sábado, 9 de junho de 2012

OPINIÃO DO DIA – Fernando Gabeira: deuses e loucos

No script do socialismo real o proletariado foi substituído pelo partido, o partido pelo comitê central e o comitê central por um só homem. No script da social-democracia tropical Lula substituiu o proletariado, o partido, o comitê central e o próprio povo brasileiro ao dizer que não deixará um tucano voltar à Presidência. Se avaliar com tranquilidade o que disse, Lula vai perceber que sua frase não passa de uma bravata.

O que faz um homem tão popular e bem-sucedido bravatear no Programa do Ratinho é um mistério da mente humana que não tenho condições de decifrar. A única pista que me vem à cabeça está na sabedoria grega: os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.

Gabeira, Fernando, jornalista. Lula e nosso futuro comum, O Estado de S. Paulo, 8/6/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Atraso em obras faz governo mudar prioridades para Copa
Ministro do STF: petistas exercem 'jus esperneandis'
UNE recebe indenização, mas não renova sede
Cruzeiro do Sul tinha recursos de fundos de pensão

FOLHA DE S. PAULO
Construtora troca terceirizado por mão de obra fixa
Brasil dá asilo a senador boliviano adversário de Evo

O ESTADO DE S. PAULO
Europa prepara pacote para socorrer economia da Espanha
BC brasileiro indica novos cortes nos juros
Diretor do Turismo pode ter beneficiado entidade
Asilo a opositor boliviano
Governo cede aviões para a Rio+20
STF vê clima de apoio para julgar mensalão
Conteúdo anual não é dado por 75% dos professores

CORREIO BRAZILIENSE
Inflação: Pãozinho mais caro
Operação Monte Carlo: Ex-diretor da Delta tem liberdade concedida

ESTADO DE MINAS
Um transporte leve para BH
Faxina faz um ano
Elas estão conquistando a indústria

ZERO HORA (RS)
Alta do dólar muda comportamento de gaúchos no Exterior

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Planos de saúde ameaçam dobrar preço

A realidade da educação – Editorial:: PPS

É senso comum que a educação básica no Brasil vai de mal a pior. O desempenho de nossos alunos em exames internacionais como o PISA é vergonhoso. Os salários dos professores são indignos e mesmo o piso nacional não é pago por todos os governadores como, por exemplo, pelo ex-ministro da educação Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul, que recentemente afirmou que não tinha como arcar com esse custo.

No entanto, pelo menos no ensino superior a educação pública era sinônimo de qualidade. Era. O governo Lula e seu ministro da educação Haddad conseguiram a proeza de sucatear o ensino superior público federal ao criar novas instituições e expandir as existentes de forma descontrolada. É isso, principalmente, o que nos conta a greve de 80% das universidades federais.

Os professores querem aumento salarial e reestruturação da carreira, com razão. Um professor titular com doutorado, recebe por 40h R$ 5.691,30, menos que um técnico com 3 anos de carreira do Banco Central,que precisa ter somente ensino médio. Não há justificativa para essa discrepância.

Mas a greve não é somente por melhores salários. Os docentes estão lutando por melhores condições de trabalho. Há universidades sem sede funcionando em escolas municipais de ensino básico, como a Unifesp de Guarulhos. Há universidades com esgoto a céu aberto e sem transporte, com a Rural de Pernambuco em Garanhuns. Há prédios inacabados, sem alvará de funcionamento, recebendo alunos para aulas, como na expansão da UFF. Com essas condições, é fácil de entender a evasão recorde de 42% dos alunos da Universidade Federal do ABC.

Os alunos têm aderido à greve em apoio aos professores. A UNE não se manifesta, já que recebe grandes verbas federais. Foi comprada pelo governo. A juventude do PCdoB, que a comanda, posta-se de coveira de uma instituição que não representa mais os anseios dos estudantes. Surge, em seu vácuo, a Assembleia Nacional dos Estudantes-Livre (Anel), para comandar os protestos.

O ministro Mercadante, que parece fazer uma gestão de continuidade piorada de Haddad, recusa-se a lidar com a realidade das federais. Certamente elas seriam reprovadas pela supervisão do MEC se fossem adotados os mesmos critérios que são exigidos das universidades privadas. O ministro precisa negociar com os professores a recomposição salarial e garantir qualidade do ensino com universidades reais e não somente instituições de papel que só servem para a ilustrar a propaganda oficial.

O PPS reitera seu forte compromisso com a educação pública de qualidade e se solidariza com os professores por sua luta por melhores salários e com os estudantes por suas reivindicação por melhores condições de estudo.

FONTE: PORTAL DO PPS

UNE recebeu verba para construir sede, mas projeto está parado

Governo federal depositou R$ 30 milhões em conta da entidade para fazer a obra

Cássio Bruno, Jaqueline Falcão

(Lula, então presidente da República, discursa ao entregar verba para a UNE O Globo / Gabriel de Paiva)

RIO - O lançamento da pedra fundamental da nova sede da UNE, no Rio, em 20 de dezembro de 2010, foi marcado por uma grande festa, com direito a palanque e discursos de políticos e estudantes. O convidado principal era o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquela ocasião, o próprio Lula anunciou a liberação de R$ 30 milhões — de um total de R$ 44 milhões — para a construção do prédio de 13 andares em um terreno da Praia do Flamengo, no número 132, na Zona Sul. Até hoje, porém, não há nenhum sinal de que no local será erguido o projeto desenhado e doado à entidade pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que também estava presente ao evento.

— Não foi fácil avaliar quanto custava este prédio aqui. Chegamos a R$ 32 milhões, depois a R$ 44 milhões. Nós já depositamos R$ 30 milhões na conta da UNE. Já está depositado. Ela (a UNE) nunca esteve tão rica como agora. O que vocês estão conquistando, na verdade, é muito mais do que um espaço para fazer uma sede. Eu acho que a conquista aqui é um espaço para a consolidação do processo democrático brasileiro, para o debate político, para a formação da nossa juventude e para discutir as coisas que o movimento estudantil tem que discutir — afirmou Lula no discurso, o último dele dedicado a estudantes antes de deixar a Presidência da República.

UNE diz que obras começam em agosto

O terreno foi doado à UNE no governo Itamar Franco. E o dinheiro repassado por Lula a título de indenização pelos danos sofridos durante a ditadura militar. A antiga sede foi incendiada pelo regime, em 1964. Dos R$ 44 milhões, R$ 14 milhões que também estavam previstos para o novo prédio ainda não foram liberados. As obras deveriam ter começado no primeiro semestre do ano passado, com duração de até dois anos, incluindo salas de cinema, teatro, museu Memória do Movimento Estudantil e a administração. À época, os dirigentes também tinham planos de alugar alguns andares.

Quando a quantia foi transferida para a UNE, o presidente era Augusto Chagas. Procurado pelo GLOBO nesta sexta-feira, ele não quis comentar o caso:

— Está combinado com a UNE que só o atual presidente fala. É indelicado eu me pronunciar, não é adequado. Peço desculpas. Conversa com o Daniel (Iliescu, atual presidente).

Iliescu afirmou que a construção deverá ocorrer até 11 de agosto deste ano, quando a UNE comemora 75 anos de existência:

— Somos uma entidade privada e não há obrigação legal que define a destinação do dinheiro que recebemos. No entanto, a diretoria plena da UNE definiu que os recursos serão para a nova sede. Está no tempo absolutamente razoável. O início das obras será antes do dia 11 de agosto, quando faremos uma grande comemoração.

Iliescu não explicou o motivo da demora e destacou que a especialidade da UNE “não é construir prédios”:

— Nossa especialidade não é construir prédios e, sim, debater educação e fazer passeata. Mas temos corpo técnico que nos deixa confortável para iniciar a obra.

Segundo Iliescu, os R$ 30 milhões estão em uma “conta bancária específica”, que é auditada pelo Conselho Fiscal da UNE. O Ministério Público Federal abriu uma ação para tentar anular a doação do terreno alegando que a UNE nada fizera para construir a sede. Mas a Justiça optou por arquivar o caso, em 2006, diante do compromisso da UNE em erguer o prédio.

O Ministério do Esporte informou nesta sexta-feira que já pediu à UNE a devolução integral dos recursos repassados à entidade, em convênio relacionado à 6ª Bienal de Artes, Ciência e Cultura, realizada em 2009. Como o GLOBO mostrou, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) aponta a existência de indícios de irregularidades graves em convênios do governo federal com a UNE e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), de São Paulo. O procurador Marinus Marsico pediu ao TCU que investigue os repasses.

O convênio do Ministério do Esporte com a UNE, no valor de R$ 250 mil, foi encerrado em 28 de fevereiro de 2009. Em março de 2012, após já ter prorrogado o prazo de entrega da prestação de contas, o Ministério do Esporte incluiu a UNE na lista de inadimplentes do Siconv, sistema que gerencia os convênios da União. Segundo a pasta, a solicitação de devolução integral do dinheiro foi feita em 23 de maio, um dia antes de o procurador Marsico protocolar a representação no TCU. O valor restituído deverá ser corrigido pela inflação do período.

“Considerando que o princípio da ampla defesa e o prazo para manifestação da parte conveniada foram garantidos, o Ministério do Esporte procedeu pedido à entidade de restituição do valor integral do convênio, devidamente atualizado monetariamente nos termos da Lei”, diz nota divulgada pelo ministério.

Na representação que fez ao TCU, Marsico registrou a demora do Ministério do Esporte em tomar providências diante do atraso da UNE em prestar contas sobre o uso do dinheiro público. Segundo o procurador, a pasta só agiu depois de provocada por ele:

— Isso é muito perigoso, porque envolve uma atuação estrutural dos ministérios, que deveriam agir prontamente. Só conseguimos pegar essas coisas no tribunal de contas muito depois. E aí o prejuízo já está bem maior — disse Marsico ao GLOBO.

— Não há investigação no TCU. O que existe é um pedido de um procurador para abrir uma investigação. O TCU, por enquanto, não se posicionou. Desde 1999, fazemos convênios com o governo. Todas as prestações de contas foram aprovadas. Não há irregularidade. Estou à disposição para esclarecer. Posso dizer que não houve má-fé. Agora, se houve uma imperícia técnica, tomaremos as medidas cabíveis, como devolver os recursos — afirmou Iliescu.

Priscila Casale, presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), negou que a entidade tenha usado recursos do governo federal indevidamente ou entregue notas fiscais frias na prestação de contas.

— Nunca tivemos problemas com a prestação de contas. Celebramos convênio com governo federal, estadual e municipal há um bom tempo. Confiamos no nosso trabalho — afirmou Priscila.

FONTE: O GLOBO

Conteúdo anual não é dado por 75% dos professores

Conteúdo previsto para o ano não é cumprido por 75% dos professores

Ocimara Balmant

Nas escolas brasileiras, o aluno é promovido de série sem que tenha tido acesso a todo o conteúdo previsto. Dados da Prova Brasil mostram que 75% dos professores desenvolvem menos de 80% do que deveria ser trabalhado no ano.

Os dados foram tabulados pelo Estado a partir do questionário da Prova Brasil 2009, respondido por 216.495 docentes de instituições públicas de todo o País que dão aulas para alunos do 5.º e 9.º ano do ensino fundamental, público-alvo da avaliação.

Os Estados da Região Nordeste apresentam os piores porcentuais de cumprimento do currículo. Nos Estados do Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Maranhão, por exemplo, quase 30% dos docentes não conseguem cumprir nem a metade do currículo proposto.

Nesses locais, o índice de professores que conseguem cumprir mais de 80% do conteúdo previsto cai para apenas 10%.

Um reflexo desse ensino incompleto está nos resultados da Prova Brasil. Quanto terminam o 5.º ano, 34,2% dos alunos têm conhecimento de português adequado à série. Em matemática, o índice é de 32,5%. Ao fim do 9.º ano, o rendimento piora ainda mais: apenas 14,7% dos alunos sabem o mínimo em matemática e 26,2%, em português.

"Isso acontece porque os conteúdos são cíclicos, retornam em anos seguintes de forma mais complexa. Se o aluno não o aprendeu bem, não conseguirá acompanhar na série seguinte", afirma Maria Carolina Dias, especialista em Gestão Educacional da Fundação Itaú Social.

Causa. Mas não basta responsabilizar o professor. O não cumprimento do conteúdo, segundo especialistas, reflete problemas complexos da educação brasileira, como a formação deficiente dos docentes, a falta de um acompanhamento pedagógico da escola e, principalmente, a necessidade de que o País implante um currículo nacional coerente e que priorize os conteúdos elementares.

"Não dá para nomear apenas um culpado. A responsabilidade é coletiva. Por isso é que políticas públicas focadas apenas na cobrança de resultados não são suficientes. É preciso investir na estrutura das escolas e no professor", afirma Branca Ponce, professora de pós-graduação em Educação e Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Formação. Na discussão sobre a responsabilidade do professor, o primeiro ponto a ser observado é a falta de repertório, avalia Maria Carolina, da Fundação Itaú Social. "Muitos professores desconhecem o assunto, até porque dão aulas de disciplinas correlatas. Um biólogo que é professor de matemática não vai cumprir o conteúdo simplesmente porque não sabe."

Além disso, diz Carolina, é preciso que os docentes entendam a importância de planejar o trabalho. "Muitos professores abrem o diário e veem na hora o que precisam fazer, não pensam com antecedência. Para que isso mude, é preciso um bom coordenador pedagógico, que acompanhe e tenha uma visão global."

Para a consultora Ilona Becskeházy, a solução passa, obrigatoriamente, pela criação de um currículo nacional. "O currículo é o mapa de navegação de um sistema de ensino. Aqui no Brasil, como não existem essas metas específicas de aprendizagem, fica impossível averiguar que tipo de conteúdo o professor está ministrando e, consequentemente, se o aprendizado do aluno está garantido."

O grande entrave para a definição desse currículo nacional, explica Ilona, é a ideia de que, com ele, acabaria a autonomia do professor. "Em primeiro lugar, currículo não diminui a autonomia. Além disso, a autonomia não pode ficar acima do direito do aluno de estudar."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

'Obter 7,5% do PIB para educação é audacioso'

Para relator do Plano Nacional de Educação, discussão poderá ganhar força se sair da comissão especial e for ao plenário

Rafael Moraes Moura

BRASÍLIA - Elevar o investimento público em educação dos atuais 5% do PIB para 7,5% dentro de dez anos é uma meta "audaciosa", na opinião do deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR), relator do Plano Nacional de Educação (PNE). O texto, que tramita em comissão especial na Câmara dos Deputados, traz 20 metas - a mais polêmica delas é a que trata do porcentual do PIB que deve ser destinado à área.

A versão encaminhada pelo Executivo previa 7%, o próprio Vanhoni cogitou 8,29%, mas, sob pressão do governo, acabou-se chegando aos 7,5%, número aquém dos 10%, defendido por entidades da área de ensino.

O senhor esperava que esse debate fosse tomar tanto tempo?

Não, eu não imaginava nem que o PNE tivesse o número de emendas que teve, mais de 3 mil. Tinha impressão de que poderia votá-lo na Câmara no ano passado.

As eleições municipais podem contaminar a discussão?

Do ponto de vista estrutural, não. Pode contaminar do ponto de vista de retardar a votação. O importante neste momento é que o plano seja aprovado na Câmara, porque queremos que o debate da educação seja a pauta das campanhas municipais em todo o Brasil.

O senhor cogitou fixar em 8,29% o investimento dentro de dez anos, mas sofreu pressão do Executivo. A relação é difícil?

É sempre um diálogo tenso. Houve idas e vindas, porque as interpretações dos técnicos da Fazenda são sempre muito frias, e nós, que pretendemos colocar a educação como centralidade no desenvolvimento do País, queremos puxar a discussão dos investimentos para a construção do conhecimento.

Dá pra ir além dos 7,5%?

Buscamos uma possibilidade de avançar um pouco mais.

Como o senhor vê essa defesa pelos 10%? Fica difícil ir contra?

Os 10% se transformaram numa bandeira política. Quem defende os 10% está, por exemplo, defendendo a construção de 350 mil vagas de ensino superior por ano. Isso significa chegar ao final da década com quase 4 milhões de estudantes a mais frequentando universidades públicas. Temos condições de realizar isso? O presidente Lula construiu 14 universidades federais, com 140 mil vagas ao total. Com 7,5% estamos sendo audaciosos porque colocamos o que foi feito em dez anos para fazer em um: todo ano construir 140 mil vagas.

Lhe causa frustração o fato de o PNE não ter mobilizado a sociedade civil como fizeram, por exemplo, o Código Florestal e a Lei da Ficha Limpa?

O PNE está sendo discutido na comissão especial. Se for para o plenário, a discussão ganha mais força. O Código Florestal assumiu toda a representatividade que tem porque envolveu uma bancada forte, a dos ruralistas, e teve essa dimensão porque foi debatido no plenário. Para a educação, o importante é que a lei seja aprovada.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Ministro do STF: petistas exercem 'jus esperneandis'

O presidente do STF, Ayres Britto, e o ministro Marco Aurélio reagiram ao secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR), para quem a Corte cedeu a pressões ao marcar o julgamento do mensalão para perto das eleições. "É o "jus esperneandis"", disse Marco Aurélio.

Para ministro, reação do PT é "jus esperneandis"

Magistrados criticam acusações de secretário nacional do partido; petistas lamentam proximidade entre julgamento e eleições

Fernanda Krakovics, Maria Lima

BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, e o ministro Marco Aurélio Mello reagiram ontem à acusação do secretário nacional de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR), de que o STF cedeu a pressões ao marcar o início do julgamento do mensalão para agosto, coincidindo com a campanha eleitoral.

Marco Aurélio minimizou as críticas do petista ressaltando que o calendário do Supremo não leva em conta o processo eleitoral, e sim os ritos processuais, o ministro afirmou que adiar o julgamento poderia acarretar prescrição dos crimes, em caso de condenação.

- O Supremo não age a partir de sugestionamentos ou pressões. Ninguém quis essa coincidência. Essa reação é muito conhecida no Direito: é o "jus esperneandis" - ironizou o ministro Marco Aurélio, ao comentar as declarações de Vargas.

Mais comedido, o presidente do tribunal também refutou as acusações do petista, por meio de sua assessoria de imprensa:

- O processo está maduro para julgamento, tanto que foi unânime a decisão de fixar o cronograma. Sete anos já decorreram da denúncia e não há como confundir predisposição para julgar com predisposição para absolver ou condenar. Uma coisa não tem nada a ver com a outra - afirmou Ayres Britto.

A definição da data para o Supremo começar a julgar o mensalão ocorreu dez dias depois de o ministro Gilmar Mendes, do STF, ter acusado o ex-presidente Lula de pressionar pelo adiamento do julgamento para depois das eleições municipais.

- Já imaginávamos que ia ter pressão, mas não imaginávamos que segmentos do Supremo seriam tão suscetíveis assim. Infelizmente, as ações do Supremo não são cercadas da austeridade exigida para uma Corte Suprema. Ministro do Supremo não é para ficar sendo aplaudido em restaurante por dar decisão contra o PT. Nos EUA, eles não podem nem tirar foto, mas aqui tem ministro do Supremo com vocação para pop star - disse anteontem ao GLOBO o secretário nacional de Comunicação do PT.

Mais moderados, outros petistas lamentam a coincidência com a campanha eleitoral e que o julgamento não tenha ocorrido antes. O senador Jorge Viana (PT-AC) diz que o fato do escândalo envolver um partido que sempre combateu a corrupção, ganhou uma dimensão maior e agora cabe ao Supremo, o tribunal "mais político que existe", evitar que o clima da eleição contamine o julgamento.

- Diante do calendário estabelecido, todos temos que confiar na isenção da mais alta Corte de Justiça do país. Vale a máxima que decisão judicial não se discute. Agora, acho inteiramente natural que se discuta porque esse julgamento não aconteceu antes, ou não aconteça depois das eleições - disse Viana.

O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) diz que para o PT vai ser muito bom acabar logo com isso.

- Vão aparecer outras coisas. Onde começou o mensalão foi em Minas Gerais (na gestão tucano de Eduardo Azeredo). Vai ter munição para todo lado. A imprensa fica provocando, dizendo que vai respingar no presidente Lula, mas nada respinga no Lula. Ele foi ex-presidente, elegeu a presidente Dilma. A bronca é essa - disse Devanir Ribeiro.

FONTE: O GLOBO

Em Recife, João da Costa sem trégua com Humberto

PT x PT Prefeito diz que diálogo com senador pode até ocorrer, em outro momento, mas reitera que deve recorrer da decisão da cúpula

Bruna Serra

Firme no discurso de que o momento não é propício a distencionamentos, como quer o pré-candidato Humberto Costa, o prefeito do Recife, João da Costa disse que apesar de aceitar conversar com o correligionário, avalia que o jogo ainda não acabou, por isso não seria o momento para dialogar. “Humberto não me procurou e eu também acho que não é o momento da gente conversar. Talvez não seja o momento adequado ainda da gente conversar porque as feridas ainda estão muito abertas e talvez o resultado disso não seja o melhor para o partido”, ponderou João da Costa, ontem pela manhã, em entrevista à Rádio Jornal. Na ocasião, o gestor voltou a afirmar que deverá recorrer da decisão da Executiva nacional petista, que na última terça-feira (5) negou-lhe o direito de disputar a reeleição, avaliando que o melhor nome para representar o partido nas eleições de outubro seria o do senador.

Durante a tarde de ontem, o prefeito reunir-se individualmente com quase todos os integrantes de seu grupo político e deve anunciar no começo da semana que entrará com recurso no Diretório nacional do PT contestando a decisão. O diretório é formado por 84 membros e a Executiva é submetida a ele e conta apenas com 22 integrantes. A esperança do prefeito é de que um quórum maior possibilite sua vitória. “A tendência é mesmo recorrer porque a decisão não convenceu. Não foi usado um argumento político para retirar meu nome e colocar o de Humberto Costa. Disseram apenas que eu tinha que sair porque meu nome não unia o PT e a Frente Popular. Mas não estou vendo união”, informou o prefeito na rádio.

Os deputados estaduais Teresa Leitão e André Campos, bem como o deputado federal Fernando Ferro, foram os principais defensores do recurso. “Para iniciarmos a composição do documento que será enviado ao diretório falta apenas a decisão final, que cabe ao próprio prefeito. Não houve nenhum dos coordenadores que se posicionasse de forma contrária ao recurso. Ponderamos todas as possibilidades, mas a decisão em recorrer foi unânime”, esclareceu André Campos.

O prazo para o prefeito entrar com o recurso na subsede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo espira na próxima sexta-feira (15), dez dias depois do anúncio do resultado, anunciado em entrevista coletiva na quarta-feira (6) pelo presidente nacional do partido, Rui Falcão.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

PSB pode romper aliança com PT em Recife

Indefinição do candidato petista leva o governador Eduardo Campos a escolher quatro pré-candidatos do seu partido

Governador diz que aguarda a pacificação no PT, mas que seu limite seria o risco de uma derrota eleitoral

Fábio Guibu

RECIFE - A crise interna que coloca em risco a hegemonia de 12 anos do PT na Prefeitura de Recife poderá levar seu principal aliado, o PSB, a lançar candidato próprio a prefeito na capital pernambucana.

Por determinação do governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, quatro secretários de Estado foram exonerados ontem de seus cargos e nomeados pré-candidatos do partido em Recife.

Sileno Guedes, Danilo Cabral, Geraldo Julio e Tadeu Alencar acompanharão as articulações internas do PT, mas também se movimentarão de forma independente.

Os socialistas, que ocupam a vice-prefeitura da capital, querem estar preparados para a possibilidade de o candidato imposto pelo PT, o senador Humberto Costa, não conseguir unir a base aliada, formada por 15 partidos.

A Folha apurou que Campos já avisou o ex-presidente Lula da possibilidade de romper a aliança em Recife.

O governador disse que aguardaria as tentativas de pacificação no PT, mas que seu limite seria o risco de uma derrota eleitoral -possibilidade que passou a enxergar com a resistência do prefeito João da Costa (PT) em aceitar a candidatura do senador.

O prefeito afirma que não se submeterá "a um ato de força" da Executiva Nacional do PT. Ele deve recorrer ao Diretório Nacional e não descarta procurar a Justiça para viabilizar a sua candidatura.
João da Costa venceu a prévia contra o deputado Maurício Rands, mas o PT anulou o resultado e marcou outra consulta. Antes da votação, o PT pediu que os dois retirassem suas pré-candidaturas em favor do senador. Rands aceitou; o prefeito, não.

Humberto Costa evita falar da polêmica e adota um tom conciliador em seus discursos. Ele disse que vai procurar o prefeito "quando a poeira baixar" e que pretende conversar com Campos sobre a manutenção da aliança.

Dos quatro pré-candidatos do PSB, os mais cotados para disputar a eleição são Sileno Guedes e Danilo Cabral.

Os dois já foram vereadores e têm perfis diferentes. Guedes é amigo antigo do governador e coordenava ações de mobilização popular. Cabral, que já ocupou a pasta da Educação, era secretário de Cidades e gerenciava obras, inclusive em Recife.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Prefeito de BH diz esperar que petista seja 'leal'

Paulo Peixoto

BELO HORIZONTE - Pré-candidato à reeleição em Belo Horizonte, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) vive a expectativa de conhecer o nome do petista que amanhã será escolhido vice na sua chapa.

Há quatro anos sem tirar férias -para evitar que a prefeitura fique nas mãos do vice Roberto Carvalho (PT)-, Lacerda espera que o escolhido entre os sete inscritos no PT seja "leal".

Carvalho preside o PT-BH e é crítico de Lacerda, sobretudo no que diz respeito a programas sociais.

Lacerda disse que "desde a primeira semana de governo" Carvalho se colocou como pré-candidato a prefeito. "Ele teve participação discreta na gestão e fez política o tempo todo", disse o prefeito, que espera que o PT corrija o "erro" cometido em 2008.

Carvalho rebate dizendo que, em 2009, Lacerda lhe perguntou se ele preferia atuar mais na área política ou na gestão: "Eu disse que política e gestão andam juntas, uma não existe sem a outra", afirmou.

O vice passou a tratar das obras da União em BH e, com isso, ganhou espaço na imprensa local. Com isso, os dois romperam.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PT tenta acordo para não intervir em Fortaleza

PSB recusa nome escolhido e ameaça candidatura própria

Gustavo Uribe

SÃO PAULO. Diante de um impasse com o PSB no Ceará, a direção nacional do PT costura acordo para evitar a necessidade de uma nova intervenção, agora nas eleições em Fortaleza. O PSB ameaça lançar candidatura própria caso os petistas persistam no nome do ex-secretário municipal Elmano de Freitas. O governador Cid Gomes, principal liderança do PSB no Ceará, apresenta resistência à candidatura do aliado da atual prefeita, Luizianne Lins (PT), e defende um nome de consenso para a disputa eleitoral.

Em coro com o PMDB, o PSB tem defendido uma intervenção da direção nacional do PT em Fortaleza, como mostrou a coluna Panorama Político, do GLOBO. Com o respaldo do ex-presidente Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, busca o acordo.

- A tese de intervenção da direção nacional me parece um pouco absurda, de quem desconhece o processo pelo qual o PT passou para a construção da candidatura. Em Fortaleza, o processo foi acompanhado de perto pelo Rui Falcão. Em Recife, houve ataques mútuos e uma disputa acirrada. Aqui, o processo foi o mais tranquilo dos últimos 20 anos - afirmou Elmano de Freitas.

A tensão em Fortaleza levou o presidente do PT a se reunir, na última segunda-feira, com Luizianne Lins e Cid Gomes em busca de um acordo. O encontro ocorreu no dia seguinte à escolha de Elmano de Freitas como candidato à disputa pela prefeitura de Fortaleza. Em troca de uma aliança nas eleições municipais, o dirigente petista ofereceu o apoio do PT ao PSB nas eleições ao governo do Ceará em 2014. O governador pediu um tempo para tratar do assunto com as suas bases partidárias antes de tomar uma decisão. O ex-presidente Lula já se ofereceu para tomar as rédeas da negociação caso o impasse não seja solucionado nas próximas semanas.

FONTE: O GLOBO

Alckmin articula alianças de Serra de olho na sua reeleição

Governador costura acordos com partidos na corrida à prefeitura pensando em 2014

Para reduzir peso de Kassab na campanha do PSDB, Alckmin oferece cargos e contraria o próprio grupo político

Daniela Lima

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), assumiu nos últimos meses posição chave na campanha do candidato dos tucanos à Prefeitura de São Paulo, o ex-governador José Serra.

Alckmin tornou-se o principal avalista dos acordos fechados com os partidos que apoiam Serra, oferecendo cargos no governo e contrariando interesses de seu grupo político para atender às demandas do candidato.

Seu empenho na campanha de Serra tem duas razões principais. Em 2014, quando deverá concorrer à reeleição, o governador quer manter a seu lado os partidos que estão com Serra agora.

O outro motivo é que o governador quer reduzir a influência do prefeito Gilberto Kassab (PSD) na campanha tucana. Kassab é um dos principais aliados de Serra, mas é visto por Alckmin como um potencial rival em 2014.

A lista de concessões em nome da candidatura de Serra é grande. A palavra de Alckmin foi decisiva para que o PR declarasse apoio ao tucano na última segunda-feira. O governador prometeu ajudar o partido em outras cidades e se comprometeu a apoiar projetos de interesse da sigla no interior.

Na próxima semana, será a vez do PP do deputado Paulo Maluf entrar na caravana de Serra. Alckmin negociou os termos do acordo com Maluf, que no ano passado ganhou de Alckmin o controle da CDHU, a companhia estadual de habitação popular.

Para fechar o acordo pró-Serra, prometeu a Maluf ampliar seu espaço no governo depois da eleição. Em outra frente, serristas acenaram com a possibilidade de entregar ao PP a Secretaria Municipal de Habitação se os tucanos voltarem à prefeitura.

O governador destacou um de seus principais operadores políticos, Edson Aparecido, para ser o coordenador-geral da campanha de Serra e conciliar os interesses dos partidos aliados na difícil montagem da chapa de candidatos a vereador que será apresentada pelos tucanos.

O governador contrariou aliados em pelo menos dois momentos nos últimos meses para atender interesses de Serra. Primeiro, os chamados alckmistas, que compõem o núcleo de sua base política, foram enquadrados em fevereiro, quando Serra decidiu lançar a candidatura após meses de indefinição.

Alckmin mandou dois dirigentes do partido votarem a favor do adiamento das prévias convocadas pelo PSDB para escolher seu candidato, dando tempo para Serra acumular força.

Em abril, o governador interveio para que o partido abandonasse uma ação judicial que propunha a cassação dos mandatos de um grupo de vereadores que no ano passado saiu do PSDB para fortalecer o PSD, partido criado por Kassab.

Os seis vereadores ameaçados pela ação judicial faziam parte de uma ala do PSDB que apoiou a eleição de Kassab em 2008, quando Alckmin sofreu uma derrota ao concorrer à Prefeitura sem o apoio integral do seu partido.

Alckmin, que tomou o controle da máquina partidária depois de assumir o governo, foi um dos incentivadores da ação ano passado, mas mandou seus aliados recuarem a pedido de Serra, como mostra de boa vontade a Kassab.

O governador também atraiu o DEM para a campanha de Serra, o partido que mais sofreu baixas com a criação do PSD. Alckmin articulou um armistício entre as duas siglas, prometendo ajudar candidatos do partido em outras capitais. No ato em quea aliança foi selada, o governador foi apresentado como o "maior avalista" da união.

Na última segunda-feira, Alckmin foi ao evento em que os líderes do PR anunciaram apoio ao candidato tucano a pedido de Serra.

O governador sabia que o apoio do partido, principal alvo da "faxina" da presidente Dilma Rousseff no Ministério dos Transportes no ano passado, poderia produzir efeitos negativos para a imagem dos tucanos, mas optou por uma aparição relâmpago e discursou na reunião.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Atraso em obras faz governo mudar prioridades para Copa

Projetos retirados de lista modernizariam transportes em grandes cidades

Das 51 obras de mobilidade urbana acertadas com a Fifa, 23 não saíram do papel até agora. Para compensar os atrasos, integrantes do governo federal cogitam fazer uma manobra retirando várias dessas obras da Matriz de Responsabilidades da Copa — que estabelece os compromissos de União, estados e municípios. O anúncio será feito em outubro, no próximo balanço do evento. Entre as obras com mais chance de serem retiradas da matriz estão sete que nem sequer têm projeto. Entre elas, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Brasília, o monotrilho de Manaus, além de obras viárias em Curitiba e Porto Alegre. Os empreendimentos que saírem da matriz serão mantidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou no PAC da Mobilidade das Grandes Cidades, para assegurar a liberação de recursos e benefícios fiscais, mas sem tanta pressão no cumprimento de prazos.

Imobilidade na Copa

Governo vai tirar do compromisso com a Fifa obras de transporte que não ficarão prontas para os jogos

Danilo Fariello

BRASÍLIA - A dois anos do início da Copa de 2014, o governo está consciente de que muitas das 51 obras de mobilidade urbana essenciais não ficarão prontas até o mundial, sem poder cumprir, assim, a promessa feita há cinco anos, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa. Na prática, trata-se de uma manobra para driblar as exigências da Fifa e a cobrança da população. Integrantes do governo federal cogitam retirar essas obras da Matriz de Responsabilidades da Copa - que define compromissos de União, estados e municípios. O anúncio será feito em outubro, no próximo balanço da Copa. Até lá, estados e municípios têm uma chance derradeira para se livrar de desembaraços, licitar e dar início às obras.

Entre as obras com maior possibilidade de serem retiradas da Matriz estão sete que nem sequer têm projeto: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Brasília, o monotrilho de Manaus, duas obras viárias em Curitiba e duas outras em Porto Alegre. No caso de Brasília, o governo distrital já reconhece que não há tempo hábil para o VLT - obra de R$ 364 milhões - operar na Copa do Mundo. O Tribunal de Contas da União (TCU) passou a considerar a obra como "cancelada". Em Manaus, o governo acaba de abrir edital para receber propostas até julho para essa obra de R$ 1,3 bilhão.

- Em outubro vamos ter um retrato muito mais sólido do que andou e do que não andou, daí você poderá fazer uma avaliação de cada obra específica e teremos uma situação muito mais clara para poder tomar uma decisão daquilo que pode ficar no regime e o que não tem como ficar - disse Aguinaldo Ribeiro, ministro das Cidades.

Os empreendimentos que saírem da Matriz seriam mantidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou no PAC Mobilidade Grandes Cidades (lançado em abril com R$ 32 bilhões), para assegurar a liberação de recursos e vantagens fiscais, mas sem pressão sobre prazos.

- Essa seria uma sinalização à população de que as obras serão feitas no futuro, mesmo que com atraso - disse uma fonte do governo.

Na proposta enviada à Fifa, quando o Brasil foi escolhido país-sede da Copa, as obras de mobilidade urbana foram classificadas como o maior legado tangível do evento à população brasileira. O balanço da Copa divulgado em maio mostra que, das 51 obras de mobilidade urbana, 23 não haviam saído do papel, mesmo quase cinco anos após o Brasil ter sido confirmado como sede da Copa.

Caso Delta provoca mais atrasos

O orçamento de mobilidade urbana para a Copa é de R$ 12 bilhões, dos quais, segundo a Controladoria Geral da União (CGU), foram contratados só R$ 4,7 bilhões, sendo que menos de R$ 700 milhões foram executados. Até março, o governo federal conseguiu liberar só 4,1% do valor de R$ 5,35 bilhões da Caixa Econômica Federal para os modais de transporte que servirão à Copa, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU).

Algumas dessas obras tinham contrato com a Delta Construções, o que contribuiu para os atrasos. A prefeitura de Fortaleza (CE) rescindiu no dia 14 de maio contrato de R$ 145 milhões para construção de BRT, que voltou ao estágio de licitação. No Rio, a Delta também desistiu de participar da construção do BRT Transcarioca, deixando sozinha a sócia Andrade Gutierrez com um contrato de R$ 798 milhões.

Estratégica na condução dessas obras, a Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades esteve por quase cinco meses à deriva, desde que o ex-ministro Mario Negromonte deixou o cargo, em janeiro, até o fim de maio, quando Ribeiro conseguiu nomear um secretário, Julio Eduardo dos Santos, que possui experiência de serviço público em transportes na cidade de Santos (SP).

Para Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desde a Constituição de 1988 até meados do governo Lula, o governo federal se afastou do tema de mobilidade urbana. E só voltou a dar prioridade à área com a criação da secretaria, os preparativos da Copa e a edição da Lei de Mobilidade Urbana, no ano passado.

Carvalho sugere que "a União poderia ter um papel mais forte na formação de sistemas de mobilidade sustentáveis nas metrópoles brasileiras, criando programas de investimentos diretos para compensar as dificuldades dos municípios e estados".

Para compensar o atraso, o governo incluiu na lei a possibilidade de decretação de feriado ou ponto facultativo nas cidades-sede em dias de jogos.

FONTE: O GLOBO

Disputa de poder:: Merval Pereira

Quando estourou a tentativa de pressão do ex-presidente Lula sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o deputado federal Miro Teixeira comentou: "Imagine se um ex-presidente dos Estados Unidos fosse a um escritório de Wall Street se encontrar com um ministro do Supremo. O mundo cairia."

De fato, é impensável um Jimmy Carter ou Bill Clinton fazendo lobby junto a um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas, nas democracias, que têm no Supremo a última instância da defesa da Constituição, não é incomum uma disputa por influência sobre seus ministros.

Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no Judiciário americano, diz que, "em seus mais de 200 anos de história constitucional, o país foi um verdadeiro laboratório de maneiras pelas quais a política pode pressionar e até disciplinar o Judiciário".

Outro jurista, Luis Roberto Barroso, lembra que, nos Estados Unidos, é comum a Suprema Corte mandar ouvir a opinião do Executivo, mesmo quando não seja parte no processo. "E, no geral, se considerar que a questão é predominantemente política, segue a posição do Executivo."

Barroso, que é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, lembra que o Executivo interfere, de maneira legítima, na composição do STF, com a indicação dos ministros pelo presidente da República, seguida da aprovação pelo Senado.

"Nos 24 anos de vigência da Constituição de 1988, pode ter havido um ou outro ponto fora da curva, mas a regra geral é a de que prevalece o critério técnico sobre o político nessas indicações", afirma.

Mas Barroso lembra que há diversos tipos de tentativa de influência, sendo que um que é praticado de maneira aberta - "e, portanto, tido como legítimo" - é a visita aos ministros feita por membros do governo quando há interesse especial em determinada questão.

"Exemplos notórios envolvem os planos econômicos, com seus cadáveres no armário", lembra Barroso. Outro exemplo dado por ele: no caso em que se discutia a subsistência do monopólio postal - "penoso anacronismo no mundo da internet" -, o ministro das Comunicações visitou ministros do Supremo para pedir votos em favor da manutenção do privilégio da ECT.

"A verdade é que, para bem e para mal, a nossa cultura admite certa dose de diálogo informal entre os Poderes", analisa Barroso, aceitando que "talvez seja assim em toda parte dos países nos quais a Suprema Corte tenha um papel proeminente."

No Brasil, nos períodos autoritários, houve intervenções arbitrárias, sendo que duas delas ocorreram no regime militar: o Ato Institucional n 2, de 27 de outubro de 1967, aumentou o número de ministros de 11 para 16.

Luis Roberto Barroso assinala que a modificação teve "a clara pretensão de diminuir a independência do Supremo Tribunal Federal e aparelhá-lo com juízes alinhados com a linha ideológica do governo. Ainda assim, em mais de um episódio, o Tribunal deu mostras de altivez contra atos arbitrários do regime".

Em janeiro de 1969, com base no Ato Institucional n 5, foram aposentados compulsoriamente - isto é, cassados - os ministros Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em protesto, também renunciou ao cargo o então presidente do STF, ministro Gonçalves de Oliveira. Na sequência, o Ato Institucional n 6, de 12 de fevereiro de 1969, reduziu o número de ministros para 11, voltando ao quantitativo que permanece até hoje.

É dentro desse quadro de "disputa de poder" que se deve levar em conta a atitude de Lula, ou dos dirigentes do PT, que deveriam ter mais cuidado com as críticas que fazem ao Supremo Tribunal Federal às vésperas do julgamento.

Se é possível entender-se quase como "natural" a tentativa do Executivo de influir nas decisões da última instância do Judiciário, o mensalão é um caso fora da curva, pois se trata, segundo a definição do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do "mais grave atentado já praticado contra a democracia brasileira".

A tentativa de adiar o julgamento tem como principal objetivo a prescrição das penas, o que tornaria o julgamento uma formalidade inócua, dando aos mensaleiros um resultado equivalente a uma absolvição moral. O que, aliás, não é eficaz em muitos casos, sendo o mais notório o do ex-presidente Collor de Mello, que, mesmo absolvido pelo Supremo por insuficiência de provas, nunca recuperou a credibilidade política, mesmo agora eleito senador.

Ao mesmo tempo, quando o secretário de Comunicação do partido, André Vargas, alega que marcar o julgamento do mensalão próximo à eleição municipal - mesma tese defendida pelo ex-presidente Lula junto a vários ministros do Supremo - é prejudicial ao PT, ele parte do princípio de que os principais réus do PT serão condenados, que o resultado do julgamento será contrário ao seu partido, e que a oposição vai usar isso durante a campanha eleitoral.

Mas, se eles afirmam que o mensalão não existiu, que é uma farsa, foi uma tentativa de golpe contra o governo de Lula, deveriam estar tranquilos com o julgamento.

Ao contrário, o PT teria, na campanha eleitoral, um mote muito forte a seu favor com a proclamação do Supremo Tribunal Federal de que o mensalão de fato foi uma peça de ficção oposicionista.

O que está em jogo, em termos políticos, portanto, não é a data do julgamento, mas o resultado do julgamento. E isso não deve influir no voto de cada um dos 11 ministros do STF.

É bobagem considerar que o PT já está condenado ou absolvido, pois cada ministro, especialmente depois do episódio envolvendo a pressão feita pelo ex-presidente Lula sobre Gilmar Mendes a fim de adiar o julgamento para depois das eleições, terá mais que nunca a obrigação de dar um voto que seja isento de influências políticas, que se sustente nos autos e nas provas conseguidas.

Formidável, no momento, é verificar que, embora os governos petistas tenham nomeado nada menos que oito dos 11 ministros atuais do Supremo, não há um sentimento de que o Tribunal seja tendencioso a favor dos petistas, a começar pelas dúvidas dos próprios.

Mais importante que o resultado será o julgamento ser respeitado pela opinião pública. (Continua amanhã)

FONTE: O GLOBO

Suprema velocidade :: Fernando Rodrigues

Nada impede nem tampouco garante que o veredicto do mensalão seja dado no início de setembro, como acaba de anunciar o Supremo Tribunal Federal.

O caso tem 38 réus num processo com mais de 50 mil páginas. O STF deseja começar o julgamento em 1º de agosto. Até o dia 14 desse mês pretende ouvir as defesas e a acusação feita pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Como o tempo é inelástico e imprevistos acontecem, algo não fecha nessa conta. Cada um dos dez dias úteis separados pelo STF terá sessões de cinco horas, das 14h às 19h. Serão 50 horas de trabalho para ouvir a acusação e as defesas.

O primeiro dia será consumido com os procedimentos iniciais e a leitura do relatório da acusação. Restarão 45 horas para a defesa de todos os 38 réus ao longo de nove dias.

Quanto tempo terá cada um dos acusados para expor seus argumentos? De acordo com o STF, cada réu terá o direito a até uma hora.

Julgamentos não são como churrascarias rodízio. Não existe "espeto corrido de defesa". É ingenuidade imaginar que 38 réus só consumirão as 38 horas previstas.

Haverá intervalos, pausas decorrentes de questões de ordem e até as conhecidas manobras protelatórias. Alguém sempre pode adoecer.

Os 11 ministros do STF estarão atentos. Vão repelir chicanas. Ainda assim, parece óbvio que as defesas dos 38 réus excederão 38 horas.

Nenhum ministro pode votar antes das defesas. Ocorre que um deles, Cezar Peluso, faz 70 anos em 3 de setembro. Aposenta-se alguns dias antes. A corte fica desfalcada no final de agosto. Com dez ministros, pode haver empate. Nessa hipótese, os mensaleiros se salvam.

Tudo considerado, o STF está sob pressão. É positivo tentar liquidar esse caso insepulto. Mas é cedo para saber se o Brasil verá o espectro do mensalão sendo eliminado de fato até o início de setembro.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O favor indecoroso :: Roberto Romano

Sobre o diálogo secreto dos srs. Luiz Inácio da Silva, Gilmar Mendes e Nelson Jobim, muito foi dito ou escrito. Poucos analistas sublinharam, nele, a prática do favor. Ninguém se reúne em sigilo para trocar nonadas. Se é impossível que o povo soberano tenha acesso ao tema do simpósio, existe, no entanto, a certeza, trazida pelos relatos dos envolvidos, de que houve favor para facilitar a conversa. Nelson Jobim foi bondoso ao emprestar salas para que os dois outros discutissem o sexo dos anjos? O favor, no caso, quebrou hierarquias e competências (se o trato fosse legítimo, haveria audiência formal) e abalou ainda mais a confiança nas instituições. Pensemos a origem do favor em nossa vida política.

O Estado depende da ética social que o envolve. Na sociedade brasileira governa o favor, obstáculo que impede a autonomia dos eleitores e distorce a vida parlamentar. O favor dissolve os traços igualitários da vida pública. No mercado, nos partidos, em igrejas e seitas religiosas, ele define alianças que tornam as doutrinas irrelevantes. Em todas as sociedades, antigas ou modernas vigora o favor. Mas países democráticos o regulam em prol de procedimentos impessoais e abstratos. Aqui ele é "mediação universal", como afirma Maria Sylvia de Carvalho Franco em Homens Livres na Ordem Escravocrata. No Brasil, poderoso é o político que mais auxilia os amigos, os aliados e, não raro, os próprios inimigos. O favor alimenta alianças, rebaixa ministros, ordena as pautas legislativas e atormenta o Executivo. Ele ordena redes de interesses obscuros, lobbies disfarçados, corrupção de agentes públicos por empresas privadas, achaque de empresas por funcionários estatais. Somos a antirrepública do favor, assumido como técnica predileta de oligarcas como José Sarney e similares. E não existe favor gratuito: a censura à imprensa (como a aplicada ao jornal O Estado de S. Paulo) retribui obséquios prestados pelos nossos oligarcas. Não surpreende, pois, o sigilo usado pelos que controlam o poder.

O favor tem origem na República Romana e na sociedade do Antigo Regime. Nascemos sob o absolutismo que se firma no século 16. Nele o favor impera na corte e nos elos entre os nobres. Como enuncia o historiador Joël Cornette, o rei sustenta aliados e os liga à venalidade na administração pública. A ascensão política é feita pelos grupos e indivíduos numa imensa rede de favores. Os interessados (rei e nobres) precisam de intermediários e nasce o "é dando que se recebe". No absolutismo, diz outro historiador (Jean Petitfils), o favor define a rede de interdependência em que o nobre se insere desde o nascimento, se casa e sustenta a reputação de sua família. O alvo é atingir conexões em estratos mais altos, nas redes de interesse. É o arrivismo geral. Entre os pactos tácitos está o que enuncia que alguém "pertence" a um outro, é sua "criatura". Tais cadeias prendem o patrão, o cliente e os brokers (os intermediários). No corrupto Antigo Regime, "quem precisa de um outro é indigente e se curva. (...) O ministro dá seu passo de cortesão, bajulador, serviçal ou mendigo diante do seu rei. A massa dos ambiciosos dança as posições de cem maneiras, umas bem mais baixas do que as outras, diante do ministro" (Diderot, O Sobrinho de Rameau). Pantomima pior é exibida nos palácios brasileiros de hoje.

Mas o invento da clientela é de Roma. Como no Antigo Regime, as relações políticas romanas são praticadas segundo o favor. O consulado foi possível por causa do trato obsequioso das famílias nobres com os clientes. Os cargos maiores de Roma eram gratuitos, porque os ocupantes, ricos e poderosos, não viam como adequado à sua dignidade receber para administrar. Os salários no governo marcam regimes que fornecem acesso ao poder a todos os cidadãos. Roma não é uma democracia. Nela a eficácia política depende da fratura entre quem governa e a massa dos que obedecem. O cimento que os une é o fauor (favor). Favere tem o sentido de "ser favorável", na língua comum e política. Fauor significa o próprio voto, mas não a campanha política, que tem por nome officium. O favor manifesta-se por sinais externos : laude, plausus, clamor (louvação, aplauso, clamor). A partir do teatro, aqueles termos são aplicados à política. E o favor indica "popularidade". Fauere significa "trabalhar para o aumento da posição política de alguém". Se o cliente tem o dever moral de votar no patrão, este último deve protegê-lo. Como na República existe a fictícia soberania popular (a Monarquia caíra com Tarquínio), o favor do voto tem o nome eufêmico de beneficium. Tal relação se cristaliza no obsequium (indulgência, complacência) e na ambitio, palavra para caracterizar os candidatos quando eles perdem a vergonha na caça aos votos. O favor é ambição indecorosa.

Voltemos ao bafafá gerado por nossos homens ilustres. Entre Luiz Inácio da Silva e Gilmar Mendes, Nelson Jobim operou como "broker", intermediário que, na clientela política, aproxima favorecidos ou fontes de obséquio. Houve ausência do necessário decoro na cena ocorrida. Decoro e prudência definem o que é permitido às pessoas públicas: roupas, modos de falar, tratamentos, lugares e ocasiões. Spinoza diz que se o governante "corre, ébrio e nu (...) nas praças, faz o papel de histrião ou despreza abertamente as leis que ele mesmo estabeleceu, é impossível que ele conserve a majestade do poder (...), pois tais coisas transformam o respeito em indignação e o estado civil em estado de guerra" (Tratado Político). O decoro não é "simples formalidade" porque a pessoa pública representa o Estado. Suas excelências não viram o "detalhe". Os agrados anteriores e os insultos posteriores falaram mais alto do que o respeito à cidadania. E agora José Sarney executa o favor de "apaziguar os ânimos" dos poderosos. Triste e indecoroso Brasil.

Roberto Romano, filósofo, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); é autor, entre outros livros, de "O Caldeirão de Medeia" (Perspectiva).

FONTE: O ESTADO DE S. ´PAULO

A Rio+20 à luz do futuro : Mikhail Gorbachov

Este será inevitavelmente um ano de reflexão. Aqueles que estão preocupados com o futuro da Terra e de seus habitantes precisam fazer o que estiver a seu alcance para que ele seja também um ano de ação, que marque o fim de um período de apatia e miopia.

Superar essa falta de visão foi o que nos levou ao Rio há 20 anos para a primeira Cúpula da Terra sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Mas os resultados tangíveis desse evento, e os de muitas conferências subsequentes, aqui e no resto do mundo, ficaram longe do objetivo de guiar nosso mundo por um caminho sustentável.

Olhando para 1992, a situação era diferente. Durante e logo após a Rio-92, havia um esmagador ar de entusiasmo e esperança. Era um tempo de otimismo e, em retrospecto, de inocência, quando todos celebravam o fim da Guerra Fria.

Então, incríveis mudanças sociais e políticas consideradas impossíveis alguns anos antes foram, de fato, implementadas. Não foi acidente. Para desencadear essas energias tivemos de superar a forte oposição de estruturas de poder que bloqueavam o caminho. Mas as mudanças refletiam as esperanças daquele tempo e os líderes tiveram a coragem de responder ao desafio. O Muro de Berlim foi derrubado na crença de que as gerações futuras poderiam enfrentar os problemas juntas.

Vinte anos depois, estamos rodeados de cinismo e, para muitos, desespero. Não é surpreendente num momento de crise econômica exacerbada pela maior pressão sobre os recursos naturais, ampliação da pobreza, redução da segurança, continuidade de conflitos violentos e degradação ambiental. Fico desgostoso quando olho a distância cavernosa entre ricos e pobres, a irresponsabilidade que causou a crise financeira global, as respostas fracas e divididas à mudança climática e o fracasso em atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio. A oportunidade de construir um mundo mais seguro, mais justo e mais unido foi, em grande parte, desperdiçada.

O mundo já estava vacilando para atingir as oito abrangentes Metas do Milênio até 2015. Elas agora parecem ainda mais distantes. Vejam a mortalidade infantil, uma das causas mais legítimas: o Banco Mundial agora estima que mais 200 mil a 400 mil bebês morrerão este ano devido à queda do crescimento econômico. Com apenas três anos pela frente, as metas estabelecidas na Cúpula do Milênio, em 2000, são pouco mais que desejos piedosos para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, particularmente na África. As promessas de maior assistência ao desenvolvimento, comércio justo, acesso ao mercado e alívio do peso da dívida dos países pobres não estão sendo cumpridas.

E mesmo quando um desses objetivos - acesso a água limpa - é alegadamente atingido, as celebrações e tapinhas nas costas não escondem a realidade de que 800 milhões de pessoas ainda hoje não têm direito a isso. Tudo leva o selo de "muito pouco, muito tarde". Não posso qualificar esse fracasso como outra coisa que não seja falta de liderança e visão.

Precisamos da interação de políticos, empresários e sociedade civil. O mundo está num importante ponto de inflexão. A escolha é entre uma tempestade perfeita de crises progressivamente mais profundas ou expandir perspectivas de oportunidades sem precedentes. A crise econômica, ambiental, política e, mais importante, moral que enfrentamos mostrou que o atual modelo de crescimento econômico é insustentável. Ele engendra crises, injustiça social e o perigo de catástrofe ambiental.

Há uma clara necessidade de rápida transição para um modelo diferente. Precisamos repensar as metas de desenvolvimento. O consumo não pode continuar sendo o único ou o principal indutor do crescimento. Este deveria ser visto como uma ferramenta de aperfeiçoamento da sociedade. A economia deve ser reorientada para objetivos que incluam bens públicos como meio ambiente sustentável, saúde da população em seu sentido mais amplo, educação, cultura e coesão social, incluindo ausência de flagrantes abismos entre ricos e pobres.

Há sempre uma escolha para cada grande desafio. O futuro depende do que façamos hoje. Todos, leitores do GLOBO, políticos, líderes empresariais, ativistas, têm um papel a executar. A questão é se queremos assegurar um futuro seguro e sustentável para todos ou ficarmos reféns da atual mistura de interesses e motivações políticos e econômicos.

Como podemos assegurar que a economia se torne verde e não apenas pintada de verde? A Rio+20 precisa produzir um plano coerente e verificável para pôr o mundo no caminho do desenvolvimento sustentável. Os líderes que se reunirão no Rio devem usar esta plataforma para anunciar iniciativas, desafios e compromissos específicos nessa direção. O documento final poderia propor cortes das verbas militares e seu investimento nas Metas do Milênio e outras iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável. Deveria dar prioridade à rápida eliminação progressiva de subsídios para práticas ambientalmente destrutivas.

Não podemos deixar passar a chance. Ousadas iniciativas foram forjadas no Brasil, como a Agenda 21 e Carta da Terra (preciso criticar a aparente "queda" da referência à Carta da Terra no documento da Rio+20. Espero que isto seja corrigido.) A Green Cross International, que nasceu há 20 anos no Rio e da qual tenho orgulho de participar, contribuirá para a Rio+20 com uma série de eventos interessantes e significativos, nos quais vocês serão bem-vindos.

Espero que a Rio+20 evite replicar o destino de muitas iniciativas em que as aspirações se esfumaçaram logo após ser cortada a fita e as câmeras pararam de trabalhar. Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais 20 anos pela Rio+40. Se entendermos o presente à luz do passado, veremos apenas problemas, o que resultará em melancolia. Mas entender o presente à luz do futuro nos compele a evoluir e enxergar as oportunidades que ele aponta.

Somente assim poderá a Rio+20 ser capaz de, nas palavras da Green Cross, "dar uma chance ao planeta e à Humanidade, um futuro".

Mikhail Gorbachov foi presidente da antiga União Soviética e é fundador da Green Cross International.

FONTE: O GLOBO

Reagan era um keynesiano:: Paul Krugman

O declínio econômico que ele enfrentou era muito diferente do atual e muito mais fácil de lidar

Não resta dúvida de que a recuperação dos EUA após a crise financeira tem sido frustrante.

Na verdade, venho argumentando que seria melhor olhar a era desde 2007 como uma "depressão", um período prolongado de fraqueza econômica e desemprego elevado que, como a Grande Depressão na década de 1930, persiste apesar de fases em que a economia cresce.

Os republicanos adoram contrastar a atuação do presidente Barack Obama com a de Ronald Reagan, que, a esta altura da sua Presidência, de fato comandava uma forte recuperação econômica. Poder-se-ia pensar que a comparação mais relevante é com George W. Bush, que, neste estágio da sua gestão, ainda tinha -ao contrário de Obama- uma grande perda de empregos no setor privado.

E o declínio econômico que Reagan enfrentou era muito diferente da nossa atual depressão, e muito mais fácil de lidar. Ainda assim, a comparação Reagan/Obama é reveladora sob alguns aspectos.

Em pelo menos uma dimensão, a dos gastos públicos, houve uma grande diferença entre os dois, com os gastos públicos totais, ajustados conforme a inflação e o crescimento populacional, aumentando muito mais rapidamente sob uma do que sob a outra.

Reagan, e não Obama, foi o grande gastador. Embora tenha havido um breve surto de gastos governamentais no começo da gestão Obama, isso já passou faz tempo. Na verdade, a esta altura, o gasto público está caindo rapidamente, com o gasto real per capita encolhendo ao longo do último ano em um ritmo que não era visto desde a desmobilização que se seguiu à Guerra da Coreia.
Por que o governo gastava muito mais sob Reagan do que na atual crise? O "keynesianismo bélico" -a grande expansão militar de Reagan- teve um papel. Mas a grande diferença eram os gastos reais per capita em níveis estadual e local, que continuaram crescendo sob Reagan, ao passo que caíram significativamente desta vez.

Em suma, se você quer ver o governo reagindo a épocas de dificuldades econômicas com as políticas de "taxar e gastar" que os conservadores sempre denunciam, deveria olhar para a era Reagan -e não para os anos Obama.

Então a recuperação econômica da era Reagan demonstra a superioridade da economia keynesiana? Não exatamente. Porque, como eu disse, a verdade é que a crise dos anos 1980 foi muito diferente da nossa atual depressão, causada por excessos do setor privado: acima de tudo, a explosão das dívidas familiares durante os anos Bush.

A crise da era Reagan podia ser e foi rapidamente encerrada, quando o Fed decidiu amolecer e cortar os juros, desencadeando um gigantesco boom imobiliário.

Essa opção não está disponível agora, porque os juros já estão próximos de zero.

A questão, então, é que estaríamos em situação muito melhor se estivéssemos seguindo o estilo Reagan de keynesianismo. Reagan pode ter pregado um governo pequeno, mas na prática comandou um grande aumento nos gastos -e neste momento é exatamente disso que os EUA precisam.

Tradução de Rodrigo Leite

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O quarto resgate:: Míriam Leitão

A Espanha deve pedir hoje socorro à Europa, mas de forma indireta: quer que a Europa resgate seus bancos e não o país. Esse é um jeito de evitar a humilhante situação de ter as decisões políticas e econômicas monitoradas pela troica, ou seja, os burocratas do FMI, BCE e Comissão Europeia. Esta é a segunda vez que a Espanha entra no olho do furacão e o país será o quarto a ser resgatado, depois de Grécia, Irlanda e Portugal.

Os bancos estrangeiros no Brasil seguem regras brasileiras de prudência, que têm o mérito de isolar a unidade que opera aqui. Os bancos estrangeiros no Brasil não podem emprestar para as suas sedes, não podem captar aqui para aplicar lá. E têm limites muito rígidos de exposição aos riscos de suas matrizes. É importante ter isso em mente em mais uma onda de fragilidade das instituições financeiras na Europa.

A crise começou bancária, virou crise da dívida dos governos, e agora volta a abalar os bancos. A economia mundial está presa em uma espiral negativa, que já coloca em risco inclusive o supercrescimento chinês. Até agora os resgates foram para os países que eles definem no mercado como sendo "a periferia". Da Espanha não se pode falar isso: é a quarta maior economia da região.

Do ponto de vista do custo cobrado pelo mercado na rolagem das dívidas, a zona do euro está dividida em vários blocos. Numa ponta está a Grécia, isolada, na porta de saída, com seus títulos sendo negociados como juros de 28%. Depois aparecem Portugal e Irlanda, países que já foram socorridos, e têm títulos negociados com juros entre 11% e 8%. Logo após, estão Espanha e Itália, com governos que pagam 6% e 5%. Por fim, há ainda o grupo dos mais seguros, que é encabeçado pela Alemanha, e inclui a França, Áustria, Bélgica, com taxas abaixo de 3%. A Alemanha tem tido até juros reais negativos. A crise atinge os países de forma desigual.

Veja no gráfico abaixo que os juros da Espanha subiram muito e depois caíram. Parte da melhoria do humor foi induzida pela oferta de empréstimos ilimitados aos bancos feita pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, logo que ele assumiu.

O calendário neste mês de junho é apertado. A Grécia tem eleições no dia 17 para tentar formar um novo governo. O resultado das urnas pode trazer novas turbulências na região.

O governo espanhol captou 2 bilhões na quinta-feira, mas pagou juros de mais de 6%, para títulos com vencimento de 10 anos. A dívida tem crescido bastante e há projeções de 82% a 90% do PIB para os próximos anos.

Se não fosse tudo o mais que distancia a conjuntura brasileira da espanhola, só esse indicador de dívida/PIB - em queda no Brasil; em alta forte na Espanha - já seria o suficiente para exibir as contradições das agências de risco. Depois de derrubar a Espanha em três níveis, a Fitch a classificou no mesmo nível que o Brasil.

A Espanha vai recorrer à cláusula de recapitalização, do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Essa cláusula permite ao governo receber recursos sem uma intervenção da troica - FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu -, como aconteceu com Grécia, Portugal e Espanha. A diferença seria alegar que os recursos não são para o próprio governo, mas para os bancos do país.

A Alemanha é contra a injeção direta de dinheiro nos bancos. Quer que os recursos passem pelo governo espanhol, para que ele seja o fiador do seu sistema financeiro. Caso haja crise de crédito no país, quem ficará oficialmente com o mico na mão será o governo espanhol, e não o Fundo Europeu.

As estimativas para o socorro estão variando entre 30 bilhões e 150 bilhões. Somente o Bankia precisou de 19 bilhões de aporte no mês passado. Então um valor baixo seria visto com desconfiança pelo mercado, ao mesmo tempo em que uma cifra muito alta seria avaliada como a confirmação de que os problemas são sérios. De qualquer forma, as bolsas reagiriam melhor com um volume maior de recursos, que pudesse afastar a escalada do risco sistêmico no país.

Esta será a terceira rodada de injeção de recursos nos bancos, desde que a crise começou. Os bancos espanhóis já receberam 82 bilhões, de acordo com o Ministério da Economia da Espanha.

A expectativa na semana que vem será em torno do resultado dos testes de estresse feitos pelos FMI com bancos espanhóis. Esses testes fazem simulações de como os bancos absorveriam choques diante de um agravamento da crise no país.

FONTE: O GLOBO

CGU apura novo esquema no Banco do Nordeste

Lauriberto Braga

BRASÍLIA - Às vésperas do julgamento do mensalão, a Controladoria-Geral da União (CGU) descobriu novo esquema de desvio de recursos no Banco do Nordeste (BNB), entre o fim de 2009 e o início de 2011. A auditoria, feita pela CGU e pelo banco, detectou fraudes de R$ 100 milhões na liberação de crédito para investimentos e compra de carros e máquinas. Segundo a revista Época, os recursos foram creditados para empresários ligados ao PT do Ceará. A suspeita é de que dez militantes estejam envolvidos.

Conforme a auditoria, a empresa dos cunhados do atual chefe de gabinete do BNB, Robério Gress do Vale, recebeu R$ 12 milhões. Ele foi o quarto maior doador, pessoa física, da campanha de 2010 do atual deputado José Guimarães (PT-CE), irmão do ex-presidente do PT José Genoíno.

Guimarães foi seu maior doador, como pessoa física. Em seguida, vêm José Alencar Sydrião Júnior, diretor do BNB e filiado ao PT, e o também petista Roberto Smith, ex-presidente do banco. O atual presidente, Jurandir Vieira Santiago, foi o 11.º.

Em julho de 2005, auge do escândalo do mensalão, um assessor do então deputado estadual José Guimarães foi detido em São Paulo com US$ 100 mil em espécie, dentro da cueca. Na ocasião, as investigações apontaram que o dinheiro era propina recebida pelo então chefe de gabinete do BNB e ex-dirigente do PT Kennedy Moura.

O promotor do caso, Ricardo Rocha, afirmou que vê grandes indícios de esquema de caixa 2 para campanhas eleitorais.

Em entrevista ao Estado, Guimarães nega tráfico de influência no BNB e se diz revoltado com o envolvimento de seu nome com o suposto desvio. Robério Gress do Vale, chefe de gabinete do presidente do BNB, Jurandir Satiago, diz que não passam por ele processos de concessão de crédito e que não tem nenhum envolvimento no caso.

Em nota divulgada ontem, o BNB diz colaborar com a CGU na apuração e ressalta que, entre 2010 e 2011, o banco contratou "5,8 milhões de operações de crédito, sendo que as irregularidades envolveram operações contratadas por 24 clientes".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Uma nova ordem mundial

O filósofo francês Luc Ferry
O francês Luc Ferry fala, em entrevista ao ‘Estado’, sobre a revolução provocada com o estabelecimento de uma espiritualidade laica - a filosofia do amor, que domina seu pensamento

Andrei Netto

Em 1979, quando o filósofo francês Jean-François Lyotard lançou A Condição Pós-Moderna, ensaio que abordava o declínio da ideia de emancipação e de outras metanarrativas nascidas com o Iluminismo, a crítica acadêmica internacional se fissurou. De um lado, seguiram os fiéis ao projeto moderno, calcado na construção de um futuro melhor e na ideia de um “dever ser”; de outro, os que abandonaram as ideologias, e adotaram a convicção de que o hedonismo e o presente são a melhor resposta às obsessões totalitárias.

Há 40 anos, essa segunda “tendência” acadêmica era marginalizada. Hoje, o curso da história lhes dá razão. E, em lugar de controvérsia, autores que advertem para os efeitos da ruptura das metanarrativas e dos valores tradicionais são premiados com o sucesso. Esse é o caso do filósofo francês Luc Ferry, autor de pelo menos dois best-sellers acadêmicos, Pensamento 68 – Ensaio Sobre o Antihumanismo Contemporâneo (1985) e A Nova Ordem Ecológica (1992), que lança no Brasil o ensaio A Revolução do Amor – Por uma Espiritualidade Laica (Objetiva) e O Anticonformista – Uma Autobiografia Intelectual (Difel).

Publicado em 2010 na França, A Revolução... teve acolhida calorosa de crítica e público. Esse sucesso talvez se explique pelo fato de que Ferry mergulha em um universo com o qual nos identificamos. Mesmo que se valha de autores como Rousseau, Kant, Nietzsche, Sartre, Husserl e Heidegger para construir sua argumentação, o livro é simples e não é difícil concordar com sua ideia básica: vivemos uma era de ruptura, e não estamos mais dispostos a nos sacrificar em nome de grandes ideias alheias, de utopias, mas sim em nome de nossos pais, filhos ou amigos. Um humanismo secular;uma espiritualidade sem fé. “Existem dois tipos diferentes de espiritualidade. Um age por meio de Deus e é, certamente, o conjunto das religiões; o outro, sem Deus, é o grupo das grandes filosofias”, explica ele no livro.

O Anticonformista, que Ferry lançou em seu país no ano passado, resulta de uma série de conversas com Alexandra Laignel-Lavastine, doutora em filosofia e especialista na história da intelectualidade. Dos anos de formação aos embates entre direita e esquerda, passando por sua experiência como ministro da Educação da França (2002-2004), a obra sublinha que a espiritualidade laica “constitui a pedra angular que hoje subentende toda a minha filosofia”. Não por acaso, A Revolução do Amor conduz a entrevista a seguir, concedida por e-mail pelo pensador ao Sabático.

Sua tese é de que o amor, ou melhor, o casamento por amor, e não mais por interesses, está no centro da nova ordem social. Ela gera uma segunda globalização, que sucede à do Iluminismo. A Revolução..., embora otimista, não é uma obra ingênua. É forte, não só pela temática e análise da desconstrução dos valores tradicionais, mas também por uma constatação: a de que as revoluções em curso, pelo menos no Ocidente, prosseguem – e sem armas.

Sobre A Revolução do Amor, comecemos por sua ideia de base: algo de revolucionário teria acontecido há alguns séculos: a invenção do casamento por amor na Europa. Qual é a amplitude desta revolução?

É imensa! A “revolução do amor” é o nascimento da família moderna, ou seja, a passagem do casamento arranjado ao escolhido. Esta revolução exige uma nova filosofia. Mas também chacoalha nossa relação com a coletividade. É o que chamo de “segundo humanismo”. O primeiro foi o da lei e da razão. Era o do Iluminismo e dos direitos humanos, dos republicanos franceses e de Kant. O segundo humanismo é da fraternidade. Existe desde então uma única visão do mundo movida por este sopro de uma utopia possível. Porque o ideal que ela visa a realizar não é o das ideias revolucionárias. Não se trata mais de organizar os grandes massacres em nome de princípios mortíferos, mas de preparar o futuro para os que nós amamos, as gerações futuras.

Essa revolução produziu efeitos sobre a arte e a moral, mas há efeitos ainda em progresso, como a evolução da condição da mulher e dos homossexuais, por exemplo. Quais são os indícios desta revolução hoje?

Esta revolução do casamento de amor, escolhido e não imposto, começa na Europa e se estende a todo o mundo cultural ocidental. Isso quer dizer que no resto do mundo o casamento imposto continua a ser a regra. No Ocidente, temos vivido desde o século 20 a desconstrução dos valores tradicionais. Ela teve efeitos negativos, mas também formidavelmente positivos, em especial para os homossexuais e as mulheres. Observe que um país como a Suíça, o último cantão a conceder o direito de voto às mulheres o fez, pense bem, em 29 de abril de 1991! Isso quer dizer que, até então, as mulheres ainda eram vistas como crianças. Na França, foi um pouco mais cedo, mas, enfim, foi preciso esperar o fim da 2.ª Guerra para que as mulheres tivessem direito de voto. Quanto aos homossexuais, lembre-se o que a Organização Mundial da Saúde definia a homossexualidade como doença até 1990! Sim, nosso mundo ocidental mudou mais nos 50 anos da segunda metade do século 20 do que nos 500 anos anteriores!

Tratemos agora da destruição dos valores tradicionais. No seu entender, parte desse processo vem do fato de que as ideias não merecem mais sacrifício, só o humano. É isso o retorno da “sacralização”, do reencantamento do mundo?

Como a “consciência infeliz” da qual falava Hegel, nós temos sempre a tendência de nos dar conta na história do que se destrói e morre, quase nunca do que toma forma e vida. Logo, temos uma propensão ao pessimismo. Ao contrário do otimismo, sempre um pouco simplório, ele confere à primeira vista uma presunção de inteligência. Às vésperas do século 21, é verdade, a maior parte dos valores tradicionais, em especial a nação de direito e a revolução de esquerda, desmoronaram, ao menos na Europa. Logo, devemos constatar, pelo menos na Europa, que os motivos tradicionais do sacrifício coletivo foram liquidados. Quem desejaria hoje, ao menos nos países de cultura europeia, morrer por Deus, pela pátria ou revolução? Não muita gente. É uma grande notícia. Quanto à estupidez mortífera do maoismo, com dezenas de milhões de mortos, quem, fora alguns intelectuais corroídos pelo desejo de se pretender interessantes, poderia não se felicitar da sua liquidação?

Isso não quer dizer que vivemos a era do desencantamento do mundo? Há mesmo lugar ainda, hoje, para alguma espiritualidade?

Não creio que vivamos uma era do desencantamento do mundo. Aí está até mesmo a ilusão arquetipal desta consciência infeliz que adora tanto não adorar. O que nós vivemos não é de forma alguma a liquidação do sagrado, o eclipse dos valores (da espiritualidade), mas sua encarnação em nova face, a da humanidade. Questione-se honestamente: por quem ou pelo que você estaria pronto a arriscar sua vida? Em outros termos, o que considera sagrado no sentido próprio, como digno de sacrifício? A resposta para a imensa maior parte seria: é o homem que é sagrado, o próximo, mas também o seu contrário, o seguinte. Em todo caso, não são as abstrações vazias da religião e da política tradicionais. Vivemos o nascimento de uma nova face do humanismo, que não é mais aquele de Voltaire e Kant, dos direitos do homem e da razão, desses iluminismos que portaram, é verdade, um vasto projeto de emancipação, mas que conduziram também ao imperialismo. Trata-se, ao contrário, de um humanismo pós-colonial e pós-metafísico, da transcendência do outro e do amor. Precisaremos, então, dessas novas categorias filosóficas (uma espiritualidade sem Deus) para refletir sobre suas armadilhas e perspectivas.

O senhor diz que a globalização tem um papel na desconstrução dos valores. Estamos na era do consumo de massa e da economia global, o que causa um impacto social e altera nossa maneira de ver o mundo, certo?

Sim. O verdadeiro motor da desconstrução dos valores tradicionais foi o capitalismo moderno. Marx já dizia que o capitalismo era a revolução permanente. Por quê? Porque a competição leva à lógica da inovação permanente. Uma empresa que não inova o tempo todo está fadada a morrer. Mas há mais do que isso. Os que desconstruíram os valores tradicionais no século 20 eram com frequência de esquerda. A verdade do século é que esta grande desconstrução serviu aos interesses do capitalismo.

Fale mais sobre isso.

Foi necessário que os valores e as autoridades tradicionais fossem desconstruídas pelos boêmios, jovens de cabelos longos, libertários, para que o capitalismo, ele também moderno e fadado à inovação pela inovação, pudesse fazer entrar nossos filhos na era do grande consumo de massa sem o qual seu futuro globalizado não teria sido possível. Eis uma verdade que vai crescer no século que está aí. Se nossos filhos tivessem os mesmos valores que nossos avós, eles não comprariam um telefone celular por ano, ou MP3. Do contrário, se nossos antepassados pudessem ver um grande centro comercial, achariam provavelmente que estes novos templos edificados ao deus do consumo escoam besteiras. Talvez pensassem que estas bugigangas que transbordam das vitrines nos distanciam dos verdadeiros valores. Logo, foi necessário que as visões tradicionais do mundo fossem desconstruídas para que pudéssemos nos consagrar ao consumo sem complexos, ao menos no limite de nosso poder de compra.

Sua ideia de reencantamento é um paradoxo à de Max Weber, que falava no início do século 20 do desencantamento do mundo. Minha questão é: o reencantamento é só positivo, ou também tem sua “parte do diabo”?

Tem razão, há uma parte do diabo. Quando falo da revolução do casamento escolhido, não quero dizer que entramos no mundo ideal. Antes de mais nada, porque o reverso da medalha do amor, é o ódio. Não há rosas sem espinhos, nem amor sem ódio. Além disso, o amor dos seus, dos próximos, pode levar a um egoísmo louco. O amor que dá sentido a nossas vidas não é mais o amor pela nação, revolução. A questão que as gerações futuras vão definir, como os ecologistas já compreenderam, é: que mundo vamos deixar a nossos filhos? Essa nova questão política não diz respeito só à ecologia, mas à dívida pública, ao futuro da proteção social na época da globalização ou à regulação financeira.

Quando falamos em um mundo no qual o casamento de amor está no centro de uma revolução, como devemos ver as civilizações em que ele ainda é determinado por interesses?

Sem defender o eurocentrismo, é preciso reconhecer que nosso velho continente inventou algo único: a cultura da autonomia dos indivíduos, de sair dessa “menoridade” infantil – como dizia Kant sobre o Iluminismo – mantida por todas as civilizações religiosas, teocracias e regimes autoritários. Este movimento caminha em direção à autonomia, como aconteceu primeiro com a arte, desde o século 17, quando deixou de ser exclusivamente religiosa, depois se infiltrou em toda a civilização europeia, da filosofia, racionalista, à política, laica e democrática, passando pela ciência, hostil aos dogmatismos clericais, e pela vida privada, quando o casamento decidido pelo amor substitui o casamento racional imposto pelos pais. Este é o gênio da Europa que acabaria por abolir a escravidão e a colonização, por se desfazer dos totalitarismos, por se desfazer dos totalitarismos. Nada, nesta valorização da civilização europeia, implica menor racismo, menor tendência neocolonial. Outras civilizações são igualmente grandiosas, mas a europeia inventou a autonomia política, como a democracia, assim como a autonomia privada, como o casamento por amor e a família escolhida.

O senhor diz que o sagrado reencarna na cultura ocidental. Mas e as revoluções no mundo árabe, marcadas por princípios modernos, como a liberdade e a democracia? Devemos esperar uma nova onda de revoluções? A dinâmica do Ocidente é válida para todo o mundo?

Sim. As revoluções árabes, embora corram o risco de serem apropriadas pelo islamismo radical, são apesar de tudo uma novidade magnífica. Observe como o mundo evoluiu nos últimos 50 anos. Quando eu era criança, a Europa estava tomada por ditaduras. Franco ainda era vivo e a Grécia sofria o regime fascista dos coronéis! A Rússia e os países do leste viviam na pior tirania, e a América Latina estava povoada de ditaduras. Tudo mudou para melhor. O paradoxo é: vamos viver um declínio econômico e social na Europa, mas ao mesmo tempo uma vitória dos valores da democracia europeia. Estou certo que um “segundo humanismo” vai se seguir ao primeiro.

FONTE: SABÁTICO/ O ESTADO DE S. PAULO