sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O inverno de esperanças perdidas - Fernando Gabeira

Quando Celso de Mello lia seu voto no Supremo Tribunal (STF), eu visitava a trabalho um presídio da Paraíba. Como em todos os outros que visitei no Brasil, havia superlotação e dezenas de pessoas presas por lentidão da Justiça ou falta de advogado. Diante dos meus olhos, é evidente que a Justiça tarda a prender os poderosos e a soltar os desprotegidos.

Os que poderiam ser soltos num mutirão de Justiça continuam por lá. E o pior é que o nó no sistema penitenciário não se desata libertando alguns, porque há mais de 300 mil mandados de prisão não cumpridos. É um problema que empurramos para as novas gerações.

O voto de Celso de Mello encerrou uma fase. A nova agenda do STF, embora trate de problemas importantes para os interessados (aposentadoria, ressarcimento de planos econômicos) , tende a ser uma espécie de Boa Noite Cinderela para os espectadores. A cena política já é comandada pelas eleições. A maioria das pessoas ainda não seu deu conta e muitos não vão interessar-se por ela quando chegar ao seu apogeu. Mas os passos são cadenciados pela busca de votos.

O governo não esconde seu jogo. O programa Mais Médicos trouxe um enfrentamento que talvez retarde a presença real dqs médicos. Mas dá votos. É melhor um médico estrangeiro do que nenhum médico?". Essa é a pergunta que realmente toca quem vive no interior.
A espionagem dos EUA é outro assunto em que o marketing político entra em cena. O Brasil tinha mesmo de protestar, mas não basta. Era preciso um projeto real de defesa de dados, que não existe. A uma reunião internacional sobre o tema o Brasil mandou uma estagiária. A mensagem clara que leio nisso tudo é: enfrentar os EUA dá votos, em especial quando nos espionam. Não importam os dados que possam levar, o importante é a oportunidade de enfrentá-los.

Os escândalos sucedem-se. Explodem no Ministério do Trabalho e no da Previdência, no Palácio do Planalto, mas são o tipo de notícia que você julga já ter lido antes em algum lugar.

Na reeleição, o governante ocupa o centro da cena, praticamente como candidato único. Eleições são corrida de longo alcance. Largar com muitos corpos na frente, uma grande vantagem.

Ainda que não haja grandes fatos novos no período, 2014 vem carregado de promessas: eleições, Copa do Mundo, julgamento (ufa!) do mensalão. Um dos grande problemas de um clima eleitoral comandado pelo marketing é a falta de debates reais sobre os caminhos do País.

Estamos vivendo em muitas dimensões diferentes e a política não consegue integrá-las. O leilão do campo de Libra é um excelente motivo para avaliar o modelo do pré-sal. As gigantes americanas não vieram porque talvez preferissem o antigo regime de concessão. Outras empresas, principalmente chinesas, indianas e europeias, concorrem. Os chineses têm recursos e disposição para explorar o pré-sal. Mas, por outro lado, são menos pressionados pelo Parlamento e pela opinião pública de seu país - e essa pressão é uma das garantias nos cuidados ambientais. De qualquer modo, o pré-sal também será tema de campanha.

Embora deputados e senadores se batam pelos recursos do petróleo, ainda falta um debate sobre o futuro do pré-sal. Será que é toda essa maravilha? Eike Batista tombou no caminho, segundo ele, iludido por inúmeros pareceres técnicos animado-j res, pelo entusiasmo dos especialistas. Às vezes o otimismo não se concentra só no petróleo a descobrir, mas no futuro econômico desse recurso não renovável. O impulso chinês na área da energia solar e a intensa exploração do xisto pelos norte-americanos nos indicam um cenário cambiante, embora seja difícil projetar o impacto desses esforços por novas fontes.

O marketing político arrasta tudo para respostas simples, em que escolhe estatisticamente o lado a adotar. Se alguém diz que a Petrobrás foi mal administrada e viveu um péssimo período nas mãos de PT e PMDB. "Você está querendo privatizar a Petrobrás?" Se afirmamos que o programa Mais Médicos apenas atenua o problema da saúde, sobrecarregada por ineficácia, corrupção e aparelha-mento político, vem a contestação: "Você prefere ver os pobres sem nenhum médico?".

É um duelo que se estende por toda a campanha, sobretudo na economia. Reduzir os gastos da máquina? E o desemprego, os serviços básicos?

Não é, porém, uma briga de gato e rato. É possível sobreviver a ela e lançar algumas ideias. Não sei se alguma força política conseguirá galvanizar o interesse dos eleitores. Mas eleições seriam bem interessantes se pudessem afirmar teses como os fins não justificam os meios, o estímulo ao consumo não é o único dínamo de uma economia que precisa de investimento e educação, o Congresso não pode viver de joelhos diante do Planalto, a transparência e o acesso aos documentos públicos serão ampliados, os impostos serão devolvidos com serviços públicos decentes, política externa nacional, e não partidária. Um projeto desse tipo só é possível a um governo democrático no sentido de que não vê a sociedade só como consumidora de serviços, mas como importante personagem na mudança.

Numa banca de jornal no Rio, examinava capas de revistas e ouvi uma senhora dizer a outra: "Mensalão? Nem quero saber mais dessa história". Ela esten-; dia sua rejeição a todo o sistema [ político. E deve ficar algum tem-j po assim. Cedo ou tarde, talvez í no ano que vem, terá de voltar ao tema. Ela e milhares de outras pessoas vão perguntar se vale a pena o processo eleitoral. Es-sa é uma das grandes perguntas | que o sistema político terá para responder em 2014. Máxime agora que caiu a ilusão sobre homens e mulheres de capa preta, embargos de declaração, recursos infringentes e tudo o mais.

Foi um longo inverno. Ao menos na natureza, podemos contar com a primavera.

*Jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

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