quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lula recebe homenagem por texto que rejeitou

Em comemoração aos 25 anos da Constituição, o ex-presidente é agraciado com medalha e faz mea culpa sobre o fato de ter votado contra a Carta Magna de 1988

Amanda Almeida, Adriana Caitano e Paulo de Tarso Lyra

O Congresso homenageou ontem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter participado da elaboração da Constituição de 1988, embora ele tenha feito parte do grupo de petistas que, na época, votou contra o texto aprovado. Em discurso durante o evento, Lula admitiu que a versão do PT para a Carta Magna não era a melhor e que ele teria dificuldades para governar o país, caso tivesse sido aprovada. O ex-presidente aproveitou ainda para defender a política organizada em uma tentativa de atrair a simpatia dos manifestantes de junho para o PT.

“Muitas vezes dizem que o PT não assinou a Constituição — e uma mentira contada muitas vezes ganha fundo de verdade. (...) Nós só tínhamos 16 deputados, mas agíamos como se tivéssemos 470. Chegamos aqui com um projeto de Constituição e de regimento interno. (...) Não votamos favoravelmente, porque tínhamos o nosso projeto e assinamos a Constituição porque participamos da construção”, justificou-se. Ao lado de Lula, receberam a medalha Ulysses Guimarães, criada pelo Senado, políticos como o vice-presidente, Michel Temer, o ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

De acordo com Lula, para governar bem o país é necessário apenas fazer o “óbvio”, que, para ele, é “seguir o que está escrito” na Constituição e “nós fingimos não enxergar”. E fez a mea culpa: “Se a nossa Constituição tivesse sido aprovada, certamente teria tido dificuldade para governar o país”. O petista fez muitas citações ao presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães. “Certamente, foi o símbolo desta Constituinte, coordenou com maestria, numa situação muito difícil”, disse.

O ex-presidente também elogiou Sarney, então presidente da República, com quem teve embates. “Mesmo quando o senhor era afrontado dentro do Congresso Nacional, o senhor não levantou um único dedo ou disse uma única palavra para criar qualquer dificuldade para os trabalhos da Constituinte, que, certamente, foi o trabalho mais extraordinário que o Congresso Nacional já viveu.”

Lula reforçou a importância da política. “Na hora em que as pessoas tentam diminuir a imagem da política, não há nenhum momento na história, em lugar nenhum do mundo, que a negação da política trouxe algo melhor do que a política”, disse, acrescentando que a imprensa a “avacalha” com manchetes de denúncias. Na avaliação de correligionários, o recado teve dois alvos: a ex-senadora Marina Silva e, consequentemente, o governador Eduardo Campos, e os chamados black blocs (que se posicionam contrariamente a partidos políticos). Os manifestantes de junho também são alvo de Marina e Campos, que pretendem atraí-los com o discurso em prol da “nova política”.

Mais tarde, Lula foi também homenageado pela Câmara dos Deputados, com a medalha de “suprema distinção” pela atuação política. No discurso, ele fez afagos aos parlamentares, dizendo que, mesmo quando votam contrariamente ao que o Palácio do Planalto deseja, podem estar, na verdade, melhorando o texto.

Sem autonomia
Também homenageado no Senado, Aécio alfinetou Lula, após seu discurso: “Hoje, o Congresso Nacional não tem autonomia para apresentar uma agenda de projetos. Essa autonomia, infelizmente, foi usurpada pelo Poder Executivo”. Sobre sua participação na Constituinte, Aécio se diz emocionado. “Tive o privilégio de fazer parte daquele conjunto de brasileiros que teve uma oportunidade histórica, de permitir que o Brasil desse, a partir da Constituinte de 88, os mais vigorosos passos para consolidarmos a democracia que retornava ao Brasil.”

O ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) também foi homenageado, mas chegou atrasado e recebeu a medalha depois. Na tribuna, ele disse que o processo de impeachment pelo qual passou em 1992 “serviu para consolidar a Constituição, então com apenas quatro anos de vigência”.

Com diverticulite — um tipo de inflamação no intestino grosso —, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faltou à cerimônia ontem, em que também receberia a medalha Ulysses Guimarães. Ele sentiu dores no estômago quando voltava de uma viagem ao Peru, no sábado. Os médicos diagnosticaram o problema e recomendaram repouso e dieta. O ex-presidente cancelou as viagens que faria nos próximos dias ao Rio de Janeiro e a Miami e permanecerá em sua residência, em São Paulo.

Fonte: Correio Braziliense

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