segunda-feira, 22 de julho de 2013

Qual o rumo do governo? - Renato Janine Ribeiro

Que repercussões os recentes protestos terão nas eleições de 2014? A pesquisa divulgada esta semana pela CNT mostra que Dilma Rousseff continua líder, mas com só um terço dos votos, enquanto Marina Silva garante 20%, seguindo-se Aécio Neves, com 15%, e fechando a fila com Eduardo Campos e seus 7,4%. É uma escadinha. Assim Dilma ainda pode se reeleger, com certa dificuldade, mas os tucanos ficariam fora da final pela primeira vez desde 1989. Só que tudo pode mudar.

Pode mudar, mas há parâmetros novos: Dilma tem pouco mais do que o piso petista. Os votos adicionais, que desde a campanha de 2002 permitiram uma sucessão de vitórias do PT, foram embora. Já Marina pode ter apenas um soluço de popularidade. Ela não ofende, soma em vez de agredir e seu discurso é o mais próximo das manifestações de rua. Mas seu partido é, parte por convicção, parte por fragilidade mesmo, pouco sólido para assegurar um bom desempenho em 2014 - até porque, segundo a sabedoria convencional, ele precisaria de palanques nos Estados, ou seja, como já afirmei aqui, necessita assegurar a governabilidade antes, e não depois, das eleições. Eduardo Campos bem pode desistir, porque não sei se lhe interessa concorrer para ter menos de dez por cento dos sufrágios; isso pode comprometer projetos futuros. Resta Aécio.

Neste momento, se Marina é a challenger moral de Dilma, porque une todos os atributos para propor outro rumo ao País, Aécio é seu desafiante político. Pode estar atrás dela - e isso é normal, dado o protagonismo que Marina alcançou - mas tem os governadores, prefeitos e parlamentares que escoram uma campanha eleitoral. Quando sonhos e utopias cederem lugar ao feijão e ao fator prosaico da política, os tucanos avançarão nas pesquisas. O tempo da usura e do desgaste milita em seu favor. Basta não cometer erros maiores - e já vimos que Aécio não os fará. Pode falhar, mas não errar. Explico: Serra errou, por agressividade. Aécio demorou a assumir posições, não se projetou ainda como presidenciável para valer, mas a restrição a ele não vai além do "ainda", o que, para um político jovem e cheio de vida, não constitui um problema maior.

Assim, na hora de ver quem ganhou e quem perdeu com a mudança no panorama político desde o dia seguinte ao Dia dos Namorados, dá para dizer: perderam Dilma e o PT, que podem se recuperar, mas terão que dar duro; ganha Marina, mas o que em teatro se chama um "succès d"estime", um sucesso de crítica, que não necessariamente se traduz em sucesso de público: é a vitoriosa moral; e ganham os tucanos.

Isso é curioso. Dos quatro presidenciáveis que citei, quem mais apareceu foi Marina Silva, seguida de Dilma Rousseff, que não podia se omitir quando entraram em cheque seu governo e partido. Mas o possível beneficiário político da crise é justamente - assim como Eduardo Campos - quem menos falou, porque talvez menos tivesse a dizer, sobre o clamor popular.

Agora, o que fica interessante é que tanto Marina quanto Aécio colocam a necessidade de uma nova agenda para o País, a do pós-Bolsa Família, como ele a chamou. Com efeito, os programas petistas mais populares, essa bolsa e o Pró-Uni, são medidas emergenciais contra a miséria e a injustiça social; ora, como ficará o País depois que sair da emergência? Quando as políticas - justamente - do PT tiverem levado o Brasil a uma normalidade, a uma saúde social, o que terão os candidatos a propor? Aqui me parece estar a questão quase fatal posta a cada um dos aspirantes ao Planalto.

Mesmo a falha na questão prejudica, em vez de ajudar, Dilma. Se é fato que os muito pobres e miseráveis passaram de 100 a 50 milhões no governo Lula, o problema é que as dezenas de milhões faltantes são as mais difíceis de retirar da grande pobreza. Portanto, a agenda petista não caducou. Continua sendo necessário erradicar a miséria. Mas já não está em jogo o destino de metade dos brasileiros, e sim de um quarto. Para os outros, novas agendas são necessárias. Aécio propõe a criação de novos empregos graças ao setor privado. Marina faz uso da ambiguidade da palavra "sustentável" - que nasce para tratar do verde, porém se pode aplicar a tudo, até mesmo à sustentabilidade de uma empresa no plano econômico, o que, sozinho, nada tem em comum com a ecologia - para sugerir uma revisão radical da economia e da sociedade. É a candidata, é o partido (ou Rede) mais utópico - e mais intelectualizado. Mas, enquanto isso, Dilma tem que formular sua proposta para o "day after" à pobreza, ao mesmo tempo que precisa continuar a erradicá-la. Jornada dupla de trabalho...

Para dificultar as coisas, seus antecessores deixaram marcas claras e populares. FHC concluiu a luta contra a inflação iniciada por Itamar Franco. Lula virou a política brasileira pelo avesso com a inclusão social. Mas qual é a marca de Dilma? Mesmo suas iniciativas mais fortes, como a redução na taxa de juros, trazem críticas sérias. Estamos naquele momento difícil em que qualquer movimento do cobertor mais expõe ao frio do que protege do calor. Propostas tão diferentes entre si como o plebiscito e o Mais Médicos geram efeitos negativos de tudo o que é lado. Será um problema de comunicação, como atiladamente observou Jânio de Freitas? Ou será mais fundo: de concepção? Não está claro o que o governo pretende. E a inércia das coisas, que até meados de junho favorecia a reeleição, agora a submete a um bombardeio cerrado. A boa fortuna de Dilma é que ela tem algum tempo - não muito, mas talvez o bastante, se mostrar "virtù" suficiente, para desenhar uma marca a aplicar às coisas.

Renato Janine Ribeiro, professor da USP

Fonte: Valor Econômico

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