sexta-feira, 11 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA: Pedro Taques: CPI

"Querem transformar a CPI do Cachoeira na CPI do Gurgel e da mídia. Quero saber por que a Delta recebeu R$ 5 bilhões do PAC e foi vendida em 35 dias. Parece algo de fachada."

TAQUES, Pedro, senador (PDT-MT), Folha de S.Paulo/Painel, 10/5/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
MP diz que a venda da Delta é ilegal e imoral, e abre inquérito
As desprotegidas áreas verdes da Rio+20
Um professor é o novo xerife da Copa
Dilma usa Banco do Brasil para acalmar PR
Surge, enfim, a Comissão da Verdade
Indústria terá tarifa menor de energia

FOLHA DE S. PAULO
Traficante poderá responder ação em liberdade, diz STF
Júri condena três pela morte de Celso Daniel
Dilma indica grupo que vai investigar crimes na ditadura
Ministros do Supremo defendem procurador
Tucano fez negócios com Cachoeira, diz delegado à CPI

O ESTADO DE S. PAULO
STF "blinda" procurador pressionado por petístas
Taxa de administração de fundos no BB cai até 40%
STF decide que liberdade provisória vale para traficante
Dilma escolhe membros da Comissão da Verdade

VALOR ECONÔMICO
Crédito cai com arrocho de bancos e menor demanda
Deus entra em campanha na Venezuela
Receita descobre fraudes com créditos tributários
Ensino superior
Argentina enfrenta greves

CORREIO BRAZILIENSE
Caso Cachoeira faz MP denunciar 8 em Brasília
Quem vai investigar os crimes da ditadura
Deputados resistem ao fim do 14° e 15°

ESTADO DE MINAS
Economia de R$ 12.626.712,90
Sindicato frauda o "Minha Casa"
Cachoeira: Esquema do bicheiro chegava ao exterior

ZERO HORA (RS)
Projeto prevê reajuste de até 140% em taxas do Detran no Estado
Comissão da Verdade ganha rosto

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Juros caem nos bancos do governo
Preço de hotéis do Rio estaria afastando delegações da cúpula ambiental

MP diz que a venda da Delta é ilegal e imoral, e abre inquérito

O Ministério Público Federal no Rio abriu inquérito civil público para apurar irregularidades na venda da construtora Delta, investigada por fraudes e alvo da CPI do Cachoeira, à J&F Holding. O foco da investigação é a participação do BNDES na maior empresa da holding, a JBS. "Caso se concretize esse negócio, por força de sua participação acionária no grupo JBS, o BNDES, em evidente afronta aos princípios de legalidade e moralidade, irá inexoravelmente participar de empresa sobre a qual recaem notícias da prática de graves ilicitudes e que se sujeita a ser declarada inidônea para contratar com o poder público", afirma o procurador Nívio de Freitas. O BNDES diz que não foi consultado e que, mesmo que a venda se concretize, não será sócio da Delta. Ao depor na CPI, o delegado da PF Matheus Mella Rodrigues, coordenador da Operação Monte Carlo, complicou a situação do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Segundo o delegado, a casa de Perillo foi vendida a Cachoeira por meio de um intermediário e teria sido paga com cheques. A defesa de Cachoeira acompanhou o depoimento, o que causou polêmica na CPI

Venda da Delta está sob suspeita

Para Ministério Público, operação afronta princípios da legalidade e da moralidade

Marcio Beck

LIGAÇÕES PERIGOSAS

O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pediu abertura de inquérito civil público para apurar possível irregularidades na venda da Delta Construções, investigada por fraudes e alvo da CPI do Cachoeira, ao grupo J&F Holding. Para o procurador regional da República Nívio de Freitas Silva Filho, a participação de 31,4% do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na JBS S.A., principal empresa controleda pela holding, motivo para que o caso seja apurado "com urgência".

- Caso se concretize esse negócio, por força de sua participação acionária no grupo JBS, o BNDES, em evidente afronta aos princípios da legalidade e moralidade, irá inexoravelmente participar de empresa sobre a qual recaem notícias da prática de graves ilicitudes e que se sujeita a ser declarada inidônea para contratar com o poder público - diz Silva Filho.

Segundo Nivio de Freitas, é necessário garantir que os dirigentes da "Delta não fujam da responsabilidade patrimonial da empresa pelos eventuais danos causados, transferindo-os ao credor", ou seja, a administração pública, e evitar que o BNDES continue a fazer empréstimos a uma empresa que "sujeita-se a ser declarada inidônea para contratar com o poder público", como afirma no ofício solicitando a investigação, a que O GLOBO teve acesso. A Delta afirmou que as perguntas deveriam ser endereçadas à J&F, que está assumindo a empresa. A J&F não se pronunciou sobre a investigação.

- Queremos garantir que o BNDES não venha a aportar, por vias transversas, recursos que sejam usados para a compra da Delta - afirma Silva Filho. O procurador que assumir o caso poderá pedir, em caráter liminar, a suspensão da negociação, fazer uma recomendação ao banco para que não sejam realizadas novas operações, bem como pedir a indisponibilidade dos bens dos investigados - explica.

Procurador questiona Delta

A motivação da Delta para abandonar os consórcios responsáveis pelas obras do estádio do Maracanã - que está sendo preparado para receber jogos da Copa de 2014 - e da Transcarioca - corredor exclusivo de ônibus que ligará a Zona Norte à Zona Oeste da capital - também é colocada sob suspeita pelo procurador regional.

- É inusitado que a Delta, atuando de forma completamente atípica, tenha vindo a se retirar do consórcio responsável pelas obras da Transcarioca e do Maracanã, abrindo mão de expressivas receitas, ao passo que construtoras do mesmo porte buscam acumular contratos públicos - afirma ele, que no documento ressalta que a atuação da Delta vinha sendo exatamente oposta, ou seja, de buscar mais contratos, o que aponta para uma decisão tomada fora da diretoria da construtora, por "poderosos elementos exógenos".

A Delta tinha 30% de participação no consórcio que cuida da reforma do Maracanã, junto com Odebrecht Infraestrutura (49%) e a Andrade Gutierrez (21%). As obras estão orçadas em R$ 859 milhões. Na Transcarioca, a Delta detinha 42% de participação, junto com a Andrade Gutierrez (58%), em contrato no valor de R$ 798,4 milhões.

O procedimento será instaurado no Rio, onde está instalada a sede da Delta, e será levado adiante pela área de Patrimônio - a mesma responsável por suspender no ano passado um outro inquérito civil público para investigar a compra de R$ 3,5 bilhões em debêntures (título emitido por empresas em troca de empréstimos) da JBS pelo BNDES, que acabou sendo arquivado.

O procurador da área, Carlos Alberto Bermond Natal, informou que o arquivamento está sendo avaliado pelo MPF em Brasília.

- A operação realizada pelo BNDES estava de acordo com a Política de Desenvolvimento Produtivo estabelecida pelo Governo Federal, da qual o BNDES é uma das agências estatais coordenadoras, e que a situação financeira da JBS e quando da subscrição pela BNDESPAR não era falimentar como constou da representação - diz o procurador.

A Delta não quis se pronunciar sobre as investigações. A direção da J&F Holding , por sua vez, não quis comentar a apuração. A direção da J&F Holding deve anunciar hoje o nome do novo presidente da Delta Construções. A holding informou que, mesmo com a mudança na direção, a Delta Construções continuará a disputar, em respeito à legislação vigente, licitações públicas.

Depois de caírem 4,53% na terça-feira, quando foi anunciada a compra da Delta, as ações ON da JBS, principal empresa do grupo J&F na holding, fecharam a quinta-feira em alta de 0,56% na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), cotadas a R$ 7,14.

Colaborou Gustavo Uribe

FONTE: O GLOBO

Compra da Delta foi fechada após 10 dias de negociação

Natuza Nery

SÃO PAULO - "Parabéns, você acaba de comprar uma bela empresa", disse Fernando Cavendish, na última segunda-feira, ao fechar a venda da empreiteira Delta, uma herança de seu pai agora no centro do escândalo Carlinhos Cachoeira.

A negociação começou no fim de abril, quando o empreiteiro recebeu recado de um emissário do banco JPMorgan: Joesley Batista, presidente da holding J&F, queria encontrá-lo para uma oferta. O convite foi logo aceito e, no dia 28, os dois finalmente foram apresentados.

Batista ofereceu um almoço na sua casa em São Paulo. Começava ali a negociação relâmpago.

Joesley não queria perder o negócio. Há tempos pretendia entrar na área da construção civil. Viu na fragilidade da Delta a oportunidade de desembolsar nada, ou muito pouco, e entrar num ramo pródigo em contratos estatais.

Cavendish também tinha pressa. A CPI já discutia transformar a Delta em foco das investigações por conta das relações de executivos, em especial Cláudio Abreu, com Cachoeira.

Menos de 24 horas após o primeiro encontro, Joesley Batista desembarcava no Rio para um jantar na casa do empresário.

No dia seguinte, foi à sede da Delta conhecer a empresa. Cavendish mostrava as dependências da companhia e, frequentemente, mexia no cinto como quem tenta apertá-lo. Ele já emagreceu cerca de 10 kg em quatro semanas, dizem os poucos amigos que ainda o veem.

O negócio com J&F, controladora do frigorífico JBS, só não foi fechado naquela semana porque faltava algo importante: medir a temperatura do governo.

A missão coube a Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central. Hoje à frente do conselho de administração da holding, ficou encarregado de consultar o ex-presidente Lula. Segundo interlocutores de Cavendish, o encontro ocorreu na última sexta-feira, três dias antes da assinatura do contrato.

Procuradas, as assessorias de Lula e de Meirelles negaram a conversa.

"Pode ficar tranquilo, a Delta está bem", repetiu Cavendish diversas vezes ao comprador. Joesley Batista assinou o documento na última segunda-feira. Os dois se abraçaram, mas sem grande exaltação.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governo deu aval a negócio com Delta, diz empresário

Para dono da JBS, objetivo é "salvar" construtora e evitar paralisia de obras

Possibilidade de empreiteira ser declarada inidônea é "conversa de gente que não sabe nada"

Catia Seabra

BRASÍLIA - O empresário José Batista Júnior, um dos controladores do frigorífico JBS, disse ontem que o governo foi consultado e deu aval à decisão de sua família de comprar a construtora Delta para impedir a paralisia de suas obras.

"O governo quer que salve a companhia e dê continuidade às obras. Não quer que quebre a empresa", disse o empresário, o primogênito da família Batista.

Júnior, como ele é mais conhecido, presidiu a JBS por 25 anos e é conselheiro da J&F, a holding familiar que controla a JBS e anunciou nesta semana que assumirá o controle da Delta.

O empresário chamou de "conversa de bêbado, de louco" a versão de que a holding teria negociado a compra sem consentimento do governo Dilma Rousseff.

"Imagina que o doutor Henrique Meirelles [ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da holding] vai fazer um negócio que o governo não quer! 99% da carteira da Delta é com governo federal, estadual, municipal. Como vai fazer um negócio desses?", afirmou ele.

E acrescentou: "Zero chance de fazermos uma loucura dessas. Como comprar uma empresa sem contrato? Ninguém compra".

O discurso de Júnior contraria a informação de interlocutores de Dilma de que ela desaprova a operação. Afronta ainda manifestação oficial da J&F descartando prévia consulta ao governo.

"A J&F não procurou o governo. E não haveria por que, pois se trata de uma operação privada, não política. A empresa vai continuar concorrendo nas licitações, conforme a lei 8.666", disse ontem a assessoria da holding.

A construtora Delta enfrenta dificuldades por causa de seu envolvimento com o empresário Carlinhos Cachoeira, que foi preso em fevereiro e é acusado de comandar um esquema de corrupção.

Investigações conduzidas pela Polícia Federal sugerem que o grupo de Cachoeira defendeu interesses da empresa e a ajudou a obter contratos em vários Estados.

Embora integrantes do governo digam que essa é a tendência, Júnior disse duvidar da possibilidade de a Delta ser declarada inidônea, o que esvaziaria o atrativo comercial da empreiteira que mais recebe verbas orçamentárias do Executivo desde 2007.

"Isso é conversa de gente que não sabe nada. Viu alguém falar isso no governo? Você sabe que tem muitas construtoras querendo comprar a Delta."

CONFIANÇA

Questionado sobre os contatos entre seu irmão caçula, o atual presidente do grupo, Joesley Batista, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, Júnior disse que Meirelles foi quem conduziu a negociação.

"A JBS é uma empresa em que o governo brasileiro confia, a J&F. É o governo brasileiro. Não é o Guido Mantega. Todos os ministérios, todos os órgãos federais, confiam no que estamos fazendo."

Com o sonho de se eleger governador de Goiás, Júnior filiou-se em julho do ano passado ao PSB. Nos primeiros meses do ano, chefiou a agência de promoção do governo de Marconi Perillo, do PSDB, um dos políticos cujo relacionamento com Cachoeira foi exposto pelas investigações da Polícia Federal.

Em 2006, conversas gravadas pela polícia durante uma investigação sobre prática de cartel entre frigoríficos minaram o plano de Júnior de concorrer ao governo.

Questionado se a operação de compra pode atrapalhar seus projetos políticos, afirmou que, "ao salvar obras do PAC, a JBS dá uma demonstração de responsabilidade". Ele disse não conhecer Carlinhos Cachoeira.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Planalto procura se distanciar de negócio Delta/J&F

Governo avalia que ligação com construtora investigada na CPI por corrupção colocaria em risco imagem da presidente Dilma

David Friedlander

O governo tenta manter distância da operação de venda da construtora Delta para a holding J&F. A avaliação dentro do Palácio do Planalto é que se trata de um campo minado. De um lado, a Delta sofre uma série de investigações por suposto envolvimento em corrupção. Na outra ponta está a J&F, dona do Frigorífico JBS, que teve crescimento espetacular durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem como sócio o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por causa dessa mistura, a presidente Dilma Rousseff não quer ter sua imagem associada ao negócio, confirmado oficialmente na quarta-feira. Assessores do Planalto afirmam: Dilma não foi consultada antes da operação e o governo não deu garantias de que manteria as obras tocadas pela Delta.

Além disso, dizem que não haverá interferência na auditoria que a Controladoria-Geral da União (CGU) faz nos contratos da Delta e que podem levar a empresa a ser considerada inidônea. Se isso acontecer, a construtora perde os contratos com o setor público. A Delta também é investigada pela Polícia Federal e está no centro da CPI do Cachoeira – que investiga um esquema de corrupção comanda-do pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. “Tudo o que o governo quer é ficar longe da CPI”, diz uma fonte graduada do governo, que acompanha o episódio. “Como é que a gente ia dar aval para colocar uma empresa enrolada em investigações que ninguém sabe onde vão dar nas mãos de outra que tem ligação com o BNDES? Contraria a imagem que a presidente construiu até agora.” Por meio de sua assessoria de imprensa, a J &F afirmou que “não se trata de um assunto político”, é “uma negociação privada” e por isso “não há necessidade de consultar o governo”. A empresa argumenta ainda que “não espera nenhum benefício do go-verno”. Fontes do lado do JBS, no entanto, dizem que o governo foi informado do negócio antes que ele fosse acertado – até porque é o maior cliente da construtora, uma das mais atuantes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No mercado, especula-se que ao assumir a Delta e não deixar as obras do PAC atrasarem, a J&F estaria fazendo um favor ao governo e retribuindo todo o apoio que o JBS recebeu do BNDES nos últimos anos. Mas, do jeito que foi montada, a compra da Delta é uma operação de risco controlado para a J&F. A J&F vai assumir a construtora sem pagar nada agora. A empresa vai passar por uma auditoria para avaliação do preço e, lá na frente, se der tudo certo e a operação for rentável, o ex-dono da Delta, Fernando Cavendish, será pago com os dividendos da própria operação. Principal empresa do grupo J&F, da família Batista, o JBS transformou-se no maior frigorífico do mundo a partir de uma política agressiva de aquisição de concorrentes no Brasil e no exterior, com apoio do BNDES. O banco emprestou R$ 1,4 bilhão à empresa entre 2008 e 2011, e nos últimos cinco anos injetou outros R$ 8 bilhões via BNDES-par, seu braço de participações. De tanto colocar dinheiro na empresa, hoje o banco federal é dono de 31,4% do JBS – que virou símbolo da política de criação dos chamados “campões nacionais” do governo Lula. A partir do sucesso do JBS, a família Batista está espalhando seus negócios para novas áreas. Os Batista estão construindo em Mato Grosso do Sul a Eldorado, apresentada como a maior fábrica de celulose de eucalipto do mundo.

Estatais. O BNDES emprestou mais R$ 2,7 bilhões para esse empreendimento, que ainda tem como sócios os fundos de pensão das estatais Petrobrás (Petros) e Caixa Econômica Federal (Funcef). A J&F ainda tem a Flora, da área de higiene e limpeza, e o banco Original, que em 2011 recebeu R$ 850 milhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para comprar o Banco Matone.

VERBA PÚBLICA NAS EMPRESAS DA HOLDING

2007
O BNDES subscreve R$ 1,1 bilhão em ações do Grupo JBS, para apoiar a empresa na aquisição da Swift & Co, dos EUA

2008
O banco subscreve R$ 1 bilhão em ações para apoiar a aquisição de outras duas companhias norte-americanas.

2009/2010
Como forma de viabilizar a aquisição de uma empresa dos EUA, o grupo emitiu R$ 3,4 bilhões em debêntures. O BNDES adquire 99,9% dessa papelada.

2011
O BNDES aprova R$ 2,7 bilhões para a Eldorado Celulose e Papel, empresa do grupo, para financiar a construção de uma fábrica em Três Lagoas (MS).

2012
O BNDES tem hoje 31,4% da JBS.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tem boi na linha:Delta/J&F/BNDES

O que era para ser um negócio estritamente privado tem tudo para ser mais uma das tenebrosas transações sustentadas por dinheiro do contribuinte. A compra da Delta pelo grupo J&F põe o BNDES, e, portanto, o governo, como sócio e credor de uma carteira de obras recheada de suspeitas de corrupção. Tem boi nesta linha.

Em tudo a operação montada para repaginar a Delta e tirá-la do foco das investigações relacionadas ao bicheiro Carlos Cachoeira cheira a grossa armação com digitais do Palácio do Planalto -ainda que este negue. O grupo comprador não só tem no BNDES um parceiro camarada, como também é comandado por Henrique Meirelles, ex-presidente do BC de Lula.

Do mesmo jeito que subiu de maneira meteórica, a Delta despencou. Em velocidade igualmente sideral, mesmo em sérias dificuldades, arrumou um comprador de peso, disposto a assumir os negócios de uma empresa prestes a ser considerada inidônea - e, portanto, proibida de ser contratada pelo poder público. Por que alguém se meteria num lance tão arriscado?

Em manchete, o sempre comedido Valor Econômico permitiu-se classificar o negócio de "inusual". Segundo comunicado oficial da empresa, a aquisição da Delta pela J&F só será sacramentada após auditoria na companhia, que não tem prazo para terminar. Só então serão definidos valor e forma de pagamento. O negócio pode até sair de graça.

Empurrar o desfecho para um futuro incerto é a forma ideal de tirar a transação de perto dos olhos do público: daqui a um tempo, a Delta pode não estar mais no foco da imprensa e ficará mais fácil o BNDES, ops, a J&F fechar o negócio, expandindo uma parceria público-privada que já chega hoje à casa de R$ 8,1 bilhões - cifra que, dependendo do cálculo, alcança R$ 13,3 bilhões.

Isto seria um problema rigorosamente privado se o BNDES não fosse o principal sócio dos compradores: o banco detém 31,41% do capital do frigorífico JBS, empresa sob o controle da J&F Holding e que responde por 96,6% da receita líquida do grupo. Ou seja, é dinheiro do contribuinte o que está sendo usado na operação de socorro à Delta.

E para quê? Para assumir uma empresa que, comprovadamente, desviou recursos públicos para alimentar uma teia de corrupção em torno do grupo contraventor de Carlinhos Cachoeira. Uma empresa que, em dez anos, saiu do limbo para ser a sexta maior construtora do Brasil, não se sabe por que meios. Uma empresa que detém R$ 4,7 bilhões em contratos, 99% deles com o poder público, conquistados de forma muitas vezes suspeitamente tortuosa.

Nos últimos anos, BNDES e BNDESPar se meteram numa série de negócios, financiamentos e empréstimos ao JBS. Jamais se ouviu explicação razoável do banco sobre as razões pelas quais despeja tanto dinheiro público num grupo cujas investidas empresariais têm se mostrado tão temerárias - e cujas ações em bolsa dão notória dor de cabeça a seus detentores.

"O JBS vai fazer agora um grande favor ao governo e um grande negócio, ao mesmo tempo. Até então, o grupo tinha feito grandes negócios com favores do governo", comenta Miriam Leitão n'O Globo. "(O BNDES) é o começo do grupo e seu principal ativo".

Com este providencial empurrão de dinheiro público, o grupo J&F tornou-se gigantesco - sua receita líquida é hoje de R$ 62,7 bilhões. E espraiou-se por setores tão diversos quanto díspares: além do frigorífico JBS, a holding está presente em negócios de celulose e papel (Eldorado), alimentos (Vigor), higiene e limpeza (Flora) e financeiros (Banco Original).

O Planalto enxergou risco de encrenca e fez circular ontem que "não aprova" a operação. Se é assim, é o caso de acionar o comando do BNDES e determinar que o banco, como principal sócio da J&F, não aceite dar prosseguimento ao negócio. Se o procedimento não for este, o governo estará dando total aval à transação.

Os interesses da J&F e o petismo não estão irmanados somente por laços financeiros. Um dos sócios do grupo, José Batista Júnior, filiou-se há menos de um ano ao PSB e já se arma para disputar o governo de Goiás em 2014. Para enfrentar quem? Marconi Perillo, um dos alvos prediletos de Lula e seus asseclas.

Para completar a rocambolesca e em tudo suspeita história, teremos agora a esdrúxula situação em que o principal programa de obras do governo, o PAC, terá como principal executora uma empresa que tem como principal sócio o BNDES. Ou seja, o banco oficial financia, o governo paga, a "nova" Delta recebe e de lá continua a desviar. É o círculo vicioso perfeito.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela, 10/5/2012

STF "blinda" procurador pressionado por petístas

Alvo de integrantes da CPI do Cachoeira com ligações com os mensaleiros, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi "blindado" ontem pelo Supremo Tribunal Federal. Ministros do STF deixaram claro que o procurador-geral não deve ir à CPI para explicar por que não abriu em 2009, durante a Operação Vegas, da Polícia Federal, um inquérito para investigar o envolvimento de políticos com o contraventor Carlinhos Cachoeira. Sob ameaça de ser convocado, Gurgel relacionou a pressão que sofre ao julgamento do mensalão e afirmou que sua estratégia foi aguardar mais indícios contra os políticos para instaurar o inquérito. O ministro Gilmar Mendes afirmou que é "evidente" que o procurador não deve ir à CPI

Supremo blinda procurador-geral e ministros criticam convocação por CPI

Caso Cachoeira. Sob pressão de integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito que insistem em convocá-lo para depor, Roberto Gurgel é respaldado pela Corte Suprema; "Está descambando para o lado pessoal. Não é bom", alerta o ministro Marco Aurélio Mello

Felipe Recondo

BRASÍLIA - Alvo de integrantes da CPI do Cachoeira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi blindado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Parlamentares da base aliada, especialmente do PT, agem na CPI para convocar Gurgel a dar explicações sobre suposta prevaricação nas investigações que revelaram as primeiras ramificações políticas do esquema criminoso comandado pelo contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Ministros do STF deixaram claro que o procurador-geral não deve ir à CPI para explicar por que não abriu, em 2009, durante a Operação Vegas, da Polícia Federal, um inquérito para investigar o envolvimento de políticos com Cachoeira. Sob ameaça de ser convocado, Gurgel relacionou a pressão que sofre ao julgamento do mensalão – disse que parlamentares da CPI defendem interesses de réus – e afirmou que sua estratégia foi aguardar mais indícios contra políticos para instaurar o inquérito. A controvérsia sobre a possibilidade de convocar o procurador-geral, em última instância, pode chegar ao STF, a quem caberá a palavra final se Gurgel deve ou não ir à CPI.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que é "evidente" que o procurador-geral não deve ir à Comissão Parlamentar de Inquérito para explicar sua atuação. "Claro que não", respondeu ele. O ministro Joaquim Barbosa afirmou não haver razões para convocar o Gurgel. "Não há por que convocá-lo para explicar suas atribuições, que são constitucionais", afirmou Barbosa. "Está descambando para o lado pessoal. Não é bom", emendou o ministro Marco Aurélio Mello. "Convocar o procurador-ge-ral da República para falar à CPI poderia criar nulidades ao processo. Como acusador, o procurador não poderia falar como testemunha ou antecipar algum juízo de valor antes de concluídas as investigações", acrescentou, sob reserva, outro ministro. Gilmar Mendes afirmou que o procurador pode retardar a abertura de uma investigação se considerar esta a melhor estratégia. Gurgel afirma que não começou a investigar o senador Demóstenes Torres (ex-DEM, sem partido-GO) em 2009 porque não teria indícios suficientes de sua vinculação ao esquema de Cachoeira. O inquérito só foi aberto neste ano, depois de os fatos se tornarem públicos. "Evidente que a Procuradoria-Geral da República pode ter sua estratégia em relação a isso", afirmou Gilmar Mendes. "Tenho a impressão de que há uma certa excitação até mesmo da imprensa e plantação notória. Grupos políticos manipulando as próprias notícias", acrescentou.

Pressão. Integrantes do PT consultaram advogados para saber se seria legalmente possível convocar Gurgel para falar à CPI. A resposta foi negativa. Como investigador, o procurador não pode falar como testemunha. Os ministros do Supremo, além de se manifestarem sobre a possibilidade de convocação de Gurgel, saíram em defesa de sua atuação. "É um servidor do Estado inatacável", disse Joaquim Barbosa. Na quarta-feira, o presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto, disse que Gurgel é uma "pessoa que nós temos a mais alta e sincera admiração". Gurgel atribuiu aos réus do mensalão as críticas que têm recebido. "São críticas de pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão." "É compreensível que pessoas ligadas a mensaleiros queiram atacar o procurador-geral. Eu acho que, se não réus, protetores de réus do mensalão estão como mentores (das críticas)", disse. Gurgel não quis nominar os responsáveis pelas críticas que têm sido feitas a ele. Disse apenas, ao ser questionado se seria o ex-ministro José Dirceu, que é "notório quem está por trás". Gilmar Mendes concordou que as críticas podem ter relação com o mensalão. "Tenho a impressão de que sim (que há relação) . Há uma expectativa em torno disso, são pescadores em águas turvas, pessoas que querem misturar estações e tirar proveito, inibir as ações de órgãos que estão funcionando."

PT não tem poder de enfraquecer Gurgel, diz Falcão

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, refutou a tese de que o partido esteja tentando enfraquecer o procurador-geral no julgamento do mensalão. "Primeiro, não temos esse poder. Segundo, não temos esse desejo. E, contrariamente ao que se afirma, ele até ganhou mais quatro horas para fazer essa denúncia. Longe de ser enfraquecido. Acho que para seu vigor acusatório foi até fortalecido." Falcão cobrou que Roberto Gurgel explique as razões pelas quais não deu prosseguimento às investigações iniciadas pela Operação Vegas, mas não foi explícito sobre a necessidade de um depoimento à CPI. Na oposição, o senador AécioNeves (PSDB-MG) saiu em defesa de Gurgel. Para o tucano, as acusações contra o chefe da Procuradoria da República têm "claramente o objetivo de desqualificá-lo" porque Gurgel "é o advogado de acusação no processo do mensalão".

FRENTE A FRENTE

Rui Falcão
Presidente nacional do PT

"Continua a dúvida sobre as declarações do delegado da Polícia Federal, Raul Alexandre Souza, que atribuiu à esposa do procurador-geral, a senhora Cláudia (Sampaio, subprocuradora), e a ele próprio, não ter dado consequência às denúncias que recebera do juiz federal sobre a Operação Vegas (de 2009, que teria dado origem à Operação Monte Carlo, de 2011)"

Aécio Neves
Senador (PSDB-MG)

"O PT deixa cair a máscara e mostra que o objetivo da CPI era um combate que nada tinha a ver com a elucidação das denúncias ou mesmo com investigações mais profundas além daquelas que foram feitas pela Polícia Federal. Se quer usar a CPI para mascarar a apuração em relação ao mensalão ou para criar constrangimentos ao procurador-geral terá a nossa objeção mais radical"

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Ministros do Supremo defendem procurador

Os ministros do Supremo Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa afirmaram que o procurador-geral, Roberto Gurgel, não deve ir à CPI do Cachoeira, como defendem governistas. Para Mendes, “pescadores de águas turvas” querem inibir a atuação do procurador no mensalão.

Gurgel disse que recorrerá ao STF caso seja convocado a depor. Já o presidente do PT afirmou que ninguém está acima da lei.

Ministros do STF defendem procurador

Para Gilmar Mendes, "pescadores de águas turvas" querem "inibir" atuação de Gurgel no julgamento do mensalão

Relator da ação contra petistas, Joaquim Barbosa diz que não há motivo para Gurgel ser convocado pela CPI

Felipe Seligman, Lucas Ferraz

BRASÍLIA - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes disse ontem acreditar que os ataques de parlamentares da bancada governista ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, estão ligados com o julgamento do mensalão.

Ele endossou as declarações feitas por Gurgel anteontem e afirmou que as críticas vêm de pessoas que querem "tirar proveito" e "inibir ações dos órgãos que estão funcionando normalmente".

Questionado se os ataques estariam ligados ao mensalão, Mendes disse: "Eu tenho a impressão que sim. Há uma expectativa em torno disso e pescadores de águas turvas, pessoas que estão interessadas em misturar excitações, [querem] tirar proveito, inibir ações dos órgãos que estão funcionando normalmente."

Gurgel é criticado por petistas por não ter aberto investigação contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) em 2009, quando recebeu as conversas telefônicas entre Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Anteontem, o procurador afirmou que a decisão de não encaminhar nada ao STF naquele momento foi acertada.

Mendes chegou a ser citado em uma conversa entre Demóstenes e Cachoeira, que comemoravam uma decisão do ministro sobre um caso que envolvia a Celg, distribuidora de energia de Goiás.

O ministro disse que sua decisão apenas reconhecia a competência do Supremo para julgar o caso e que nunca tratou disso com o senador.

Ontem, Mendes foi questionado se o procurador deveria ir à CPI, e respondeu: "Claro que não". "Tenho a impressão que há certa excitação em torno disso até mesmo no âmbito da imprensa."

Independência

O ministro Joaquim Barbosa, relator da ação do mesnalão. também saiu em defesa do procurador. "Não há por que convocá-lo para se explicar sobre as suas atribuições que são constitucionais, são legais", afirmou.

"É um agente que goza do mais alto grau da independência funcional, o titular da ação penal. Ninguém mais detém essa prerrogativa."

O ministro Marco Aurélio Mello afirmou ao site "Terra Magazine" não ver nas críticas a Gurgel uma tentativa de intimidar o STF.

"Não vejo um movimento para enfraquecer o julgamento do mensalão, até porque, pelo amor de Deus, o STF não é sensível a pressões."

O advogado José Luis Oliveira Lima, que representa o ex-ministro José Dirceu, um dos réus do mensalão, disse que as declarações do procurador-geral foram "desrespeitosas" com os parlamentares.

"O ex-ministro não tem receio do julgamento do processo do mensalão", disse. "Estou curioso para saber o que o procurador vai ter em sua fala, uma vez que em mais de cinco anos não conseguiu produzir uma prova sequer contra o ex-ministro".

Também ontem, o presidente da CPI do Cachoeira, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), disse que as falas de Roberto Gurgel colocaram "fogo" na comissão.

Colaboraram Rubens Valente e Andreza Matais

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Tentativa mensaleira de manipular a CPI:: O Globo/Editorial

Continuam as manobras de facções radicais do PT, ligadas aos mensaleiros, para usar a CPI do Cachoeira com objetivos sem qualquer relação com o escândalo da montagem pelo contraventor goiano de uma rede de influência em todos os poderes da República.

Uma das intenções é constranger o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por ser ele o responsável pelo encaminhamento da denúncia do Ministério Público Federal contra os envolvidos no esquema de troca de dinheiro sujo - inclusive público - por apoio parlamentar ao governo, na primeira gestão de Lula.

Estes grupos começaram a pressionar Gurgel quando, no estouro do escândalo, com a descoberta da proximidade entre Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (GO), foi noticiado que o procurador-geral recebera em 2009 o inquérito da Operação Las Vegas, da PF, e nada fizera. Nele já havia registros da afinidade da dupla.

Instalada a CPI, as facções partiram para tentar uma convocação de Gurgel ou convite. Não importava, contanto que o procurador-geral da República comparecesse perante os holofotes da comissão, para certamente ouvir toda sorte de provocações de representantes dos mensaleiros.

O procurador já explicara ter mantido o primeiro inquérito no gabinete para que seu conhecimento público não prejudicasse as novas investigações da PF, na sequência da Operação Las Vegas. Além disso, afirmou, não havia bases sólidas para o indiciamento de Demóstenes. Não há por que rejeitar a explicação lógica de Gurgel, pois, de fato, a operação seguinte, a Monte Carlo, foi um sucesso. A CPI e o início do processo de cassação do senador são a prova.

No primeiro depoimento tomado pela comissão, o delegado da PF Raul Alexandre Marques Souza confirmou o envio do inquérito ao procurador e a decisão dele de nada fazer naquele momento. E, com isso, as pressões sobre Gurgel voltaram. Na quarta-feira, o procurador-geral foi claro: "Há protetores de réus (do mensalão) como mentores disso." Ou seja, da campanha para levá-lo à CPI.

Como o objetivo é político e de constrangimento pessoal, não adiantou, também, Gurgel explicar, antes do depoimento do delegado, que, por lei, ele não pode falar acerca de inquéritos sobre os quais se pronunciará como procurador da República. Também é de fundo político-ideológico a definição por esta facção radical, minoritária no PT, de um segundo alvo na CPI: a imprensa independente. O fato de Cachoeira ter sido fonte de denúncias publicadas pela revista "Veja" contrárias a interesses do grupo leva à tentativa de conversão da comissão num exótico tribunal de julgamento do jornalismo profissional.

Parece uma forma de buscar alguma vantagem no "tapetão" político depois que as tentativas institucionais de manietar a imprensa se frustraram. Dilma, como Lula, se mantém distante dessas aventuras, numa demonstração de maturidade.

Acima de tudo, o Brasil já demonstrou que tem instituições em pleno funcionamento capazes de defender a Constituição, na qual é estabelecido como cláusula pétrea o direito à liberdade de imprensa e expressão, entendimento reafirmado não faz muito tempo pelo Supremo.

Fariam melhor os radicais se gastassem tempo e energia fazendo a CPI funcionar para de fato mapear as conexões do crime organizado dentro do Estado brasileiro.

O golpe dos mensaleiros:: O Estado de S. Paulo/Editorial

É de todo verossímil o argumento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, segundo o qual "pessoas que estão morrendo de medo do processo do mensalão" estão por trás das tentativas de convocá-lo a depor na CPI do Cachoeira. A razão invocada é a demora de Gurgel em pedir ao STF abertura de inquérito contra o senador goiano Demóstenes Torres por suas ligações com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Na realidade, o procurador está na mira do PT e do ex-presidente Lula pelo menos desde que começou a ganhar corpo a possibilidade de iniciar-se em breve o julgamento dos 38 réus, a começar pelo ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, do esquema de corrupção que Gurgel considera "o maior atentado à democracia brasileira". O intento de intimidá-lo e, no limite, desmoralizá-lo antecede o escândalo que levou à CPI - e foi uma das razões por que o PT se bateu por sua criação.

Ainda que os parlamentares que defendem a convocação de Gurgel se movessem exclusivamente pela busca da verdade, ela esbarra em dois obstáculos substanciais. O primeiro é de natureza jurídica. Se viesse a depor, ele ficaria inabilitado a conduzir a ação contra Demóstenes. Ninguém, decerto, é insubstituível, mas a mudança reduziria as chances de sucesso da ação. Na CPI, há quem sugira, para contornar essa dificuldade, que se convoque no seu lugar a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques. Foi ela quem recebeu o relatório da Operação Vegas, da Polícia Federal, que poderia incriminar o senador há mais tempo. Cláudia é casada com Gurgel.

Mas a manobra não eliminaria a segunda barreira, de natureza política: a CPI foi constituída para investigar os elos de Cachoeira com agentes públicos e privados - funcionários, políticos, empresários e outros profissionais -, não para investigar o procurador-geral ou a subprocuradora. Se o fizesse, não só se descaracterizaria, como as suas conclusões dificilmente poderiam produzir efeitos práticos no âmbito da Justiça. Qualquer iniciativa contra Gurgel deve se radicar no foro apropriado, o Conselho Nacional do Ministério Público. A questão de fundo, de todo modo, são as dúvidas sobre a sua conduta no caso.

Em 15 de setembro de 2009, chegou à Procuradoria o relatório da Operação Vegas. Segundo disse à CPI o delegado Raul Alexandre Marques Souza, da Polícia Federal, Cláudia informou ao órgão que não havia encontrado no texto elementos que justificassem uma investigação sobre Demóstenes. Passados dois anos e meio, em 27 de março último - cinco dias depois de O Globo publicar as primeiras degravações de conversas entre ele e Cachoeira -, Gurgel foi ao STF contra o senador. "Não há argumento", reagiu o deputado Onyx Lorenzoni, do DEM catarinense, insuspeito portanto de se acumpliciar com o PT. "Ele (Gurgel) estava com a bomba atômica e nada fez."

Na linha da subprocuradora, Gurgel alega que o material de que dispunha inicialmente não sustentaria um pedido de inquérito. Além disso, o procedimento poderia se revelar contraproducente, prejudicando eventuais investigações contra outros suspeitos. "Não fosse essa opção", afirma, "não teríamos a Operação Monte Carlo, não teríamos todos esses fatos que acabaram vindo à tona." Pode ser. Mas na representação aparentemente tardia contra Demóstenes, ele incluiu uma vintena de conversas interceptadas no curso da Operação Vegas. O procurador replica que o material obtido pela Monte Claro deu àquelas degravações uma importância que por si sós não teriam.

Salvo evidências em contrário, a boa-fé de Gurgel não está em jogo - a menos que se queira desqualificá-lo com segundas intenções, como é o caso do PT.

É sobre isso que ele fala em entrevista a O Globo: "A atividade do Ministério Público tem como uma das suas características a de desagradar a muitos, se não a todos. Portanto, faz parte do nosso ofício saber que vamos ser alvos de pessoas que já foram alvos, e alvos notórios do Ministério Público, e que agora têm chance de tentar uma retaliação. E é isso que se está fazendo", concluiu.

Vale-tudo na CPI:: Folha de S. Paulo/Editorial

Investigação corre perigo de descarrilar ao desviar foco de Cachoeira e Demóstenes Torres para jornalistas e o procurador Roberto Gurgel

Começou mal a CPI mista para investigar o caso Cachoeira, com a já conhecida aposta na confusão por parte dos setores mais aloprados do Congresso.

O que mais se deveria esperar de uma comissão em que personagens da estatura de um Fernando Collor de Mello e de um Protógenes Queiroz se aliam na tentativa de cercear a imprensa? Doses crescentes de desatino, por certo.

A CPI foi criada para investigar, com os amplos poderes que lhe dá o artigo 58 da Constituição, a comprometedora teia de relações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acusado de explorar jogos ilegais, com figuras públicas. Por exemplo, com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e os governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF) -além de uma das maiores empreiteiras do país, a Delta, campeã em obras do PAC.

Foi o pretexto para a ala do PT mais afetada pelo processo do mensalão tentar fazer da CPI um antídoto para o julgamento por iniciar-se no Supremo Tribunal Federal. Em seu afã vindicativo, abriu até uma frente de conflito institucional com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

O chefe do Ministério Público Federal ganhou a hostilidade do lulo-petismo por ter pedido a condenação de mensaleiros. De forma maliciosa, com o indisfarçável propósito de intimidá-lo, essa facção o acusa agora de ter protegido Demóstenes ao apontar a insuficiência dos elementos colhidos pela primeira operação da Polícia Federal (Vegas) contra Cachoeira.

O presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), parece inclinado a seguir em frente com a ideia extravagante de chamar Gurgel a se explicar perante a comissão. O procurador-geral já deu sinais de que se recusará, em manifestação de independência. É no mínimo duvidoso que o Supremo reconheça entre os poderes da CPI o de forçá-lo a comparecer.

Tampouco surgiu até agora qualquer indício de má conduta que justifique a intimação de jornalistas da revista "Veja" para depor, como almejam setores do PT -que, aliás, não contam com o apoio do Planalto para essa revanche pelos sucessivos escândalos revelados.

Igualmente descabido é o sigilo extremo adotado pelo presidente da CPI e seu relator, deputado Odair Cunha (PT-MG). Não só já se mostrou ineficaz, pois não cessam de vazar os depoimentos supostamente secretos, como ainda contraria o escopo de toda CPI, que é expor ao público fatos e condutas de agentes oficiais sob suspeita.

É comum ouvir que CPIs têm tendência a degenerar em circo. As sessões iniciais sugerem que os piores prognósticos caminham para confirmar-se, e bem cedo.

PT se divide sobre convocação de Gurgel

Humberto Costa não quer procurador-geral como foco da CPI; Rui Falcão, presidente do partido, cobra explicações

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Isabel Braga, Cristiane Jungblut e Chico de Gois

BRASÍLIA E SÃO PAULO - A polêmica participação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nos debates sobre a CPI do Cachoeira rachou o PT. Parlamentares e dirigentes do partido estão divididos quanto à necessidade de Gurgel explicar à CPI seus procedimentos em relação às operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal. Ontem, enquanto petistas mais afinados com o Planalto buscaram esfriar os ânimos, outros, como o presidente nacional do PT, Rui Falcão, cobravam explicações.

Um dia após as declarações de Gurgel de que os que o atacam temem o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, alguns petistas amenizavam o clima de disputa. O senador Humberto Costa (PT-PE) alertou que o foco da investigação não é o chefe do Ministério Público:

- A reação dele foi totalmente sem sentido, mas não há elementos e nem existem razões que justifiquem, neste momento, a vinda dele à CPMI e ao Conselho. Não é que eu defenda que ele não venha. Mas não vamos transformar a CPMI na CPMI do procurador-geral. É a CPMI do Cachoeira.

Líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA) também adotou um tom moderado:

- Desde o início que acertamos com o relator Odair o relatório de depoimentos. A decisão do que fazer será depois. Haverá um ajustamento.

Já o relator da CPI, Odair Cunha (PT-MG), admite que Gurgel dê explicações, mas que poderá escolher como fazê-las: oralmente ou por escrito.

- Tratamos de questões substantivas. Questões adjetivas não nos interessam. O procurador pode escolher a forma como explicar porque não pediu abertura de inquérito em 2009, quando recebeu da Polícia Federal o resultado da Operação Vegas - disse Odair.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, cobrou explicações de Gurgel sobre as declarações à CPI do delegado da Operação Vegas de que o procurador-geral e sua mulher, a subprocuradora Cláudia Sampaio, não abriram inquérito para investigar as denúncias apuradas em 2009.

- Continua a dúvida sobre as declarações do delegado Raul Henrique Souza que atribuiu à esposa do procurador-geral e a ele próprio não dar consequência às denúncias que recebeu do juiz federal na Operação Vegas - disse Falcão.

Sobre as críticas a Gurgel terem origem no medo do mensalão, o deputado respondeu:

- É uma afirmação dele (Gurgel). É preciso que ele responda à pergunta que foi lançada, não por qualquer pessoa, mas por um delegado da Polícia Federal. Não me consta que ele (o delegado) faça parte da lista de processados no mensalão.

Integrante da CPI, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) endossou o coro dos descontentes:

- Como põe um ponto final? Com uma explicação dele (Gurgel).

Em depoimento ontem à CPMI, o delegado Matheus Mela Rodrigues, responsável pela Monte Carlo, afirmou que em nenhum momento a operação conduzida por ele teve contato com algum resultado da Vegas, iniciada em 2007 e paralisada em 2009 porque o procurador-geral não consentiu que ela fosse concluída.

FONTE: O GLOBO

'Ninguém está acima da lei', diz presidente do PT

SÃO PAULO - O presidente nacional do PT, deputado Rui Falcão, afirmou ontem que "nenhuma pessoa deve estar acima da lei no Brasil", em referência à possibilidade de o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ser investigado pela CPI do Cachoeira.

"[A investigação de Gurgel] É uma questão que está em debate na CPI e é da atribuição dela adotar as resoluções que entender. No Brasil nenhuma pessoa deve estar acima da lei."

No início do mês, Gurgel recusou convite para depor na CPI.

Disse que não poderia participar como testemunha, uma vez que terá que oferecer a denúncia ao Supremo Tribunal Federal sobre o inquérito do caso.

Parte da base aliada, no entanto, continua a questionar o comportamento de Gurgel em relação à Operação Vegas, de 2009, que não teve sequência na Procuradoria. Por isso, cogitam convocá-lo a depor na CPI.

"Se soubéssemos antes das eleições de 2010, através de uma divulgação ampla do Ministério Público, da imprensa, talvez Demóstenes Torres não fosse hoje senador", completou.

Gurgel diz que o material da Vegas não era suficiente para pedir inquérito contra Demóstenes e que, graças à sua atitude, a apuração pode continuar na Monte Carlo, a operação atual.

Falcão negou que as críticas a Gurgel tenham como objetivo enfraquecer o procurador-geral diante da proximidade do julgamento do mensalão, do qual ele é responsável pela acusação.

"Primeiro, não temos esse poder [enfraquecer Gurgel]; segundo, não temos esse desejo", disse.

Em vídeo postado em seu site em abril, porém, Falcão disse que "a bancada do PT na Câmara e no Senado defendem uma CPI para apurar esse escândalo dos autores da farsa do mensalão".

Anteontem, Gurgel disse que as críticas a ele são feitas por quem tem "medo do julgamento do mensalão".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A poupança e o dragão :: Roberto Freire

Há muito o governo do PT tinha manifestado o desejo de mudar a forma de rendimentos da poupança. A primeira tentativa, no governo Lula, teve como preocupação básica os ganhos dos fundos de investimentos do sistema financeiro, ameaçados pela possibilidade de deslocamento de parcela considerável de integrantes desses referidos fundos para a poupança, em função da comparação dos rendimentos de ambos. Agora Dilma retoma o projeto.

A poupança sempre foi um instrumento do pequeno poupador assalariado, para preservação do valor de seu dinheiro, de alguém que não está especulando, mas que se resguarda para momentos de necessidade. É também usada para financiar a habitação e que, por essa limitação, não interessa muito ao setor financeiro.

A escolha do governo não foi imparcial. Mexer na poupança é mais fácil do que mexer na dívida interna brasileira, atrelada aos fundos e beneficiando os bancos com ganhos abusivos.

O governo Dilma está "rendido" a esses interesses.

Antes de mexer na poupança, o governo deveria primeiro conter seu endividamento interno. Se é possível negociar usando os rendimentos da poupança, que estão na lei, por que não negociar a ampliação do perfil da dívida interna, trazendo para a economia uma capacidade de investimento maior? Ao mesmo tempo incentivar a poupança como grande investimento, modificando sua utilização e definindo percentuais para ser usada na rolagem da dívida além de outras.

O que sabemos é que os juros reais elevados pagos pelo governo, uma agradável benesse, subsiste em virtude dos gastos públicos e custeio da uma máquina excessivamente inchada e que não tem no horizonte perspectiva de diminuir. Essa política reduziu a capacidade de crescimento do país, como temos visto nos últimos anos.

Estamos em meio a uma das maiores crises financeiras que o sistema capitalista enfrentou desde 1929 que, por conta de sua disseminação global, tem atingido de maneiras diferentes todos os países. O governo tem vendido a ideia, desde seu início em 2008 - a "marolinha do Lula" -, de que o país está preparado para enfrentá-la. No entanto, o que temos percebido é que as possibilidades de uma saída dessa crise ficam cada vez mais distantes.

Nossa capacidade de investimento na economia diminuiu, com reflexos gravíssimos sobre a indústria, e o endividamento das famílias aumentou dramaticamente, reduzindo sua capacidade de consumo.

Em um ambiente volátil e instável, os indicadores que medem a inflação têm mostrado crescimento e, no curto prazo, estão bem acima do centro da meta, tornando-se um efetivo óbice para a diminuição da taxa de juro de forma sustentável.

Enquanto o governo tenta de forma atabalhoada baixar a taxa Selic por decreto, o dragão da inflação abre o olho e mais uma vez ameaça os esforços de sucessivos governos, colocando em risco as conquistas da estabilidade econômica que tão duramente conseguimos nos últimos vinte anos - e quem paga a conta é o pequeno poupador. Precisamos que a presidente Dilma mostre mais competência e menos arroubo retórico.

Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS

FONTE BRASIL ECONÔMICO

Ao sabor do voluntarismo :: Rogério Furquim Werneck

A política macroeconômica voltou a ser pautada pelo voluntarismo. O governo parece convencido de que basta a força de sua vontade para que as mazelas da economia sejam rapidamente corrigidas, uma a uma. O câmbio pode ser tão depreciado quanto se queira, as taxas de juros, reduzidas à vontade e o crescimento do PIB, acelerado ao sabor das conveniências políticas. Já era tempo de o país ter aprendido que as coisas não são tão simples. E que experiências voluntaristas desse tipo não passam de surtos coletivos de autoilusão, fadados a enfrentar uma conta salgada no final, quando a inexorável coerência entre as variáveis macroeconômicas se restabelece de forma socialmente perversa. Mas a verdade é que, entre nós, tal aprendizado se tem mostrado bem mais difícil do que se esperava.

O quadro de dificuldades que vêm marcando a economia brasileira é bem conhecido: um regime fiscal que requer elevação sem fim da carga tributária, taxa básica de juros excepcionalmente alta, spreads gigantescos nas operações de crédito, taxa de câmbio com tendência à apreciação, poupança interna baixa, investimento público atrofiado, perda de competitividade da indústria, crescimento econômico medíocre e inflação bem acima da meta.

Inconformado com a perspectiva de mais um ano de crescimento do PIB abaixo de 3%, com desempenho pífio da indústria de transformação, o governo decidiu sair em campo para acertar as coisas a seu modo. Já há algum tempo, o regime de câmbio flutuante havia sido convertido num arranjo de câmbio fixo, no qual o governo tentava impedir que a taxa caísse abaixo de R$ 1,60. Nos últimos meses, contudo, o governo tem recorrido a todo tipo de intervenção para, a qualquer custo, manter o câmbio acima de R$ 1,90.

Do lado das taxas de juros, o Planalto parece convicto de que agora tem condições de dar solução definitiva ao problema. Não só prolongou - já não se sabe até quando - o vigoroso movimento de redução da Selic que teve início em agosto, como desencadeou cruzada nacional pela redução de spreads bancários, com palavras de ordem em discurso de 1 de maio, determinações férreas a bancos públicos e admoestações a bancos privados.

A preocupação com a agenda de redução de taxa de juros e dos spreads bancários é mais do que louvável. O que é lamentável é a ideia de que os desafios envolvidos nessa agenda complexa possam ser enfrentados no grito, a golpes de voluntarismo.

Salta aos olhos que a rápida depreciação do câmbio e a redução imprudente da taxa básica de juros, com efeitos amplificados pela substancial diminuição concomitante de spreads cobrados por bancos públicos - compelidos a expandir crédito e municiados de novas transferências diretas de recursos do Tesouro -, configuram ambiente propício a agravamento do quadro inflacionário em 2013.

Quando isso acontecer, o que fará o governo? O que vem sendo mencionado em Brasília é que, mesmo que os estímulos à demanda se mostrem excessivos, a taxa básica de juros não voltará a ser elevada. Se necessário, o governo recorrerá a medidas macroprudenciais. A menos, claro, que simplesmente assuma de vez sua já indisfarçável disposição de tolerar, num prazo mais longo, uma taxa de inflação bem mais alta que a meta atual.

O curioso é que, enquanto sobra voluntarismo na condução da política macroeconômica, falta determinação na gestão de outras áreas cruciais. O PAC continua entravado. Na esteira da sucessão de escândalos do ano passado, boa parte das cadeias de comando que acionam o investimento público teve de ser desmantelada. E, justo agora, quando, a duras penas, estava tentando remontá-las, o governo se viu às voltas com novas dificuldades, decorrentes da instalação da CPI do caso Cachoeira-Delta. Como a Delta é a maior empreiteira do PAC e tem obras em nada menos que 25 estados, foi preciso montar às pressas uma deprimente operação de contenção de danos. Que, tudo indica, não será capaz de impedir que, mais uma vez, os programas de investimento sejam seriamente afetados.

FONTE: O GLOBO

Paris, reine du monde :: Fernando Gabeira

Paris, reine du monde / Paris c"est une blonde. Depois de tantas denúncias sobre as viagens de Sérgio Cabral e suas relações com o dono da Delta, Fernando Cavendish, tenho vontade de cantar.

De que adiantaram tantos argumentos racionais? Algumas imagens de uma única de cem viagens de Cabral ao exterior bastaram para convencer milhares de pessoas, antes indiferentes às denúncias, de que algo realmente singular acontece no Rio. Posso até parar de fazer sentido ou, então, buscar outro sentido na coleção de imagens que nos chegam de Paris. Cantarolando, cheguei à conclusão de que existe até uma loura na história.

Paris c"est une blonde. Na festa da cúpula do governo Cabral, a loura estava lá, corpo atlético e imenso decote nas costas tatuadas. Ela aparece dançando com Cavendish: ele está levemente inclinado e as costas da loura dominam o quadro. Não consegui decifrar a tatuagem. Uma borboleta, talvez. Um fragmento da imagem mostra um microfone, sugerindo que alguém canta, talvez a loura faça parte do show. Ela reaparece em outra foto, diante do grupo com guardanapos na cabeça, e mobiliza com sua presença toda a energia masculina.

Seria uma Joana d"Arc moderna? Estariam os homens com guardanapo na cabeça, alinhados piratas, saudando a heroína e prometendo guerra à pérfida Albion? Duvido. Nem o pós-modernismo seria capaz de criar uma Joana d"Arc tão animada nem os piratas de linho branco estariam preocupados com a sorte da França.

Há um momento, dizia o poeta, em que todos os bares se fecham e todas as virtudes se negam. No caso deles, não se trata de uma conjunção fortuita em certo instante da madrugada. Primeiro, eles fecham os bares, depois, então, é que negam todas as virtudes.

"Let"s win some money", diz Cavendish nessa mistura de inglês e português nascida do florescente turismo brasileiro no exterior. Ele disse a frase quando uma das festas estava no fim. O bar, no caso, o Salão Luís XV, do restaurante de Mônaco parecia fechado para eles. Se tivesse de escrever os gritos dos piratas de linho branco, colocaria só esta frase, tal como foi dita: Let"s win some money. Eles saudariam a loura como se fosse um bezerro de ouro.

Let"s win some money é o lema de um partido que se formou dentro e fora do governo, ao mesmo tempo que surgia uma nova classe C no País. As quatro mulheres exibindo belos sapatos com sola vermelha de Christian Louboutin não podiam só estar na rua diante de um fotógrafo. Elas são o coro ideal para o grito dos piratas. A cena ficaria assim: eles, avançando pelas mesas de um restaurante vazio, gritariam: "Let"s win some money". E elas ergueriam os sapatos em passos de can-can.

Se quisermos falar a verdade na ficção, precisamos tomar certas liberdades. Por exemplo, a sola do sapato da mulher do secretário de Saúde devia ter só uma cruz vermelha sobre fundo branco. Isso daria um toque social à festa. "Estamos no melhor Alain Ducasse do mundo", segundo Cabral. "Melhor que os EUA, melhor que o..." A voz dele vai sumindo. Não sabemos qual é o terceiro. Só sabemos que no melhor Alain Ducasse do mundo ele marca o casamento de Cavendish e espera a meia-noite para celebrar o aniversário de sua mulher, próspera advogado de concessionárias do governo.

"O casamento tem de ser no sábado. É festa", diz Cavendish. "Podemos ir para Mangaratiba ou Itaipava", sugere a mulher de Cabral. Nesse ponto é necessário um corte para quatro mansões de Mangaratiba, espaço paradisíaco que a primeira-dama visita com filhos e babá num helicóptero do governo. Ali três piratas de linho branco têm casas ao lado de Cabral: Cavendish, Sérgio Côrtes e George Sadala. O quarteto de Mangaratiba é apenas uma linha de roteiro: a história de cada um e como se entrelaçam os destinos no melhor Alain Ducasse do mundo.

"Abra essa boca", diz Cabral à mulher de Cavendish no momento em que selam a data do casamento. Cabral sabe que há modo de beijar não beijando, como os atores. Mas quer a realidade molhada de um beijo real. Para quê? Se imaginasse que a imagem cairia nas mãos de Garotinho, passaria mal e, com o perdão do melhor Alain Ducasse do mundo, os guardanapos teriam outro uso. A cena só seria possível quando recebesse a notícia, anos depois, no segundo Alain Ducasse, ou no terceiro, quem sabe. Garotinho divulgou as imagens num fim de semana.

Não se despreze a contribuição dos coadjuvantes. Quando Cavendish propõe "let"s win some money", uma voz feminina, quase imperceptível, responde: "Só se for muito, porque dá trabalho". É uma boa frase. Se considera que dá muito trabalho ganhar dinheiro em cassino, o que pensará de quem trabalha oito horas por dia e sofre quatro horas se deslocando nas grandes cidades? A frase não tem a mesma força do "então, comam brioches" de Maria Antonieta. É mais ou menos assim: então, comprem um helicóptero.

Let"s win some money não é um slogan qualquer. É um estado de espírito que anima estes anos no Brasil. No melhor Alain Ducasse do mundo jantavam alguns personagens do maior plano de infraestrutura do mundo, o PAC. Na boca de Cavendish, que aparece numa gravação dizendo que compra políticos de acordo com a necessidade de seus negócios, ele soa diferente. E se complementa assim: Let"win some money para comprar políticos que compram vinhos, fecham restaurantes e usam sapatos Louboutin.

O livro de Alain Riding Paris, a Festa Continuou é um relato minucioso de como a cultura francesa sobreviveu à invasão alemã e conviveu com os ocupantes. Um dos sonhos dos nazistas era tornar a cultura francesa irrelevante e, na definição dos Goebbels, dominada pelo kitsch. Para o quarteto de Mangaratiba, a luta continua. Em Mangaratiba embarcavam os resistentes, algemados no porão, rumo ao presídio da Ilha Grande. Nise da Silveira e Graciliano Ramos passaram por lá, em outras épocas. Como o Brasil mudou! Que tal defini-lo com a frase de um coadjuvante do jantar, referindo-se ao restaurante: "Pô, isso é um upgrading"?

Esses fantasmas tropicais não surgiram por acaso no Salão Luís XV. Eles falam uma nova língua, encarnam um novo tempo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Os cofres públicos:: Merval Pereira

Até parece que o deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio, estava adivinhando quando, antes mesmo de a CPI começar formalmente seus trabalhos, anunciou que um dos seus objetivos principais deveria ser a garantia de que o dinheiro eventualmente desviado dos cofres públicos fosse devolvido. Por isso, encaminhou proposta de indisponibilidade dos bens de pessoas e empresas suspeitas de envolvimento no escândalo.

Num país em que o dinheiro roubado dos cofres públicos quase nunca é restituído, essa seria uma decisão fundamental da CPI. Segundo dados oficiais da Controladoria Geral da União (CGU), do total de recursos desviados em casos de corrupção na esfera federal em 2011, só 15,39% foram recuperados, num total de R$ 2,14 bilhões. A meta para este ano é aumentar para 25% essa restituição.

A lista de Miro incluía o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres, o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, e empresas-fantasmas ligadas à empreiteira identificadas nas investigações da Polícia Federal.

Com o anúncio da venda da empreiteira para uma empresa de outro ramo de negócio que tem o BNDES como sócio - a J&F Participações é uma holding que controla a empresa de alimentos JBS, a de higiene e limpeza Flora, a de papel e celulose Eldorado Brasil e o banco Original -, Miro pediu imediatamente ao Ministério Público Federal providências para impedir a venda, com o objetivo de garantir que, em caso de condenação por corrupção, o dinheiro possa ser restituído.

Para tanto, pediu que fossem relacionados e tornados indisponíveis todos os bens da empreiteira, para evitar "essencialmente que bandidos encontrem no crime uma atividade lucrativa e vantajosa".

O procurador regional da República Nívio de Freitas Silva Filho requereu a abertura de inquérito civil público para apurar possíveis irregularidades na venda da construtora Delta ao grupo J&F, e o pedido será analisado pela área de Patrimônio Público, que pode estar sendo afetado já que o BNDES, um banco público, tem 30% da empresa.

O temor é que a venda faça parte da desconstrução da empreiteira que estava em curso desde que a CPI foi instalada, com o objetivo de tentar fazer com que ela desaparecesse do noticiário e, pelo visto, da vida real também.

A Delta já saíra das obras do Maracanã e das obras da Petrobras, como que para se desligar dos governos estadual do Rio e federal, em que, ao final de 2011, era a principal fornecedora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com contratos avaliados em mais de R$ 2 bilhões.

A prisão de seu diretor para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, fez com que o relator da CPI quisesse restringir as investigações da empreiteira àquela região do país, e, mesmo depois das evidências de que essa atitude fora rejeitada pela CPI, ele insiste em começar as investigações sobre a empreiteira pelo diretor preso.

Como o próprio deputado Miro Teixeira disse na abertura dos trabalhos, quando se discutia a organização dos depoimentos, "réu preso tem preferência". O que não quer dizer que o empreiteiro Fernando Cavendish não tenha necessariamente que ser ouvido, ainda mais agora, depois do anúncio da venda em tempo recorde.

A CPI terá condições de investigar qual a verdadeira relação do bicheiro Carlinhos Cachoeira com a empreiteira, pois a promiscuidade dos negócios de ambos sugere que Cachoeira tem mais a ver com a Delta do que os documentos demonstram.

As transferências de dinheiro da Delta para empresas do bicheiro estão sendo também investigadas, depois dos depoimentos dos delegados da Polícia Federal que atuaram nas operações Vegas e Monte Carlo.

"Se a Delta fez transações com empresas-fantasmas, se envolveu em negócios escusos, como é que a solução é vendê-la? Eles metem o dinheiro no bolso?", questiona o deputado Miro Teixeira, que pediu ao MPF o cancelamento do negócio como "medida assecuratória".

Tenho me referido aqui na coluna ao fato de que os que pretendem convocar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para depor na CPI o fazem por causa da denúncia do mensalão, mas essa referência genérica leva a um entendimento incorreto sobre o autor da denúncia do mensalão, que foi seu antecessor, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza.

Gurgel foi o autor das alegações finais do caso do mensalão, já em 2011, e terá, por decisão do plenário do Supremo, cinco horas para fazer a acusação no julgamento.

As alegações finais, também ato processual como a denúncia, são uma manifestação das partes sobre a procedência ou improcedência da acusação estampada na denúncia, e devem se limitar aos fatos narrados na denúncia, às provas coligidas na instrução criminal, questões processuais e pedido de condenação ou absolvição.

As alegações finais do MP não podem acrescentar um milímetro à denúncia, qualquer modificação só é possível através de um aditamento à denúncia.

Foi o que o então procurador-geral Antonio Rangel fez retirando do rol dos acusados o ex-ministro Gushiken, por falta de provas, mantendo todas as demais acusações.

A Comissão da Verdade anunciada ontem pelo Palácio do Planalto tem uma composição à altura da responsabilidade da sua missão, que é a de revelar detalhes históricos que foram sonegados ao cidadão brasileiro pela falta de transparência característica das ditaduras e geralmente por força da censura à imprensa.

O mesmo governo que criou a Comissão da Verdade não pode, portanto, ser responsável pela tentativa de cercear a liberdade de expressão com o projeto de um suposto "controle social da mídia", que não passa de uma tentativa de censura que não tem a coragem de assumir a intenção.

FONTE: O GLOBO

Brancaleone:: Dora Kramer

Com o exímio diretor de cena João Santana ocupado em burilar a imagem da presidente Dilma Rousseff à semelhança do gosto popular e Lula temporariamente afastado do papel de catalisador de todas as atenções, o PT ficou desguarnecido.

Sem anteparos, desprovido de figurinos elegantes e de roteiro adaptado, deixou de lado o modelo moderado. Joga como veio ao mundo e, explícito, tem feito uma bobagem atrás da outra.

Rui Falcão na presidência do partido é apontado como o responsável pelos trabalhos, no bastidor, reconhecidamente atrapalhados. Não deixa de ser uma injustiça, por meia verdade.

Não foi (só) ele quem andou espalhando que a ideia de montar uma CPMI a partir da Operação Monte Carlo teve origem no intuito do ex-presidente Lula de se vingar de adversários envolvidos nas denúncias e socializar prejuízos políticos decorrentes do julgamento do mensalão.

Foram parlamentares e ministros do partido. Emergiu desses personagens também a versão de que a revista Veja seria "sócia" do esquema criminoso de Carlos Augusto Ramos, vulgo Cachoeira, na conspiração para derrubar ministros.

Apressados, nem notaram a tolice: Dilma os demitiu. Então, se maquinação houve, a presidente esteve a ela associada.

Rui Falcão assume as operações atabalhoadas um pouco depois, quando faz convocação pública à "sociedade e movimentos sociais" no apoio à CPMI para "desmascarar" os autores da "farsa do mensalão".

Entre os quais não se incluíam José Dirceu e companhia, que levaram a imagem do PT à lama, mas a imprensa, parlamentares que atuaram na CPI dos Correios e ministros do Supremo Tribunal Federal cujos votos foram especialmente rigorosos na aceitação da denúncia.

Aquilo que era para ser executado na sombra veio à luz. Não satisfeito, Falcão fez-se porta-voz do propósito de se aproveitar do momento para "enfrentar o poder da mídia que contrasta com nosso governo desde a subida de Lula". Isso era dito aos sussurros por petistas que asseguravam ter o apoio de parlamentares de outros partidos "loucos para pegar a Veja".

Agora, a pressão sobre o procurador Roberto Gurgel que era apenas insinuada, gestada nos atos dos integrantes da CPMI, tornou-se explícita porque Gurgel reagiu apontando claramente a existência de uma ofensiva urdida por quem deve e por isso teme: os réus do mensalão.

Ficou tudo às claras, restando aos feiticeiros buscarem a cada lance um jeito de não ser atingidos pelos efeitos do feitiço.

Indisposição. Um detalhe na pesquisa Ibope sobre a Prefeitura de São Paulo chama atenção. Dos 11 candidatos citados, só um não tem índice de rejeição superior ao porcentual de aprovação.

Por ordem de preferência a escala é a seguinte: José Serra tem 31% de votos positivos, mas 35% dizem que não votariam nele de jeito nenhum; Celso Russomanno é exceção, mas quase empata com 16% de aceitação e 13% de rejeição; Netinho recebe 8% dos "sim", mas é campeão do "não", com 38%.

Soninha Francine é escolhida por 7% e rejeitada por 17%; Gabriel Chalita tem 6% das preferências e 11% das opiniões negativas; 5% escolhem Paulinho da Força e 18% o repudiam; Fernando Haddad atrai 3% de simpatia e 12% de antipatia.

Os lanternas são Carlos Giannazi, Luiz Flávio D"Urso, com 1% cada, e Levy Fidelix sem nada, zero. No quesito rejeição dos dois primeiros recebem respectivamente 9% e 11% e o último vai a 19%.

Perna curta. O pedido – negado pelo ministro relator Joaquim Barbosa – da defesa para desdobrar o processo do mensalão a fim de que 35 dos 38 acusados fossem julgados em tribunal de primeira instância e não do Supremo Tribunal Federal, era clara manobra de procrastinação.

Um dos beneficiados pela volta à estaca zero seria o deputado cassado José Dirceu, justamente o réu que proclama o desejo de ser julgado o mais rápido possível.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A delação, o prêmio e a notícia:: Maria Cristina Fernandes

Jornalismo fiteiro, na definição que lhe deu Alberto Dines, é aquele que faz uso de grampos para propagar denúncias.

As fitas se transformaram em arquivos digitais em torno dos quais prospera um verdejante mercado de arapongas que compete com os especialistas em vazamentos editados da polícia federal.

As denúncias que vieram à tona vitimaram governos de diversas colorações partidárias.

A ética do jornalista é a mesma do bom gandula

Os grampos do BNDES jogaram uma cortina de fumaça sobre as privatizações do governo tucano, os vídeos com maços de dinheiro no Distrito Federal derrubaram o mais importante governo que o DEM já elegera e o flagrante de Waldomiro Diniz negociando propina detonou o cargo de seu chefe José Dirceu e abriu a caixa de pandora do mensalão petista.

Os grampos dão mais credibilidade às denúncias mas, na maioria das vezes, as reportagens deles resultantes deixam de fuçar os interesses de quem fornece as gravações.

O que vem à tona com a investigação dos malfeitos de Carlos Cachoeira nada mais é do que a rede clandestina de poder que o contraventor goiano, deixado à sombra desde que detonou Waldomiro Diniz, foi capaz de expandir com o apoio de empreiteiras, policiais, juízes, parlamentares, governadores e prepostos bem posicionados na máquina federal.

Passaram-se sete anos desde que Cachoeira ganhou notoriedade. Ao longo desse tempo a imprensa - com exceções como o jornal "O Popular" de Goiânia - pouco se ocupou dos negócios do "empresário" no poder.

No relatório em que pede a cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), o senador Humberto Costa (PT-PE), desfia um conjunto de pautas desprezadas ao longo desse tempo.

Ao levantar os discursos, a conduta na presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e os requerimentos de informação ao governo feitos pelo senador goiano ao longo de seus dois mandatos no Senado, Humberto Costa mostrou todas as digitais de seu colega de Casa na defesa do jogo do bicho e dos negócios escusos patrocinados por Cachoeira à sombra do poder.

Isso não diminui o jornalismo tupiniquim. Acontece com os melhores do mundo.

Ao longo das últimas décadas o Watergate foi reverenciado como o marco de um jornalismo que, sabendo extrair informações de uma fonte secreta cultuada como um herói no seu patriotismo anônimo, foi capaz de derrubar um presidente.

No livro lançado nos Estados Unidos este ano "Leak: Why Mark Felt Became Deep Throat" ("Vazamento: Por que Mark Felt virou Garganta Profunda"), o jornalista Max Hollande revela que a fonte dos jornalistas, um ex-agente do FBI, tinha como principal interesse, na verdade, tomar o lugar do número 1 da instituição.

Passaram-se 40 anos até que alguém tenha se interessado em ir atrás das verdadeiras motivações do "Garganta Profunda", como Mark Felt era nominado pelos jornalistas a quem municiou.

O jornalismo tupiniquim até que foi mais rápido. Talvez por que as ambições da dupla Cachoeira-Demóstenes ultrapassem muito as de Felt.

Mas assim como as motivações do Garganta Profunda não são suficientes para reabilitar Nixon, os interesses que moveram Cachoeira sete anos atrás não invalidam a importância de se levar a cabo, com a severidade que o momento exige, o julgamento do mensalão.

Lá e cá, é de omissão, portanto, que se trata. Jornalista pode, sim, ter bandido como fonte. Até a justiça inventou um jeito para isso com a criação da delação premiada. O jornalista aceita informação de bandido na expectativa de pegar um outro maior. A questão é até onde se pode omitir os malfeitos da fonte. Tudo poderia ser resumido a uma questão de custo e benefício não fosse o interesse público.

O jornalismo melhoraria se se dispusesse a debater essa omissão. Se a militância é pelo interesse público, não há alternativa à transparência. O que o jornalista sabe e pode sustentar deve ser publicado. Não deve ser objeto de depoimento em CPI ou Conselho de Ética nem contra nem a favor de fonte.

A tentativa de alguns parlamentares petistas em tratar omissão jornalística como crime revela uma sede de vingança fora de tempo e de lugar, imprópria na forma e no conteúdo.

Foi-se o tempo em que a grande imprensa podia ser considerada a culpada de todos os males. A informação nunca circulou tão livremente. A CPI do Cachoeira é resultado desta liberdade. Qualquer um é livre para exorcizar na internet suas pendengas com antigos patrões, mas não deve reivindicar-lhes legitimidade para o debate público.

O PT é um partido vitorioso. É o único da história a se eleger pelo voto universal direto para três mandatos consecutivos na Presidência da República. Teve oportunidade de fazer sua depuração interna depois do mensalão e não foi adiante. Tivesse ido, seria capaz de aguardar com mais serenidade o julgamento de alguns dos seus pelo Supremo.

A agressividade petista também pode revelar um mal-estar com o norte deste governo. A popularidade recorde da presidente Dilma Rousseff deriva, em parte, de sua atitude frente às denúncias trazidas pela imprensa que hoje seu partido critica.

Como a livre informação nunca é sócia de poder algum, ainda está para ser contada a história de como o caso Cachoeira mobilizou tantos poderosos da era petista - desde o principal estrategista de defesa no mensalão que hoje atua como advogado de Carlos Cachoeira, até o ex-presidente do Banco Central que assumiu a negociação da compra da Delta por um dos grupos mais beneficiados pelo BNDES.

Não cai mais ministro depois que prenderam Cachoeira. Enquanto estava fora das grades, ganhou manchetes. Agora chegou, de fato, a hora da delação premiada. A questão agora é descobrir quem, além de Cachoeira, ganhará com isso. E que à imprensa, recomenda um jornalista com quase 60 anos de militância, reste a ética do bom gandula: não ajeitar a bola só para o jogador do time de sua preferência cobrar

FONTE: VALOR ECONÔMICO