A reta final do
julgamento do mensalão, quando o Supremo decidirá se os acusados agiam como uma
quadrilha, vai coincidir com a última semana do segundo turno das eleições.
Especialistas divergem sobre o impacto do julgamento no resultado das urnas,
mas destacam que a punição do STF a corruptos leva o eleitor a pensar melhor na
hora de votar.
Mensalão vai até 2º
turno
STF deve decidir na semana anterior ao dia 28 se houve formação de quadrilha
Carolina Brígido
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
BRASÍLIA - O processo do mensalão vai entrar na reta final com o julgamento
da última parte da acusação previsto para as vésperas do segundo turno das
eleições municipais. Brasileiros de 50 cidades voltarão às urnas no dia 28
deste mês. Na semana que antecede o pleito municipal, o Supremo Tribunal
Federal vai decidir se o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e os principais
pagadores de propina formavam uma quadrilha. Até agora, a Corte referendou a
maior parte da denúncia do Ministério Público Federal e, com isso, derrubou
mitos criados ao longo dos últimos anos - o principal deles, o de que não
haveria provas para condenar integrantes da cúpula do governo Lula e do PT.
O primeiro turno ocorreu no auge do julgamento, quando o tribunal já havia
sinalizado a condenação de Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino e do
ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares por corrupção. Na semana seguinte ao
primeiro turno, as condenações se consumaram. Para o cientista político Ricardo
Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), o julgamento tem poderes para
influenciar o comportamento do eleitor em prejuízo do PT:
- Tem um impacto. Que este impacto existe, é inegável. A TV está mostrando o
julgamento. Mas ainda não podemos saber exatamente qual é o impacto: ou seja,
quantos eleitores votariam no PT e desistiram diante das notícias do
julgamento. Não temos pesquisa com esse dado.
Caldas diz que o julgamento, com resultado inédito de punição em massa para políticos
corruptos, pode inibir crimes de gestores públicos no futuro e levar o eleitor
a pensar melhor:
- O julgamento impacta no sentido de desestimular políticos a sair da linha.
E tem caráter pedagógico, forma um eleitor mais consciente.
O cientista político Luiz Werneck Vianna, da PUC-Rio, também crê que o
julgamento interfere nas urnas. Mas de forma restrita:
- Esse tema não chega a grande número de eleitores. Chega aos mais bem
informados; não creio que a informação seja massificada. O resultado interfere
no voto de setores de camadas médias para cima.
Até agora, dos 37 réus, 25 foram condenados - entre eles, o chamado núcleo
político, Marcos Valério e seu grupo, a cúpula do Rural e deputados que teriam
recebido dinheiro do valerioduto. Por enquanto, foram absolvidos o ex-ministro
Luiz Gushiken; o ex-assessor parlamentar Antonio Lamas; Ayanna Tenório,
ex-funcionária do Rural; Geiza Dias, que trabalhava para Valério; o ex-deputado
Professor Luizinho (PT); e os assessores Anita Leocádia e José Luiz Alves. Esta
semana, o STF termina de julgar os acusados de lavagem e analisa as acusações
contra os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. A expectativa é que o
julgamento termine entre fim de outubro e início de novembro.
Entre as lendas derrubadas pelo STF está a de que ministros indicados pela
presidente Dilma Rousseff ou por seu antecessor Lula absolveriam ao menos os
petistas. Dos 11 ministros no julgamento, oito foram nomeados pela dupla
petista. Dos oito, só dois tenderam a absolver mais: Ricardo Lewandowski e Dias
Toffoli.
Outra tese que foi por água abaixo é a de que Dirceu dificilmente seria
condenado por falta de prova cabal de que ele havia comprado apoio. Segundo o
advogado Nabor Bulhões, o STF inovou ao considerar provas indiretas para condenar
um réu pela natureza do crime praticado - corrupção por agente público. Bulhões
conhece bem o processo, pois foi designado como advogado de réus eventualmente
sem defensor. Mas sua participação não foi necessária.
- Alguns paradigmas foram revistos. O Supremo não afirmou que é possível
condenar sem prova do crime, como disseram algumas pessoas. O que o Supremo
afirmou é que, considerada a prática de infração penal por quem exerce cargo de
poder econômico e político, a Corte há de flexibilizar certos posicionamentos
quanto à exigência de prova absoluta que se possa exigir quanto a crimes
comuns. O Supremo disse que, nesses casos, o exame da prova pode merecer
flexibilização, sem abandono dos paradigmas democráticos - explica Bulhões.
Bulhões observa que o STF conjugou elementos da CPI dos Correios, que
começou a investigar o caso, e da fase processual. Sozinhos, os elementos não
poderiam ser considerados prova condenatória. Conjugados, ajudaram os ministros
a montar o quebra-cabeça dos fatos:
- O STF talvez tenha sido mais rigoroso neste processo, porque eram pessoas
que exerciam poder político e econômico. Não vejo perigo na orientação que o
STF adotou neste julgamento.
Outra expectativa que se frustrou foi a de que, com a aposentadoria do
ministro Cezar Peluso, havia o risco de empatar a votação relativa a Dirceu,
condenado por corrupção ativa com folga, por oito votos a dois. Resta saber se
o placar vai se repetir na última parte do julgamento, quando os ministros
analisarão a denúncia de formação de quadrilha contra o núcleo político.
Uma polêmica foi a de que o STF estaria abandonando a própria jurisprudência
para condenar os réus. Isso porque, no julgamento do ex-presidente Fernando
Collor, o tribunal declarou que era preciso vincular recebimento da vantagem
indevida a um ato de ofício - uma providência que a autoridade poderia ter
tomado em favor do corruptor - para a configuração do crime de corrupção. Na
época, Collor foi absolvido, pois os ministros não acharam esse vínculo. Já os
réus do mensalão foram condenados.
Bulhões, que atuou no caso Collor, explica que a orientação do tribunal não
mudou. Isso porque, agora, os ministros viram prova de que houve ato de ofício:
os votos dos parlamentares em prol do governo.
- Não há divergência na doutrina. Você pode encontrar em um ou outro voto
(de ministros do STF) alguma flexibilização, mas não foi o que a maioria
decidiu. Os ministros identificaram o ato de ofício. O tribunal viu relação
entre a vantagem indevida e o ato de ofício, que foram as votações no Congresso
- diz o advogado.
Fonte: O Globo