domingo, 30 de junho de 2013

OPINIÃO DO DIA - Manuel Castells: os protestos

É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa da dignidade e dos direitos humanos - aí incluído o transporte. Os movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, mais do que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como a maioria dos outros recentes.

É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimento econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o tema foi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, o mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja de esquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto de inflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, como solução para os problemas sociais, foi desmistificada.

Manuel Castells, sociólogo espanhol , in entrevista “ Brasil nas ruas”, O Globo, 30/6/2013

Manchetes dos jornais de hoje

O GLOBO
Governo pode aumentar impostos para compensar novos benefícios
Datafolha: aprovação de Dilma despenca de 57% para 30%
Saúde: A desconstrução da Cura Gay pela ciência

FOLHA DE S. PAULO
Dilma não venceria no 1º turno; Marina e Barbosa sobem
Passeata de evangélicos vira desagravo a Feliciano
Polícia prende dois suspeitos de matar menino boliviano
Planalto não esperava queda tão grande de popularidade
Prefeitura de SP está insolvente, diz Fernando Haddad

O ESTADO DE S. PAULO
Líderes aliados divergem de ideias de Dilma para reforma
Onda de protestos tomou 353 cidades
Paciente de plano tem problemas do SUS
Notas & Informações: A política nas ruas

ESTADO DE MINAS
Valeu a pena?
Manifestantes ocupam a câmara de BH

O TEMPO (MG)
Após onda de protestos, popularidade de Dilma cai 27 pontos
Plebiscito poderá custar R$ 500 milhões aos cofres públicos
Para a oposição, consulta à população é manobra

CORREIO BRAZILIENSE
Como é viver em um país de inflação alta
Porque a reforma política será difícil
Jovens brasilienses mais expostos a perigos

GAZETA DO POVO (PR)
Previdência dos servidores em perigo
94% dos curitibanos aprovam protestos, mostra pesquisa
Paraty começa a festa para reunir novos e velhos escritores
Equador sinaliza que não vai conceder asilo para Snowden

ZERO HORA (RS)
Grêmio surpreende e demite Luxemburgo
Protestos sacodem o tabuleiro da sucessão

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Saiba como ser fiscal atuante do dinheiro público
Dilma: em baixa
“Importação‘ de médicos cria polêmica

Líderes aliados divergem de ideias de Dilma para reforma

Levantamento do Estado mostra que financiamento público não teria apoio; foro privilegiado acabaria

Na semana em que a presidente Dilma Rousseff lançou a proposta de realização de um plebiscito para nortear uma reforma política, levantamento do Estado realizado com líderes de bancadas na Câmara e no Senado mostra que as principais propostas defendidas pela presidente sofreriam resistência, até mesmo na base aliada. Entre as ideias estão financiamento público de campanha e voto de lista - no qual os partidos definem os candidatos numa relação preestabelecida e o eleitor escolhe a legenda. Esses líderes, no entanto, apoiariam o fim do foro privilegiado. Um questionário foi enviado aos parlamentares para detectar quais pontos teriam chances de ser aprovados no Congresso caso uma proposta fosse a plenário. Outra possibilidade bem recebida seria a unificação das eleições gerais e municipais, hoje realizadas com intervalo de dois anos.

Líderes no Congresso são contra foro privilegiado e apoiam eleições unificadas

Levantamento do "Estado" indica que financiamento público e voto em lista não seriam aprovados. Oposição estuda temas

Se o Congresso decidisse votar hoje uma reforma no sistema político, os parlamentares acuados pelas ruas, estariam dispostos a aceitar o fim do foro privilegiado e concordariam em unificar a data das eleições. Duas das principais bandeiras do PT, no entanto, dificilmente sairiam do papel. De acordo com levantamento feito pelo Estado com os líderes dos principais partidos na Câmara e no Senado, o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais e o voto em lista fechada encontrariam forte resistência, inclusive na base aliada.

Na semana em que a presidente Dilma Rousseff lançou a ídeia de fazer um plebiscito para nortear a elaboração de uma reforma política, um questionário foi enviado aos parlamentares para descobrir quais pontos teriam chances de ser aprovados no Congresso caso uma proposta fosse a plenário. Temas como o fim das coligações proporcionais e reeleição também foram abordados.

Sobre a ideia de usar exclusivamente dinheiro público para financiar as campanhas eleitorais - o que é prioridade para a presidente o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (CE), diz que a bancada peemedebista não definiu posição, mas ressalta que essa não é uma meta do principal aliado do PT. "O financiamento público não é e não será bandeira do PMDB", afirma o deputado. Maior bancada no Senado e a segunda maior na Câmara, o PMDB é o fiel da balança na hora das votações.

Líder do PSB, que também compõe a base governista, o deputado Beto Albuquerque (RS) diz que o partido não tem posição formada sobre o assunto e que é preciso discutir o sistema de financiamento público. "Os levantamentos preliminares indicam que esse negócio pode custar R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões de recursos da União, diz. "Vai tirar de onde esses R$ 3 ou 4 bilhões para fazer campanha eleitoral? Da saúde, da educação?", questiona.

No Senado, os líderes dos dois partidos, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e Rodrigo Rollemberg (PSB-RJ), afirmam que as respectivas bancadas são a favor de mudar o sistema de financiamento das campanhas, Rollemberg, no entanto, diz que a questão sobre financiamento exclusivamente público não está fechada. "Sinceramente, eu não sei qual seria a posição do partido, mas o PSB é favorável ao barateamento das campanhas eleitorais."

Lista* Uma das principais bandeiras do PT, o sistema de voto em lista - os partidos definem os candidatos numa relação preordenada e o eleitor escolhe a legenda, mas não o candidato - é rejeitado pelos aliados PSB e do PSD no Senado. Já o PMDB, mais afinado com o PT nesse ponto, se posiciona a favor do voto em lista. Na Câmara, no entanto, a sigla não tem uma posição fechada.

O líder do PTB na Câmara, deputado Jovair Arantes (GO), também da base aliada, diz ser contra esse modelo, porque, segundo ele, o sistema favorece as siglas com maior representação no Congresso. "Além disso, o eleitor está habituado em votar em candidatos, não em partido. Isso vai desequilibrar o jogo democrático", considera.

Oposição* Se na própria base aliada há dúvidas sobre os itens da pauta petista, na oposição há críticas frontais. O líder do PSDB, Aloysio Nunes (SP) não respondeu à pesquisa porque, segundo ele, ainda não há uma resolução da bancada sobre alguns temas, mas afirmou que a pauta de reforma política é uma preocupação do PT, não da sociedade e muito menos do PSDB. "Não está hoje na nossa preocupação dentro do Congresso, fazer uma grande reengenharia política do Brasil. No fundo o que existe é a intenção do PT e da presidente Dilma de implantar um projeto para se perpetuar no poder", afirma. Na Câmara, a liderança do PPS se manifestou a favor do financiamento público exclusivo e contra o voto em lista. O DEM disse que vai reunir as bancadas na terça-feira para discutir reforma política e preferiu não se manifestar.

Foro privilegiado» Há temas, no entanto, que conseguiriam mais apoios nas duas Casas. Em suas respostas, nenhum dos líderes se posicionou a favor da manutenção do foro privilegiado. Há partidos, porém, que disseram ainda não ter definido uma posição.

Pela Constituição, autoridades políticas possuem a chamada prerrogativa de função e não podem ser processadas ou julgadas criminalmente pela Justiça de primeira instância. O presidente da República, deputados federais, senadores e ministros de Estado, por exemplo, são sempre julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

O tema pode entrar na pauta do Congresso. Na Câmara, há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pede o fim do privilégio, mas há algumas semanas a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara adiou a discussão da proposta.

O líder da bancada do PSD na Câmara, Eduardo Sciarra (PR), se diz a favor do fim do foro, mas faz uma ponderação: ele deve continuar valendo para crimes de natureza política. "Um deputado pode sofrer perseguição política e acabar prejudicado", argumenta.

Dilma prevê retaliações no Congresso

O govemo federal já se organiza para enfrentar ma batalha política dentro do Congresso. Em reuniões com seus principais auxiliares, a presidente Dilma Rousseff já foi prevenida que integrantes de sua base de apoio - aliados à oposição "preparam retaliações contra o govemo, insatisfeitos com a relação com o Palácio do Planalto.

Para esses parlamentares, Dilma aumentou a pressão da opinião pública contra eles ao tentar "empurrar" a culpa pelos problemas do País para o Congresso, após propor uma reforma política por meio de plebiscito.

As retaliações que o Planalto tentará neutralizar são pesadas. Incluem a ameaça de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Copa, que investigaria gastos para o evento, e também alterações no sistema eleitoral. Nesse último caso, um grupo de parlamentares do PP passou a defender abertamente o fim da possibilidade de reeleição já para as próximas eleições, o que tiraria a chance de Dilma concorrer a um novo mandato.

Num cenário extremo, as propostas de retaliações poderiam incluir emenda que impeça que governantes ocupem cargo no Executivo por mais que dois mandatos. Isso tiraria do jogo também o ex-presidente Lula e deixaria o PT sem opções claras de candidatura presidencial. Por causa disso, o governo passou os últimos dias recebendo líderes aliados e mandando recados na tentativa de abrir diálogo até com a oposição. Existe a avaliação que o maior foco de insatisfação está na Câmara e que é preciso reatar as pontes de ligação com a base de sustentação dentro do Congresso. As conversas e reuniões deflagradas na semana passada têm o objetivo de garantir pelo menos a reabertura de um canal de negociações.

Sem recuo. Mesmo sabendo do tamanho da encrenca que será enfrentar uma Câmara com até abase aliada enfurecida, Dilma não recuará novamente na ideia de reforma política. Mas é por pura falta de opção. Não há dentro do governo nenhuma outra carta na manga para conter a onda de insatisfação que levou milhares de manifestantes às ruas. A petista aposta todas as fichas em ajustes pontuais nos serviços públicos e na reforma como respostas definitivas para aplacar o clamor das ruas.

Conforme interlocutores da presidente, caso os parlamentares se recusem a realizar o plebiscito, Dilma prevê que ainda assim poderia sair ganhando nestabatalha, pois publicamente mostraria que suas boas intenções esbarraram na má vontade do Legislativo. Para se ter ideia da lógica presidencial, ela tomou como vitória pessoal a aprovação no Senado do projeto que tipifica corrupção como crime hediondo, na quarta-feira. Embora a votação tenha sido realizada pelos senadores, Dilma contabilizou a fatura em sua conta, pois foi a primeira a retomar a ídeia em seu discurso na segunda-feira passada.

Não que a presidente esteja otimista, pois está ciente de que enfrenta a pior crise nesses dois anos e meio de poder. Mesmo assim, ela pediu que uma pesquisa de opinião fosse encomendada para tomar a temperatura entre futuros eleitores. Foi aconselhada pelo marqueteiro João Santana a esperar, pois o clima estaria, “contaminado” e não representaria o real sentimento da população. Até porque, na avaliação do governo, as manifestações das mas já perderam força. O protesto programado para a última quarta em Brasília foi considerado pelo Planalto um completo fracasso.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dilma não venceria no 1º turno; Marina e Barbosa sobem

Dilma perde apoio, e eleição de 2014 iria para o 2º turno

Assim como a popularidade, intenção de voto na petista desaba 21 pontos em três semanas, revela o Datafolha

Num dos cenários em que tem nome listado, Lula venceria no 1º turno; taxa de eleitores sem candidato dobra

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA - Depois de três semanas de manifestações de rua em todo o país, a presidente Dilma Rousseff é a pré-candidata que mais perdeu apoio na corrida pelo Planalto.

Sua taxa de intenção de votos caiu até 21 pontos percentuais. Embora ainda lidere a disputa de 2014, a queda indica que hoje ela teria de enfrentar um segundo turno.

Para piorar a situação da presidente, seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, se mostrou bem mais resiliente à insatisfação geral dos eleitores com os políticos.

Além de ter perdido só dez pontos percentuais, o petista ainda ganharia no primeiro turno a eleição hoje em um dos cenários apresentados.

Há um crescente movimento dentro do PT que pede a volta de Lula em 2014.

O Datafolha foi às ruas na quinta e na sexta-feira. Entrevistou 4.717 pessoas em 196 cidades. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

O cenário hoje mais provável para a sucessão inclui Dilma, Marina Silva (Rede), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Nessa simulação, a petista tinha 51% das intenções de voto nos dias 6 e 7 deste mês. Agora, desceu para 30%. Esse é o mesmo percentual da aprovação de seu governo, apurada no mesmo levantamento e divulgada ontem pela Folha.

Nesse mesmo cenário, Marina Silva subiu de 16% para 23%. Aécio Neves foi de 14% para 17%. Campos oscilou de 6% para 7%.

Os três adversários juntos pularam de 36% para 47%. Nessa hipótese, seria realizado um segundo turno entre a petista e Marina.

Impressiona o aumento de eleitores sem candidato --que dizem não saber quem escolher ou que afirmam votar em branco, nulo ou nenhum. No início do mês, eram 12%. Agora, são 24%.

No outro cenário no qual Dilma aparece como candidata é incluído também o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa --que tem negado intenção de disputar eleições. Nessa hipótese, a petista tem 29% e há três nomes empatados em segundo lugar: Marina (18%), Aécio e Joaquim (15% cada um). Campos pontua 5%.

Lula é testado em duas simulações. Numa delas, vai a 45%. Nesse cenário, Marina, Joaquim, Aécio e Campos somam juntos 43% e ficam empatados tecnicamente com o ex-presidente. Haveria possibilidade de segundo turno.

Em outra cartela, quando o nome de Joaquim não é incluído, Lula tem 46% contra 37% de Marina, Aécio e Campos somados --aí o petista venceria no primeiro turno.

No geral, é possível dizer que os votos perdidos por Dilma foram, em parte, herdados por Marina e Joaquim. Um outro segmento de ex-dilmistas preferiu fazer um "pit stop" no grupo dos que não têm candidato. Aécio e Campos não se beneficiaram da desidratação de Dilma.

Outro indicador duro com a atual presidente é na pesquisa espontânea, aquela na qual o entrevistado não é confrontado com uma lista de nomes. A petista já havia caído de 35% para 27% de março para o início de junho. Agora, bateu em 16%. Lula se manteve estável, com 6%. Joaquim Barbosa, que nunca aparecia na pesquisa espontânea, surge com 2%.

Há oscilações nas intenções de voto quando se comparam as taxas do interior do país e de áreas urbanas. Dilma vai melhor no interior.

Fonte: Folha de S. Paulo

Convulsão nas ruas sepultou ideia de que 2014 é jogo jogado

Datafolha mostra que, hoje, o grande vitorioso é o 'não queremos ninguém', reflexo tanto da 'rua' como da 'casa'

Igor Gielow, diretor da Sucursal de Brasília

Há um mês, vivíamos em um país com problemas econômicos e de gestão. Nele, os índices de aprovação da presidente eram tão altos que lhe era permitido o luxo de solapar todo tipo de aliado. Oposição, nem havia de fato. A reeleição, salvo imprevistos, estava dada para 2014.

Agora, a fotografia feita pelo Datafolha do impacto da convulsão das últimas semanas congelou essa narrativa.

Ressalve-se: a pesquisa mostra o presente. As ruas podem se acalmar. A desaprovação a Dilma entre os que são afetados na prática pelos protestos, que a identificam genericamente como o "poder" que não garante "ordem", pode baixar na mesma intensidade.

Há, portanto, tempo para o governo recompor-se caso a situação desanuvie. Todo mundo ouviu a voz da rua, mas talvez não tenham prestado atenção suficiente à voz dos que ficaram em casa.

Serão meses, contudo, de turbulência para tal tentativa de recuperação, mesmo que os protestos se diluam.

Primeiro, parece inevitável uma reorganização política do governo. Se Aloizio Mercadante aparece como figura de proa dessa nova etapa, é bom lembrar que muitos setores do PT, e ainda mais na base aliada, não o toleram.

Lula terá de agir, mas não afetar intervencionismo. O queremismo tardio pode vir a ser central nas pressões sobre aquele que ameaça tornar-se o grande tiro do pé de toda a estratégia dilmista até aqui: a reforma política.

Como o Datafolha mostrou, o plebiscito tem apoio, mesmo que ninguém saiba o que é um "distritão".

Só que uma coisa é tentar passar a agenda do PT (voto em lista etc.) com uma presidente dona de 65% de aprovação. Outra, fazê-lo com o governo no seu pior momento --e com o maior aliado, o PMDB, sedento de sangue pelos contínuos maus-tratos a que foi submetido por Dilma.

O fim da reeleição, por exemplo, é cogitado por aliados e o "Volta, Lula" pode tornar-se ensurdecedor.

Para piorar, o cenário econômico é turvo. A recuperação americana e a consequente alta do dólar pressionam a inflação, central para a percepção popular de crise.

A cantilena do pleno emprego, repetida por Guido Mantega por esses dias, já não segura eleitor, como o tombo na aprovação da gestão econômica demonstra.

O governo trabalhava com uma queda na aprovação/intenção de voto de Dilma. Mas nada desse tamanho. E havia a suposição de que Marina Silva, que se vende como antipolítica, capitalizaria toda a queda. Não foi bem assim.

O grande vitorioso hoje é o "não queremos ninguém", que reflete tanto a "rua" como a "casa". O crescimento de Joaquim Barbosa pode estar atrelado a isso. O surgimento de terceiras vias, também. Se até há um mês o jogo de 2014 parecia duro, mas jogado, agora é incógnita.

Fonte: Folha de S. Paulo

Sinal amarelo para Dilma

Datafolha: aprovação de Dilma despenca de 57% para 30%

Pesquisa Datafolha mostra que, após protestos, aprovação do governo caiu de 57% para 30%

BRASÍLIA E SÃO PAULO - A queda acentuada na popularidade da presidente Dilma Rousseff, mostrada na pesquisa Datafolha divulgada ontem pelo jornal "Folha de S. Paulo", acendeu um alerta entre políticos do PT e de partidos da base. A opinião de aliados ouvidos pelo GLOBO é que uma diminuição já era esperada, mas a dimensão da queda preocupa. Alguns já questionam, reservadamente, a viabilidade da candidatura de Dilma à reeleição em 2014.

Os números indicam a queda de 57% para 30% na aprovação do governo Dilma. O percentual dos que acham que a inflação vai aumentar passou de 51% para 54%. A pesquisa foi realizada em 27 e 28 de junho, depois da onda de manifestações no país. E são comparados com pesquisas dos dias 6 e 7 de junho. É a maior queda na aprovação de um presidente, entre uma pesquisa e outra, desde o plano econômico do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1990, quando houve o confisco da poupança.

O senador Wellington Dias (PT-PI), líder do partido no Senado, que faltou à última reunião da presidente com os líderes da base, deu o tom de como as pesquisas de popularidade afetam as decisões do partido em relação às eleições. Wellington lembrou que os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula só foram apoiados por seus partidos à reeleição porque, no ano da disputa, encontravam-se bem avaliados.

- A eleição é daqui a um ano e vamos considerar a conjuntura. Assim como Fernando Henrique e Lula estavam bem posicionados no período da eleição e foram candidatos à reeleição, a Dilma é presidente e, se ela estiver bem posicionada em 2014, será a nossa candidata. Isso é o que estamos sentindo nas reuniões do PT - disse.

O senador ressaltou que as manifestações contêm reação contra políticos e instituições em geral e que, no caso de Lula, não haveria resistência direta, já que ele não exerce mandato.

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), admitiu que o PT foi surpreendido com o nível da queda na popularidade de Dilma. O deputado ressaltou que é preciso, agora, tentar interpretar o que a população quer, mas descartou possível volta de Lula, no caso de Dilma não se recuperar do desgaste.

- A pesquisa surpreende no percentual da queda. Não há o que comemorar, mas a presidente e o governo agora têm de ouvir o recado das ruas e continuar trabalhando. É evidente que quem está no governo sofre desgaste maior, e Lula sempre foi muito bem avaliado, mas qualquer relação sobre isso agora é pura especulação, 2014 ainda está muito longe - afirmou o deputado.

O deputado André Vargas (PT-PR) destaca que Dilma tem 30% de aprovação e que cerca de 40% dos entrevistados consideram o governo regular. Para ele, a queda de Dilma na preferência popular não fortalece o movimento "Volta, Lula".

- A presidente Dilma é a candidata e Lula é o grande cabo eleitoral - disse Vargas.

O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos parlamentares da base que reclamam do tratamento recebido pela presidente, aponta que chegou ao fim o "favoritismo" em que Dilma se apoiou nestes primeiros anos de governo. Com isso, diz, ela será forçada a ouvir mais sua base:

- O que logicamente acabou foi o favoritismo que havia sobre ela, que todo mundo considerava imbatível. Em três semanas, tudo mudou, o quadro ficou mais difícil para ela e o PT. É inegável que, quando um político perde a aprovação popular, fica menos independente em relação ao Congresso.

O presidente do PT, Rui Falcão, recusou-se a comentar uma possível candidatura de Lula. Ele diz que a pesquisa foi "feita no olho do furacão":

- Era previsível que pudesse ocorrer queda.

Falcão destaca que a pesquisa aponta um sinal, na sua avaliação, contraditório, ao mostrar aprovação da população às propostas de plebiscito e reforma política apresentadas por Dilma:

- A aprovação a essas iniciativas traduzem a possibilidade de recuperação. O processo está em andamento. As iniciativas políticas que ela tomou neste momento, tanto o plebiscito como a reforma política, têm ampla aprovação.

Fonte: O Globo

Aécio vê insatisfação com 'classe política'

Beneficiada, Marina não quis comentar pesquisa

Provável adversário de Dilma Rousseff nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou ontem que a queda da popularidade da presidente mostrada na última pesquisa Datafolha é reflexo de uma insatisfação dos brasileiros com a classe política em geral. Num tom cauteloso, Aécio declarou, por meio de nota, que a população está reagindo à falta de respostas efetivas aos problemas enfrentados ao longo de anos e que o quadro deve ser analisado com humildade e responsabilidade por todos.

"As pesquisas indicam o que os protestos que mobilizam o país já mostravam: uma insatisfação dos brasileiros que, acredito, não seja apenas com relação à presidente Dilma, mas com a classe política como um todo, em razão da ausência de respostas efetivas aos problemas enfrentados pelas pessoas. São déficits acumulados ao longo de anos. Cabe a todos nós analisarmos com humildade e responsabilidade esse importante recado", disse o senador, em nota.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) afirmou que a queda da popularidade da presidente deixa claro que o cenário eleitoral de 2014 não está resolvido.

- Quem imaginava que 2014 estava resolvido errou. E quem acha que a queda na popularidade de Dilma significa uma alternância da polarização entre PT/PMDB e DEM/PSDB também está errado. As ruas querem participação direta nas decisões do país - afirmou o senador.

Em tom bem mais duro, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), disse que a queda na aprovação da presidente Dilma Rousseff indica que chegou a hora de ela começar a governar.

- É um sinal amarelo, um alerta. Um sinal de que está na hora de ela governar - disse o tucano.

Para Aloysio, a presidente deve mudar a sua agenda e deixar de lado encontros com marqueteiro para se preocupar com os problemas reais que afligem o país, como a situação da economia:

- É a hora de trabalhar.

Maior beneficiária na pesquisa de intenção de voto para presidente, a ex-senadora Marina Silva se recusou a comentar o resultado do levantamento. Um de seus principais aliados, o deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ) afirmou ser "muito cedo" para fazer prognósticos para a eleição.

Fonte: O Globo

Vantagens e desafios de Marina

Se Marina Silva desponta como a candidata que mais poderá se beneficiar com as manifestações devido ao seu perfil, Aécio Neves (MG) tenta resgatar as bandeiras do PSDB para recuperar o terreno perdido. Unânimes em apontar boas perspectivas para a ex-senadora, especialistas avaliam que o possível crescimento não se dará pela defesa ambiental, algo que pouco apareceu nos protestos.

– Não é pela sustentabilidade, mas pela sinceridade do discurso dela. O que transparece para a população é uma nova maneira de fazer política – afirma o cientista político Manuel Sanches, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A ex-senadora pelo Acre, entretanto, terá barreiras para superar. Está presa ao processo de criação da Rede, contará com pouco tempo de TV e alianças políticas escassas. Outro complicador é o posicionamento diante de temas como aborto, homossexualismo e drogas. Em 2010, Marina foi conservadora ao abordar as pautas.

– O desempenho da Marina dependerá de como irá lidar com a questão religiosa – diz Sanches.

A situação de Aécio divide opiniões. O cientista político Valeriano Costa faz avaliação pessimista:

– A oposição está encurralada, limitada a desqualificar propostas do governo, espremida entre o Planalto e os manifestantes, com os quais não encontrou diálogo.

Uma outra vertente aponta que Aécio pode crescer na abordagem da economia, assunto em que Marina não costuma obter destaque.

– Aécio está com uma pauta muito clara de combate à inflação. E isso coincide com a avaliação das pessoas, que percebem o aumento do custo de vida – diz Hermilio Santos, da PUCRS.

Fonte: Zero Hora (RS)

Porque a reforma política será difícil

No que depender do Congresso, temas como financiamento de campanha e fim das coligações tendem a avançar pouco, dizem especialistas consultados pelo Correio. O motivo é prosaico: quem se beneficia do jogo não está disposto a mudar as regras.

Planalto minimiza reprovação a Dilma

Para os governistas, a queda de 27% na avaliação positiva da presidente é um mero reflexo da onda de protestos.

Por que os políticos não querem mudar

O nó que amarra a reforma política no Brasil nunca foi desatado. O motivo é simples. Não há interesse. Historicamente, parlamentares só mudam as regras em benefício próprio. Quem tá dentro do jogo não quer sair. Agora, com o empurrão que veio das ruas, o país se questiona: as mudanças no sistema político e eleitoral serão levadas adiante? Financiamento de campanha, fim das coligações, unificação do calendário eleitoral e ampliação da participação popular são os principais pontos. O Correio ouviu ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cientistas políticos e advogados.

O cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Figueiredo diz que é bastante difícil modificar regras que atrapalhem os políticos. "É muito difícil o meio político gestar uma reforma que seja contra os seus interesses. O que tivemos até aqui foram aperfeiçoamentos a exemplo da Ficha Limpa, fidelidade partidária e proibição de distribuição de brindes", afirma.

O ministro aposentado do STF Carlos Velloso atesta que nunca houve real vontade política do governo em realizar as transformações. "Bastaria que tivesse firme vontade política por parte do líder maior da maioria no Congresso, que é o presidente da República, principalmente num governo, como o atual, que se apoia numa coalizão de partidos", alega.

Na opinião de Carlos Velloso, a pressão popular assume papel determinante. "O Congresso votou, em menos de 60 dias, a Lei Complementar 135, a denominada Lei da Ficha Limpa, que foi de iniciativa popular. A matéria, uma ampla reforma política, nunca foi posta num projeto em que o chefe do Executivo tivesse manifestado vontade política na sua aprovação. Pesquisem os anais do Congresso nos últimos 10 anos", declara.

Para muitos, um dos maiores responsáveis pela deformação é a livre coligação nas eleições proporcionais. O ex-ministro do TSE Torquato Jardim alega que a maneira mais eficaz e prática de melhorar o sistema político brasileiro é impedi-las. "Plebiscito é golpe de estado no melhor estilo Hugo Chávez. As opções são muito técnicas para o povo se posicionar. Escapa ao controle. Basta proibir a coligação proporcional. O resto é consequência", opina.

Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis, diz que, agora, a situação é insustentável. "A reforma política só anda com pressão popular. Há um sentimento claro e generalizado pela sociedade de que o sistema eleitoral brasileiro é uma fábrica de corrupção. Não alterá-lo neste momento corresponderia a uma omissão imperdoável", diz.

De acordo com ele, o Congresso nunca quis uma reforma política de verdade. "Nunca houve interesse real das maiorias parlamentares. Um deputado federal me disse recentemente que não houve impasse sobre a reforma política, mas uma decisão consciente do Congresso de manter as coisas como elas estão."

Senador pelo Rio Grande do Sul, Pedro Simon (PMDB) também critica a classe política. "Não espere reforma política do Congresso, do governo ou do Supremo Tribunal Federal. Ninguém faz. Não há coragem. A verdade é essa", comenta. O parlamentar diz, no entanto, que chegou o momento. "A hora é essa. O Congresso só se movimenta quando o povo empurra. Temos que aproveitar." Ele defende um grande entendimento pluripartidário. "Só vai funcionar se for assim. Itamar Franco, quando assumiu a Presidência da República no lugar de Fernando Collor, chamou todos os partidos para o Palácio do Planalto. Disse que estava ali por uma decisão do Congresso e queria governar com todos. A reforma só vai adiante se houver um entendimento nesse nível", diz.

Limites de gastos

Se todos concordam que o momento da reforma política é este, não existe consenso nem mesmo dentro dos partidos em relação ao conteúdo das transformações. Sobre o sistema eleitoral, há quem defenda modificações na proporcionalidade dos votos. Hoje, para cargos executivos, o sistema é majoritário. Ganha aquele que tiver mais votos. No legislativo, há um sistema proporcional com lista aberta por meio de um quociente eleitoral. Uma das propostas é acabar com esse mecanismo.

Em relação ao financiamento de campanha, existem pelo menos três propostas. Hoje, no Brasil, há o sistema misto. Empresas ou pessoas físicas podem realizar doações para os candidatos. As siglas dos concorrentes também recebem dinheiro público via fundo partidário. Uma das propostas de modificação prevê o financiamento público exclusivo com um teto de gastos. Há a sugestão de que o mecanismo seja atrelado a um fundo nacional. Nesse caso, empresas não poderiam realizar doações diretamente. O dinheiro seria depositado numa conta gerida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Alguns segmentos querem que pessoas físicas possam doar desde que se respeite um limite estabelecido.

"Já não há deputado ou senador que não saiba que o sistema se esgotou. Não é possível para o povo ser obrigado a voltar às urnas por uma só vez sob as regras vigentes. O sistema eleitoral brasileiro está morto", ressalta o juiz Márlon Reis.

A legislação eleitoral permite atualmente que os partidos façam coligações nas eleições para deputados e vereadores. Muitos criticam essa fórmula porque estimula o surgimento dos chamados partidos de aluguel. Alguns defendem a proibição das coligações e outros acham que seria possível a coligação desde que seja respeitado um tempo mínimo estabelecido. Outro ponto bastante debatido é o calendário eleitoral. O objetivo é unificar todas as eleições em apenas uma data de quatro em quatro anos. Uma das saídas é ampliar, em 2016, o mandato de prefeitos e vereadores para seis anos. A unificação só ocorreria em 2022.

"A hora é essa. O Congresso só se movimenta quando o povo empurra. Temos que aproveitar o momento"
Pedro Simon, senador da República

"Bastaria que tivesse firme vontade política por parte do líder maior da maioria no Congresso, que é o presidente da República"
Carlos Velloso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal

"Basta proibir a coligação proporcional. O resto é consequência"
Torquato Jardim, advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral

"O sistema construiu uma armadilha: uma vez dentro do parlamento, passaram a fazer regras para assegurar sua permanência"
Márlon Reis, juiz, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa

Fonte: Correio Brazilirnse

Valeu a pena?

Vozes de mais de 1 milhão de pessoas que saíram em protestos estão sendo ouvidas e, em pouco mais de duas semanas, conseguiram mudar a agenda política brasileira. Violência e morte são o lado ruim de um movimento que faz o país avançar como há muito não se via.

SIM

O povo deu o recado. Protestou, gritou e obrigou os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a tomarem decisões sobre temas que se arrastavam havia anos. Em 6 de junho, jovens em defesa do passe livre começaram atomar as ruas de São Paulo e, sete dias depois, o movimento chamou a atenção de todo o país e se multiplicou. Desde então, houve conquistas como redução dos preços de passagens de ônibus, derrubada da PEC 37, que tiraria o poder de investigação do Ministério Público, e destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação e de 25% para a saúde. Para da há duas décadas no Congresso, a reforma política agora está na ordem do dia. Corrupção virou crime hediondo. E pela primeira vez um deputado em exercício foi preso, condenado por desvio de dinheiro público.

MAS...

A população e o país estão pagando um preço alto demais. Infiltrados nas manifestações, vândalos já causaram prejuízo acima de R$ 6 milhões ao patrimônio público. Muitos deles são seguidores do Black Bloc, que se movem por ideais anarquistas e destroem tudo por onde passam. Entre empresários e comerciantes que tiveram lojas saqueadas e depredadas, as perdas ainda são calculadas, enquanto decidem se continuam nos endereços atacados por criminosos. Naescaladados protestos, seis pessoas já morreram, uma delas em BeloHorizonte: o jovem Douglas de Oliveira Souza, de 21 anos.

Clamor fez resposta ser rápida

Onda de protestos levou os três poderes a atender de imediato as demandas da sociedade. Para analistas, é preciso agora fiscalizar as ações

Político corrupto atrás das grades, votações rápidas de projetos de lei que respondem a demandas da sociedade, transparência e redução de preços no transporte público. Se até três semanas atrás isso parecia utopia para os brasileiros, depois da onda de protestos que levou mais de um milhão de pessoas às ruas do país, hoje virou realidade. A pressão foi forte e a resposta dos políticos, alvos do grito de insatisfação, imediata. Para analistas políticos, o recado, que anunciou uma crise de representatividade, já foi percebido e é hora de os movimentos evoluírem para formas mais permanentes de cobrança. Dessa evolução ou não, vai depender a continuidade da postura ativa percebida nos últimos dias no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Figueiredo, a onda de protestos no país, que ganhou força a partir do dia 6, quando o Movimento Passe Livre levou 2 mil pessoas às ruas da capital paulista, foi surpreendente. "Havia uma insatisfação latente na sociedade que não foi captada por analistas ou institutos de pesquisa. Essas manifestações têm uma vertente econômica, porque as pessoas estão consumindo menos e devendo mais, e o lado dos governos, longe de dar respostas àquilo que faz as pessoas sofrerem." As respostas, assim como os protestos crescentes, vieram de todo o Brasil. Desde a presidente, que anunciou pactos nas áreas de transporte, educação, saúde, responsabilidade fiscal e o plebiscito para uma reforma política, até governadores e prefeitos que reduziram custos de passagens de ônibus (veja quadro).

Para Figueiredo, houve uma chacoalhada institucional. "Nunca um movimento teve resultados tão rápidos. Nem na marcha de 1968, nem nas Diretas Já ou no pedido de impeachment do Collor", avalia. O Legislativo tirou a poeira de propostas que dormiam nas gavetas sem perspectiva de aprovação. Para que tudo isso ocorresse houve milhares de eleitores com demandas diversas nas ruas, mas também houve quebradeira de grupos infiltrados nos protestos. "Isso atrapalha, porque a sociedade pode criar resistência contra os movimentos. O povo não quer isso", disse o professor. Segundo ele, os movimentos escolheram pontos simbólicos, como sedes do Executivo e Legislativo, para demonstrar com quem estavam descontentes e a resposta veio. Agora é o momento de trégua. "É difícil ter um movimento dessa amplitude, com esse ímpeto, defendendo tanta coisa, durante muito tempo. Já está se acalmando", afirmou.

Para a professora de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara Teles, os movimentos refletem não uma crise, mas um problema de vínculos escassos entre partidos e eleitores, o que leva a organizações como essas. "Eles têm muito potencial criativo de pressionar, mas, por outro lado, não conseguem formar uma organização futura, a médio prazo, capaz de manter essa fiscalização que se deve ter no sistema democrático", avalia. Ela considera "problemático" o fato de parcelas majoritárias desses manifestantes ter feito uma proposta antipartidária. "Trazer uma pauta contra partidos é um risco para a democracia, porque eles são parte essencial do sistema."

O fato de as ruas terem cobrado elementos como transparência dos poderes públicos levou a uma resposta ágil, mas, para Helcimara, ainda não é suficiente. "Melhor resposta seria introduzir elementos maiores de participação direta que convivam com a democracia representativa, como a introdução de plebiscitos e referendos não em situações excepcionais como hoje, mas que sejam rotineiros. Também é preciso adotar mais elementos de fiscalização do poder público", afirma. Um perigo apontado pela professora é que, no Brasil, os movimentos sem líderes e contra tudo podem resultar na emergência de candidatos outsiders, ou seja, alguém que, ocupando um vácuo institucional, aparece como uma espécie de salvador da pátria. "Em 1989 apareceu o Fernando Collor, como um caçador de marajás. Agora pode aparecer um caçador de mensaleiros. Essa característica de desencanto sempre favoreceu lideranças neopopulistas."

Para a professora, com as respostas do Congresso e Executivo, e as ações nas esferas estadual e municipal, é hora de os manifestantes saírem das ruas. "A resposta foi bastante positiva e várias demandas foram votadas com agilidade. Ficar na rua o tempo todo é uma solução da Argentina, que não é a melhor, fazendo piquete e não reconhecendo o espaço institucional. A classe política já mostrou que entendeu o recado", afirma.

Recado dado. O mesmo pensa o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio Reis Souza. "A sociedade precisa esperar um pouco a reação dos outros poderes. É difícil fazer mobilização por tanto tempo, mas o recado está dado, que a democracia representativa não pode se distanciar do que o povo coloca como prioridade", diz.

Ao questionar os gastos com a Copa das Confederações, por exemplo, o povo mostrou que não está satisfeito quando os governos mostram rapidez para construir estádios que vão servir a poucos enquanto são morosos com políticas fundamentais como as de saúde, educação e segurança pública. Para Robson Sávio, os protestos mostraram o poder de mobilização da classe média e das redes sociais, mas é preciso evoluir. "O Parlamento só é pró-ativo quando percebe que o cidadão está monitorando suas ações. Espasmos de protestos servem para acordar as instituições, mas o que vai modificar é o processo de acompanhamento sistemático", disse.

Fonte: Estado de Minas

Os dias que marcaram o País

As manifestações que tomaram conta das ruas levaram a presidente Dilma e o Congresso a acelerar as mudanças

Carolina Albuquerque

Três semanas sem que milhares de pessoas deixem as ruas em várias cidades do País. É em plena Copa das Confederações. É ano pré-eleitoral. A pressão das ruas leva a presidente Dilma Rousseff (PT), o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e vários prefeitos e governadores do País a agir. A proposta de um plebiscito para a reforma política é feita pelo governo federal. Antes apoiado por grande parte dos deputados, a PEC 37 é derrotada por um placar de lavada. O Senado desengaveta e aprova o projeto de lei, ainda que com limites, que torna corrupção um crime hediondo. Pressionados, gestores estaduais e municipais aprovam o "Passe Livre" e cancelam o aumento de tarifas para o transporte público. Esta que foi a reivindicação primeira da "Revolta dos R$ 0,20", que analistas já descrevem como a de maiores proporções na história recente, deixando para trás a massa que tomou o Brasil pedindo "Fora Collor", em 1992.

Nos últimos 24 dias, os brasileiros estão sendo observados pelo mundo. Os olhos estão arregalados. E não é pelo futebol. É impossível mensurar o impacto político e social nas instâncias de Poder provocado pelo movimento de bandeiras "dispersas", como apontam analistas. De slogans publicitários: #OGiganteAcordou e #vemprarua. O professor e cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcos Costa Lima enxerga como principal causa da "Revolta dos R$ 0,20" o distanciamento que se aprofundou entre representados e representantes. "Aqui temos uma democracia, um governo que conseguiu distribuir renda. Mas as tecnologias também permitiram uma mobilidade e liberdade maior das informações que não existia antes. Fez com que a juventude passasse a dialogar e criticar o que vem acontecendo. Há um distanciamento da articulação da alta política, dos governos e instituições com a população. E isso gera um terreno muito fértil", diz.

Para Costa Lima, a juventude, que lançou a primeira faísca no protesto em São Paulo, soube "oportunizar" o momento. "Não existe uma causa só. Há também o catalizador do Congresso, que está se lixando para o que pensa a opinião pública, tem salários extravagantes e mordomias. Que quando o País está querendo se abrir para políticas dos direitos humanos, antirracista, vem o Congresso e indica deputado pastor Feliciano na direção contrária", disse. O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Manuel Sanches, acredita que agora dá para notar apenas sinais de mudança no comportamento político. "São pontuais e ocorreram sob pressão. Podem se cristalizar até as eleições. Mas não há nenhuma mudança institucional, nada que altere o jogo político", opinou.

Definição da consulta ocupará o debate

Na história recente, o plebiscito foi aplicado em duas ocasiões. Especialistas dizem que ferramenta faz bem à democracia

Plebiscito ou referendo para a reforma política? É este, certamente, o debate que tomará os próximos dias. É mais um fruto da "Revolta do R$ 0,20". E caso aconteça, concordam analistas consultados pelo JC, será uma das mais profundas mudanças estruturais. O plebiscito é um instrumento poderoso que depende de perguntas-chaves, e sua elaboração, das várias forças e interesses políticos aí estabelecidos.Embora prevista na Constituição, o instrumento de consulta popular só foi utilizado duas vezes para questões de ordem política pela recente democracia brasileira: em 1993, para escolher o sistema de governo, e em 2005 sobre a proibição da comercialização de armas de fogo. "A nossa Constituição diz que o exercício da soberania se dará de maneira direta ou indireta. O fato de não haver um costume maior é porque, na realidade, a nossa democracia é pautada em uma certa apatia política. As instituições se distanciaram da população. O plebiscito vai permitir a ideia de que a democracia tem uma base direta. Nesse caso é importante que nos enfatizemos consultas assim quando as questões forem de fato relevantes", defende o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco Francisco Assis Brandão.

Professor de Ciência Política da UFPE, Marcos Costa Lima argumenta que instrumentos diretos fazem bem à democracia. "A gente sabe que começam a parecer setores que vêm bombardeando a questão, pois estão mais preocupados com a eleição do ano que vem. Esse não é um processo fácil, mas de maturação. Certas questões nacionais de grande envergadura têm que sofrer uma consulta da população. A energia atômica é um deles. Levantar uma pauta sobre o que vai fazer com a Amazônia é outra. Como qualificar o desenvolvimento das cidades? Essa é uma luta política e tem muita gente que não quer mudar", pontuou. "A Suíça faz plebiscito frequentemente. Temos uma pauta imensa e esse é um momento muito oportuno."

Cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Manuel Sanches pondera que o tempo da rua é diferente do da classe política e que, por isso, as manifestações tendem a ficar menores daqui pra frente. "O tempo é diferente. A classe política tende a discutir por um período mais longo. O tempo da rua é abrupto, o que significa dizer refluir para manifestações menores. Mas é possível que haja uma nova erupção, especialmente se a classe dirigente não demonstrar que está atento aos anseios populares", analisa. (C.A.)

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Entrevista: Manuel Castells - "O povo não vai se cansar de protestar"

Por Maurício Meireles

Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos políticos é de "burocratas preguiçosos". Ele é um dos pensadores mais influentes do mundo, com suas análises sobre os efeitos da tecnologia na economia, na cultura e, principalmente, no ativismo. Conhecido por sua língua afiada, o espanhol falou ao GLOBO por e-mail sobre os protestos.

Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma qualidade ou um defeito?

Claro que é uma qualidade. Não há cabeças para serem cortadas. Assim, as redes se espalham e alcançam novos espaços na internet e nas ruas. Não se trata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.

Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?

Eles apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às instituições estabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para encontrar o presidente, mas não líderes.

Como explicar os protestos?

É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa da dignidade e dos direitos humanos - aí incluído o transporte. Os movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, mais do que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como a maioria dos outros recentes.

Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são um "ponto de inflexão"?

É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimento econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o tema foi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, o mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja de esquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto de inflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, como solução para os problemas sociais, foi desmistificada.

O que costuma mover esses protestos?

O ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus salários. O principal é que milhares de cidadãos se sentem fortalecidos agora.

O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta bem definida de pedidos?

Acho inacreditável. Além de passarem por uma série de problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.

Com organização horizontal, esse movimento pode durar?

Vai durar para sempre na internet e na mente da população. E continuará nas ruas até que exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticos tentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse. Ele não vai se cansar. No máximo, vai mudar a forma de protestar.

Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda e à direita do espectro político. Como isso é possível?

O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revoltados - todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem, organizadas por uma única bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida.

Há uma crise da democracia representativa?

Claro que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não é só votar de quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado para debate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.

O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e na Turquia?

Sim, a deterioração da qualidade de vida urbana sob o crescimento econômico irrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos. Especuladores imobiliários e burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos nos dois casos.

Protestos convocados pela internet nunca tinham reunido tantas pessoas no Brasil. Qual a diferença entre a convocação que funciona e a que não tem sucesso?

O meio não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na consciência de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem a distribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ação coletiva.

Fonte: O Globo

Entrevista - Arminio Fraga: "Há um receio de populismo no ar"

Por: Daniel Haidar, Janaina Lage

Apesar do nervosismo nos mercados, Arminio Fraga estava bem-humorado na última quinta-feira. Na sede da Gávea Investimentos, no Leblon, só hesitou quando perguntado sobre a maior preocupação para o país no cenário externo. "Deixa eu pensar na ordem, tem muita coisa acontecendo", disse, abrindo um sorriso, antes de listar a perspectiva de redução de estímulos à economia americana, a restrição ao crédito na China e a recaída da economia europeia como principais ameaças. Já sobre o cenário doméstico, o economista não titubeou. Para ele, é hora de rever a política de governo que tornou a ida a Brasília uma rota de peregrinação de empresários em busca de crédito e subsídio. É também o momento de reforçar o compromisso com o controle de gastos e a meta de inflação.

Por que a população foi às ruas?

O recado me parece claro. A população está insatisfeita, insegura, indignada. E resolveu se posicionar. Com um núcleo majoritário, existem pequenos grupos agindo de forma violenta, às vezes de forma mais organizada. Queremos mais, queremos um governo melhor. A coisa do preço dos transportes foi um gatilho, mas trouxe à tona outros temas mais fundamentais.

Há um pano de fundo econômico?

Sim, apesar do desemprego baixo. A população anseia ter melhores serviços de saúde, educação e transporte urbano. A carga tributária é alta, as pessoas têm um grau de informação maior e questionam "o que o governo está fazendo com nosso dinheiro?" Isso traz questões como gasto público, corrupção e inflação. Já se vão quase 20 anos desde a hiperinflação, mas ela vive na imaginação das pessoas que viveram a tragédia social daquela fase. Hoje, começam a sentir que o dinheiro que recebem não compra mais o que comprava antes. É conhecido no Brasil o efeito regressivo da inflação: o pobre é quem acaba pagando mais o pato.

Os protestos afetam a percepção do investidor estrangeiro?

Vários aspectos afetam a percepção do investidor. No caso da infraestrutura, são investimentos de longo prazo, intensivos em capital, que exigem financiamento e segurança. Caso se consolide a percepção de que as tarifas estão sujeitas às pressões do ciclo econômico e políticas, certamente vai se reduzir o apetite por investimento no setor. A própria pressão das ruas precisa ser processada pelo governo e transformada em resposta coerente com a responsabilidade fiscal. A noção de que não há mais meta fiscal e que o governo vem usando artifícios e brechas - de forma transparente - preocupa bastante. Num momento em que a inflação anda pressionada, dificulta o quadro, e gera pressão sobre o BC, que terá que trabalhar dobrado ao aumentar juros ou aceitar inflação mais alta.

A inflação pode sair do controle?

Sempre há risco de descontrole, em qualquer lugar do mundo. O BC sinalizou que vai correr atrás da meta. Tem apoio do governo, até porque o governo entende que se a inflação sair de controle vai perder muito nas pesquisas. Há certo receio de descontrole macroeconômico neste momento de protestos. O governo foi cuidadoso e pôs no topo da lista a responsabilidade fiscal. Espero que ocorra na prática. Todo cuidado é pouco.

O governo jogou fora o tripé de câmbio flutuante, controle de gastos e metas de inflação?

Flexibilizou bastante o tripé, há quem diga que jogou fora, eu não iria tão longe. Acho que ainda não jogou, mas caminha nessa direção. A administração do tripé está muito focada na demanda, e as políticas públicas em geral pouco focadas na oferta... Se ficar claro que as metas de inflação e o superávit primário não são para valer, teremos problemas sérios.

Seria o caso de um choque de juros?

Não creio que seja a melhor resposta. Talvez seja melhor uma resposta mais equilibrada, que inclua mais cuidados na área fiscal e de crédito. O BC tem que aumentar juros no que for necessário para trazer a inflação para meta. Mas vai ter que elevar muito menos se tiver apoio fiscal e do crédito. Há também a taxa de câmbio, que depende um pouco de confiança. Hoje há um certo receio de populismo no ar.

É possível cumprir a meta fiscal?

Possível é, mas me parece difícil, especialmente diante dos acontecimentos recentes, as manifestações. Já se vê nos jornais contas de especialistas dizendo que as respostas às demandas poderão custar mais de R$ 100 bilhões por ano. Essa disciplina de processar as demandas e dar o que é a resposta possível é a responsabilidade fiscal, que não pode ser perdida.

O senhor tem um envolvimento com causas sociais. A elite lavou as mãos?

Não acho. Vejo o Brasil vivendo um momento de discussão muito rico. A imprensa tem tido e terá sempre um papel muito importante. A elite empresarial tende a se adaptar às regras do jogo. E se o governo define que a regra é ir a Brasília pedir subsídio e proteção, a elite empresarial vai fazer isso, podendo até reforçar este modelo. Mas a maioria dos empresários preferiria que as regras fossem diferentes, que o custo Brasil fosse mais baixo, e as regras, mais simples e claras. É fácil apontar para as elites, mas não é papel do empresário necessariamente participar da vida pública.

O que preocupa no cenário externo?

A maior preocupação é com a redução no grau de estímulo da política monetária americana. Os mercados tiveram uma reação forte às colocações do Ben Bernanke (presidente do BC dos EUA), confirmando que as saídas de políticas ultraexpansionistas são difíceis. A segunda é a China. Estive lá, voltei preocupado. A China no pós-crise de 2008, por receio de uma recessão maior, tomou medidas agressivas que liberaram a China Velha. Essa China dos bancos públicos, das estatais, dos governos locais funciona a pleno vapor, provavelmente gerando retornos muito baixos ou destruindo valor. Com isso, acumula desequilíbrios. Houve um boom de crédito como poucos na História. Já se vê capacidade ociosa em vários setores. O governo novo vem dando sinais de que pretende abordar estas questões. É possível que a China passe por um período de crescimento mais baixo e há sempre o risco de uma crise um pouco maior. Já se fala em menos de 7% (de crescimento), suspeito que possa ser menos de 6% por um período. São riscos. Em terceiro lugar, a Europa passa por uma recaída, e como numa gripe, às vezes a recaída é pior.

E, num cenário nem tão ruim, o Brasil cresceu só 0,6% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2012...

Houve uma ilusão no período de boom da economia mundial, que começou por 2003 e foi até a crise, de que a festa ia durar para sempre. Nossa taxa de crescimento aumentou talvez meio ponto ou um ponto ao ano, é difícil estimar. Se acontecer o oposto, a taxa de crescimento se reduzirá, talvez meio ponto ou um ponto.

As atuações do BC brasileiro no câmbio são uma estratégia eficaz?

O governo vinha atuando pouco. Havia uma percepção equivocada de que o governo tinha uma banda de R$ 2 a R$ 2,10 como meta. Nunca acreditei nisso. Um mercado financeiro sofisticado como o nosso impede que essas medidas tenham efeito permanente. Talvez (o objetivo) seja administrar um pouco a volatilidade. O BC tem sido cuidadoso, não tem entrado muito no mercado e se o fizer em dias mais complicados está dentro do script .

O que mudaria na política econômica?

Muita coisa, mas nem estou, nem sou candidato a nada... Escrevi com colegas dois artigos argumentando que o Brasil vivia uma encruzilhada. Poderíamos estar caminhando rumo a um modelo que deu errado, parecido com o da década de 70, com pouco foco em produtividade, bancos públicos com papel grande demais, pouca capacidade de mobilizar investimento em infraestrutura, mas sem prejuízo no combate à pobreza, na melhoria da distribuição de renda, isso é essencial. Agora parece que o Brasil tende a ir na direção que deu errado. Esse modelo onde Brasília passa a ser destino de peregrinação de empresários pleiteando subsídios, proteções, crédito barato é um modelo muito ruim, inclusive do ponto de vista distributivo. É um modelo pró-empresa e não pró-mercado. Melhor reduzir o custo Brasil e deixar os empresários competirem. A política de combustíveis e automóveis carece de mudanças: o Brasil subsidia carbono e automóvel, quando o mundo parece querer focar mais em transporte público, menos poluente e "engarrafante". Quando o governo segura a gasolina para afetar a inflação, se vê o Brasil em direção contrária da correta.

O crescimento focado em consumo se esgotou?

O Brasil já tinha que ter passado para uma fase em que o crescimento tem também no investimento uma locomotiva. É provável que a fase de crescimento mais acelerado do crédito tenha ficado para trás porque as famílias se endividaram muito. E o crédito ainda é caro. Não gosto do modelo excessivamente focado no consumo alavancado. Não gera crescimento a médio prazo. É um modelo perneta.

Perdemos o bonde dos novos acordos comerciais?

Sim. Nossa política externa pecou ao ser excessivamente terceiro-mundista. Acho bom o Brasil ser líder de países em desenvolvimento. Mas predileção manifesta por Cuba, Líbia, Irã, Venezuela não consigo entender. É negativo para o Brasil. Perdemos algumas oportunidades. Até tenho simpatia pela visão mais multilateral. Mas há décadas o multilateralismo tem se mostrado pouco frutífero, vários países buscaram parcerias. O Brasil ficou para trás.

Ainda conversa com Aécio Neves?

Conversei algumas vezes. Tenho a impressão de que a campanha antecipada não é boa, mas parece ser realidade. Tenho minha vida aqui na Gávea, que demanda horário integral. Mas torço pelo Aécio e quero ajudar.

Fonte: O Globo

Revolta do vintém – José de Souza Martins*

A ilusória prioridade aos pobres deixou de lado a classe média e suas demandas cidadãs

Propor uma Constituinte neste momento é propor um golpe contra a Constituição, que é boa, abrangente e inovadora. O povo não foi às ruas pedir um golpe de Estado. Foi à rua pedir o cumprimento da lei. Convocar um plebiscito para votar as políticas a serem adotadas em relação aos problemas levantados agora pelas multidões pode ser um sinal de fraqueza e insegurança. O plebiscito já foi feito, nas ruas.

O que está acontecendo nestes dias não tem dimensão partidária, a não ser por implicação. Desenrola-se no plano da indignação moral acumulada em anos de abusos contra o interesse público, desdém pelas carências populares e pouco caso pela inteligência da população em obter, processar e compreender a informação cada vez mais acessível a todos. No plano moral, os manifestantes antepuseram a nação aos partidos. O Brasil foi às ruas exigir do governo um projeto de nação e não um projeto de classe social; e políticas para todos, não para facções.

Cartazes,palavras de ordem, monumentos e edifícios visados, símbolos atingidos, mostram que o Brasil das ruas exige que a política se sujeite à moral e aos bons costumes; que os valores sociais e éticos sejam antepostos aos interesses antissociais da economia escusa e do poder corrupto.

O povo foi às ruas para dizer ao governo e à sociedade o que devevir antes e o que deve vir depois, que a educação, a saúde, os direitos sociais, a vida e o bem-estar de todos, são mais importantes que o futebol monumental, das despesas bilionárias, do espetáculo para inglês ver, mais importantes do que as obras faraônicas e inacabáveis. Tudo indica que a era das esperanças messiânicas e do silêncio cúmplice esteja chegando ao fim.

Os manifestantes questionaram a política de pão e circo. Fizeram a crítica ruidosa da política de coalizão e cumplicidade, do Estado fragmentado e loteado, dos favorecimentos, do toma lá dá cá, do poder pelo poder. A rua disse aos poderosos que o poder é do povo, que o mandato é representação política e não privilégio de casta, é temporário e precário.

Eleição, no Brasil, tem sido uma renúncia, a vontade política do povo sequestrada pelos eleitos e pelos partidos, que raramente representam o eleitor de vontades e carências, representando muito mais os grupos de interesse que o instrumentaliza. O poder do lobismo junto aos parlamentares e ao governo confirma essa distorção. O sistema político brasileiro tornou-se um sistema de silenciamentos e cumplicidades. A crítica social foi inviabilizada pelos donos oficiais da verdade, seja a crítica popular, seja a crítica profissional dos especialistas. O cala-boca virou instrumento de dominação. Partidos e movimentos sociais organizados ignoram ou desqualificam as interpretações que não venham de seus próprios quadros. Não há debate. Criou-se no Brasil o mero teatro da participação política e a real exclusão da diversidade e das demandas sociais emergentes, as que não foram capturadas pelo sistema de conivências, cumplicidades e temores. Um extenso silêncio acumula, na verdade, um elenco extenso de demandas sociais não reconhecidas nem pelo governo, nem pelos partidos, nem pelos grupos de mediação que fecharam os canais de comunicação entre o povo e o poder.

Esse sistema político deteriorado está claramente presente na crítica contida nos descontentamentos destes dias.Uma grande massa de silenciados no cotidiano encontrou uma brecha para gritar suas diversificadas e desencontradas demandas e manifestar sua crítica do poder e dos governos. Num regime político baseado em pautas de negociação de grandes quantias e grandes porcentagens, foi uma simples demanda de redução de 20 centavos na tarifa dos ônibus que disseminou a revolta, aglutinou o elenco das pequenas demandas sociais e fez emergir um novo sujeito político, que é o das demandas residuais tratadas como irrelevantes.

A nova revolta do vintém colocou no centro do processo político brasileiro a fome de palavra e a fome de direitos sociais. Trata-se de uma nova pobreza, a pobreza de direitos, nos abusos que reduziram o transporte público a uma punição, a educação a uma condenação à falta de destino e de futuro, a saúde pública a uma doença. Henri Lefebvre, eminente sociólogo francês, estudioso da revolta estudantil de 1968, foi quem trabalhou teoricamente a revolta dos subterrâneos, a insubmissão das demandas que não foram capturadas pelo poder, a coalização dos resíduos do que não encontrou canal de expressão nos meios políticos e institucionais. Aqui, também, o fato de que as manifestações não se enquadrem em nenhum dos esquemas convencionais de interpretação sugere que estamos em face da irrupção do descontentamento dos que não foram contemplados pelas políticas sociais dos governos. A demagógica e ilusória prioridade aos pobres deixou de lado a classe média e suas demandas justas e cidadãs. Os órfãos de políticas sociais foram às ruas, cercaram os palácios e querem já uma revisão do poder e da concepção de poder.

* José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor, entre outros, de a Sociabilidade do homem simples (Contexto)

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

A conjuntura atual e as nossas tarefas – Alberto Aggio

A conjuntura avançou por conta da iniciativa ou da reação do governo com a proposta do plebiscito. Um cenário contraditório se estabelece: a presidente vê sua popularidade cair para 30% e se dá o mesmo na ultima pesquisa Datafolha para os candidatos a presidência em 2014. Por outro lado, a proposta do plebiscito tem alcançado um índice de aprovação muito alto (68%) e já aparece como tabua de salvação da candidatura Dilma.

A outra questão está no plano mais intelectual em relação à disputa do campo da esquerda, que nós estamos fora ou fomos jogados para fora, a despeito dos nossos esforços. Apesar dos tropeços, a mídia mais ativa nesse campo ainda valoriza muito as bobagens escritas ou faladas pela Marilena Chaui, mantêm forte presença e garante espaço ao esquerdismo enragè do Vladimir Safatle e agora faz um grande estardalhaço com a publicação do instant-e.book do Marcos Nobre que expressa um forte saudosismo em relação ao PT de 1989. Intelectualmente é essa esquerda que está ai, tratada como tal.

Acho que há uma tarefa a cumprir da nossa parte e precisamos definir campos, projetos, valores, instrumental para nos apresentarmos na cena como expressão da "esquerda democrática". Tanto mais isso é necessário porque já há forte movimentação no sentido de o chamado neomarxismo recém desembarcado aqui (ou nem tão recente) tratar como o maior problema para uma política de esquerda a existência da democracia representativa e do Estado de Direito Democrático. Acho que temos que pensar em algo como uma manifestação/documento dos intelectuais da "esquerda democrática", em Braslia ou em algum outro lugar, para demarcar esse terreno e ingressarmos ativamente nessa batalha.

* Peço licença também para postar abaixo um argumento que acho razoável desenvolvido pelo Azedo. Vale a pena refletir sobre ele. Está ai para discussão. Da minha parte, me parece interessante jogar a questão da reforma política para o contexto das campanhas antecipadas, especialmente porque a proposta de reforma do PT é muito impopular: lista fechada e financiamento exclusivamente público.

"Tudo pode acabar em pizza

Não existe democracia sem Congresso eleito, funcionando, com as devidas prerrogativas. Executivo forte e presidente popular não são garantias de democracia, pelo contrário. Nós já tivemos um que foi muito popular na década de 1970; general, assistia jogo no Maracanã ouvindo radinho de pilha. Fracos, menos ainda.

Falo isso porque o Congresso está sendo atropelado pelo Palácio do Planalto, embora venha reagindo de forma positiva aos protestos da população. No momento, a popularidade de Dilma Rousseff está desabando, os partidos estão desgastados, o dólar está subindo, a inflação também. E os atos de vandalismo se repetem por todo o país, após as manifestações (sejam de 300 mil ou de 500 gatos pingados).

Não gosto desse cenário, essa é a rota de uma crise institucional. Chegará uma hora que a maioria da população derivará para uma espécie de "Basta!". Prefiro é que tudo isso desague nas eleições, respeitando as regras do jogo vigente.Que cada candidato apresente na campanha a sua proposta de reforma política e, depois de eleito, as encaminhe ao Congresso, que também será eleito e renovado. Se for mudar alguma coisa imediatamente, deveria ser para a inscrição de candidaturas avulsas.

Essa proposta de plebiscito a toque de caixa, para uma reforma política ampla e irrestrita, mal discutida pela sociedade, a vigorar nas eleições de 2014, é muito voluntarista. Beira o golpismo. Faz um apelo populista às massas, mas não aponta um rumo para o país enfrentar a crise, que se agrava. Mais: a responsabilidade de administrar o país até às eleições é pessoal e intransferível: cabe à presidente da República, aos governadores e aos prefeitos. Não tem plebiscito que substitua isso". Luiz Carlos Azedo.

Alberto Aggio, historiador e professor da UNESP