segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Saúde pública - Cariocas esperam até 4 meses por consulta

Conseguir uma consulta num posto médico no Rio não é tarefa fácil. Daniel Soranz, subsecretário municipal de Saúde, admite que a espera pode demorar quatro meses, mas ressalta que o tempo chegava a nove meses: “Ainda não é razoável, mas estamos avançando." A aposentada Marlene Silva, por exemplo, já esteve quatro vezes no Centro Municipal Renato Rocco, no Jacaré, e ainda não foi atendida por um médico. Além de ficar horas na fila, ela teve que conviver com galinhas na área de triagem

Postos nada saudáveis

Cariocas madrugam na fila e esperam 4 meses por uma consulta médica na rede municipal

Taís Mendes

Serviço enfermo

O carioca ainda precisa madrugar para conseguir atendimento nos centros municipais de saúde da prefeitura. E nas filas, duas queixas comuns: a falta de médicos e a demora para conseguir uma consulta, que pode chegar a quatro meses. Enquanto a cobertura do programa Saúde da Família é de 41%, quem não é beneficiado sofre para ter acesso à saúde. Em alguns casos, nem insistindo muito. A aposentada Marlene Silva tentou quatro vezes atendimento no Centro Municipal de Saúde Renato Rocco, no Jacaré, sem sucesso. No posto, muitos se queixam da recorrente falta de médicos. A espera é longa, e as companhias não ajudam: barulho e poeira de obra, ratos e até galinhas ciscam livremente com seus pintinhos entre os pacientes na área de triagem.

A primeira vez que Marlene esteve no posto, há dois meses, era uma quarta-feira e ela não conseguiu marcar uma consulta porque a agenda só abre às segundas. Na segunda-feira seguinte, bem cedo, Marlene voltou e, na triagem, foi informada horas depois de que a médica havia sido intimada pela Justiça para prestar assistência em domicílio. Sem médico, não haveria atendimento naquele dia. Também não haveria como marcar consulta para outro dia, porque a agenda da semana já estava lotada.

- Voltei na segunda-feira seguinte. Aí, soube que o meu endereço residencial não está contemplado pelo Saúde da Família. Para esses casos, são apenas duas senhas por dia. Mas a agenda também já estava lotada para toda a semana - contou Marlene.

Com catarata em estágio avançado, Marlene voltou na quarta-feira, conforme orientação de uma funcionária do posto, para verificar se havia desistência e conseguir um encaixe. Não foi possível. Ela lembra que, além de toda a dificuldade para marcar uma consulta, protagonizou situações inusitadas:

- Primeiro disseram que não adiantava tentar telefonar porque "nunca se sabe se o telefone estará funcionando, já que ele sempre quebra". Outro dia, uma atendente se recusou a sentar-se no lugar destinado à triagem, que fica na área externa, porque havia cocô de rato em cima das mesas. Ela disse que isso era comum, e apenas raspou o cocô do rato para o chão e foi embora. Outra, desavisada, nos atendeu naquele local - lembrou.

O centro de saúde está em obras e, além de galinhas, há muito entulho e lixo no terreno ao redor do prédio.

- A aparência do posto me assustou. Só voltei lá porque precisava de encaminhamento para um hospital de referência, mas nem isso consegui. Se fosse para me tratar, saía correndo dali - disse Marlene.

Na Zona Sul, o Centro Municipal de Saúde João Barros Barreto, em Copacabana, é novinho em folha, mas enfrenta problemas semelhantes aos do posto do Jacaré: a falta de médicos e, consequentemente, a demora para marcar uma consulta.

- É muito difícil marcar consulta. Em geral, leva-se quatro meses para conseguir. Por causa disso, meu prejuízo é grande. Sem a receita, não consigo o remédio da pressão gratuitamente e tenho de pagar R$ 80 do meu próprio bolso - reclamou Dalva Gonçalves, de 65 anos.

E quando o problema não é a falta de médicos, outras ausências também atrasam o processo. Eliane de Oliveira Santos, de 59 anos, foi em vão ao posto de Copacabana na quarta-feira passada:

- Vim marcar consulta para levar o resultado dos exames, mas o funcionário que marca não veio e não tem ninguém para substituí-lo. Disseram para eu voltar na segunda-feira. Há anos faço tratamento nesse posto, e piorou muito.

Segundo Dalva, boa parte das pessoas da fila - que começa a se formar às 6h - volta para casa sem atendimento médico:

- Por volta das 7h, eles distribuem as senhas, mas nunca dá para todo mundo.

O subsecretário de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde, Daniel Soranz, reconhece que o tempo é longo, mas afirma que a prefeitura está trabalhando para reduzi-lo:

- Antigamente, levava nove meses. Agora, são quatro. Ainda não é razoável, mas estamos avançando para reduzir esse tempo. Há previsão de inauguração de novas clínicas da família, que, com certeza, vão reduzir as filas e o tempo de espera nos postos.

Justamente para não perder a senha, Sérgio Luiz Attan, de 45 anos, madrugou quinta-feira passada na fila do Centro Municipal de Saúde Antônio Ribeiro Neto, no Centro. Morador de Anchieta, ele chegou às 4h30m e conseguiu garantir o primeiro lugar na fila para uma consulta médica:

- Estou há dois meses com o pé torcido tentando uma consulta. No posto lá perto de casa não tem ortopedista - contou.

Sérgio conseguiu até um banco velho, abandonado na rua, para suportar a espera. Do outro lado da calçada, na fila para fazer exame de sangue, a moradora de Tomás Coelho Maria José Conceição, de 50 anos, não teve a mesma sorte. Pouco antes das 7h, ela aguardava, em pé desde as 4h, a abertura do centro municipal de saúde.

- A gente precisa madrugar no posto porque o Saúde da Família não atende. Já procurei ajuda, com falta de ar, e não tinha médico - contou Maria José.

Governo promete ampliar atendimento

Soranz, que é médico sanitarista, afirmou que no início da atual gestão, em 2009, a cobertura do Saúde da Família no município era de apenas 3,5% da população, com 68 equipes. Com a inauguração de 70 clínicas da família em toda a cidade, o programa alcançou a cobertura atual de 41,6%, com 813 equipes. Atualmente, 2,5 milhões de pessoas são assistidas e, segundo o subsecretário, o programa será ampliado para cobrir 70% da população até 2016. Ainda de acordo com ele, a cidade tem 130 postos de saúde, e 80 já foram reformados. Os demais passarão por obras até 2016.

- Tínhamos um dos piores sistemas de saúde, uma das menores coberturas entre as capitais do país. Além disso, a cidade tinha a menor quantidade de postos de saúde por habitante do país. Saímos de seis milhões de procedimentos de atenção primária por ano para mais de 20 milhões realizados em 2013. O sistema está se ampliando numa velocidade importante. Sabemos que ainda há muito a fazer, mas estamos caminhando em uma velocidade que nunca se caminhou. Os exames de sangue, que levavam seis meses para ter resultado, por exemplo, agora ficam prontos em 15 dias - argumentou o subsecretário.

No caso específico do posto do Jacaré, Soranz garantiu que o número de médicos já foi ampliado, mas não disse em quanto. Segundo ele, a obra será finalizada em outubro, e o posto poderá atender com mais qualidade.

- No Renato Rocco só havia quatro médicos. Hoje tem muito mais.

Com relação à presença de galinhas no posto, o subsecretário não soube informar de onde poderiam ter vindo:

- Isso não é nada adequado. Vamos verificar o que está acontecendo - afirmou.

Fonte: O Globo

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