domingo, 13 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA – Joaquim Nabuco: escravidão

Sim, senhores, o Recife não pode estar ao mesmo tempo com o governo que quer cobrir com a bandeira de misericórdia da consciência nacional o túmulo dos escravos, como já lhes cobriu o berço, e contra o governo que está assim salvando a honra do país. É preciso que esta capital pense de uma forma ou de outra: como o Dr. José Mariano ou como Dr. Portela! Que ele forme um só todo. Tenha uma só palavra, constitua uma unidade orgânica, e que as pontes do Capibaribe não dividam este berço de tão grandes tradições em dois campos inimigos, um, em que flutua a bandeira de liberdade e outro feudo da escravidão.

A liberdade sem trabalho não pode salvar este país da bancarrota social da escravidão, nem tampouco merece o nome de liberdade: é a escravidão da miséria."

NABUCO, Joaquim ( Recife, 19/8/1849-Washington, 17/1/1910), foi um político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro formado pela Faculdade de Direito do Recife. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.,Discurso na campanha abolicionista em Recife, 1884

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Negros só ganham mais em 4% das profissões
Miro: retomar o dinheiro vai ser inédito

FOLHA DE S. PAULO
Queda de juros provoca embate entre BB e Caixa
Órgãos correm para cumprir prazo de acesso a dados públicos

O ESTADO DE S. PAULO
Lei de Acesso à Informação vai começar enfraquecida
Brasil empacado: Obra da Delta pára e gera crise social
Atraso de projetos para a Copa é geral
Serra diz que sua campanha influencia Dilma
É a conjuntura que faz juro cair, diz Tombini
Justiça do DF bloqueia bens de Cachoeira

CORREIO BRAZILIENSE
As "lavanderias" do esquema Cachoeira

ZERO HORA (RS)
O papelão dos concursos
A escalada da UFRGS
Livre acesso

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Justiça do DF bloqueia bens de Cachoeira
As vantagens de financiar o primeiro imóvel

Delta: contratos para recolher lixo sob suspeita

Investigada na Operação Monte Carlo, empreiteira é alvo do Ministério Público na prestação de serviço na área de limpeza

Um outro serviço prestado pela Delta Construções está em xeque: desde 2007 investindo na coleta de lixo, com contratos que variam de R$ 7 milhões a R$ 100 milhões anuais, a empreiteira é alvo de investigações de órgãos de controle. A crise na empresa, deflagrada com o envolvimento na operação Monte Carlo, coloca em risco o atendimento à população, já que há casos, como no Distrito Federal, em que os serviços chegaram a parar. Há situações de documentos falsos, questionamento de obras por TCEs e prefeituras e investigações do Ministério Público sobre a ausência de licitações e a falta de qualidade dos serviços.

Em Nova Iguaçu, no Rio, foi aberto inquérito para investigar o contrato firmado entre a prefeita Sheila Gama (PDT) e a Delta. A empresa foi contratada por Sheila, sem licitação, em abril do ano passado, por R$ 21,4 milhões por 180 dias. À época, a prefeita divulgou um edital de concorrência pública, mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) suspendeu o processo. O órgão, que tem como um dos conselheiros o marido de Sheila, Aluisio Gama, alegou ser preciso fazer adequações no edital, de R$ 85,6 milhões.

Com a decisão do TCE, assinada pelo relator José Maurício de Lima Nolasco, a Delta teve o direito de permanecer recolhendo o lixo de forma emergencial até hoje. Nas ruas, moradores reclamam do serviço. No bairro Santa Rita, há um lixão a céu aberto, entre as ruas Domingos da Silva e Macapá, como constatou O GLOBO na quinta-feira.

Procurada pelo GLOBO, Sheila Gama não respondeu aos questionamentos sobre o contrato com a Delta. O TCE informou que, desde 15 de dezembro de 2011, o município está autorizado a fazer a licitação.

Em Maricá, o MP abriu inquérito, em 2010, para apurar denúncias de moradores insatisfeitos com a coleta. O contrato, feito pelo prefeito Washington Quaquá (PT), era sem licitação. Segundo a prefeitura, "o serviço foi insatisfatório" e a construtora rescindiu contrato após vencer uma concorrência de R$ 7 milhões. Em Duque de Caxias, o MP investiga a Delta por contratar funcionários fantasmas para recolher o lixo na gestão do ex-prefeito Washington Reis (PMDB).

De acordo com o presidente da Delta, Carlos Alberto Verdini - que deve ser mantido no cargo apenas até amanhã, quando o grupo J&F assume a empresa -, a empreiteira atua no setor de lixo há quatro anos. Verdini não soube precisar o número de contratos no setor. Ela reconheceu, no entanto, que é um serviço que "dá rendimento".

FONTE: O GLOBO

Empresa é investigada por fraudar documentos

Caso ocorreu em Itanhaém (SP) e está sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal

O mais recente inquérito civil para investigar contratos da Delta Construções com prefeituras na área de limpeza urbana foi instaurado na sexta-feira passada, em Piracicaba, interior paulista. Segundo o Ministério Público, uma denúncia anônima levou o órgão a apurar supostas irregularidades na contratação da empreiteira. As suspeitas do MP envolvendo a Delta incluem também a cidade de Itanhaém, no litoral.

A Delta assinou em fevereiro do ano passado um contrato de R$ 13 milhões por ano com a prefeitura de Piracicaba para fazer a coleta de lixo, varrição de rua e lavagem dos locais de feiras livres. A contratação foi realizada por meio de leilão presencial. Participaram oito empresas e, segundo a prefeitura, a Delta foi a que ofereceu o menor preço.

Nesta semana, a promotoria pedirá à prefeitura todos os dados sobre contratos em andamento com a Delta. A prefeitura de Piracicaba não quis se pronunciar porque ainda não foi notificada.

Já o Ministério Público Federal (MPF) de Tocantins encaminhou à Polícia Federal em São Paulo um pedido de abertura de inquérito para apurar se fraudes cometidas pela Delta em contratos com a prefeitura de Palmas (TO) se repetiram em Itanhaém. Até sexta-feira, o procedimento ainda não tinha sido instaurado.

No início deste mês, o MPF de Tocantins denunciou à Justiça o ex-diretor da Delta Construções Carlos Roberto Duque Pacheco por uso de documentos falsos na obtenção de certidão de acervo técnico (CAT), documento representativo de habilitação em procedimentos licitatórios e que franqueia a empresa a participar de licitações de limpeza urbana.

Na prefeitura de Itanhaém, a Delta tem um contrato de R$ 4,9 milhões por ano desde 2010 para prestação de serviços de varrição de rua e limpeza de praias. A administração municipal informou ao GLOBO que ainda não foi notificada oficialmente sobre as denúncias e que vai encaminhar ofício ao MPF de Tocantins solicitando informações.

FONTE: O GLOBO

MP: atestado falso garantiu licitação para Delta no TO

Além de se valer de um atestado de capacitação técnica que, segundo o Ministério Público de Tocantins, é falso, a Delta venceu a licitação de R$ 475 milhões para a coleta de lixo de Brasília com uma proposta inexequível à espera de uma fiscalização frouxa. A avaliação é do próprio governo do DF, após auditoria que apontou falta de plano de coleta e varrição, descumprimento de horários, pagamentos indevidos, além de baixa qualificação dos fiscais, controle ineficaz e até ausência de pesagem na entrada e saída do aterro.

A falta de fiscalização sobre o contrato - vigente desde 2010 e negociado pelo ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu - explicaria o baixo preço cobrado por tonelada para a coleta de lixo e, por quilômetro, para varrição. O mais baixo entre 16 cidades de grande porte elencadas em levantamento oficial.

Em abril, parte dos funcionários chegou a cruzar os braços por falta de pagamento. Na quinta-feira, coletores de lixo ouvidos pelo GLOBO reclamaram que, há mais de um mês, os caminhões operam com apenas dois funcionários, contra os três previstos em contrato. O governador Agnelo Queiroz já trabalha até mesmo com a hipótese de a empresa abandonar o contrato.

FONTE: O GLOBO

Estatais resistem a divulgar dados públicos

Empresas alegam que não irão divulgar informações consideradas estratégicas e confrontam Lei de Acesso

. Embora prometam lançar na próxima quarta-feira portais próprios de transparência , como determina a lei sancionada no fim do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, na prática as estatais resistem a divulgar dados de interesse público que, de acordo com a propaganda oficial, já deveriam estar disponíveis. Links para acesso a informações de diárias e passagens, licitações, contratos e convênios estão há meses nos sites dos bancos oficiais, mas os dados não aparecem para o cidadão que tenta acessá-los.

As estatais admitem o problema e não garantem uma solução logo. A desculpa é sempre a mesma. Segundo o Banco do Brasil, "por problemas operacionais, os dados estão indisponíveis". O BNDES alega que ainda "está trabalhando para viabilizar tecnicamente a colocação dos dados". A Caixa Econômica Federal fala em necessidade de "adequações tecnológicas para gerar os arquivos com as informações".

Nos próximos dias o governo publicará o decreto de regulamentação da Lei de Acesso e, internamente, as estatais pressionam para que o texto não comprometa a atuação das empresas no mercado ou dê vantagem a competidores. A preocupação é levada em conta pelo governo, que reconhece a importância de garantir a atuação competitiva das empresas de economia mista e também a preservação de sigilos bancários.

Mas o mesmo argumento já é usado pelas estatais para impedir a divulgação de dados simples, como a relação de patrocínios oferecidos pelas instituições, por exemplo. Atualmente essa informação é colocada de forma dispersa. O Banco do Brasil disse se tratar de "informação de cunho estratégico". A Caixa disse que só divulgará se garantida a "preservação de estratégia empresarial" do banco.

O BNDES divulga uma relação de seus patrocínios, mas precisará readequar o seu site. A Lei de Acesso garante ao cidadão a consulta nos portais por meio de ferramentas de busca, o que não é possível no formato atual.

A Petrobras se recusou a dizer se disponibilizará a lista de patrocínios, sob o argumento de que aguarda a publicação da regulamentação da lei. A empresa não quis dizer também se divulgará o salário da direção, relatórios de viagens realizadas e os detalhes de seus contratos.

Sobre viagens de dirigentes, o Banco do Brasil informou que continuará disponibilizando relatórios de viagens internacionais de seus dirigentes apenas no Diário Oficial, o que também contraria a lei, que exige a divulgação em formato acessível para pesquisa dos interessados.
- A lei prevê que informações que comprometam a empresa na competição não sejam divulgadas. Mas você tem certos dados, como o patrocínio realizado por uma empresa pública, onde o risco da divulgação é mínimo, até porque a informação já existe - diz o especialista em transparência pública da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, Fabiano Angélico.

Ele lembra que outros países criaram leis com mecanismos de teste de danos às empresas públicas, onde um comitê se reúne para avaliar o grau de interesse público e o dado eventual em caso de divulgação .

- Infelizmente a lei brasileira não entrou nessa questão - lembra Angélico, que também critica a falta de criação de um órgão específico para tratar de informações públicas no governo, fato que dificulta a consolidação de jurisprudência do assunto e abre entendimentos conflitantes sobre o assunto.

FONTE: O GLOBO

Delta afeta reeleição de Paes, diz ex-prefeito

Cesar Maia (DEM) afirma que peemedebista sofrerá desgaste que atinge o governador Sérgio Cabral, seu aliado

Cabral aparece em fotos confraternizando em Paris com Cavendish, da Delta, envolvida no caso Cachoeira

Claudia Antunes

RIO - O ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia (DEM) afirma que o caso Cachoeira vai afetar a tentativa de reeleição de Eduardo Paes (PMDB) em outubro.

A avaliação de Maia é que o até agora favorito Paes sofrerá desgaste por causa da ligação do governador Sérgio Cabral (PMDB), seu aliado, com a empresa Delta, apontada como integrante do esquema de Carlos Cachoeira.

"[Paes] foi atingido sim, pelo amor de Deus. Na hora em que a coisa abre para o governador Sérgio Cabral, abre para o associado dele", diz Maia, hoje dirigente do DEM.

Derrotado para o Senado em 2010, o ex-prefeito é candidato a vereador. Ele se aliou ao deputado federal Anthony Garotinho (PR), um ex-adversário, para lançar uma chapa com os respectivos filhos, os deputados federal Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho, à Prefeitura do Rio.

Garotinho divulgou em seu blog fotos de Cabral confraternizando na França com Fernando Cavendish, dono da Delta.

A empresa foi atuante nos dois últimos mandatos de Maia na prefeitura, de 2001 a 2008. Fez, entre outras obras, a Cidade do Samba, parte do estádio do Engenhão e o parque aquático. "Não tenho reclamações da Delta", diz ele.

Na campanha, o objetivo de Maia e Garotinho é vincular Paes ao escândalo. O ex-prefeito diz, porém, que Paes é apoiado pelas Organizações Globo. Cita contratos da prefeitura com a Fundação Roberto Marinho para projetos de educação e cultura. Segundo o site municipal Rio Transparente, somam R$ 103,7 milhões desde 2009.

"Isso não é julgamento nem crítica. Se fosse dono do sistema Globo, faria o que fazem", diz.

Delicado

O ex-prefeito diz que a relação do senador Demóstenes Torres com Cachoeira será menos prejudicial ao DEM que o caso de corrupção que, em 2010, levou à cassação do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

"Demóstenes não tinha laços no DEM. Arruda era nosso principal quadro, quem sabe candidato a presidente."

Sucessor do PFL, o DEM tem a menor bancada no Congresso desde 1985 e perdeu vários quadros para o PSD. Maia reconhece que o partido passará por situação delicada se diminuir em outubro.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PSD admite risco de debandada e fusão se perder tempo de TV

Partido de Kassab projeta incorporação ao PSB em caso de derrota no Tribunal Superior Eleitoral, diz dirigente

Para o secretário-geral da sigla, Saulo Queiroz, fusão seria saída para "tentar sobreviver" sem TV e Fundo Partidário

Rodrigo Vizeu

SÃO PAULO - O PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, admite o risco de sofrer uma debandada de políticos e projeta uma fusão com o PSB caso não consiga ampliar seu tempo de TV e seu acesso a recursos do Fundo Partidário.

O pedido começou a ser julgado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no mês passado. Dois ministros votaram a favor e um se opôs ao pleito do novo partido.

A sigla quer receber os benefícios na mesma proporção dos votos dados em 2010 à sua bancada atual na Câmara -na ocasião, os deputados integravam outras legendas.

Houve pedido de vista e o julgamento não tem prazo para ser retomado. Ainda faltam os votos de quatro ministros.

O secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz, aposta na vitória no Justiça, mas defende a fusão em caso de revés.

"Se o partido não tiver tempo de TV, temos que nos reunir rapidamente. Não se pode descartar hipótese de fusão com o PSB. É um jeito de tentar sobreviver", afirma.

Queiroz lembra que a união com o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, estava na origem do PSD, mas não avançou. Segundo o dirigente, as duas siglas têm "parceria extremamente gratificante".

Cálculos

Se o TSE der vitória ao PSD, que tem hoje a quarta maior bancada da Câmara, a sigla receberá cerca de R$ 1,6 milhão por mês e terá bom espaço na propaganda eleitoral na TV, uma das principais moedas usadas na hora da negociação de alianças.

Se perder, ficará com R$ 18,5 mil mensais e tempo de TV de nanico.

Queiroz diz que a eventual derrota criará "enorme insegurança" aos filiados, que ficariam pouco competitivos nas eleições de 2014.

Um dos dois senadores do PSD, Sérgio Petecão (AC) disse que ficará "totalmente fragilizado" em seu plano de trocar apoio a um candidato a prefeito por aliança para disputar o governado do Estado em 2014. "Eu fico sem nada para oferecer", admitiu.

Por isso, Queiroz projeta uma fusão como arma contra a debandada. "Muita gente no partido defende isso."

O líder do PSD na Câmara, Guilherme Campos (SP), diz "não defender nem atacar" a ideia. Ele elogia o PSB, mas reclama que Queiroz estaria "agoniado" e afirma que quem se filiou à sigla sabia da chance de derrota no TSE.

Em caso de vitória, o partido quer lançar mais candidaturas próprias em capitais. Hoje, a única aposta séria é Cesar Souza Júnior, em Florianópolis. Com mais tempo e dinheiro, crescem as chances em Goiânia, Natal, Campo Grande e Cuiabá.

Outra expectativa é garantir mais vagas de vice, sobretudo em São Paulo, onde a sigla apoia José Serra (PSDB).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Globo diz que por princípio não apoia candidatos

Em resposta às acusações do ex-prefeito Cesar Maia de que a Globo beneficiaria o prefeito Eduardo Paes, as Organizações Globo afirmaram, por meio de sua assessoria de imprensa, que "por princípio, não apoiam candidatos".

"Empresas e instituições mantidas pelas Organizações Globo mantêm relações com a Prefeitura do Rio de Janeiro, bem como com outros órgãos públicos de diferentes níveis, sempre de forma ética e com total respeito à lei", acrescentou a nota enviada pela assessoria do grupo a respeito dos convênios no valor de R$ 99 milhões entre a Fundação Roberto Marinho e a prefeitura carioca citados por Maia.

A assessoria de imprensa do prefeito da cidade, Eduardo Paes, disse que ele não comentaria a entrevista do ex-prefeito.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Brasil empacado: Obra da Delta pára e gera crise social

A crise da Delta, empreiteira envolvida no caso Cachoeira, parou obra no Rio São Francisco e gerou abalo social na região.

Crise da Delta promove calote e desemprego no sertão do Ceará

Mauriti, com 45 mil habitantes, abriga obra do PAC e sofre com ocaso da construtora

Leonencio Nossa, Wilson pedrosa

MAURITI (CE) - O escândalo da máfia dos caça-níqueis abalou Mauriti, uma cidade cearense de 45 mil moradores, a quase 500 quilômetros de Fortaleza. Nesse município do sertão do Cariri fica um dos principais canteiros da transposição das águas do Rio São Francisco e da Delta, construtora citada no esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Há três anos, a empresa iniciou a obra de um trecho de 39 quilômetros de canal e passou a dar o ritmo do comércio, da política e até da agricultura local. Quando o escândalo veio à tona, no começo de abril, a construtora demitiu 80% dos seus mil operários no município, encostou os 145 caminhões, escavadeiras e tratores e rompeu contrato com as empresas agregadas, que saíram da cidade sem pagar as contas nas oficinas, lojas de autopeças e imobiliárias familiares.

Por causa do calote, a Delta e suas agregadas estão com nome sujo na feira da praça central, nas farmácias, nas mercearias e no setor mecânico. Vendas para diretores das empresas, só à vista.

Na Autopeças Mauriti, o dono proibiu a entrada dos homens do consórcio. Ericon Gomes de Lima, o proprietário, diz que sofreu um calote de R$ 27,6 mil, o que o teria obrigado a demitir um dos quatro funcionários da casa.

"Não foi uma surpresa ver a Delta envolvida nessa história na TV. Eu já tinha recebido cano no ano passado. Voltei a dar bobeira e negociar. Agora, o consórcio me deu um calote de R$ 27 mil", relata Lima. "Todas as agregadas chegavam para comprar em nome da Delta, que se nega a nos ajudar a receber. É um absurdo porque foi a Delta que trouxe para cá esse comboio de ladrões", diz. "Se meu funcionário rouba, eu sou o culpado."

Tratores. Antes da chegada da Delta a Mauriti, o mecânico João Alberto Rodrigues Silva, o Dedé do Crente, e o filho João viviam do conserto da patrola da prefeitura e de máquinas dos poucos fazendeiros da região. Nos últimos anos, pai e filho passaram a consertar 35 tratores por mês. A oficina São José se estendeu para a rua, para atender à nova demanda.

Desde a interrupção das obras do canteiro do Lote 6, a 20 quilômetros do centro, o serviço na oficina se reduziu. As empresas agregadas deram calote. Dedé e o filho ainda tentaram prender um trator para garantir o pagamento, mas a empresa pressionou e teve de liberar a máquina. "Vou começar tudo de novo", lamenta Dedé.João vive a mesma angústia do pai. "O cabra ficou sem as pernas", diz.

A oficina amarga um prejuízo de R$ 10,3 mil, segundo os donos. João afirma que, na cidade, logo que o escândalo estourou, ninguém lamentou pela Delta. "Pela construtora, a gente não está achando ruim, não. A nossa vontade é que uma outra empresa venha tocar a obra", ressalta.

Há um mês, um diretor do consórcio pediu a João e a Dedé para intermediar o aluguel de cinco casas na cidade. Pai e filho bateram nas portas dos vizinhos, mas, diferentemente de anos anteriores, os moradores só aceitaram contratos com pagamento à vista e de curta temporada. "Eu respondi para os diretores da Delta que a empresa não tem mais nome limpo e só terá aluguel com dinheiro na mão", conta Dedé.

Clima. Com a previsão de chuvas no início deste ano, o consórcio interrompeu os trabalhos nos canteiros. A gerência da Delta em Mauriti limita-se a dizer que a paralisação ocorre pelo problema das chuvas - que não molham o sertão desde dezembro.

A previsão de recomeçar a obra em abril, com nova leva de contratações, não ocorreu. Só ficaram cerca de cem homens para garantir a manutenção e a segurança das instalações do canteiro. Manilhas e peças viraram encosto de bois dos sítios vizinhos que, agora, pastam livremente na área antes movimentada. As máquinas de abrir o canal e quebrar pedras deixaram de fazer barulho. A "crise do britador", como o escândalo da máfia dos caça-níqueis é conhecida em Mauriti, é contabilizada no comércio. Alan Saraiva, dono de uma farmácia, diz que o faturamento com as vendas já caiu 20%. "A gente espera agora o seguro-desemprego para evitar mais prejuízo", afirma.

Em Quixabinha, povoado mais próximo do canteiro da Delta, a queda nas vendas chega a 80%. "Eu faturava R$ 100 por dia, mas agora não tiro R$ 20", afirma Jacinta Dantas, dona de uma pequena mercearia. O agricultor João Barbosa, que vende feijão e milho para a comerciante, diz que três filhos e dois genros perderam o emprego que tinham no canteiro. "Um bocado de filho meu foi cortado. O Chico, o Zilvan e o Erinaldo e os meus genros Valdério e Dodô não trabalham mais."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

População bate na porta da prefeitura

Prefeito pretende cobrar da gerência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) informações claras sobre as obras

Leonencio Nossa

O prefeito petista Isaac Gomes Junior mobilizou, nos últimos dias, colegas dos municípios da região leste do Cariri para cobrar da gerência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) informações claras sobre as obras do canal do São Francisco. Ele pretende ir junto com outros prefeitos em breve ao Ministério do Planejamento. "Precisamos de respostas mais concretas para tranquilizar as pessoas", afirma ele.

Desde abril, a prefeitura de Mauriti (CE) virou centro de peregrinação de demitidos das obras do consórcio da transposição das águas do Rio São Francisco, que repassou R$ 1 milhão em impostos, no ano passado, para a prefeitura. Nas primeiras horas da manhã, trabalhadores chegam para pedir passagem de volta a seus Estados, bilhetes para São Paulo, cestas básicas e remédios.

O prefeito diz que preferia perder os impostos do que as ofertas de trabalho. "O impacto é grande não apenas na economia, mas especialmente na área social", afirma. "Não tenho otimismo de resolver o problema das pessoas sem o retorno das obras."

Hospital. Sem dinheiro na praça, o hospital filantrópico da cidade que dependia de contribuições corre risco de fechar. Dos 135 leitos, 80 ainda estão em funcionamento. A chegada de trabalhadores de fora só aumentou a demanda do hospital. Gomes avalia que as invasões e saques no comércio e escolas de agricultores famintos em tempos de seca parecem ser imagens do passado. "Não podemos deixar de enaltecer os avanços ocorridos nos últimos anos, mas a figura do boia-fria é uma realidade visível", observa o prefeito.

Cativeiro. Os paus de arara tinham desaparecido desde o início das obras do canal, em 2009. A volta deles, agora na versão micro-ônibus, trouxe angústia e a sensação de retorno ao cativeiro, como os nordestinos se referem, desde os tempos da escravidão, às épocas de dificuldade. "O pátio de máquinas paradas no canteiro dá tristeza na população", afirma o prefeito. Ele sugere até a "estatização" da Delta. "É uma empresa que de repente passou a dominar todo o Estado, com contratações na área de lixo, de rodovias", observa Gomes Junior. "Cada empresário tem sua forma de ser ganancioso."

O canteiro da Delta em Mauriti ainda não é alvo de investigação. O Ministério Público Federal, no Ceará, já avalia possíveis irregularidades cometidas pela empresa nas obras de asfaltamento e recuperação das BRs 020, 222 e 116 e na construção das pontes sobre os Rios Jaguaribe e Cocó. As primeiras conclusões indicam que a construtora causou um prejuízo de pelo menos R$ 5 milhões apenas em fraudes nas licitações das rodovias federais que cortam o Estado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Cachoeira e diretor da Delta têm bens bloqueados

Decisão foi tomada pela Justiça do Distrito Federal a partir de indícios de que organização agiu para controlar contrato de bilhetagem eletrônica

BRASÍLIA - A Justiça do Distrito Federal decretou o bloqueio dos bens do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, do ex-diretor da construtora Delta no Centro-Oeste Claudio Abreu e de outras seis pessoas denunciadas por formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção e fraudes em processo de licitação para contratar o serviço de bilhetagem eletrônica dos ônibus no DF.

Os sigilos bancário, fiscal e telefônico de Cachoeira, preso desde 29 de fevereiro, já haviam sido quebrados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a relação dele com políticos e contratos públicos.

A decisão ocorreu depois de pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Conforme a peça de acusação, Cachoeira e os dois ex-diretores comandaram operação para direcionar o contrato, que renderia R$ 60 milhões por mês, à empreiteira. Coube a Cláudio Abreu pagar Valdir dos Reis, lobista encarregado de azeitar o negócio na Secretaria de Transportes. A própria quadrilha teria elaborado um projeto básico e o edital para a licitação.

Ex-assessor da Secretaria de Planejamento do Distrito Federal, Reis teria sido cooptado pela quadrilha para cuidar dos interesses de Cachoeira no governo Agnelo Queiroz (PT).

Mesmo exonerado do cargo em 31 de dezembro de 2010, ele tinha crachá em 2011 e, segundo a denúncia, circulava livremente no Palácio do Buriti, que abriga a Secretaria de Transportes.

Numa das escutas, Cachoeira ordena que Geovani Pereira da Silva, apontado como contador da organização, pague R$ 50 mil a Reis. O diálogo indica que o dinheiro provinha da conta de Abreu. O valor foi depositado na conta do ex-servidor pela Adécio e Rafael Construções e Incorporações, uma das empresas do esquema, que, segundo o MP, existiria apenas de fachada para lavagem e pagamento de recursos. Onze dias depois, Reis conseguiu reunião do secretário de Transportes do DF, José Walter Vasquez, com "membros da organização criminosa".

Embora não tivesse nenhuma experiência na área, a Delta tinha interesse em comprar software para operar a bilhetagem.

A partir do encontro, diz a denúncia, a quadrilha de Cachoeira começou a elaborar o projeto básico e o edital de licitação, direcionados à Delta.

Abreu foi preso durante a Operação Saint Michel, na semana passada, por suposto envolvimento nas fraudes.

A denúncia cita suposta negociação, revelada pelo Estado, entre a quadrilha e o servidor do DFTrans (empresa que gerencia o transporte no DF) Milton Martins Júnior, que está afastado do cargo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A incômoda liberdade de imprensa

Os primeiros depoimentos dados à CPI do Cachoeira fazem ruir o plano de mensaleiros de usar a comissão para atacar os que contribuíram para revelar e levar à Justiça os responsáveis pelo maior esquema de corrupção do país

Daniel Pereira, Otávio Cabral e Laura Diniz

Há vinte anos Pedro Collor deu uma entrevista a VEJA. As revelações originaram um processo que, sete meses mais tarde, obrigou seu irmão, Fernando Collor, a deixar a Presidência da República. Há sete anos, VEJA flagrou um diretor dos Correios embolsando uma propina. O episódio foi o ponto de partida para a descoberta do escândalo do mensalão, que atingiu em cheio o governo passado e o PT. Agora, Collor e os mensaleiros se unem contra a imprensa num mesmo front, a CPI do Cachoeira. Criada com o nobre e necessário propósito de investigar os tentáculos de uma organização criminosa comandada pelo contraventor Carlos Cachoeira, ela seria usada, de acordo com o roteiro traçado pelo ex-presidente Lula e pelo deputado cassado José Dirceu, como cortina de fumaça para o julgamento do mensalão. O plano era lançar no descrédito as instituições que contribuíram para revelar, investigar e levar à Justiça os responsáveis pelo maior esquema de corrupção da história do país. Tamanha era a confiança no sucesso da empreitada que o presidente do partido, Rui Falcão, falou publicamente dela e de sua meta principal: atacar os responsáveis pela “farsa do mensalão”. Tudo ia bem – até que os fatos se incumbiram de jogar o projeto petista por terra.

Na semana passada, dois delegados da Polícia Federal prestaram depoimento à CPI do Cachoeira. Eles foram responsáveis pelas operações Vegas e Monte Carlo, que investigaram a quadrilha do contraventor. A ideia dos radicais petistas e seus aliados era utilizar a fala dos policiais para comprometer o procurador-geral da República, Roberto Gurgel (que defenderá a condenação dos mensaleiros no julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal), o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo (transformado em inimigo figadal de Lula desde que declarou que o ex-presidente tinha conhecimento da existência do esquema) e a imprensa, que revelou o escândalo. Nesse último setor, como deixou clara a performance do ex-presidente Collor, encarnado na triste figura de office boy do partido que ajudou a tirá-lo do poder, o alvo imediato era o jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de VEJA em Brasília e um dos redatores-chefes da revista.

O primeiro depoimento foi do delegado Raul Alexandre Marques, que dirigiu a Operação Vegas. Marques disse aos parlamentares que entregou ao procurador Roberto Gurgel, em setembro de 2009, indícios de envolvimento de três parlamentares – incluindo o senador Demóstenes Torres – com a quadrilha de Cachoeira. Gurgel, conforme o delegado, não teria determinado a abertura do inquérito nem dado prosseguimento à apuração. Foi a deixa para que petistas dissessem que ele tentou impedir o desmantelamento de uma organização criminosa e, por isso, deveria ser convocado para depor na CPI. O procurador-geral da República reagiu. Na seara técnica, disse que não abriu inquérito a fim de permitir a realização da Operação Monte Carlo, que desbaratou o esquema de Cachoeira no início deste ano. No campo político, foi ainda mais incisivo. “O que nós temos são críticas de pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão”, afirmou. Ao fustigarem o procurador na CPI do Cachoeira e venderem a tese de que ele não mereceria crédito por ter uma atuação política, mensaleiros e aliados levaram procuradores e ministros do STF a sair em sua defesa.

Petistas, que chegaram a comemorar o resultado da primeira etapa do plano, agora já não demonstram o mesmo empenho para convocar Gurgel. Em uma conversa recente, o ex-ministro José Dirceu contou ao seu interlocutor o motivo do recuo. “O efeito foi o contrário do imaginado. A única consequência da CPI foi acelerar o processo do mensalão”, afirmou. Lula, o idealizador do plano, também já faz leitura semelhante. Para ele, a CPI do Cachoeira “tem de ficar do tamanho que está” – ou seja, limitar-se a investigar Cachoeira e seus tentáculos no Congresso e em governos estaduais. Da mesma forma, a ofensiva para desqualificar o trabalho da imprensa já não seria uma prioridade. “Não podemos fazer dessa CPI um debate político ou um acerto de contas entre desafetos”, afirmou o deputado Cândido Vaccarezza, do PT de São Paulo, espécie de porta-voz do grupo dos radicais. A declaração é uma guinada de 180 graus no discurso – guinada essa decidida apenas depois que os fatos, com sua persistente impertinência, se sobrepuseram aos interesses do partido.

Desde a prisão de Cachoeira, a falconaria petista seguiu a tática de disseminar mentiras e omitir uma parte, sempre a mais importante, da verdade. Para isso, não hesitou nem mesmo em recorrer a fraudes e manipulações nas redes sociais da internet (veja a reportagem na pág. 74). O grupo imputou à equipe de VEJA toda sorte de crimes, os quais, esperava, seriam pontuados pelos delegados da PF. E o que disseram os policiais em depoimentos à CPI? Que o jornalista Policarpo Junior aparece lateralmente nas interceptações telefônicas sempre no exercício da profissão, apurando e investigando informações, que não cometeu crime nem trocou favores com a quadrilha (veja o quadro na pág. 65) e que não trocou “mais de 200 ligações com Cachoeira”. Na Operação Monte Carlo, apenas dois telefonemas aparecem, segundo o delegado Matheus Rodrigues. Outros ingredientes fizeram a estratégia petista fracassar. O primeiro foi a dificuldade para encontrar aliados que se dispusessem a levar adiante os propósitos meramente políticos e revanchistas do partido. Diversas siglas, incluindo o PMDB, se negaram a aderir à trama. Como disse o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais: “O que está em jogo é a democracia. No momento em que nós tivermos o Ministério Público Federal fragilizado e a imprensa cerceada, teremos a democracia em xeque”. Houve ainda a firme condução dos trabalhos da CPI pelo relator Odair Cunha (PT-MG), que não se dobrou às pressões de facções do seu partido, e a oposição contundente de Dilma Rousseff à estratégia dos radicais. A presidente considera que, a continuar na direção em que estava, a CPI poderá virar uma disputa de políticos corruptos contra seus acusadores. Dilma está irritada com o presidente do PT, Rui Falcão, que vem defendendo publicamente o ataque à imprensa. Na terça-feira, disse a um auxiliar: “Se algum ministro falar algo parecido com o que o Rui vem dizendo, vai para a rua na hora”.

Que forças aparentemente tão antagônicas quanto Collor e os falcões do PT se juntem na CPI com o mesmo e nefasto propósito de desqualificar a imprensa livre pode parecer assustador, mas não deixa de ser também natural. Na política, as convicções balançam facilmente ao sabor das conveniências – para o bem ou para o mal, sendo que a segunda opção é mais frequente. Já na imprensa livre, os princípios não se sujeitam às circunstâncias. O dever de fiscalizar os governos vale para quaisquer governos. E, no caso de VEJA, ele foi levado a cabo com o mesmo rigor tanto na gestão lulo-petista quanto na cleptocracia de Collor. Em 2009, no julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, o ministro Carlos Ayres Britto, hoje presidente do STF, usou uma frase de Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril e editor da revista VEJA, para descrever a natureza da relação entre jornalistas e homens públicos: “Contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do compromisso com a verdade da imprensa responsável”.

Foi essa parte da imprensa, a responsável, que, diante do ataque perpetrado contra VEJA, ergueu a voz na semana passada na defesa dos princípios basilares do jornalismo. O jornal O Globo, em um editorial corajoso, criticou o que chamou de “campanha organizada contra a revista VEJA” feita por “blogs e veículos de imprensa chapa-branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT”. Escreveu O Globo: “A operação tem todas as características de retaliação pelas várias reportagens da revista das quais biografias de figuras estreladas do partido saíram manchadas, e de denúncias de esquemas de corrupção urdidos em Brasília por partidos da base aliada do governo”.

Fiscalizar os atos de governo foi uma função que surgiu praticamente junto com a imprensa. Durante a revolução inglesa, no século XVII, comerciantes e industriais insurgiram-se contra o poder absolutista dos reis. Defendiam a supremacia das leis em relação à vontade do monarca e o fortalecimento do Parlamento como forma de diminuir a corrupção na corte. Nascia assim o conceito de accountability, ou o dever dos governantes de prestar contas à população. Para divulgarem suas ideias, os insurgentes ingleses usavam papéis impressos em uma máquina inventada dois séculos antes, a prensa tipográfica, que passou a produzir os primeiros jornais.

No que se refere às suas instâncias fiscalizatórias, o Brasil já atingiu um patamar seguro. É uma situação diferente da que existia no tempo do processo de impeachment de Collor, quando o país vivia uma espécie de “lacuna fiscalizatória”. A Constituição havia sido promulgada recentemente e o aparato estatal de autodepuração era ainda incipiente. O Ministério Público, por exemplo, estava assimilando seu novo papel de representante da sociedade, e não do estado, e a Polícia Federal apenas começava a se livrar da poeira autoritária que a recobria. Mas, ainda que as instituições tenham amadurecido, elas sozinhas não bastam para assegurar a vigilância constante sobre os governos e os homens públicos. Sua natureza as obriga a se mover vagarosamente. “Por esse motivo, o papel de precursor das denúncias não costuma ser das instituições públicas, mas da imprensa”, diz Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional de Procuradores da República.

O jornalismo brasileiro vem cumprindo com vigor sua missão de revelar os casos de desídia e corrupção na esfera pública. Nos últimos anos, têm sido inúmeros os registros de parlamentares, prefeitos, governadores e ministros obrigados a deixar o cargo em razão de revelações feitas pela imprensa e comprovadas pelas autoridades. A imprensa livre não é ideológica. Não persegue indivíduos nem empreende cruzadas contra partidos ou administrações. Ela se volta, sim, contra os que, no poder, se dedicam à prática de espoliar o bem público, guiados pela presunção da impunidade e pela convicção de estarem acima do bem e do mal. Se alguma lição pode ser tirada até agora do último escândalo em curso na República, ela pode ser resumida em mais uma frase do ministro Ayres Britto: “À imprensa cabe vigiar o estado – nunca o contrário”.

Em defesa da liberdade

Sob o título “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, o jornal O Globo publicou um editorial que ficará na história das lutas democráticas no Brasil. O jornal da família Marinho levantou-se contra as tentativas políticas de criminalizar o trabalho jornalístico de VEJA comparando-o à teia de ações ilícitas promovidas por publicações do australiano Murdoch na Inglaterra. “Blogs e veículos de imprensa chapa-branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista VEJA na esteira do escândalo Cachoeira/Demóstenes/Delta”, escreveu o jornal. O Globo lembra que a motivação da campanha é uma vingança contra a revista por suas reportagens contundentes que desbarataram quadrilhas de corruptos e desagradaram a alas petistas. O jornal desmontou a acusação mais odiosa contra Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril e editor de VEJA: “Comparar Civita com Murdoch é tosco exercício de má-fé”. Na sexta-feira passada, também em editorial, o jornal Folha de S.Paulo reafirmou sua convicção de que o movimento orquestrado contra VEJA tem motivações políticas: "Tampouco surgiu até agora qualquer indício de má conduta que justifique a intimação de jornalistas da revista VEJA para depor”. O alvo mais direto da armação política é Policarpo Junior, diretor da sucursal de VEJA em Brasília e um dos redatores-chefes da revista. O ex-presidente e atual senador por Alagoas Fernando Collor pediu sua convocação para depor na CPI. Policarpo não é propriamente admirado entre aqueles políticos que se movem nas sombras do poder. Como repórter, foi autor de inúmeras reportagens que revelaram gigantescos esquemas de desvio de dinheiro público e abreviaram a carreira de muitos corruptos. É dele a reportagem que deu origem ao escândalo do mensalão. A justificativa para convocar Policarpo? Segundo Collor, o impoluto: “Esclarecer eventuais ligações com a quadrilha”. Bastaram os dois primeiros depoimentos na CPI para derrubar a farsa collorida. Os delegados federais Raul Alexandre e Matheus Rodrigues, responsáveis pela investigação, foram categóricos em afirmar que Policarpo agiu apenas em busca de informações, não trocou favores com o investigado e fez o que se espera de um bom jornalista: obteve informações dentro dos limites legais em benefício do interesse público.

FONTE: REVISTA VEJA

Au revoir, Sarkô – Entrevista: Alain Touraine

Hollande chega ao poder na França diante de uma Europa que se acostumou a viver à beira do precipício

Andrei Netto, correspondente de O Estado de S. Paulo

PARIS - A campanha eleitoral da França ainda engatinhava quando o sociólogo francês Alain Touraine publicou Carnets de Campagne (Robert Laffont, 2012). Fruto de aguçada sensibilidade política, digna de um pensador que está na fronteira da sociologia, da ciência política e da filosofia, a obra destrinchava com meses de antecedência os temas que deveriam dominar a disputa entre o presidente em busca de reeleição, Nicolas Sarkozy, e seu opositor socialista, François Hollande. Até 6 de maio, data da vitória do Partido Socialista (PS) - que retorna ao poder após de 17 anos de ostracismo -, o que se viu foi uma campanha opaca, que não mergulhou em profundidade nos desafios do futuro próximo: a crise, a austeridade, o crescimento, a justiça social, a sobrevivência da União Europeia (UE) e de sua moeda, o euro.

François Hollande, de 57 anos, assume o poder nesta terça-feira, com a tarefa de colaborar na salvação do projeto europeu. Para tanto, será necessário construir uma nova relação com a chanceler alemã, Angela Merkel, enfrentar a reemergente crise da Grécia e a ameaça crescente de contágio da Espanha, talvez da Itália. Hollande estaria preparado? A Europa está preparada para salvar a si mesma? Em entrevista exclusiva ao Aliás, concedida na sexta-feira em seu escritório no quarto andar de um edifício envidraçado do quartier yuppie de Paris Rive Gauche, onde agora se situa a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), Alain Touraine explora, e explica, essas questões. Para o autor de Sociologia da Ação e A Sociedade Pós-Industrial, para citar apenas duas obras de sua celebrada bibliografia, a Europa está em frente ao abismo. A boa notícia é que está tomando consciência do risco.

Qual é a sua avaliação sobre a campanha que resultou na eleição de Hollande?

Podemos dizer que as coisas se arranjaram de forma um pouco milagrosa em favor de Hollande. A campanha presidencial não foi Sarkozy contra Hollande, mas a favor ou contra Sarkozy. Como os franceses eram anti-Sarkozy, os socialistas puderam fazer uma campanha sem dizer grandes coisas. Hollande fez um ótimo discurso em Le Bourget, em janeiro, depois fez dois ou três outros bons. Mas não foi ele quem ganhou; foi o outro quem perdeu. Porque queriam decidir sobre o futuro de Sarkozy, os franceses aceitaram agora o que não haviam aceitado na década anterior: uma esquerda pró-europeia. Os franceses haviam recusado o Tratado de Maastricht ao dizer não à Constituição europeia. Para algumas pessoas de esquerda, a UE é fruto da dominação global do capitalismo financeiro. Um contrassenso ao qual os franceses estavam presos.

Mas o debate sobre as instituições europeias esteve ausente da campanha.

É fato que não se falou em Europa. Hollande, por exemplo, não disse grande coisa, mas o essencial: que é a favor da Europa e que deseja ir além, não promovendo apenas austeridade, mas crescimento. O que isso quer dizer? Provavelmente nada, até porque o país não respeitou com Sarkozy nem se prepara para respeitar com Hollande a responsabilidade fiscal. Os franceses não fazem o básico: parar de se endividar.

Não só a França: países como a Itália, a Espanha e a Grécia também.

Os italianos quase não cresceram nos últimos dez anos, têm uma dívida que aumenta, o que leva à elevação dos juros da dívida. É a definição da catástrofe em curto prazo. Felizmente Bruxelas mandou Berlusconi embora e nomeou outro primeiro-ministro, Mario Monti, como também o fez na Grécia, chutando George Papandreou e escolhendo Lucas Papademos.

Monti e Papademos não são personalidades políticas eleitas pelo povo, são quase interventores nomeados, não?

Não é verdade. Tudo foi feito perfeitamente de acordo com as Constituições. Na Itália, por exemplo, o presidente Giorgio Napolitano chamou Mario Monti, que se apresentou à Câmara de Deputados e Senado e obteve maioria ampla. Não sei o que você pode dizer de mal do ponto de vista constitucional em relação a Monti. A única coisa negativa é que, efetivamente, não houve um voto de desconfiança sobre Silvio Berlusconi. Mas você lamenta a queda de Berlusconi? Esse homem quase tirou a vida da Itália! Bruxelas o botou para fora, e estou satisfeito que a Europa possa fazer isso.

Alguns líderes, não satisfeitos em chutar Berlusconi ou Papademos para fora da Europa, gostariam de chutar a Grécia?

Ah, sim, mas não podem. Se há um país que não merece estar na Europa é a Grécia. Eles não são europeus. Os turcos são muito mais europeus que os gregos. Os únicos argumentos dos gregos, você sabe, são Platão, Aristóteles, o Panteão e toda essa herança. Mas a verdade é que os gregos têm uma economia não europeia. A marinha mercante, que é o essencial de sua economia, está registrada no Panamá, na Libéria, não na Grécia. É um setor que não paga imposto, assim como a Igreja Ortodoxa. E o sistema político da Grécia é um caos, dominado por clãs.

Então a Europa deve se livrar da Grécia?

Não! Mas nós já gastamos algo como € 200 bilhões, em boa parte dinheiro francês, aliás, até porque bancos como o Crédit Agricole estão muito engajados no sistema financeiro grego. O argumento para que gastássemos tanto com o salvamento da Grécia é que haveria risco de contágio na Itália. Hoje a Itália está mais ou menos nos trilhos, e falamos mais da Espanha.

Essa semana, a Espanha teve de nacionalizar o terceiro banco privado do país.

O caso da Espanha não é de irresponsabilidade, mas de um gigantesco erro econômico. Fizeram uma monoindústria baseada no turismo e no mercado imobiliário. Mas não é erro deles, pois não foram os espanhóis que fizeram a crise de subprimes nos EUA. Felizmente a América hispânica rende muito dinheiro à Espanha.

Voltando à eleição de Hollande, ela não se compara à mítica vitória do também socialista François Mitterrand em 1981. Por quê?

Considero que Mitterrand foi um grande sucesso para si próprio, mas uma catástrofe para a França. As medidas que tomou em maio de 1981 jogaram o país em uma crise econômica e dez meses depois não havia mais nada. Foi necessário que o primeiro-ministro, Pierre Mauroy, pedisse ao então ministro da Economia, Jacques Delors, que reavaliasse as decisões. Dois anos depois, em 1983 e 1984, não havia mais nada do que havia sido feito. Mitterrand morrera nessa época. Mas, durante 20 anos, ficou a imagem de uma esquerda socialista-comunista de sucesso. Mitterrand tomou o programa comunista em mãos, fez uma série de nacionalizações, mas nada fazia sentido. Alguns lembram que ele aboliu a pena de morte. Eu diria que é preciso lembrar que a França foi um dos últimos países da Europa a aboli-la. Os primeiros o fizeram no século 18. Mitterrand era um homem de direita que se tornou presidente pela esquerda.

E o que esperar de Hollande, então?

Hollande não é um socialista, é um social-democrata eleito em um momento em que a social-democracia está em vias de extinção, depois de 30 anos de desgaste. Não é alguém que vá buscar conflitos extremos, como Mitterrand. Por outro lado, não se sabe bem para onde ele vai. Se observamos a Alemanha, percebemos que as razões do sucesso de Angela Merkel hoje são as medidas de Gerhard Schröder em 2003, quando adotou a estratégia de diminuir o salário dos trabalhadores. Não é o que se pode chamar de programa de esquerda. É uma versão da estratégia chinesa, reduzindo os salários para fomentar a indústria. Schröder fez tudo isso em detrimento da Europa, obtendo uma vantagem competitiva. A França nessa época era superavitária em comércio. Depois disso, se tornou deficitária, assim como toda a Europa Ocidental, o grande mercado da Alemanha.

Merkel sinaliza agora com o aumento da massa salarial. O que isso representa?

Sim, felizmente os alemães chegaram ao final do ciclo e recomeçam a aumentar os salários. Tanto melhor: é um grande favor que fazem à Europa. Com salários mais altos, vai aumentar sua capacidade de importação e reduzir a de exportação, o que será bom para o equilíbrio de todos. Vale lembrar que 15 anos atrás a Alemanha era o mau aluno da Europa, com baixa taxa de crescimento, bem inferior à da França e até à da Itália. Agora o ciclo terminou. E esse ciclo não foi só bom para a Alemanha. Há uma enorme massa de trabalhadores com baixíssimos salários no país.

A Alemanha teve Schröder para fazer as reformas. Quem as fará na Europa?

Da parte da França, ao contrário da Alemanha, nenhum esforço considerável foi feito. Eu diria que a principal medida até agora foi a descentralização de poder em favor de cidades, departamentos e regiões, o que aumentou muito os custos da administração pública. Há alguns bons resultados, como no ensino superior. Mas o governo está bloqueado pela falta de recursos. Agora Hollande diz: é preciso crescer. Sua proposta é justa, mas inaceitável para a Alemanha.

Como fazer isso então?

Todos os Estados estão endividados, menos um: a União Europeia. Você pode dizer: “A Europa não é um Estado”. Sim, mas a estrutura existe e não está endividada. Para relançar o crescimento é preciso investir. Logo, é preciso tomar emprestado. Por que não da Europa? É, no fundo, o que Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), começou a fazer de forma um tanto extravagante, emprestando € 1 trilhão aos bancos com juros de 1%, sendo que eles repassam empréstimos a juros de 5%, 6%. Não é ruim ganhar dinheiro assim, não? Mas, voltando, por que os alemães não querem o endividamento da UE? Porque eles são os maiores contribuintes de Bruxelas. Eles não querem envolver dinheiro deles em favor dos lazy people do Sul - no que têm razão, é claro. Então como viabilizar o crescimento? Não sei. O único argumento em favor dessa proposta é evitar a ruptura do projeto europeu.

A Europa está de fato à beira da ruptura?

Ah, sim. Há três anos a Europa está à beira do precipício, o que ela faz com uma habilidade extraordinária. Os europeus são incrivelmente irresponsáveis. Nós dedicamos os últimos 30 anos à construção de algo que um menino de 5 anos não faria, que é uma união monetária sem um projeto econômico comum. No primeiro ano da faculdade de economia se aprende que essa é uma ideia idiota. Bruxelas foi catastrófica nesse ponto. Há dois anos estamos advertindo: se queremos ter uma moeda, será necessário ter uma governança econômica, o que significa uma política fiscal e orçamentária comum, ou políticas nacionais compatíveis. Hoje, sabemos que é preciso mais do que isso: para salvar o euro é preciso uma governança econômica, mas também política. É preciso ousar pronunciar a palavra impronunciável, horrível, condenável aos olhos de alguns: federalismo. Não que vá se fazer uma Europa federal. Mas será preciso incorporar o trust de Stuart Mill. Se há mercado, é preciso confiança. Logo, será necessária uma certa capacidade de decisão política.

A estagnação econômica não é fruto do declínio da integração política?

Veja bem, o mundo inteiro está crescendo. A Europa, ao contrário, está se dando conta de que está caindo. Ou talvez não esteja se dando conta, mas está caindo. Nesse ritmo, em 50 anos será o fim. Para evitar esse destino, será necessário mais consciência. Talvez tenhamos de retornar a Habermas, que ao lado de Daniel Cohn-Bendit era o único que defendia uma Europa patriótica face a um nacionalismo reforçado, que não tem nenhum sentido hoje. A boa notícia é que começa a se formar uma consciência na Europa sobre a intensidade do problema, o que talvez seja o caminho para a solução. Em 2010, diziam que em 2012 estaríamos no buraco, depois da Grécia, da Itália, da Espanha explodirem. Nesse intervalo, houve uma ação impressionante para evitar isso. Na Grécia, por exemplo, o projeto europeu tem apoio imenso. Eles sabem que não se pode mais sair, porque vão perder 50% de sua riqueza do dia para a noite, vão se sovietizar. Somos interdependentes.

E o sr. está otimista ou pessimista?

Não sei a diferença que você faz das duas coisas. Em geral, o pessimista é o mais otimista, porque acredita que as coisas vão tão mal que não podem ficar pior. Nós, os europeus, não fizemos nada nos últimos 30 anos além de criar uma nova burocracia que não serve para nada. Quando se procura José Manuel Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia é porque estamos buscando os mais inaptos para dirigir o projeto. Por termos tomado esse tipo de decisão a Europa está em queda livre. No entanto, nos últimos três anos a Europa acordou, ainda que sob a direção de “Merkozy”. Foram tomadas decisões importantes. A Europa vai mal, mas não houve catástrofe. Ela revelou uma confiança em si mesma surpreendente. É por isso que podemos ficar otimistas. A Europa pode sair da crise, com a condição de que creia em si mesma. A única solução para a Europa é mais Europa.

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO

Novas fitas na CPI:: Merval Pereira

A Comissão Parlamentar de Inquérito Mista que investiga as relações do mafioso Carlinhos Cachoeira com políticos, empresas e órgãos do Estado entra em sua segunda semana com a perspectiva de receber novas levas de fitas registrando mais conversas do senador Demóstenes Torres com integrantes do grupo. A essas novas gravações poderá se somar um depoimento à Aeronáutica daquele que é considerado o braço operacional da quadrilha do bicheiro, o terceiro sargento da Aeronáutica Idalberto Martins de Araujo, o Dadá.

Como ex-membro da comunidade de informações, que há mais de 10 anos usa sua especialidade a serviço do bicheiro, Dadá teria sido convocado pela Aeronáutica para um depoimento onde teria esclarecido a sua atuação e a de outros membros da antiga comunidade de informações dos militares em atividades criminosas.

A Aeronáutica estaria preocupada com a exposição pública das atividades de Dadá e estaria investigando até onde a ação desse grupo de ex-militares estaria disseminada pelo mundo do crime.

Se for confirmado esse depoimento sigiloso à Aeronáutica, a CPI pretende requisitá-lo ou formar uma comissão para ir à Aeronáutica tomar conhecimento dele.

Dadá esteve envolvido na montagem de um grupo de espionagem no comitê da campanha da então candidata Dilma Rousseff à Presidência, a convite do jornalista Amaury Ribeiro Jr, e é o mais constante colaborador de Cachoeira.

No depoimento sigiloso à CPI do Cachoeira, o delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Souza revelou que Dadá e um outro membro da comunidade de informações da Polícia Militar, Jairo Martins de Sousa, sequestraram em 2009, a mando de Cachoeira, um funcionário do grupo, que foi mantido em cárcere privado por desconfiança do bicheiro de fraudes no recolhimento de máquinas caça-níqueis.

Essas partes substantivas das investigações deverão superar as tentativas de manobras políticas de desviar o foco da CPI para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que não teria tomado providências para processar o senador Demóstenes Torres com base na Operação Vegas, precursora da Monte Carlo que acabou incriminando o senador.

Uma demonstração de que a atitude do procurador de sobrestar o processo por falta de indícios suficientes foi correta é que no mesmo pacote da Operação Vegas havia cerca de 80 pessoas sem foro especial incriminadas junto com o senador, e não se tem notícias de que os processos contra elas tenham ido adiante na justiça comum.

O relator do caso, o deputado petista Odair Cunha, já admite que o procurador-geral envie por escrito suas explicações, mas mesmo se o convite da CPI for nesse sentido, ainda é preciso saber se mesmo assim ele não estará colocando em risco sua atuação.

Além de prerrogativas constitucionais que fazem com que ele tenha competência exclusiva para definir a estratégia de suas investigações, sem precisar dar explicações, como ressalvaram diversos ministros do Supremo sobre a atividade do procurador-geral da República, o Código de Processo Penal o impede de depor na CPI.

O artigo 252 impede um juiz de participar de um processo se ele tiver sido testemunha no caso e o 258 diz que os membros do Ministério Público estão sujeitos às mesmas razões de impedimento e suspeição dos juízes.

Há ainda obstáculos constitucionais, como o artigo que fala em proteção do sigilo de fonte por autoridades, e o assunto pode chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Há informações de que o procurador-geral já tem um pedido de liminar pronto para garantir que não compareça caso seja convocado na votação da próxima quinta-feira, quando o assunto será levado ao plenário da CPI.

Um dos principais estimuladores da convocação do procurador-geral da República desde o primeiro dia da CPI é o hoje senador Fernando Collor, assim como é dele também o comando das iniciativas contra a imprensa, especialmente o diretor da revista Veja em Brasília Policarpo Junior.

Collor tentou por diversas vezes tirar dos delegados da Polícia Federal declarações contra a atuação do jornalista, alegando que ele e a revista estariam mancomunados com as atividades criminosas do bicheiro Carlinhos Cachoeira, mas não teve êxito.

Os delegados disseram que não há nada nas conversas gravadas que indiquem algo mais do que contato de jornalista e fonte.

O deputado Miro Teixeira, do PDT, que é jornalista, também questionou diretamente os delegados sobre a existência de um nexo causal entre os contatos de Policarpo Junior e os crimes praticados pelo grupo de Cachoeira, e ficou claro que não há como fazer esse nexo, sem o qual não há crime a ser denunciado por parte do jornalista.

Uma coincidência interessante é que a CPI do Cachoeira está sendo realizada na mesma sala 2 da Ala Nilo Coelho do Senado onde, há 20 anos, realizou-se a CPI do PC Farias que acabou levando o então Presidente Collor de Mello ao impeachment por parte do Congresso.
Sempre que o hoje senador Collor começa sua peroração contra a imprensa, há quem lembre que naquela sala já se tomaram decisões fundamentais para a garantia da democracia brasileira e o combate à corrupção, de cuja luta a CPI do Cachoeira faz parte.

As evidências estão fazendo com que arrefeça o ímpeto inicial de setores petistas e de aliados como Collor, a ponto de o petista mais alinhado com o grupo que quer se vingar da imprensa, o deputado Candido Vacarezza, já ter dito que seu intuito não é impedir a liberdade de expressão, mas processar os maus jornalistas como seria Policarpo Junior.

Ao que lhe foi lembrado que as leis do país estão em vigor e qualquer pessoa que se sinta ofendida ou caluniada por um órgão de imprensa tem a Justiça como caminho para resolver suas pendências.

FONTE: O GLOBO

Assédio moral:: Dora Kramer

Uma vez, lá pelos conturbados idos do governo Collor, um político alagoano cravou no adversário o apelido de "pistoleiro de almas".

Nenhum dos dois era criatura de se abrigar em casa nem flor de bom perfume. Daí, talvez, a escolha pelo acusador da designação que se aplicava de modo específico ao acusado por sua habilidade no manejo da arma do constrangimento moral para atingir seus objetivos.

Aquilo nunca me saiu da cabeça. A expressão de quando em vez escapole do escaninho onde foi guardada, por se adequar a comportamentos e situações recorrentes no cenário político.

Volta forte nesses tempos de substituição de ideias por insultos, de exercício explícito da ilação melíflua, da transformação da opinião em crime passível de rigorosa punição, da intolerância ante o contraditório, da distorção das palavras e ausência de compreensão dos raciocínios, do anonimato a serviço da agressividade no qual as redes sociais na internet encontram o ambiente ideal para replicação.

O desacato coator é o último recurso do covarde cheio de razão e carente de argumentação.

Quando tudo o mais falha, recorre à intimidação. De várias maneiras. Anos atrás, ainda no governo Fernando Henrique, um ministro agastado com declarações de uma deputada atribuiu as críticas a transtornos da menopausa.

Mais ou menos na mesma época, um sindicalista, hoje deputado, chamou a chefe da recém-criada Corregedoria (agora Controladoria) Geral da União de "feia e mal amada" por causa de uma auditoria que detectara fraudes dos repasses de verbas do Ministério do Trabalho para a central sindical dirigida pelo dito cavalheiro.

Não tendo como responder, ambos optaram por aliar humilhação e prepotência para tentar encabular.

Na ocasião não existiam as "redes" que hoje repercutem, ampliam e até conferem eficácia aos ataques. Vejamos os tucanos acusados desde o início do primeiro governo Lula de legar ao País uma "herança maldita".

Não havia substância nem lógica no carimbo, mas foi aceito por puro constrangimento. Em boa medida devido ao fato de que a ascensão de um "operário" ao poder transformava qualquer reação crítica em manifestação de preconceito.

É a dinâmica malsã do maniqueísmo. De certa maneira contribuiu muito para o sucesso do então candidato Fernando Collor de Mello, a despeito de já ter sido um desastre conhecido como prefeito de Maceió e governador de Alagoas.

Como, na condição de candidato à Presidência, se concentrava nos ataques ao impopularíssimo governo Sarney - "batedor de carteira da História", dizia ao modo da "pistolagem" referida pelo conterrâneo citado no início - críticas a ele eram computadas como apoio a Sarney e, por receio, evitadas.

Aos dias atuais: O PT sabe que o procurador-geral da República tem sustentação legal para não ir à CPMI, bem como não desconhece a impossibilidade de impor o "controle social da mídia".

A insistência não visa ao objetivo declarado, por inviável. Utiliza-se do meio: coagir moral, social e politicamente o enorme contingente que se deixa conduzir pela coleira da intimidação.

Vasos comunicantes. Em qualquer processo de investigação, notadamente os de natureza política como comissões parlamentares de inquérito, a chance de surgir uma surpresa, um fato novo e definitivo está na eventualidade da contradição entre acusados e/ou depoentes.

Na CPMI mais famosa do País, descontado o aparecimento de um (a) personagem inesperado (motorista, secretária, ex-mulher etc.) não haverá confronto de versões.

Três grandes advogados, Márcio Thomaz Bastos, Antônio Carlos de Almeida Castro e José Luis Oliveira Lima, estão interligados na defesa dos grandes alvos: Demóstenes Torres, Carlos Augusto Ramos e Fernando Cavendish.

Atuam também no processo do mensalão e convergem no que tange a posições políticas. Mas isso é até secundário.

Essencial em relação à CPMI é que haverá consonância, nunca dissonância.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A verdade que dói :: Eliane Cantanhêde

Conformismo. Essa é a palavra que melhor define a reação dos militares à composição da Comissão da Verdade, que eles tanto rejeitam. Perdidos os anéis, vão tentar salvar os dedos: a Lei da Anistia.

Os sete escolhidos por Dilma pessoalmente, quase solitariamente, têm destaque na carreira e densas histórias de vida. Gente de peso.

São ex-advogados de presos políticos, como José Carlos Dias e Rosa Maria Cunha, militantes de Direitos Humanos, como Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl, e juristas de ponta, como Gilson Dibb, Cláudio Fontelles e José Paulo Cavalcanti Filho. Parciais? Sim, sem dúvida.

Todos têm lado -o mesmo lado, apesar de uns mais tucanos, outros mais petistas- e posições claras e bem conhecidas. Mas não há ali xiitas, nem juvenis, e nenhum está tecnicamente impedido pela lei que criou a comissão. Não há torturados ou parentes de desaparecidos.

Perdida mais essa guerra, os militares agora alimentam uma dúvida (ou seria certeza?): para que vai servir mesmo a Comissão da Verdade?

Eles estão convencidos de que as histórias de torturas, mortes e desaparecimentos já são amplamente conhecidas. Tanto quanto as vítimas e os próprios algozes.

Logo, desconfiam, ou sabem, que a comissão é a cortina de fumaça para produzir ações penais contra os agentes do Estado que exorbitaram durante a ditadura. Ou seja, contra os militares da época.

Será, simultaneamente, o canal para catequizar a população para a tese de que, mais de 30 anos depois, já passou da hora de revogar a Lei da Anistia para processar e punir torturadores. Até porque tortura é crime imprescritível.

Uns com raiva, outros com melancolia, esses militares alegam que todas as verdades sempre têm dois ou mais lados. Mas, na história, quem ri por último ri melhor e a verdade é sempre a do vencedor.

No caso, de quem subiu a rampa do Planalto pela força do voto.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O procurador-geral fabricou uma crise:: Elio Gaspari

Numa época em que surgiu o ofício de "gerenciador de crise", o procurador-geral Roberto Gurgel se tornou um fabricante de encrenca. O doutor sobrestou a operação Vegas da Polícia Federal, que expunha relações do senador Demóstenes Torres com Carlinhos Cachoeira durante três anos.

Em março, quando outra investigação detonou a quadrilha, Gurgel representou ao STF contra o senador. Conhecem-se duas explicações de sua conduta. Uma, apresentada numa nota oficial, informa que ele "optou por sobrestar o caso, como estratégia para evitar que fossem reveladas outras investigações".

Noutra, contada pelo delegado que chefiou a Vegas, a subprocuradora-geral Claudia Sampaio (casada com Gurgel), disse-lhe que não foram encontrados elementos suficientes para a abertura de um processo.

Diante das cobranças para que se explique melhor, Gurgel tumultuou o debate: tudo seria coisa de "pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão". Há gente com medo do desfecho do mensalão, é até possível que essas pessoas queiram azucriná-lo, mas a questão continua do mesmo tamanho: ele segurou a Operação Vegas. Pode tê-lo feito pelos melhores motivos, mas suas explicações ainda não satisfazem quem queira entendê-los.

Em sua representação de 2012, Gurgel valeu-se de 22 gravações que estavam no inquérito que recebeu em 2009. O doutor não quer ir à CPI e tanto o ministro Joaquim Barbosa como seu contemporâneo Gilmar Mendes, do STF, dão-lhe razão.

FONTE: O GLOBO

Nus na cachoeira, pelados de idéias:: Vinicius Torres Freire

No momento em que política econômica vira do avesso, políticos se dedicam quase apenas a mumunhas para salvar amigos desclassificados

O Congresso apita pouco sobre economia. Não é novidade. Mal mexe no Orçamento, ao qual quase apenas emenda verbas para bases eleitorais da deputação.

A política econômica, então, é um universo paralelo. Além de estar muita vez fora da alçada legal do Congresso, as providências econômicas escapam do entendimento intelectual dos parlamentares, cada vez mais toscos e omissos, uma tigrada.

A ausência do Congresso fica ainda mais notável em momentos como este, em que a política econômica vai sendo como que virada do avesso ao mesmo tempo em que outra vez a gente enxerga as entranhas mais revoltantes da política politiqueira, o caso de Cachoeira & turma, e as mumunhas que antecedem o julgamento do mensalão.

Sim, o Congresso legisla sobre impostos, divisões de royalties, aumentos de funcionários etc., aprecia as medidas provisórias que definem muito da política econômica.

Mas, no melhor dos casos, quanto a gastos e impostos, dedica-se a dividir o butim federativo. No comum dos casos, pendura nas leis contrabandos que favorecem interesses muito privados.

Não devia ser tanto assim.

Política econômica é, enfim, política, e nem política os políticos fazem a respeito. Não se espera outra coisa do PT e da coalizão de peemedebês aboletada no governo, que, enfim, são governistas, embora pudessem demonstrar um pouco de vergonha na cara e altivez) em relação aos decretos do Executivo. Mas quede a oposição?

Está tão dedicada a manobras e mutretas quanto o petismo-peemedebismo, ambos mergulhados na tarefa de livrar a cara dos desclassificados piores pegos nus na cachoeira ou na mensalagem.

Além de ínfima, inoperante e dedicada a críticas de um oportunismo mesquinho e oligofrênico, a oposição, diga-se logo o PSDB, ainda se finge de morta diante de casos como o desse notório deputado Lereia, declarado "amigo pessoal" desse Cachoeira, ou do enroladíssimo Marconi Perillo, governador de Goiás.

É degradante: portanto talvez condizente mesmo com a atitude de gente que tolerou o mensalão mineiro de Eduardo Azeredo, para ficar numa história mais conhecida.

Parece, pois, tolice ingênua esperar que essa gente pequena se organize para debater economia ou qualquer coisa, criticar Dilma, chamar notáveis para pensar alternativas.
Vez e outra, alguns dos melhores pensadores tucanos se encontram no Instituto FHC. Mas debates assim são, em termos políticos, quase clandestinos, para poucos.

Se não fosse tanta a preguiça, a burrice e a falta de imaginação, o PSDB poderia juntar seu quadros pensantes restantes e fazer barulho na mídia, suscitar algum debate sério, mas politicamente relevante e audível. Debate: não essas idiotices sobre "meter a mão no bolso do povo" (como a "crítica" à mexida na poupança"). Mas quede?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Fatalidades e voluntarismos :: Pedro S. Malan

"A austeridade não é uma fatalidade", disse o novo presidente da França no dia de sua vitória, domingo passado. Os gregos, que votaram nesse mesmo dia, parecem estar de acordo, assim como muitos outros europeus. A frase de efeito de François Hollande não é incorreta, mas precisa ser situada no contexto do drama em que se debate a Europa desde 2007. Com particular intensidade desde que, há exatos dois anos, os ministros da Fazenda europeus viraram o segundo fim de semana de maio acertando a forma de evitar um então iminente calote grego, e o efeito contágio que isso teria sobre outros países da região - e sobre seus bancos.

Os gregos antigos entendiam de tragédias e as expressavam em seus poemas épicos por meio de belas metáforas, Na Ilíada, o herói atacava uma cidade que sabia que não conseguiria conquistar; e a cidade se defendia valorosamente, sabendo que ao final seria derrotada. Uma pessoa culta como Hollande talvez estivesse querendo dizer, metaforicamente, que as coisas não precisam acontecer porque os deuses dos gregos antigos assim haviam decidido. E que nossa vida e nosso futuro estão em nossas mãos - como sempre estiveram. Nesse sentido, é correto dizer que a austeridade, como muitas outras coisas na vida, não é uma fatalidade.

Mas a frase de Hollande, já como presidente eleito, expressou de forma sintética o sentimento de milhões de europeus. E deu renovado alento a um falso dilema, mais uma genérica dicotomia entre os defensores da "austeridade" e seus antípodas, os defensores do "crescimento", como se essa fosse a fundamental, óbvia - e fácil - opção europeia.

Afinal, por que alguém preferiria sofrer as agruras da "austeridade" quando poderia, livremente, escolher maior crescimento, renda e emprego, votando em quem se proponha a trazê-los de volta - pela força de sua vontade e capacidade para tal empreitada?

A propósito, Linhas de Falha, o belo livro de Raghuram Rajan, teve sua edição brasileira lançada na semana passada. Vale citar o trecho a seguir. "Governos democráticos não são programados para pensar em ações que têm custos a curto prazo, mas que produzem ganhos a longo prazo - que é o típico padrão de retorno de qualquer investimento. Que por vezes governos façam estes investimentos é uma consequência ou de uma liderança incomumente corajosa ou de um eleitorado que compreende os custos de adiar escolhas difíceis. Liderança corajosa é coisa rara. Mas também é raro um eleitorado informado e comprometido, porque os próprios especialistas são muito confusos... o debate não leva a um consenso, os moderados dentre o eleitorado não sabem bem no que acreditar, e o resultado é que as escolhas de políticas seguem o caminho de menor desconforto - até que a situação se torne insustentável".

Mas, como diz adiante o autor, "as democracias são necessariamente generosas, enquanto que os mercados e a natureza não são". E nas inevitáveis respostas a situações que se tornam insustentáveis, muitos governos podem atingir os limites de suas capacidades (de tributar, de gastar, de se endividar, de reformar, de gerir, de investir), ficando tentados a seguir cursos indesejáveis de ação. Enquanto os políticos hesitam em empreender ações dolorosas, mas necessárias, para colocar a economia no rumo apropriado para o crescimento de longo prazo, os problemas se agravam e se tornam mais difíceis de resolver. Como diz Rajan, "mais anos à deriva" levarão ao aumento dos encargos da dívida pública, a mais direitos (ou expectativas de direitos) frustrados ou inacessíveis e a um crescente número de desfavorecidos.

Devo dizer que estou dentre os inúmeros admiradores da "construção europeia" após a 2.ª Guerra Mundial. O que os europeus investiram nesse processo, ao longo de mais de 60 anos, permite certa confiança de que serão capazes, ainda que a elevados custos, de se erguer à altura dos enormes desafios atuais. Porque as lideranças políticas, econômicas e culturais europeias sabem o que está em jogo. E, apesar de seu conturbado processo decisório, deverão fazer o necessário.

O necessário hoje, a meu ver, já está acontecendo. Esse debate sobre "austeridade versus crescimento", quando assim generalizado, é um falso debate. Porém mesmo novas lideranças políticas comprometidas com (e eleitas para) fazer "whatever it takes" (o que quer que seja necessário) para retomar o crescimento sabem, e muito bem, que esta retomada, em muitos países (inclusive na França), não pode ser realizada por meio do aumento adicional dos seus já elevados déficits fiscais anuais e de seus não menos elevados estoques de dívida pública. Na verdade, para muitos países é fundamental reduzi-los, e não apenas não aumentá-los.

A discussão econômica séria hoje na Europa não é sobre se há ou não necessidade de ajustes fiscais. É sobre a possibilidade de recalibrá-los de maneira crível e factível (numa perspectiva de médio prazo) para que a necessária redução dos déficits e dos estoques de dívida seja menos intensamente concentrada nos primeiros anos e, portanto, não tenha efeitos muito negativos sobre o crescimento. Isso é possível e, em alguns casos, necessário. Mas a agenda do crescimento europeu, como a nossa, transcende de muito essa questão.

Por certo, há limites para a austeridade, que podem ser de natureza econômica ou político-social, e que sempre dependem do contexto específico de cada país. Mas também é verdade que há limites para o crescimento, que são ou deveriam ser conhecidos. Governos não decidem, por meio de atos de vontade política, quais serão as taxas de crescimento futuro de uma economia - só os ingênuos, ou arrogantes, pensam assim.

Em resumo, há limites para austeridade, há limites para o crescimento e há limites para o voluntarismo. Nenhum deles é uma fatalidade. Ainda bem.

Economista, foi ministro da fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO