o Congresso instala nos próximos dias para apurar as relações do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira com o mundo político em Brasília. Collor foi indicado na vaga do PTB pelo líder do partido, Gim Argello (DF). E estará acompanhado de caciques do PMDB, como o conterrâneo Renan Calheiros (AL), que renunciou à presidência do Senado para escapar da cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar, em 2007. Renan ainda quer levar Romero Jucá (RR) para a CPI.

- Nas duas vagas de titular, vou indicar o Vicentinho Alves pelo PR e o senhor Fernando Afonso pelo PTB. Quando eu o convidei, Collor respondeu: "Estou pronto. É missão!" - confirmou Gim Argello, às gargalhadas, quando questionado se a ideia então era barbarizar a CPI.

O líder petebista argumentou que o Collor de 21 anos atrás não existe mais. Que o Collor de hoje, eleito pelo povo de Alagoas, faz um "mandato brilhante" e "é exemplar" como presidente da Comissão de Relações Exteriores.

Em 1992, após 85 dias de investigações sobre desvio de milhões do chamado esquema de PC Farias - testa de ferro de Collor -, o então presidente da República foi incriminado pela CPI e logo depois afastado pelo impeachment. O processo foi para o Supremo Tribunal Federal (STF) e arquivado por falta de provas.

- O Collor já conhece uma CPI por dentro e por fora. Ele foi vítima de uma CPI, então sua ida agora para a CPI do Cachoeira pode ser muito bom. Ele vai para ajudar, é um homem muito experiente. Hoje, é um outro Collor. Vai para ajudar e apurar o que precisar ser apurado - afirmou Gim Argello.

Maioria das vagas é de partidos aliados

Perguntado sobre o que achou da indicação de Collor, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos membros da CPI que incriminou Collor, foi evasivo:

- O que penso disso, não vou falar. Só posso dizer que esse é o Senado que temos, isso é a síntese do Senado presidido pelo presidente Sarney. Esse é o quadro. Vamos ver como vai se comportar o Collor no banco dos juízes - comentou.

A CPI terá 30 titulares, 15 senadores e 15 deputados. No Senado e na Câmara, das 15 vagas, 12 são dos partidos aliados e três, da oposição. O presidente deve ser o corregedor do Senado, Vital do Rego (PMDB-PB), e o relator poderá ser o ex-líder do governo na Câmara Cândido Vaccarezza, do PT.

Na reunião com os líderes para definir a distribuição das vagas na CPI, Renan avisou que não cederá nenhuma das três vagas do partido. Jucá, que já disse que nem assinará a CPI, resiste em aceitar a convocação do líder. Mas Renan vai insistir. Na Câmara, ainda há impasse sobre os nomes do PMDB.

Do PT do Senado, estão quase certos o ex-ministro José Pimentel (CE) e Wellington Dias (PI). A oposição no Senado se reunirá na próxima semana para definir os nomes que indicará. A tendência é que se mantenha a preferência por nomes com experiência em investigações, como fizeram PSDB e DEM na Câmara, que indicaram Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Carlos Sampaio (PSDB-SP).

O líder do bloco do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), vai definir os nomes na terça-feira, mas uma das cinco vagas de titulares já foi prometida ao PDT para acomodar o senador Pedro Taques (MT). A relatoria, do PT na Câmara, tem outros candidatos: Paulo Teixeira (SP), Henrique Fontana (RS) e Luiz Sérgio (RJ).

FONTE: O GLOBO

Para PT, Agnelo chegou ao fim

Após ouvir gravações feitas pela PF, a cúpula do PT dá como perdida a situação do governador Agnelo Queiroz (DF), já pressionado a renunciar, informa Ricardo Noblat. O secretário de Saúde do DF admitiu que se reuniu com ex-diretor da Delta investigado no esquema de Cachoeira

PT já pressiona pela renúncia de Agnelo por ligação com Cachoeira

Dirigentes do partido avaliam que situação do governador do DF é irreversível

Ricardo Noblat

Em sigilo, as cabeças mais coroadas do PT nacional já admitem que é irreversível a situação do governador Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, envolvido por meio de alguns dos seus principais auxiliares com a organização do bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso na penitenciária nacional de Maceió.

O envolvimento de Agnelo está comprovado em no mínimo 70 gravações de conversas telefônicas grampeadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça. A direção nacional do PT e parte da direção do PT de Brasília ouviram algumas das gravações mais comprometedoras.

Já começou a pressão sobre Agnelo para que renuncie ao cargo. Se ele concordar que não lhe resta outra saída, a pressão passará a ser exercida também sobre seu vice, Tadeu Felipelli, do PMDB. Nada até agora foi descoberto que ligue Felipelli a Cachoeira.

Mas o PT não quer entregar o governo ao vice, que, no passado, foi homem de confiança do ex-governador Joaquim Roriz. Caso ele e Agnelo renunciem aos mandatos, haverá nova eleição direta para os dois cargos. É o que manda a lei quando metade dos mandatos ainda não foi cumprida.

Partido teria dificuldade para fazer sucessor

Não será fácil para o PT eleger o sucessor de Agnelo. Primeiro porque o partido não dispõe de um candidato natural. O próprio Agnelo nunca foi petista. Era do PCdoB. Entrou no PT só para ser candidato ao governo.

O partido dispõe de pesquisas de intenção de voto que apontam José Roberto Arruda como, disparado, o nome mais forte para disputar a vaga de Agnelo. Arruda (DEM) se elegeu em primeiro turno governador do Distrito Federal em 2006.

No final de novembro de 2009, a Polícia Federal descobriu que ele pagava o apoio de deputados distritais com dinheiro tomado de empresas que prestavam serviços ao governo. Era o mensalão do DEM. Em um vídeo, de antes de ele ser eleito, Arruda apareceu recebendo dinheiro de um assessor do então governador Joaquim Roriz

Preso em fevereiro de 2010, Arruda depois renunciou ao mandato. Seu vice, o empresário Paulo Octavio, acabou renunciando também. A Câmara Distrital elegeu um governador para completar o mandato dos dois. Até hoje, o Ministério Público não denunciou Arruda.

Anteontem, Agnelo concedeu entrevista negando que tivesse se reunido com Cachoeira. Ontem, voltou atrás e admitiu que se reunira com ele, segundo seu porta-voz, quando era diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Agnelo soube que seriam divulgadas gravações onde seus dois secretários mais poderosos diziam querer "se enturmar" com o próprio Cachoeira.

FONTE: O GLOBO

Alvo da CPI, Agnelo diz que Dilma e PT não o abandonaram

Cúpula do partido, ex-presidente Lula e ministros apoiaram a comissão, que pode atingir petista

Governador do DF tem integrantes de seu governo citados nas investigações sobre a atuação de Cachoeira

Leandro Colon

BRASÍLIA - O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, 53, disse ontem à Folha que não foi abandonado pela presidente Dilma Rousseff nem pelo seu partido, o PT, na movimentação a favor de uma CPI para investigar os negócios e as relações do empresário Carlinhos Cachoeira.

Integrantes do governo de Agnelo são citados na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que investigou uma máfia de jogo ilegal no Centro-Oeste supostamente comandada por Cachoeira.

Diálogos gravados pela PF indicam cobrança de propina no governo do DF em relação a contratos de lixo da empresa Delta Construções.

Para desgastar o DEM e o PSDB, que têm parlamentares envolvidos no escândalo, a cúpula do PT, o ex-presidente Lula e ministros do governo Dilma apoiam a abertura de CPI mesmo que isso possa enfraquecer Agnelo.

"Tenho certeza de que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula têm tanta confiança que o governo do DF não tem envolvimento com isso, que não têm dúvida nenhuma de que não tememos a CPI", disse. "Há solidariedade integral do PT."

Na entrevista, o governador disse que não se opõe a depor na CPI do Congresso, mas fez ressalvas: "Até agora não tem acusação sobre a minha pessoa. Não vou para fazer palanque para gente que está atolada com esse tipo de coisa, como [integrantes do] DEM e PSDB".

Segundo o petista, há uma tentativa de envolver o seu nome no caso. "Há interesses gigantescos em botar o PT no meio disso."

O governador reafirmou a versão de que esteve com Cachoeira uma só vez, em 2010, quando era dirigente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Dias antes, o petista havia negado ter se reunido com o empresário.

O encontro, segundo ele, foi para discutir com empresários atividades do setor farmacêutico. Cachoeira, segundo a PF, controla um laboratório.

"Fiz várias reuniões com empresários desta área, mas essa reunião, que ele tenha participado como interessado, foi uma única vez. Nunca mais encontrei com ele."

Na terça, o chefe de gabinete de Agnelo, Cláudio Monteiro, deixou o cargo após divulgação de gravações em que o grupo de Cachoeira discutiria pagamento de propina a ele. Agnelo disse não acreditar que o ex-assessor tenha recebido dinheiro.

A Folha revelou recentemente que um ex-assessor do governo de Agnelo é investigado por envolvimento na compra e-mails interceptados ilegalmente. "Jamais faria uma coisa dessa [ordenar esse tipo de ação]."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dilma pede a Lula cautela com CPI do Cachoeira

A presidente Dilma Rousseff reuniu-se ontem por quase três horas com o ex-presidente Lula na subsede da Presidência, na Avenida Paulista, para pedir a ele que tenha cautela em relação à Comissão Parlamentar de Inquérito do Cachoeira, informa o repórter João Domingos. Ela teme que as investigações respinguem em seu governo e estaria aborrecida com o PT. Ao lado do presidente do partido, Rui Falcão, Lula tem sido um dos principais incentivadores da CPI, que vai apurar as relações do contraventor Carlinhos Cachoeira com políticos. Para eles, será possível provar que não houve o mensalão. Ontem, o Supremo Tribunal Federal negou a suspensão do inquérito contra o senador Demóstenes Torres (GO)

Dilma pede a Lula cautela com CPI do Cachoeira por temer reflexo no governo

João Domingos

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff reuniu-se ontem por duas horas e quarenta minutos na subsede da Presidência, na Avenida Paulista, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para pedir a ele que tenha cautela ao incentivar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira - que investigará laços de políticos e agentes privados com o contraventor Carlos Augusto Ramos, acusado de comandar uma rede de jogos ilegais. A presidente teme que as investigações respinguem em seu governo.

Ao lado do presidente do PT, Rui Falcão, Lula tem sido um dos principais incentivadores da CPI do Cachoeira. Eles entendem que com a CPI será possível provar que não houve o mensalão - maior escândalo do governo do PT, ocorrido em 2005, em que parlamentares da base aliada votavam a favor de projetos de interesse do Palácio do Planalto em troca de uma remuneração mensal, conforme o relatório da CPI dos Correios.

Embora não tenha se manifestado publicamente sobre a CPI, há informações de bastidores do governo de que Dilma acha que existe uma possibilidade forte de a CPI prejudicar sua administração. A visão é compartilhada por petistas mais comedidos, que temem a utilização da CPI como palco de vingança política.

Essa ideia foi reforçada depois da volta de Dilma dos Estados Unidos. Recados do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), e do senador Delcídio Amaral (PT-MS) que chegaram à presidente classificam a CPI como "de alto potencial destrutivo".

"O alcance dessa CPI é inimaginável. Só a empresa Delta Construções (que aparece nas gravações telefônicas feita pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, e recebeu R$ 4,13 bilhões do governo federal por obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC) - está presente em quase todo o País, principalmente na construção e reforma de estradas", disse o senador Delcídio. "Eu já fiz vários alertas sobre isso. Estão brincando com fogo", afirmou ainda o senador petista.

Delcídio foi o presidente da CPI dos Correios, que apurou o escândalo do mensalão, e sabe que, uma vez em funcionamento, o desdobramento das investigações é algo incontrolável.

A conversa entre Lula e Dilma teve início às 15h10 e terminou às 17h50. Desta vez, o ex-presidente é que foi se encontrar com Dilma, no gabinete de trabalho da presidente em São Paulo.

Para auxiliares da presidente, ela quis falar com Lula para demonstrar a preocupação com a CPI e com a agitação política que pode ocorrer no Senado, que ainda tem de votar projetos de interesse do governo. Entre eles, a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que permitirá a mudança no indexador que corrige as dívidas dos Estados com a União.

Conforme bastidores do Planalto, a presidente tem recebido as informações sobre a CPI do Cachoeira sem mudar a expressão do rosto. Não faz comentários, apenas ouve. Os que a conhecem bem já conseguem interpretar a reação. Sempre que se mostra impassível, Dilma está dizendo que não gostou do que ouviu.

Entre os auxiliares mais próximos, Dilma deixou a impressão de que está aborrecida com a forma como o PT está se comportando em relação à CPI.

Primeiro, não concorda que as investigações possam servir para que o partido tente se vingar de uma parte dos meios de comunicação; segundo, acha que a agenda do governo tem caminhos próprios que envolvem acordos com a oposição e não é a mesma do PT; terceiro, não quer paralisar o Congresso.

"A CPI não tem nenhum objetivo de vingança, de acerto de contas. É um instrumento do Congresso para apurar circunstâncias que envolvam agentes políticos, agentes públicos ou privados", disse Rui Falcão ontem, em Belo Horizonte.

Colaboraram Daiene Cardoso e Marcelo Portela

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PT já traça estratégia para defender aliados e atacar oposição

Líder Jilmar Tatto (SP) assegura que partido não permitirá que Agnelo seja \"cristianizado\" na disputa política e mira em Perillo

Denise Madueño, Eugênia Lopes

BRASÍLIA - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira nem sequer foi criada e parte do PT já começou a traçar a estratégia para defender seus companheiros de partido e atacar a oposição. A tática petista foi evidenciada ontem pelo líder do partido na Câmara, Jilmar Tatto (SP), que saiu em defesa do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, identificado nas escutas da Polícia Federal como o "01" citado por integrantes do esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. De acordo com Tatto, o PT não vai permitir que Agnelo seja "cristianizado" em virtude da disputa política.

"Eu acredito na honestidade do governador Agnelo. Eu acredito no governador do PT e não acredito no governador do PSDB. O governador Perillo, este sim, tem coisa contra ele", afirmou Tatto.

Integrantes do governo tucano de Goiás, comandado por Marconi Perillo, fariam parte do esquema de Cachoeira, de acordo com investigação da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. "Ninguém tem compromisso com o malfeito. Se o agente público cometeu ilicitudes vai ter de pagar e isso serve para todos. Eu acredito no comportamento e na postura corretos do nosso governador. Nós não vamos aceitar que ele (Agnelo) seja cristianizado na disputa política", completou.

Na avaliação de Tatto, as duas operações da PF, a Vegas e a Monte Carlo, atingem, principalmente, políticos do DEM e do PSDB e, por isso, parlamentares dos dois partidos querem desviar o foco para o governador do DF e para o caso Waldomiro Diniz.

"A oposição está ferida e sangrando, porque construiu um discurso moralista que se voltou contra ela. As investigações pegam fortemente a oposição, o senador Demóstenes Torres e o governador Marconi Perillo, do PSDB. A oposição está preocupada", afirmou o petista.

Divisão. Apesar de ser irreversível a criação da CPI, parte da base aliada está dividida e insatisfeita com o funcionamento da comissão. Os peemedebistas, em sua maioria, estão certos de que a CPI será "um tiro no pé" do governo. A avaliação é a de que o governo Dilma Rousseff desfrutava de uma situação confortável no Congresso. Agora, com a CPI, o Planalto sairá da rotina e será obrigado a administrar uma situação política tumultuada por denúncias que poderão atingir os aliados.

As lideranças partidárias começaram a recolher anteontem as assinaturas para a criação da CPI mista. A expectativa é apresentar o requerimento com as assinaturas - são necessárias 171de deputados e 27 de senadores - na terça-feira. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), reafirmou ontem que irá determinar a criação da CPI e sua instalação tão logo receba o requerimento. A presidência da CPI ficará nas mãos de um senador peemedebista. O mais cotado para o cargo é Vital do Rego (PB). Já a relatoria da comissão caberá ao PT da Câmara.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Planalto quer gente de confiança à frente de comissão

Nos bastidores, governo admite que poderia ter evitado criação da CPI

Fernanda Krakovics e Isabel Braga

BRASÍLIA. Após manter-se distante da discussão sobre a criação da CPI por duas semanas, o governo decidiu que vai acompanhar de perto as negociações envolvendo a investigação sobre Carlinhos Cachoeira. A avaliação é que, se tivesse mantido sintonia com os líderes aliados, com o PT principalmente, a comissão poderia nem ter sido criada.

Sabendo que já não é mais possível impedir que a CPI seja instalada, o governo se preocupa em definir os nomes que vão integrar o colegiado. Ontem, o tema foi parte da conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.

A ordem é assegurar que os representantes da base aliada na CPI sejam parlamentares leais ao governo. Ontem, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, começou a tocar a nova agenda: recebeu os líderes do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), e do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). As reuniões serviram para dar início a um debate coordenado sobre os nomes governistas - a maior preocupação é em relação aos nomes pare relatar e presidir a CPI.

O Planalto caminha no fio de navalha. Se, por um lado, quer manter os olhos próximos do trabalho da CPI, por outro há uma enorme preocupação em não deixar a impressão de que Dilma quer controlar os trabalhos para proteger corruptos.

- Foi uma bobagem a criação dessa CPI com a presidente da República estando com a popularidade que a Dilma está. Agora não há como voltar atrás, então o necessário é reduzir os danos - diz um interlocutor da presidente.

A preocupação do Palácio do Planalto extrapola as denúncias de envolvimento do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), com Cachoeira. O Planalto teme que a oposição use a CPI para se vingar do PT, e convoque para depor o subchefe de Assuntos Federativos, Olavo Noleto, atingindo em cheio o governo. Petista de Goiás, Noleto está no Planalto desde 2003. Apesar de não integrar o círculo próximo da presidente, Noleto tem papel de destaque na hierarquia federal, como responsável pela articulação do governo com prefeitos e governadores.

FONTE: O GLOBO

Uma CPI com o dedo do Planalto

Partidos da base aliada submetem indicações para compor o colegiado à aprovação da Presidência da República

Erich Decat, Gabriel Mascarenhas

Diante de um cenário irreversível na abertura da CPI do Cachoeira e da possibilidade de as investigações saírem do controle, o Palácio do Planalto começou a se movimentar nos bastidores com intuito de reduzir as chances de estragos. Com a coleta de assinaturas para a criação da CPI iniciada e com previsão de entrega para a próxima semana, os partidos aliados discutem internamente os nomes que serão indicados para compor o colegiado. Todos, no entanto, passarão pelo crivo palaciano.

Segundo integrantes da base ouvidos pelo Correio, chegou ao Congresso o aviso do Planalto de que será feita uma triagem nos nomes escolhidos pelas legendas alinhadas ao governo. "O perfil do parlamentar que nos foi passado é de que ele deve ser uma pessoa sem medo da opinião pública, que não faça da CPI um palanque e que seja totalmente fiel", resumiu um integrante da base. Dessa forma, alguns nomes já foram praticamente excluídos do colegiado, como o do deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ).

O perfil traçado pelo governo coincide em parte como o que o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), pretende escolher. "Estou fazendo consultas dentro do PT, mas a condição prioritária é o parlamentar se dedicar 24 horas à CPI e não ser candidato a prefeito", considerou. "Esse critério foi definido por mim, não falei com ninguém do Planalto", despista. Para evitar críticas de ingerência, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), nega qualquer movimentação do Planalto no intuito de filtrar os nomes indicados. "A orientação é de o governo não se envolver", explicou Chinaglia.

Esvaziamento

Dentro dos partidos aliados, alguns parlamentares reclamam do freio aplicado pelas duas maiores bancadas do Congresso — PMDB e PT — na condução das investigações pela CPI. "O comando do PMDB nunca quis a abertura da CPI. Tanto é que eles nem reuniram a bancada para debater se o partido deveria ou não assinar o requerimento. Eles sabem que qualquer CPI pode respingar neles e nos seus respectivos cupinchas", disparou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

Entre os petistas, há quem não esconda que, ao falar em abertura de CPI, após o surgimento das primeiras denúncias contra o senador Demóstenes Torres (sem partido–GO), o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), não tinha como objetivo a instauração do colegiado.

Segundo correligionários dele, Pinheiro queria apenas pressionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Superior Tribunal Federal (STF) a enviarem ao Congresso o conteúdo do inquérito originário da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que flagrou os contatos telefônicos entre Demóstenes e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. "Dentro do PT, havia quem era contra (a CPI), mas o partido se envolveu diretamente nisso", explicou o senador Humberto Costa (PT-PB).

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Ação sobre carona de Cabral é arquivada

Procurador-geral do Rio diz que não há evidências de que governador favoreceu empresário que emprestou jatinho

Peemedebista usou avião de Eike Batista para ir à festa de outro empresário que tem contrato com o governo

Lucas Vettorazzo

RIO - O procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Lopes, admitiu que a conduta do governador Sérgio Cabral (PMDB), ao utilizar o jatinho do empresário Eike Batista para ir a uma festa, em junho de 2011, é questionável no campo da ética. Mas, para ele, não resultou em improbidade administrativa.

O processo que foi arquivado, como revelou ontem o jornal "O Globo", investigava o relacionamento de Cabral com Eike e o dono da festa, Fernando Cavendish, da construtora Delta. O procurador-geral disse que não foram encontradas provas de favorecimento às empresas.

A investigação durou cerca de seis meses. O processo agora será avaliado pelo Conselho Superior do Ministério Público, que decidirá sobre o arquivamento por completo.

"Poderia eventualmente haver questionamento quanto à ética desse relacionamento, mas a amizade do governador, segundo a investigação, não revelou ocorrência de improbidade em nenhum dos casos", afirmou o procurador-geral.

A estreita relação pessoal do governador com os dois empresários foi revelada após uma tragédia com a família do dono da construtora.

No ano passado, o helicóptero que levava familiares e amigos de Cavendish para sua festa de aniversário, em Trancoso (BA), caiu, matando sete pessoas, entre elas a namorada de um dos filhos de Cabral e a mulher e um filho do empreiteiro.

Cabral e Cavendish haviam viajado para Porto Seguro no jato de Eike e embarcariam no helicóptero. Mas devido à lotação da aeronave não subiram a bordo.

Negócios

A Delta tem contratos de R$ 1 bilhão com o Estado e, entre outras obras públicas, está reformando o Maracanã, em consórcio com Andrade Gutierrez e Odebrecht.

Já Eike conduz no Rio dois projetos de grande porte, o Porto do Açu, em São João da Barra, e o Porto do Sudeste, em Itaguaí.

"A Delta é uma empresa de grande porte com condições de ganhar muitas licitações e os incentivos fiscais dados às empresas de Eike foram genéricos, iguais ao concedidos a outras empresas", declarou o procurador-geral.

Após o acidente, Cabral admitiu a conduta imprópria e lançou um código de ética que recomenda que servidores não peguem carona em jatos de empresários.

O estatuto dos servidores do Rio, porém, já trazia essa recomendação. Estabelece que é proibido "exigir, solicitar ou receber vantagens de qualquer espécie em razão do cargo ou função, ou aceitar promessas de tais vantagens".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Discutindo a relação:: Merval Pereira

A partir da discussão das crises entre o Legislativo e o Executivo brasileiros registradas na nossa História, num confronto permanente reforçado pelas características parlamentaristas da Constituição de 1988, revisitadas e analisadas por cientistas políticos e historiadores em colunas anteriores, pretendo discutir neste fim de semana e na terça-feira possíveis soluções para equilibrar essa relação entre um Executivo "imperial" e um Legislativo forte.

Para o historiador José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras, o começo mais simples seria pelo lado dos sistemas eleitoral e partidário. "Os males do momento atual são o risco de paralisia decisória e a compra de votos e partidos para evitá-la, isto é, governabilidade e corrupção", diz ele.

Outras abordagens lembradas por José Murilo são a redução da dependência dos estados em relação ao poder central e o maior rigor contra a impunidade. "O que certamente não resolve são apelos à moralidade", ressalta.

Já o cientista político Sérgio Abranches, um estudioso do nosso "presidencialismo de coalizão", designação que ele cunhou, vê como medidas necessárias a proibição de alianças e coligações nas eleições proporcionais; a mudança do cálculo da proporcionalidade, para acabar com as sobras de votos que elegem representantes sem votos; e a descoincidência entre as eleições nacionais - presidente, senadores e deputados federais - das locais - governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores.

Por sua vez, a cientista política Argelina Figueiredo, do Iesp - Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, não tem problemas com o número de partidos nem com nosso sistema eleitoral. Ela defende duas medidas para fortalecer o Legislativo: a implantação incremental do orçamento mandatório e a redução "não radical" dos cargos de nomeação política.

Mesmo reconhecendo que no Brasil "a posição dominante entre cientistas políticos é pelo voto proporcional por dar margem à manifestação de leque maior de opiniões", José Murilo não está convencido de que precisamos "de mais de 20 partidos para representar grandes correntes de opinião e grandes interesses, durante muito tempo divididas simplesmente entre centro, direita e esquerda, burguesia, operariado, classe média".

Quantos partidos entre nós representam de fato correntes de opinião e interesses coletivos?, pergunta. José Murilo resume em uma pequena fórmula o problema atual das relações Executivo-Legislativo, misturando os seguintes ingredientes: 1. sufrágio universal e eleições confiáveis; 2. partidos competitivos; 3. Congresso mais forte; 4. sistema eleitoral proporcional; 5. regime presidencialista.

"1 leva a 2 que leva a 3. 4 multiplica partidos que, dado 5, dificulta formação de base governista e produz atritos que podem gerar paralisia, evitada por cooptação legal ou ilegal, levando à corrosão da República."

Sérgio Abranches diz que não há soluções imediatas para os problemas estruturais de relacionamento entre Executivo e Legislativo.

Esses problemas, segundo ele, não têm a ver apenas com o imperativo da coalizão de nosso modelo presidencialista, mas com questões estruturais da sociedade brasileira e com o federalismo.

"A heterogeneidade socioeconômica no Brasil produz uma disparidade histórica de visões e interesses entre a Presidência e o Congresso", adverte.

Essas visões distintas são provocadas pela origem de cada voto: o colégio eleitoral do (a) presidente é nacional, a maioria dos eleitores é urbana, classe média e operária, com valores mais associados cosmopolitas, cidadãos mais autônomos, com capacidade pessoal ou coletiva de demandar e cuidar de seus problemas básicos.

Já os parlamentares são, na sua maioria, eleitos por um pequeno número de redutos, com populações ainda dependentes dos favores das redes clientelistas, economias muito especializadas, portanto, com interesses muito mais focalizados e uma visão de mundo muito mais local.

"Essa disparidade é insolúvel e não tem como eliminá-la do sistema político, a não ser com mais desenvolvimento e mais educação, criando situações socioestruturais mais homogêneas", analisa Sérgio Abranches.

Outra fonte de dificuldades nas relações Executivo-Legislativo apontada por Abranches é "a enorme centralização de poder fiscal - tributação e gasto - na União, sob controle praticamente monopolista do Executivo".

Daí, diz ele, a transformação dos parlamentares federais em "despachantes" dos estados, em busca de recursos, liberações e que tais. "Daí, também, a enorme importância das emendas parlamentares."

Subsidiariamente, ele lembra que o poder federal também tem muita influência local via delegacias de vários ministérios, principalmente educação, previdência, trabalho e transportes "áreas de forte atuação clientelista".

A solução, seria, aponta Sérgio Abranches, reduzir o peso da União e descentralizar poderes fiscais e regulatórios para os estados.

Argelina Figueiredo diz que, se compararmos com a Constituição de 46, "certamente na atual há um forte desequilíbrio na relação entre os poderes Legislativo e Executivo no Brasil. O Executivo brasileiro é de fato institucionalmente forte com a Constituição de 1988, e essa é uma herança da legislação autoritária".

Uma mudança radical na relação Executivo-Legislativo, para ela, seria a instituição de um orçamento mandatório. "Talvez o melhor seria sua implantação incremental, mas devendo se aplicar principalmente às emendas individuais, mantido um teto, como é hoje, para cada parlamentar".

Outra medida que afetaria as relações entre os dois poderes, mas que, para Argelina, não deveria ser radical, seria uma diminuição dos cargos de escolha política, "principalmente os que se situam nas camadas mais baixas, que, em princípio, não afetariam a implementação de políticas de governo".

Ela acha, no entanto, que "o barulho é maior do que fenômeno, tendo em vista que 75% dos DAS se aplicam a funcionários de carreira, e os 25% restantes são para altos cargos".

(Continua amanhã)

FONTE: O GLOBO

Um bom erro de estratégia:: Fernando Rodrigues

Tudo indica ter ocorrido uma barbeiragem das grossas no comando político do governo quando quase todos comemoraram a instalação da CPI do já chamado "Cachoeiragate". A tropa petista e seus agregados pareciam se lambuzar com o desejo de imolar os algozes do tempo do mensalão. Até a presidente Dilma Rousseff entrou na onda e se empolgou.

Num segundo momento, Dilma e o entorno palaciano despertaram do idílio. Qualquer um em Brasília sabe que não existe CPI boa para o governo. Por um simples motivo: CPIs são incontroláveis.

É óbvio que o governo instalará seus prepostos mais confiáveis nos cargos relevantes da CPI. Mas o volume e o conteúdo das informações não garantem em nada uma redução de danos para o Planalto. Sobretudo quando uma empreiteira investigada, a Delta Construções, recebeu mais de R$ 800 milhões em 2011 por obras executadas para a União -muito desse dinheiro relacionado a ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Dilma Rousseff, como se sabe, virou a mãe do PAC por designação de Lula. A empreiteira Delta é uma espécie de filha querida do principal programa de obras federais.

O escopo da CPI é amplo. A investigação vai apurar "práticas criminosas" descobertas pela Polícia Federal envolvendo Carlinhos Cachoeira e agentes públicos e privados. Ou seja, não escapa ninguém.

É evidente que não há como antever se a lama respingará com força ou não no Planalto. Mas é certo que muitos aliados políticos da presidente sairão chamuscados.

Se foi uma derrapada política para Dilma, o erro de estratégia governista ao incentivar a CPI do "Cachoeiragate" deve ser celebrado. De maneira inadvertida, o Planalto fez a coisa certa. Mesmo que ninguém seja preso, esse tipo de investigação é um destampatório a serviço de sanear um pouco a cena brasiliense.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Na Bolívia o Brasil põe mão em vespeiro :: Sergio Fausto

Encravada entre os Departamentos de Cochabamba e Beni, a reserva ecológica Territorio Indígena del Parque Nacional Isiboro Sécure encontra-se no centro de uma disputa política de grandes proporções na Bolívia. E o Brasil está envolvido nela.

Conhecido pela sigla Tipnis, o parque nacional é considerado também território original de povos indígenas que ali habitam desde tempos pré-hispânicos. Como tal, conta para sua proteção com mecanismos especiais definidos na Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, entre eles o que exige consulta prévia aos povos originários para qualquer intervenção estatal que possa afetar seus territórios.

A disputa política em torno do Tipnis expõe as contradições internas do governo de Evo Morales, que chegou ao poder na crista de dois movimentos profundos que sacudiram a sociedade boliviana desde os anos 1990 e terminaram por redesenhar radicalmente o mapa político do país na primeira década do deste século: o nacionalismo estatal-desenvolvimentista, de um lado, e o indigenismo, com tintas ambientalistas, de outro (ambos flertando com o exercício direto da soberania popular, via referendos).

O presidente que usou e abusou de expedientes pouco democráticos para aprovar uma Constituição reconhecendo direitos diferenciados aos povos originais da Bolívia é o mesmo que tomou, ao arrepio da Lei Maior, a decisão unilateral de ordenar a construção de uma rodovia de aproximadamente 300 quilômetros entre as cidades de Villa Tunari, em Cochabamba, e San Ignacio de Moxos, em Beni, sem considerar que havia o Tipnis no meio do caminho e sem explicar convincentemente os benefícios econômicos e sociais da obra. Nem preocupação ambiental nem respeito aos direitos ancestrais, muito menos consulta direta ao povo.

A decisão de Morales provocou reação de um amplo leque de forças, incluindo não apenas ambientalistas, dentro e fora do país, e os habitantes do Tipnis, mas também organizações indígenas da região oriental da Bolívia, além de ex-integrantes de seu partido, agora organizados no Movimiento Sin Medo. Quebrou-se a momentânea unidade que levou o presidente a eleger-se duas vezes, com maioria absoluta dos votos. Tornou-se evidente que seu projeto de poder se assenta não no heterogêneo conjunto dos povos originários, mas na maioria quíchua e aimara do ocidente boliviano (o Altiplano Andino) e nos produtores de folha de coca da região do Chapare, perto de Cochabamba, zona de plantio ilegal, cuja produção abastece o tráfico de drogas, em tese favorecido pela construção da rodovia. Além, é claro, das Forças Armadas, que Morales soube cooptar com prebendas e benefícios.

No final do ano passado, depois de uma longa marcha em protesto contra a construção da rodovia, organizações indígenas do oriente boliviano foram recebidas com flores em La Paz por milhares de pessoas que saíram às ruas para se solidarizarem com os manifestantes. Pouco antes de chegar à capital, integrantes da marcha foram duramente reprimidos pela polícia e pelo Exército. Na defensiva, Morales teve de recuar e se viu forçado a promulgar uma lei declarando o Tipnis "intangível". Mas o presidente não desistiu. Está empenhado em ganhar um referendo marcado para maio, em que votarão os habitantes da região diretamente afetada, questão controversa, entre outras razões, porque nos últimos anos se avolumaram invasões do parque por cocaleros do Chapare. Acusam Morales de estar comprando apoios com distribuição de benefícios a comunidades específicas para ganhar o referendo. Uma nova marcha de protesto está marcada para 20 de abril.

Nesse cenário politicamente carregado, a imagem do Brasil tem sofrido grande desgaste. É que a construção da rodovia está a cargo da empreiteira brasileira OAS e grande parte do financiamento da obra provém do BNDES (US$ 330 milhões, num total de US$ 440 milhões, uma enormidade para a Bolívia). Há acusações de toda sorte, desde superfaturamento da obra até sua suposta imposição ao governo boliviano para atender ao interesse brasileiro de obter uma saída para os portos chilenos no Pacífico. No ambiente conturbado que se formou, pouco importa a veracidade das acusações. Todas elas conspiram para reforçar a percepção de que o Brasil atua como potência imperial na Bolívia, imagem que tem profundas raízes históricas. Pouco importa também, depois do leite derramado, ter o BNDES congelado o financiamento do trecho que corta o Tipnis e dito que o descongelamento só virá se respeitadas condições ambientais suficientes. Na terça-feira, surgiu um fato novo, mas não surpreendente: Morales anunciou a anulação dos contratos firmados com a OAS para a construção da rodovia, na tentativa de desarmar a marcha de 20 de abril.

O imbróglio deve nos servir de lição. A decisão de financiar a obra com dinheiro do BNDES foi tomada por Lula em acordo direto com Morales. Ao BNDES incumbiu-se o financiamento da obra. À OAS, sua execução, em substituição a outra empreiteira brasileira, a Queiroz Galvão, a qual o governo boliviano acusava de não cumprimento do contrato - como agora faz com a OAS. Que o Brasil se estava metendo num vespeiro era mais do que óbvio. Assim como é clara imprudência nos lançarmos eventualmente à construção de uma hidrelétrica num afluente boliviano do Rio Madeira, promessa de Lula para que Morales aceitasse a construção de Jirau e Santo Antônio, do lado brasileiro do mesmo rio, não obstante os riscos ambientais para a Bolívia.

A lição a tirar é que voluntarismo político e apetite empresarial não fazem boa política externa. Não é fácil operar numa região em que alguns governos se comportam de maneira especialmente idiossincrática. Por isso mesmo, maior prudência e melhor compreensão das dinâmicas políticas locais não fariam mal algum ao Brasil.

Sergio Fausto, Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP,

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilema das Américas:: Míriam Leitão

Os governantes das Américas estão neste fim de semana na bela Cartagena das Índias, cidade colombiana, aberta para o mar, mas cercada por fortalezas históricas erguidas contra corsários e invasores. Abrir-se ou fechar-se tem sido o dilema dessa relação do Sul com o Norte do continente. Os dois projetos extremos dos últimos tempos - Alba e Alca - falharam. A região está fadada ao centro, ao equilíbrio.

A Alca naufragou no governo George Bush e o Brasil era o copresidente. O governo Lula considerou que seria um risco, uma capitulação ao poderio dos Estados Unidos e bombardeou a proposta sem mesmo negociar. Nunca se saberá até que ponto ela seria mesmo prejudicial aos interesses dos países do Sul, porque nem se chegou a entrar na proposta em si do acordo.

De qualquer maneira, a região conhece bem essa mistura de arrogância e desprezo com que os latino-americanos foram tratados pelo vizinho do Norte. Os detalhes são eloquentes. Tanto o "New York Times" quanto o "Guardian" notaram a falta do jantar de gala para a presidente Dilma. O jornal de Nova York tratou como uma curiosidade, já que destoa com o tratamento dado aos governantes da Coreia do Sul e da Índia. O jornal de Londres criticou os Estados Unidos por não terem entendido ainda a dimensão que o Brasil assumiu nos últimos tempos.

A Alba foi a proposta do outro extremo. Uma associação bolivariana com a intenção de, sob o comando de Hugo Chávez, unir a América espanhola contra os Estados Unidos. Conquistou apoios da Bolívia, Nicarágua e Equador. Mas não prosperou. Tudo em Chávez é mais retórica que concretude. Rafael Correa, do Equador, não confirmou presença na Cúpula, mas os outros da Alba, sim, inclusive o próprio presidente venezuelano, caso receba autorização médica.

No encontro dos líderes empresariais, que ocorrerá paralelamente, a presidente Dilma estará no principal painel dividindo a mesa com o presidente Barack Obama e o presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia.

Santos fez um importante movimento em direção ao centro, na Colômbia. Manteve a luta contra as Farc, mas sem as posições extremadas de Álvaro Uribe. Isso permitiu um relacionamento mais fácil com a Venezuela e, agora, a lenta rendição da guerrilha. O país começa assim a entrar em nova fase.

Num momento difícil está o México. Na economia, o país teve um baque com a crise de 2008, nos Estados Unidos. Por ser excessivamente dependente do mercado americano, o PIB do país despencou 5,4% em 2009. A recuperação foi rápida e no ano passado cresceu mais do que o Brasil. Mesmo assim, o México vem perdendo prestígio, como parte da tragédia que está sendo a guerra contra o tráfico. De acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR) do México, nos últimos cinco anos morreram no conflito com o narcotráfico mais de 47 mil pessoas, com aumento de 11% em 2011. Não se vê luz no fim do túnel. A imprensa que cobre o tema tem mostrado truculência dos dois lados sobre a população civil.

A Argentina vive um momento de retrocesso também. Esta semana, a presidente Cristina Kirchner voltou suas baterias contra a YPF, ameaçando inclusive a empresa, que pertence à espanhola Repsol, de reestatização. O ministro das Relações Exteriores da Espanha disse que, se as negociações com a Repsol forem suspensas, pode haver uma ruptura nas relações entre Espanha e Argentina. As brigas do governo com as empresas, o excesso de intervenção na economia, a manipulação de índices econômicos fazem o país ser visto como hostil ao investimento.

A violência do México, o estilo de governo da presidente argentina, a crise da Venezuela tornam incertas as perspectivas desses países que estão entre os grandes da América Latina. O Brasil não precisa do enfraquecimento dos outros para se destacar, mas pelo contraste fica ainda mais evidente a força da economia brasileira e a popularidade da chefe de governo.

É desta forma que a presidente Dilma desembarca em Cartagena. O recado antecipado dela foi que esta é a última cúpula sem Cuba. Pode parecer mais um arroubo ideológico, mas a inclusão de Cuba nas instituições que unem os países das Américas é uma antiga posição da política externa brasileira. Além disso, hoje, mais do que nunca, a exclusão de Cuba pode ferir interesse das empresas brasileiras que querem ter negócios na ilha e nos Estados Unidos.

É uma cúpula em que alguns países decisivos estão passando por transição. O presidente Obama continua sendo o favorito na eleição deste ano, mas é o fim de um mandato, que pode ou não se renovar. O presidente Hugo Chávez passará pela primeira eleição em que a oposição está unida. Seu principal inimigo não é a oposição, mas o câncer. Felipe Calderón, do México, chega ao fim do seu mandato impopular e vendo o velho PRI com chances reais de voltar ao poder.

Seria bom se as três Américas conseguissem intensificar as relações econômicas e comerciais, superando menosprezos e mal entendidos que no passado reduziram as chances de integração. De Cartagena se pode ver o mar aberto. Nas fortalezas, o velho arsenal para combater os que vinham do mar. Que nesse encontro os fortes sejam apenas o que são: belos prédios históricos e não símbolos da necessidade de fortalecer defesas contra o mundo exterior.

FONTE: O GLOBO

O consumo, bem à frente:: Celso Ming

O consumo interno é a lebre; a atividade produtiva, a tartaruga. A diferença de ritmo não se deve apenas ao investimento insatisfatório.

O IBGE mostrou que, em fevereiro, as vendas no varejo cresceram 9,6% comparadas com as de fevereiro de 2011 e 6,7% no período de 12 meses terminado em fevereiro (veja o gráfico). São números deflacionados. Refletem, portanto, evolução física.


Enquanto isso, o PIB segue bem atrás. O governo gostaria que, neste ano, avançasse mais do que 4,0%. E o Banco Central diz que não conseguirá mais do que 3,5%. No entanto, o arrasto de 2011 (quando o PIB avançou apenas 2,7%) parece ser o fator que segue contendo a produção interna.

Há dias, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, vem repetindo que a hora não é mais de puxar pelo consumo, mas de focar o investimento. Com isso, identifica um problema que tem atormentado o governo: o setor produtivo brasileiro vem sendo incapaz de acompanhar o aumento interno da renda.

A situação tende a desequilibrar as contas externas, à medida que o mercado interno se vê obrigado a se suprir cada vez mais de importações de mercadorias e alguns serviços (transportes, seguros, viagens, etc.). Por isso o rombo em Conta Corrente aumenta e tende a crescer. Foi de 1,5% do PIB em 2009; passou a 2,1%, em 2011; e tende a ser de 2,6%, em 2012.

O discurso oficial, de que o déficit cresce porque a indústria não investe e que, assim, não tem condições de suprir a demanda por bens de consumo, está truncado. A indústria não investe por não ter condições de competir com o importado, em consequência do altíssimo custo Brasil - e, para quem preferir, acontece também por causa do câmbio excessivamente valorizado que o governo não vai conseguir puxar para R$ 2,20 por dólar.

O problema é mais profundo. A falta de investimento também é consequência da insuficiência de poupança que, por outro lado, provém da política do governo, que privilegia o consumo em detrimento do investimento. Por trás disso está o entendimento (equivocado) de que basta criar demanda para que o investimento corra atrás. Já se vê que não é assim.

É postura diferente da que ocorre na Ásia. A maioria dos tigres asiáticos, fortes concorrentes do Brasil, poupa mais de um terço do que produz. A China, campeã do mundo, chega a 51% do PIB. Enquanto isso, o Brasil não poupa mais do que 16%. Essa naniquice está na base do baixo desempenho produtivo e da incapacidade do governo de determinar políticas.

Mas, afinal, como poupar mais? Sem focar nesse efeito, durante este governo Dilma a sociedade brasileira acaba de tomar decisão historicamente importante. O Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) começará a criar um bolão de poupança que só se transformará em consumo dentro de 30 anos. Iniciativas assim deverão ser multiplicadas pelas administrações estaduais e municipais. Isso não resolve tudo e é ainda pouco, mas pode ser o começo de uma virada também aí se o governo mudasse a atual postura consumista.

CONFIRA

O gráfico traz, trimestre a trimestre, a evolução do PIB anual da China.

Mais devagar. O avanço do PIB do primeiro trimestre do ano divulgado nesta sexta-feira ficou menor do que estava nas expectativas dos analistas: foi de 8,1% (e não de 8,3%). Parece diferença irrelevante, mas não é, em se tratando da segunda maior economia do mundo. No entanto, fator ainda mais importante para o desempenho econômico chinês dos próximos meses pode estar na mudança de governo, prevista para o início de 2013. Governo velho tende a mostrar serviço.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

No Rio, BB e Caixa não estão preparados para reduzir juro

Apesar da intenção do governo de usar bancos públicos para estimular a concorrência e reduzir os juros no país, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal demonstram estar mal preparados. Levantamento do Globo em agências do Rio, em busca das taxas mais baixas anunciadas nos últimos dias pelas duas instituições, mostrou que gerentes dão informações erradas ou desencontradas, em meio a longas esperas, relatam Lucianne Carneiro e Daniel Haidar. No BB, a taxa do cartão de crédito, que caiu para até 3%, ainda era informada como se estivesse em 13%. A presidente Dilma criticou os bancos brasileiros, dizendo que os spreads são entraves ao crescimento

Juros baixos difíceis de conseguir

Agências de BB e Caixa no Rio

Lucianne Carneiro

Apesar do investimento agressivo em publicidade e da intenção do governo Dilma Rousseff de usar os bancos públicos para estimular a concorrência e reduzir os juros do sistema bancário brasileiro, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal demonstram estar mal preparados para o desafio. Levantamento feito ontem pelo GLOBO em oito agências no Centro e na Zona Sul do Rio - quatro do BB e quatro da Caixa - em busca de informações sobre as novas taxas, que foram anunciadas nos últimos dias, resultou em dados desencontrados ou errados, além de longas esperas. Banco do Brasil reconheceu que que não houve tempo para os gerentes conhecerem o programa Bom para Todos, nem para o treinamento dos funcionários.

Gerentes de duas agências do Banco do Brasil informaram que a taxa de juros para o cartão de crédito está em torno de 13%, enquanto quem aderir ao programa Bom para Todos - com salário, aposentadoria ou benefício recebido pela instituição - pode ter acesso a taxas de até 3%. Até para abrir conta - o que deveria ser um dos objetivos dos bancos - é preciso vencer a burocracia. Em duas unidades, os interessados devem agendar o horário e o dia. Em uma agência de Copacabana, o número de aberturas está limitado a três por dia e a primeira data disponível era 25 de abril.

- Deram esse guia com informações ontem (quinta-feira), mas já teve muita discussão e dúvida entre a gente hoje (ontem) sobre as taxas - disse o funcionário de uma agência.

O crédito direto ao consumidor (CDC) não teve redução no BB, mas mesmo sem novidade os funcionários não souberam informar ao GLOBO as taxas mínima e máxima praticadas. Outra negativa foi ao pedido de simulação do custo de um financiamento para um cliente com renda de R$ 6 mil. Os funcionários alegaram que não conseguiam estimar o custo do crédito para quem não é correntista, apesar de isso ser possível em outros bancos.

As longas esperas para quem visita o banco em busca de informações sobre abertura de conta foram um problema tanto no BB quanto na Caixa, de 50 minutos e uma hora, respectivamente. A questão é que quem quer abrir uma conta entra na mesma fila de quem quer renegociar empréstimo, tirar dúvida sobre o extrato ou obter o informe do Imposto de Renda, por exemplo.

- Já tenho uma poupança, mas vim saber informações para abrir uma conta e as taxas de crédito, principalmente para a construção. Soube dos cortes dos juros e fiquei interessado - afirmou o advogado aposentado Francisco Assumpção, que passou mais de uma hora na fila da Caixa.

Para confederação, faltam bancários

Na Caixa Econômica Federal, apesar de os funcionários estarem mais bem informados sobre as reduções nas taxas e de haver folhetos e cartazes sobre os cortes, há problemas.

A menor taxa do cheque especial da Caixa - que agora varia entre 1,35% e 4,27% ao mês -, no entanto, parece estar restrita a poucos. Segundo uma das gerentes, para ter direito à taxa menor o cliente precisa ter 2.500 pontos pelo sistema de classificação do banco.

- É um pouco impossível - admitiu a funcionária, explicando que um cliente com depósito na poupança de R$ 10 mil recebe apenas dez pontos pela classificação.

O funcionário público estadual Maxwell Ferreira quer transferir a dívida acumulada no crédito consignado de outros bancos, que chega a custar 1,5% ao mês:

- Um empréstimo com juro menor dá para, pelo menos, reabilitar R$ 100 do meu salário.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro, os problemas encontrados são resultado de falta de funcionários e de orientação fraca:

- O número de bancários até cresceu em 2011, mas foi insuficiente para atender à maior demanda puxada pela economia. Os bancos públicos estão corretos em reduzir juros, mas isso precisa ser feito com mais funcionários e treinamento.

O Banco do Brasil informou também que as divergências no atendimento se devem à recente implantação do programa e ao aumento de clientes nos últimos dias e que vai reforçar as orientações para a padronização do atendimento. Já a Caixa afirmou que está preparada para atender atuais e novos clientes, e vem ampliando sua rede.

(*) Colaborou Geralda Doca

FONTE: O GLOBO

A vida e a vida de Jorge Amado:: Ana Maria Machado

O autor fazia questão de dizer que “Navegação de cabotagem” não é um livro de memórias. Segundo Jorge Amado, tratava-se apenas de “Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei”. É essa a denominação que escolheu para subtítulo da obra. Grande saída, belo exemplo de baianidade — podem dizer alguns. Assim, não precisou se preocupar com ordem cronológica, verificação de datas, nomes de lugares ou pessoas citadas, ou com a exatidão minuciosa de todo e qualquer detalhe concreto verificável por jornalistas curiosos ou historiadores futuros. Ficou dispensado de preencher lacunas. Avisou desde as primeiras páginas que não assumia qualquer responsabilidade pela precisão das datas. Pronto, ficou livre de cobranças.

O resultado acabou sendo um livro gostosíssimo de ler, saltitante de um assunto para outro como tico-tico no fubá, e sem qualquer compromisso com um encadeamento narrativo. Evidentemente, não é uma autobiografia. Também não são memórias no sentido estrito do gênero literário. Tampouco é uma obra de ficção — a não ser na medida em que Jorge Luis Borges já alertava: toda memória é uma seleção recontada e, portanto, uma narrativa ficcional.

As reminiscências evocadas, porém, constituem um belo livro de lembranças compartilhadas. Trazem o tempo reencontrado na memória e oferecido ao leitor, aos 80 anos do autor, num tom de prosa na varanda. Ou no convés de um pequeno navio, de porto em porto, como se viajava na juventude do autor, num país cujas distâncias não se venciam por rodovias ou ferrovias. Para ir de uma cidade a outra embarcava-se num daqueles vapores de navegação costeira chamados Itamaracá, Itapemirim, Itaiatuba. Um tempo em que o jovem provinciano que sonhasse com os grandes centros tinha de fazer como na canção do parceiro Caymmi: “Tomei um Ita no Norte/ Pra vir pro Rio morar/ Adeus meu pai, minha mãe,/ Adeus Belém do Pará”.

Enquanto desliza pelos mares desse tempo, Jorge Amado vai contando casos, celebrando os amigos, revelando sua concepção do mundo e do Brasil, numa conversa interessantíssima e irresistível. Aqui afloram indiscrições sobre os bastidores do Nobel, ali acompanhamos a convivência com os grandes de seu tempo (como Picasso, Neruda, Sartre), acolá revivemos as contradições do período Vargas e da redemocratização de 1945, mais adiante participamos da dor das perdas de ilusões políticas ou aprendemos como funcionavam as confrarias partidárias — naquele contexto a que recentemente se referiu de maneira divertida João Paulo Cuenca em mesa-redonda em Nova York, ao dizer que queria ter sido um escritor comunista em meados do século XX, porque poderia viajar pelo mundo inteiro com a certeza de se enturmar com os grandes nomes da cultura local e encontrar todas as portas abertas para sua obra. As indiscrições eróticas saem pela tangente ficcional: o autor dá a todas as personagens dessas situações o nome de Maria e se concentra elegantemente nos episódios anteriores à entrada de Zélia Gattai em sua vida.

Ao mesmo tempo, nos encharcamos de Brasil. Sobretudo, dessa capacidade nossa de fundir dualidades, que Jorge Amado encarna tão bem. Simultaneamente incapaz de tolerar o menor atentado à liberdade e capaz de ser amigo de pessoas das mais variadas posições no espectro político. Ao mesmo tempo, cosmopolita e obá no candomblé (em língua iorubá, sábio da sabedoria do povo), avesso a qualquer purismo venha ele de onde vier, celebrante da mestiçagem cultural como a grande contribuição que o Brasil tem a dar ao mundo. Um sujeito de bem com a vida, a confessar candidamente: “Nenhum de meus detratores, esses tantos que não perdem vaza para dizer mal de mim, sabichões cuja missão crítica é negar qualquer valor a meus livros, nenhum deles conhece tão bem minhas limitações de escritor quanto eu próprio, delas tenho plena consciência, não permito que me iludam os ouropéis e os confetes. Sei também, de ciência certa, existir nas páginas que escrevi algo imperecível: o sopro de vida do povo brasileiro. Não carrego vaidade, presunção, e sim, orgulho.”

É disto o que esse livro de Jorge Amado nos recorda: sua imprecisa cabotagem é uma navegação de que o país precisa.

Ana Maria Machado é escritora, presidente da Academia Brasileira de Letras, autora de “Romântico, sedutor e anarquista — Como e por que ler Jorge Amado hoje” (Objetiva)

FONTE: PROSA & VERSO/ O GLOBO

Pensamentos Nocturnos:: Goethe

Lastimo-vos, ó estrelas infelizes,
Que sois belas e brilhais tão radiosas,
Guiando de bom grado o marinheiro aflito,
Sem recompensa dos deuses ou dos homens:
Pois não amais, nunca conhecestes o amor!
Continuamente horas eternas levam
As vossas rondas pelo vasto céu.
Que viagem levastes já a cabo!,
Enquanto eu, entre os braços da amada,
De vós me esqueço e da meia-noite.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Canções"
Tradução de Paulo Quintela