quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

OPINIÃO DO DIA - Tzvetan Todorov: democracia e ação política

As democracias também se valem de certa concepção da ação política. Também nesse aspecto, tentam evitar dois extremos. Por um lado, a diferença das teocracias e dos regimes totalitários, elas não prometem à sua população a salvação, nem lhe impõem o caminho a seguir para alcançá-la A construção do paraíso na Terra não faz parte do seu programa; a imperfeição de toda ordem social é considerada como um dado prévio. Mas, por outro lado, as democracias tampouco se confundem com os regimes tradicionalistas e conservadores nos quais se pensa que nenhuma regra imposta pela tradição deve jamais ser questionada. Elas recusam as atitudes fatalistas de resignação. Essa posição intermediária autoriza interpretações divergentes, mas pode-se dizer que toda democracia implica a ideia de um melhoramento possível da ordem social, de um aperfeiçoamento graças aos esforços da vontade coletiva. Hoje em dia o termo “progresso” é mantido sob suspeita, mas a ideia que ele recobre é inerente ao projeto democrático. E o resultado aí está: os habitantes dos países democráticos, embora freqüentemente se mostrem insatisfeitos com sua condição, vivem num mundo mais justo do que aquele dos habitantes dos outros países. Eles são protegidos pelas leis; gozam da solidariedade entre membros da sociedade que beneficia os idosos, os doentes, os desempregados, os miseráveis, podem invocar os princípios de igualdade e de liberdade, e até um espírito de fraternidade.

In. Tzvetan Todorov. Os inimigos íntimos da democracia, p. 17. Companhia da Letras, 2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do país

O GLOBO
Risco de racionamento - Térmicas podem anular desconto na energia
Juro menor na casa própria
Gasolina deverá aumentar até 9%
Em nome de Chávez: Vice surpreende e já faz nomeações

FOLHA DE S. PAULO
Caixa corta taxa de juros para imóveis acima de R$ 500 mil
Bode 'guarda' empresa de fundo de quintal que recebeu R$ 6 milhões
Haddad só vai liberar verba a secretário que reduzir custos
Nova York aprova lei que restringe venda de armas
De hospital em Cuba, Hugo Chávez nomeia chanceler

O ESTADO DE S. PAULO
Assembleia libera servidor de bater ponto diariamente
Ataque mata 80 em universidade na Síria
França pede apoio externo para combate no Mali
CEF corta juro de imóvel acima de R$ 500 mil
Gasolina cara pode incentivar etanol

VALOR ECONÔMICO
Empresas terão forte perda com seus planos de pensão
Elétricas com novo contrato ganham ajuda
CDI se distancia da Selic e preocupa
Governo estuda mais 3 trens-bala
Corrida para suceder a Gurgel já tem quatro pré-candidatos

BRASIL ECONÔMICO
Caixa reduz juro de imóvel acima de R$ 500 mil de olho na classe A
Brasil continua atraente para investimentos, diz JPMorgan
STF inicia 2013 com 732 casos para julgar
Gás de xisto vai mudar a matriz de energia do país
Reajuste de tarifas e da gasolina pode elevar a inflação

CORREIO BRAZILIENSE
Exame da OAB reprova 83% dos inscritos
Cai juro para imóveis acima de R$ 500 mil
Surge pista de jovem no Peru

ESTADO DE MINAS
Oficinas viram garagem por falta de peças
Imóvel: Cai taxa de juros da casa própria
Crack: Atendimento no HPS cresce 133%

O TEMPO (MG)
Mulher rouba trem e bate com ele em prédio
Caixa reduz juros de imóvel
Cai o número de indústrias que pretendem investir
Manifesto diz que eleição de Calheiros lembra coronelismo
França se prepara para possíveis atentados terroristas após ação

GAZETA DO POVO (PR)
Atendimento de emergência chega ao limite em Curitiba
Impacto da gasolina na inflação será alto
Sob denúncias, deputado recebe apoio paranaense
Em defesa das manchas verdes

ZERO HORA (RS)
Aumento na gasolina ofusca luz mais barata
Vídeos para transformar a sala de aula

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Estado assumirá a BR-101
Caixa reduz juros para imóveis da classe alta
Afetado por apagões pode recorrer

Risco de racionamento - Térmicas podem anular desconto na energia

Uso das usinas este ano deverá encarecer a tarifa em 15%, em média

Impacto previsto por especialistas é bem maior do que os 3% estimados inicialmente pelo governo

Conta mais salgada

Uso de térmicas pode encarecer conta de luz em 15% e anular desconto prometido por Dilma

Mônica Tavares

BRASÍLIA - Se as usinas termelétricas do país ficarem ligadas ao longo de todo este ano, para evitar o risco de um racionamento de energia no país, isso vai encarecer em 15%, em média, a tarifa do consumidor no ano que vem, considerando a geração de 13 mil megawatts (MW). O impacto é muito maior do que a alta de até 3% calculada pelo diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. Isso significa que o consumidor teria de pagar a mais pela energia R$ 14,4 bilhões em 12 meses, o que anularia, já no ano que vem, a redução média de 20% na tarifa, sancionada esta semana pela presidente Dilma Rousseff e que começa a chegar nas contas em março.

O valor a mais pago pelas térmicas representa 16% da receita total por ano de R$ 90 bilhões dos fornecedores (geradores) de energia. Para chegar ao resultado, os especialistas do setor calculam a quantidade da energia gerada pelas térmicas, a capacidade de geração dessas usinas, o custo médio da energia, o número de meses e horas em que as usinas ficam ligadas, entre outros fatores.

Em 2001 e 2002, época do racionamento de energia, a fatura foi menor, entre R$ 12 bilhões e R$ 13 bilhões. Os pagamentos naquela época foram para contratar o seguro-apagão e para cobrir o endividamento que geradoras e distribuidoras tiveram com a redução do consumo.

Falta de transparência

A conta elevada a ser paga pelo consumidor se deve à falta de transparência no funcionamento do mercado livre a curto prazo, no qual geradoras e grandes consumidores compram energia. Quando as térmicas de segurança são acionadas, como está ocorrendo agora, um preço mais baixo nesse mercado pode gerar prejuízo ao consumidor final. Isso porque o preço de referência no mercado livre serve para cobrir o seguro que garante o funcionamento das termelétricas (ESS, ou Encargo de Serviços do Sistema), que é cobrado na conta de luz. Ou seja, quanto menor o preço no mercado livre, maior a parcela do seguro que será paga pelo consumidor.

Para as grandes geradoras de energia, a lógica é diferente. Para elas é importante que o preço de referência não seja muito alto porque, neste momento de escassez nos reservatórios, essas empresas precisam comprar no mercado livre para honrar seus compromissos com as distribuidoras. Por essa fórmula, as grandes beneficiadas são Eletrobras (com as hidrelétricas) e Petrobras (que detém as termelétricas).

O prejuízo que a fórmula de cálculo do preço no mercado livre pode trazer para os consumidores foi detectado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2007, mas até agora não houve qualquer alteração nas regras. Em fevereiro daquele ano, o então diretor-geral da agência, Jerson Kelman, determinou que o ONS realizasse uma licitação internacional para contratar uma empresa que fizesse um novo modelo de cálculo, usado para as medições do setor, inclusive da hidrologia.

Em abril do mesmo ano, o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, presidente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão máximo do setor, assinou uma resolução retirando o poder da Aneel de interferir na questão, levando-o para o conselho. A partir de então, o CNPE passou a ter a incumbência de modificar os modelos computacionais do ONS. Especialistas do setor consideram que a medida é ilegal, porque a legislação determina que cabe à Aneel regular e fiscalizar o setor.

No fim de 2007, o CNPE editou nova resolução, a número 8, assinada pelo então ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, atual diretor-geral da Aneel, que dividia a conta de custos extras com as usinas termelétricas com todos os consumidores de energia, inclusive os residenciais, que até então estavam livres do encargo. Com isso, o custo de ligar as termelétricas e o risco de inadimplência dessas empresas passaram a ser de todos.

Em fevereiro de 2008, o Ministério de Minas e Energia criou a Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP). Presidida pelo secretário-executivo do ministério, Márcio Zimmermann, ela não atualizou o modelo do ONS que poderia evitar um aumento tão grande da conta dos consumidores no caso de uso das termelétricas. Analistas criticam o modelo do ONS e cobram transparência nos cálculos de preço da energia. Procurados, Chipp e Zimmermann disseram que só poderiam se pronunciar hoje, por problemas de agenda. Hubner disse "que não quer se posicionar sobre o assunto".

Fonte: O Globo

Gasolina deverá aumentar até 9%

O governo prepara reajuste de 7% a 9% da gasolina e de 4% do diesel. Para conter a inflação, Dilma pediu a Rio e SP para adiar aumento de ônibus.

Reajuste da gasolina deve ficar entre 7% e 9%

Correção de 15% pedida pela Petrobras não será atendida pelo governo para evitar impacto sobre a inflação

Martha Beck

Cumprida a missão de fechar 2012 com a inflação dentro da meta -ainda que acima do centro, de 4,5% - o governo já prepara um reajuste para os preços da gasolina e do óleo diesel. Segundo técnicos da equipe econômica, o reajuste da gasolina pode ficar entre 7% e 9%, o percentual de defasagem nos preços do produto. A alta do diesel ficaria em cerca de 4%.

O aumento do preço da gasolina ficará abaixo dos 15% que vêm sendo pedidos pela Petrobras. Isso porque o governo tem grande preocupação com o impacto que o aumento pode ter sobre os índices de preços. A estatal do petróleo vinha pressionando por um reajuste no valor do combustível desde o ano passado, mas o Banco Central temia o comportamento da inflação, que acabou fechando o ano em 5,84%. Como antecipou o GLOBO, foi justamente por isso que a correção foi adiada para o início deste ano.

Especialistas calculam que um reajuste de 7% da gasolina nas refinarias, acrescido do aumento do preço das passagens de ônibus no Rio (5,4%) e em São Paulo (estimado em 11%) - o qual já foi impedido pelo governo federal -, teria impacto na inflação de janeiro de 0,19 ponto percentual.

Inflação pode subir a 6,3%

Com isso, a projeção da LCA Consultores para o IPCA de janeiro passaria de 0,86% para 1,05%. E a inflação acumulada nos últimos 12 meses até janeiro ficaria em 6,35%, bem próxima do teto da meta oficial.

Mesmo com o reajuste dos ônibus - já efetivado em Belo Horizonte (5,66%), Fortaleza (10%) e Recife (5,53%) - e da gasolina, a LCA não estima que a inflação vá ultrapassar o teto da meta ao longo do ano e projeta alta de 5,4% para 2013.

- Há muitos focos de pressão inflacionária em janeiro. Mas claro que adiar o reajuste do ônibus embute um risco, que não é pequeno, de haver problema climático e ocorrer uma alta mais forte nos preços de alimentos - afirmou o economista Fábio Romão, da LCA.

Quando voltar de férias, na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vai fechar o valor do aumento dos combustíveis e avaliar com sua equipe que medida pode ser adotada para tentar minimizar os efeitos sobre os preços. Uma opção seria elevar o percentual da mistura de álcool na gasolina, de 20% para 25%. Mas esta medida só seria efetivada a partir do início da safra da cana-de-açúcar, em abril, quando o preço do etanol tende a cair. Há ainda a possibilidade de redução de tributos na distribuição de combustíveis.

Principal arma que vinha sendo usada pelo governo para conter a alta da gasolina, a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) já foi zerada para compensar um aumento de junho do ano passado. Por isso, mesmo que o governo adote alguma compensação, a alta dos combustíveis vai acabar se refletindo na bomba.

Fonte: O Globo

Dilma pede a São Paulo e Rio que adiem alta de ônibus

Mantega procurou prefeitos para segurar reajuste de tarifas

Preocupada com o impacto que as tarifas de transporte urbano têm sobre a inflação no início do ano, a presidente Dilma Rousseff decidiu pedir ajuda aos prefeitos do Rio e de São Paulo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já conversou com Eduardo Paes (RJ-PMDB) e Fernando Haddad (PT-SP) e fez um apelo para que eles segurem os aumentos dos preços desse serviço.

Segundo técnicos do governo, o reajuste das passagens de ônibus, combinado com um aumento previsto da gasolina, e as tradicionais altas nas mensalidades escolares podem pressionar demais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial. O receio é que chegue a um patamar próximo de 1% este mês.

O próprio mercado já aposta que a inflação vai fechar o ano acima do centro da meta, de 4,5%. De acordo com o boletim semanal Focus, do Banco Central, que mostra as previsões do mercado, o indicador deve fechar este ano em 5,5%. Em 2012, o IPCA acumulou alta de 5,84%.

Haddad reconheceu ontem que a decisão de deixar a elevação da tarifa de ônibus para junho foi tomada após conversa com o governo federal. Segundo ele, o ministro Mantega avaliou que a quantidade de despesas que se acumulam nos primeiros meses do ano influencia as projeções de inflação.

- Nós não faremos agora o aumento da tarifa, devemos fazer mais para o meio do ano, possivelmente em junho. O ministro Guido Mantega fez chegar ao meu conhecimento que todos os reajustes acontecem no primeiro bimestre do ano. É muita coisa para administrar no começo do ano, isso afeta as expectativas do mercado sobre a inflação. E se nós conseguirmos diluir ao longo do ano os aumentos que são contratuais, isso vai facilitar o combate à inflação - afirmou o prefeito paulistano.

Haddad garantiu que o percentual de aumento da tarifa de ônibus será inferior à inflação acumulada. Projeções da LCA Consultores indicam que as passagens em São Paulo devem ser reajustadas em cerca de 11%.

A prefeitura do Rio também confirmou que não aplicará o reajuste anunciado de 5,4% no preço das passagens de ônibus este mês. A decisão, assim como em São Paulo, responde a um pedido feito pelo ministro Mantega para evitar maiores pressões sobre a inflação. O governo municipal, no entanto, informou que não estipulou ainda uma data para a efetivação da correção do valor da passagem de ônibus.

Fonte: o Globo

Vêm mais reajustes no setor de serviços

Um dos responsáveis pela inflação de 5,84% no ano passado, o segmento não deverá dar trégua e promete novos aumentos em 2013

Priscilla Oliveira

Os consumidores que sentiram o peso da alta da inflação em 2012 devem preparar o bolso. A escalada dos preços no setor de serviços, um dos principais responsáveis por puxarem para cima o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no ano passado, deve continuar em 2013, segundo os especialistas. Os próprios profissionais da área admitem que será impossível não repassar novos aumentos aos clientes. O motivo é o custo crescente da mão de obra e dos materiais, além do peso dos impostos.

O proprietário da Madeireira Menezes, Hélio Menezes, disse que a falta de trabalhadores qualificados no mercado obriga os patrões a pagarem mais para manter a mão de obra boa que eles conseguem. “Quando há um bom profissional, acontece um verdadeiro leilão. O funcionário vai para onde o salário é melhor. Se eu não oferecer remuneração melhor, outro paga mais”, afirmou.

Segundo Menezes, o trabalhador que há um ano ganhava R$ 800 recebe hoje R$ 1 mil. “No caso dos motoristas, a remuneração chega a R$ 1,2 mil”, completou. Para ele, é impossível não repassar o aumento ao consumidor. “Já tentamos até abater o preço de alguns produtos, mas a margem de lucro continua muito pequena em razão dos gastos com pessoal e impostos”, disse.

Pressão

Gerente de uma oficina de lanternagem e pintura no Paranoá, próximo a Brasília, Antônio Oliveira viu os salários dos funcionários passarem de R$ 800 para R$ 1,3 mil nos últimos dois anos. “Falta mão de obra. Então, se eles exigem valor mais alto, a gente é obrigado a pagar”, afirmou.

Conforme dados divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as despesas pessoais registraram variação média de 10,17% em 2012, contribuindo para que o IPCA fechasse o ano em 5,84%. A alta foi liderada pelos gastos com empregados domésticos (12,73%), seguidos dos de manicure (11,73%), costureira (7,42%) e cabeleireiro (6,8%).

O economista senior do Espirito Santo Investment Bank, Flávio Serrano, explicou que a inflação de serviços sempre esteve acima do IPCA e deve seguir esse padrão também em 2013. “O mercado de trabalho apertado é o principal fator que leva essa inflação a rodar de forma elevada persistentemente”, disse. Ele lembra que a taxa de desemprego baixa pressiona os custos dos fornecedores para cima, sem contar a transferência de renda da população que fez com que os serviços participassem mais do consumo interno.

Dessa forma, um controle da situação implicaria, segundo Serrano, uma piora no desemprego e na desaceleração da economia. “Será algo bastante desafiador para o governo. Como a presidência não quer perder popularidade, não deve mexer nisso e, infelizmente, nós devemos ter continuidade dessas pressões no cenário brasileiro”, completou.

Insumos

Também proprietário de uma oficina mecânica, Isaias Lopes destacou que os custos crescentes dos produtos e insumos utilizados para a realização do serviço têm sido determinantes para o acréscimo na conta do consumidor, além da mão de obra mais cara. Uma lata de primer, utilizado para fixar a pintura de carros, por exemplo, passou de R$ 25 para R$ 30 em menos de seis meses, 20% de aumento, segundo ele. “Um serviço de lanternagem que custava R$ 1,5 mil há seis meses, hoje não sai por menos de R$ 2 mil”, disse.

Dono da Módulo Gesso, em São Sebastião, Warlly Aguiar também atribui a alta dos preços dos serviços aos produtos mais caros, além do aumento do dólar, que encareceu os itens importados. “Não estamos dando conta de importar material, tem mês que fica sem”, revelou. Segundo ele, o metro quadrado do gesso, que há poucos meses custava R$ 3,50, agora está em R$ 6, quase o dobro. Com serviços mais caros, o consumidor anda adiando a reforma ou a construção da casa. “Neste fim de ano, as vendas caíram 30%. Janeiro também costuma ser bem fraco, mas nunca foi tão ruim quanto este”, disse.

Fonte: Correio Braziliense

Disposição de investir da indústria é a pior desde início de 2009

Pesquisa da CNI mostra que 85,4% das empresas pretendem investir este ano; número é maior que ode 2012

Célia Froufe

BRASÍLIA - A disposição do industrial brasileiro para investimentos este ano é a pior desde o início de 2009, quando o mundo atravessava forte crise financeira. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada ontem, mostrou que 85,4% das empresas do setor pretendem investir em 2013. A fatia é maior que a do ano passado, mas é mais baixa do que há quatro anos, quando a intenção de tirar dinheiro do caixa para estimular a produção fazia parte dos planos de 86,6% das indústrias.

Com o cenário global ainda "turvo" e o aumento da competição, principalmente com a Ásia, o empresário brasileiro volta cada vez mais seu foco para o mercado doméstico. Apenas 4,7% das empresas atrelaram a perspectiva de investimentos ao mercado externo, nível mais baixo em dez anos. "Não prevejo novas turbulências no cenário internacional, mas o comércio brasileiro fica patinando, não cresce, enquanto os asiáticos não param de aumentar a competição", disse o gerente executivo de política econômica da CNI, Flávio Castelo Branco.

A entidade revelou que, em 2012, apenas metade das empresas teve sucesso ao destinar seus recursos conforme o previsto. A outra metade ou realizou investimentos parciais ou cancelou os planos do início do ano. Com isso, apenas 80,2% das indústrias conseguiram efetivar seus objetivos em 2012, ante 88,7% de 2011.

Entraves. Os principais obstáculos em relação à concretização das metas de 2012 foram a incerteza econômica e a reavaliação da demanda. Esses dois pontos são os mesmo que lideraram o ranking de 2013 apresentado pela CNI.

Também estão na lista o custo do crédito e a dificuldade de obter empréstimos. Flávio Castelo Branco ressaltou que a pesquisa, feita em novembro com 584 companhias de todos os portes, não captou a eventualidade de novo racionamento de energia. "Essa é uma questão adicional às incertezas já esperadas", considerou. "O empresário se pergunta: "Por que vou investir se terei limitações de uso de energia?".

No radar dos industriais há a avaliação de que a demanda ,será mais forte este ano do que em 2012, mas não é aguardado um 2013 excepcional. A projeção é a de que a atividade industrial tenha encolhido cerca de 2% no ano passado. "O que vemos é que a capacidade deverá ser adequada em relação à expectativa que se tem para a demanda, que não deve ser tão forte em 2013."

O que pode ajudar o setor este ano, na avaliação do economista, é a entrada em prática de ações adotadas pelo governo para reduzir os custos da produção, como a desoneração da folha de pagamentos e o corte da conta de luz. As respostas sobre se o governo teve êxito virão apenas a partir do terceiro trimestre, segundo Castelo Branco.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Cresce no Planalto desconforto com críticas às manobras fiscais

Claudia Safatle, Edna Simão e Eduardo Campos

BRASILIA - No governo, fontes próximas à presidente Dilma Rousseff consideraram "preocupante e incontestável" a crítica feita pelo ex-ministro Delfim Netto ao Ministério da Fazenda, em artigo publicado ontem no Valor. Tido como um dos interlocutores mais privilegiados da presidente, Delfim considerou uma "deplorável operação de alquimia" a forma como o ministro Guido Mantega lidou com as contas públicas para chegar à meta de superávit primário no ano passado. Ao recorrer a "truques contábeis" o governo estaria, na opinião do ex-ministro, "construindo uma relação incestuosa entre o Tesouro Nacional, a Petrobras, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal", numa sucessão de "espertezas capazes de destruir o esforço de transparência que culminou na magnífica Lei de Responsabilidade Fiscal, duramente combatida pelo Partido dos Trabalhadores na sua fase pré-entendimento da realidade nacional, mas que continua sob seu permanente ataque".

Foi uma dura e contundente intervenção de Delfim - até então um defensor da gestão de Mantega na Fazenda - devidamente registrada no Palácio do Planalto.

O decreto que regulamentou o uso de recursos do Fundo Soberano para complementar o superávit primário teve a assinatura da presidente Dilma Rousseff. Segundo fontes oficiais, esse arranjo final era inevitável sob o risco de o governo cair na ilegalidade, já que a meta fiscal é fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas a forma como foi divulgada a decisão -- na tarde do dia 28 de dezembro, véspera do feriado de Ano Novo, em edição extra do Diário Oficial e sem qualquer explicação - foi lamentável, conforme avaliação dessas mesmas fontes. Dada a importância da medida e suas previsíveis repercussões, o assunto deveria ter sido tratado com mais zelo pelo ministério.

Além das "manobras" fiscais, o governo também encerrou o ano com volume expressivo de restos a pagar. O governo transferiu para este ano o pagamento de R$ 178 bilhões em despesas de investimento e custeio contratadas de exercícios anteriores ou restos a pagar, um aumento de 26,21% em relação ao montante inscrito em 2012 (R$ 141,1 bilhões). Segundo dados do Tesouro Nacional, o número, retirado do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), ainda pode passar por ajustes até o fim deste mês. A distribuição detalhada dessa conta não foi informada.

Até o dia 29 de dezembro, de acordo com os dados da consultoria de Orçamento da Câmara, os restos a pagar somaram R$ 175, 8 bilhões, sendo que R$ 43,5 bilhões se referiam a investimentos; R$ 86,7 bilhões à outras despesas correntes; R$ 14,2 bilhões ao pagamento de salários e encargos sociais; R$ 12,3 bilhões a juros e encargos da dívida e R$ 19 bilhões à inversões financeiras.

O elevado patamar dos restos a pagar é com frequência criticado por especialistas em contas públicas por ser considerado como um orçamento paralelo. Para o ministro da Fazenda, no entanto, ele decorre do próprio aumento do investimento. "À medida que vai aumentando o volume de investimentos, programas que o governo realiza, é natural que os restos a pagar cresçam", disse em entrevista recente ao Valor PRO.

Fonte: Valor Econômico

LDO levou governo a usar medidas, diz Belluzzo

Sergio Lamucci

SÃO PAULO - O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp e da Facamp, diz não ver "imoralidade" ou "safadeza" nas medidas adotadas pelo governo no fim do ano passado para cumprir a meta de superávit primário, de 3,1% do PIB, mas considera que elas passam uma impressão de "incerteza e insegurança" para o setor privado, o que pode prejudicar o investimento.

Segundo ele, o problema é que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) obriga a fixação da meta de superávit em valores correntes, e o seu descumprimento pode acarretar sanções legais para o administrador público. Interlocutor frequente do ministro da Fazenda, Guido Mantega, Belluzzo considera que essa "excrescência" levou o governo a arrumar um expediente desnecessário para atingir a meta.

Em artigo publicado ontem no Valor, o ex-ministro Antonio Delfim Netto, outro interlocutor de Mantega, criticou pesadamente as manobras contábeis, classificando-as como "uma deplorável operação de alquimia", que podem fazer o governo perder credibilidade "em troca de nada". Belluzzo diz ter uma opinião parecida com a de Delfim, mas que a expressa de modo menos radical, além de destacar o problema envolvendo a LDO, algo que o ex-ministro não fez.

Em um cenário de desaceleração da atividade, é normal e até desejável a redução do superávit primário, afirma Belluzzo, para quem a exigência da LDO dificulta o papel anticíclico da política fiscal. Como não existe risco de insolvência, não haveria problemas num superávit inferior aos 3,1% do PIB. Para ele, contudo, poderia haver dificuldades políticas para alterar esse ponto da LDO, o que ajudaria a entender a opção do governo no fim de 2012.

Belluzzo gostaria de ver um investimento público mais forte, o que não tem ocorrido na magnitude suficiente para impulsionar a economia e dar um horizonte de longo prazo para o setor privado. Segundo ele, há problemas na execução fiscal, além do fato de que instituições como os tribunais de contas e o Ministério Público travam o investimento. Não se trata, contudo, de responsabilidade da Fazenda, diz Belluzzo.

Fonte: Valor Econômico

Lupi diz que PDT pode ter candidatura própria em 2014

BRASÍLIA - Afastado do governo desde dezembro de 2011, quando deixou o comando do ministério do Trabalho sob denúncias, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, não descarta a possibilidade de a sigla deixar a base aliada e lançar candidatura própria à Presidência da República em 2014.

A pasta é ocupada atualmente por Brizola Neto, uma escolha considerada como pessoal da presidente Dilma Rousseff.

Lupi e Brizola Neto estão hoje em lados opostos dentro do partido. O primeiro é candidato à reeleição a presidente da legenda. O segundo trabalha para lançar um nome na disputa interna prevista para ocorrer na reunião da executiva no mês de março.

Nesse encontro, o partido deve definir sua permanência na base governista. "A candidatura própria para 2014 é algo que mobiliza muita gente dentro do partido. É uma tese muito forte, esse processo está em aberto", disse Lupi. "Mas tudo ainda depende de todo o processo de março."

Um dos nomes cogitados para disputar a Presidência em 2014 é o do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que se colocou internamente como uma opção.

Apesar da possibilidade de um voo solo, Lupi diz que ainda aguarda um convite de Dilma para discutir sobre as alianças com o partido. "O que está faltando um pouco são as relações institucionais. Tem que se ampliar o diálogo. Não há mais reunião com os presidentes dos partidos como havia antes. Isso não é uma queixa minha, mas de forma geral", disse Lupi.

Fonte: Valor Econômico

Aécio Neves assumirá a Presidência do PSDB

Senador começa por São Paulo a busca pelo consenso nacional em torno da sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto

Bertha Maakaroun

BELO HORIZONTE — O senador Aécio Neves (PSDB) será o futuro presidente nacional do PSDB. Embora com o apoio da maior parte da bancada federal e de caciques da legenda como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; o ex-senador Tasso Jereissati (CE); o presidente nacional do partido, deputado Sérgio Guerra (PE); e dos governadores tucanos, o mineiro quer ser resultado de um consenso construído a partir do diálogo com nomes de todas as regiões do país.

Ele já tem agendada, ainda este mês, uma conversa com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Depois do paulista, Aécio continuará alinhavando ao Sul, no Norte e no Nordeste. É objetivo repetir o modelo que o elegeu em 2002 ao governo de Minas, quando reuniu extenso leque de apoios, a começar pelo então governador Itamar Franco, que deixara o PMDB em decorrência de atritos com o vice-governador Newton Cardoso (PMDB).

Além de ser um nome que pode unificar o partido, Aécio é a cara do “novo” e, como pré-candidato à sucessão de Dilma Rousseff (PT), poderá, à frente do PSDB, ganhar visibilidade e fazer o debate dos grandes temas nacionais. Além da mídia espontânea que vem a reboque das questões do debate, Aécio terá espaço nos programas do partido, que serão exibidos em 30 de maio e em 19 de setembro, além dos oito dias de inserções de 5 minutos diários. “Ele ficará senhor do tempo e do conteúdo, podendo administrar o tom para a construção do projeto alternativo”, considera o presidente estadual do PSDB, Marcus Pestana, lembrando que, embora a tradição não seja aplicável ao Brasil, no parlamentarismo europeu são os porta-vozes dos partidos os futuros candidatos a primeiros-ministros.

O nome de Aécio vem ganhando corpo dentro do PSDB já há algum tempo, mas foi a partir do segundo semestre do ano passado, no momento em que havia forte cobrança de falta de projeto de poder das oposições, que se explicitou o consenso entre os líderes tucanos, à exceção do grupo do ex-governador José Serra. No fim do ano passado, em jantar com integrantes da bancada de deputados, Aécio ouviu o pedido para que assumisse o comando da legenda.

Negociações

Entre o Natal e o ano-novo, mais um gesto de que o senador mineiro vai mesmo assumir a direção nacional do partido, passo para a construção de sua pré-candidatura ao Planalto. Dando sequência a uma série de encontros com economistas ligados ao PSDB — com os quais tem definido o tom do debate —, Aécio se reuniu, em seu apartamento no Rio de Janeiro, com Fernando Henrique Cardoso; o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan; o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga; e Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real.

“Aécio sempre deu valor ao tempo na política. Sabe o tempo de se lançar”, disse ontem Danilo de Castro, secretário de Governo de Minas. Opinião semelhante manifesta Pestana, para quem — estando a Convenção Nacional do PSDB marcada para maio — não há necessidade de se precipitar. “Aécio vai, na última semana deste mês, retomar a conversa com Geraldo Alckmin para a construção do projeto de êxito”, ressalta Pestana. O senador estará em viagem de férias fora do país pelos próximos dias, com a filha Gabriela.

Não à toa, a conversa inaugural de Aécio Neves sobre a Presidência do PSDB será com o governador paulista. É necessário consolidar a aliança entre Minas e São Paulo, considerado o “parceiro” mais importante, para o projeto de “consenso partidário”. Embora já explicitado o apoio a Aécio pelos demais governadores tucanos — Teotônio Vilela (AL), Marconi Perillo (GO), Simão Jatene (PA), Beto Richa (PR) e Anchieta Junior (RR), além de Antonio Anastasia (MG) —, Aécio voltará a visitá-los. Já com a bancada federal, a relação é boa. Marcus Pestana lembra que a bancada mineira do PSDB, por orientação de Aécio, inclusive, cedeu a liderança do partido na Câmara ao deputado federal Carlos Sampaio (SP) a partir deste ano. “A bancada de Minas acabou de fazer gesto em direção a São Paulo. A vaga de líder era de Minas, por acordo interno. Mas abrimos mão para eleger o Carlos Sampaio”, explica. “Não estamos nem na Guerra dos Emboabas nem na Revolução de 32. A questão não é regional de Minas versus São Paulo. O que nos move é um projeto alternativo com viabilidade para esgotar o modelo do lulopetismo”, acrescenta Pestana.

Fonte: Correio Braziliense

Um partido que prevê seu fim

“MARINEIROS"

Em debates sobre nova legenda, seguidores de Marina cogitam vida útil da agremiação, que poderia acabar após 20 anos de existência por decisão de seus filiados e simpatizantes

Fernanda Krakovics

BRASÍLIA - Seguidores da ex-senadora Marina Silva, que teve 20 milhões de votos na disputa pela Presidência da República em 2010, começaram a mobilização para lançar um novo partido político no mês que vem. Em fóruns de discussão na internet, abrigados no "Coletivo Pró-Partido", eles debatem um nome para a sigla, um programa partidário, critérios para filiação e organização da coleta de assinaturas para tentar viabilizar a legenda. Também já começaram as discussões sobre o estatuto. Os marineiros tentam aprender com os erros do PT, de onde boa parte deles é proveniente, inclusive a própria Marina, e criar uma sigla que se diferencie da forma tradicional de fazer política.

Nesse afã, as propostas são as mais diversas. Integrante de núcleo do Movimento por uma Nova Política, embrião da nova sigla, e candidato derrotado a deputado federal em 2010 pelo PV do Distrito Federal, André Lima propõe, por exemplo, um dispositivo de autoimplosão. Por essa proposta, a nova agremiação teria duração predefinida de cinco legislaturas (20 anos). No 18º ano de existência, seria realizado um plebiscito nacional entre os filiados e simpatizantes para decidir sobre sua manutenção.

Lima também propõe a revogabilidade do mandato. Antes do registro de candidatura, o candidato assinaria carta pública de compromisso com um número mínimo de propostas previamente debatidas que, se frontalmente contrariadas, resultariam na devolução do mandato ao partido.

Entre as propostas que devem ser incorporadas ao estatuto está a proibição de aceitar doações de pessoa jurídica, como ocorre no PSOL, de onde, aliás, deve sair a fundadora da sigla, a vereadora Heloísa Helena (AL), para integrar o novo partido. Os marineiros defendem o financiamento público de campanha, mas, enquanto ele não é implementado, acreditam que o impedimento de receber doações de empresas reduziria eventuais conflitos de interesse.

- Parti de um pressuposto fundante: não vamos mudar a velha política atuando somente por fora da política institucional - escreveu Lima em seu artigo intitulado "Corações batem mais forte, algo novo na política está em gestação".

Nos fóruns de discussão na internet, os entusiastas da nova sigla discutem um nome para o partido. Entre as sugestões estão "Brasil Sustentável" e "Partido Ambientalista Sustentável". Para o programa partidário, defende-se desde a destinação de 15% do PIB (total de riquezas produzidas pelo país) para a Educação até adotar a reforma política como uma de suas bandeiras. E, como critério de filiação, marineiros defendem a exigência de ter ficha limpa.

Fonte: O Globo

PSD quer área de aviação na minirreforma ministerial

Dilma planeja mudanças após eleição do comando do Congresso

Júnia Gama, Fernanda Krakovics e Paulo Celso Pereira

BRASÍLIA - Mal voltou de férias, a presidente Dilma Rousseff já se debruça sobre um mapa da Esplanada dos Ministérios para organizar o atendimento aos partidos aliados em 2013, ano crucial para preparar sua reeleição em 2014. As mudanças, no entanto, só devem ser implementadas após a eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, no início de fevereiro. Apesar do amplo favoritismo dos candidatos peemedebistas Henrique Eduardo Alves (RN), na Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros(AL), no Senado, o governo não quer correr o risco de mudar a divisão de espaços na Esplanada e, eventualmente, ser surpreendido pela vitória de algum azarão - o que poderia obrigar o Planalto a recompor a divisão de ministérios.

Até agora, há duas mudanças tidas como certas. A primeira terá o objetivo de incorporar o PSD à Esplanada. A segunda servirá para retribuir ao deputado Gabriel Chalita e ao vice-presidente Michel Temer o apoio de ambos a Fernando Haddad na eleição do ano passado em São Paulo.

A tendência hoje é que Chalita seja indicado para o Ministério da Ciência e Tecnologia. O governo já ofereceu ao PSD o Ministério da Micro e Pequena Empresa, que está ainda em processo de criação. Mas Kassab avisou ao Planalto que a pasta não é suficiente e já apresentou sua contraproposta: ele pretende dominar a área de aviação, com a Secretaria de Aviação Civil (SAC) ou com a Infraero.

O nome mais cotado para a área de aviação é o do líder da bancada do PSD na Câmara, Guilherme Campos (SP). Para a pasta da Micro e Pequena Empresa, a opção seria Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). Aliados de Kassab afirmam que a senadora Kátia Abreu (TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), só iria para a Esplanada dos Ministérios se fosse na cota pessoal de Dilma. Desde o episódio da intervenção de Kassab em Belo Horizonte, que retirou o candidato do partido da disputa pela prefeitura para apoiar o nome indicado por Dilma, sua relação com Kátia azedou.

Outro ministério que poderá sofrer modificações é o das Relações Institucionais, ocupado por Ideli Salvatti. Ideli tem dado demonstrações de fadiga no cargo, devido ao intenso desgaste que sofreu com o Congresso nos dois primeiros anos do governo Dilma. As ordens para tratorar os parlamentares na hora de aprovar matérias de interesse do Executivo e a pouca disposição do governo em contemplar aliados com cargos e emendas deixaram Ideli exausta. Como não tem mandato parlamentar, e a presidente avalia que a ministra cumpriu sua função, Dilma poderá transferi-la para o Ministério do Turismo.

Embora a presidente Dilma não tenha aberto consulta, os partidos já discutem internamente a minirreforma ministerial que deve ser feita no próximo mês, depois das eleições dos novos presidentes da Câmara e do Senado.

Fonte: O Globo

A largada que ninguém viu - Rosângela Bittar

Nos momentos finais do ano passado o governo reiterou que as mudanças na sua organização para enfrentar os problemas que se acumularam nos dois primeiros anos de gestão, fazer um eficiente terceiro ano e preparar a campanha da reeleição começariam após a eleição da nova direção do Poder Legislativo, em fevereiro. Os fatos não seguiram as previsões e as transformações estão ocorrendo neste momento.

A melhor percebida é a nova atitude da presidente Dilma Rousseff. Ela assumiu a coordenação política, administrativa e o comando da economia do seu governo. Com o vice-presidente e presidente de honra do PMDB, Michel Temer, faz a articulação com o Congresso. Convoca técnicos e autoridades da gestão para debater problemas que são verdadeiras "bombas" de neve, como o dos apagões de energia. E, com os empresários, recebidos um a um, e não mais em grupos de 30, trata do que considera crucial na economia, hoje: os investimentos privados. Tenta convencê-los que o governo, apesar do bombardeio de críticas à equipe econômica, é crível.

Desde que voltou das férias de fim de ano, Dilma vem marcando audiências para os mais importantes empresários do país. Na quinta-feira reuniu-se com Rubens Ometto, da Cosan, Murilo Ferreira, da Vale, Marcelo Odebrecht, da Odebrecht. No dia seguinte, esteve com Luiz Trabuco, do Bradesco, Rodolpho Tourinho Neto, do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) e ex-ministro de Minas e Energia entre 1999 e 2001, e Bruno Lafont, do Grupo Lafarge, da área de cimento.

Tête-à-tête com empresários já é mudança radical

Hoje estarão na sua agenda os empresários Eike Batista e Jorge Gerdau. Amanhã, Antonio Portela Álvarez, do Isolux Corsán. Por que a presidente tem feito reuniões com cada um, em separado? Porque pediram. Não querem mais ser recebidos em manada, pretendem falar as coisas sem testemunhas, com franqueza, inclusive sem a presença de ministros.

Com eles, a presidente exerce também um papel de ministra da Economia, além do seu próprio. Há uma agenda não escrita do governo para este ano e é para ela que Dilma quer atraí-los. A concessão das rodovias em abril, o leilão de petróleo em maio, depois as iniciativas para ferrovias em junho, o leilão do trem-bala em agosto, os editais dos aeroportos em setembro. Os empresários terão que dizer se querem, como querem, com que interesse enfrentarão as ofertas. Não se chega a exigir uma definição de investimentos, mas especula-se à vontade.

A presidente sabe que sua equipe econômica está desgastada, é alvo de críticas agora até dos economistas mais próximos, um deles verdadeiro conselheiro-mor dos governos Lula e Dilma, o ex-ministro Delfim Neto. Por isso está se apresentando pessoalmente a estas conversas mesmo que eventuais trocas de ministros fiquem realmente para depois.

Em artigo publicado ontem no Valor, Delfim usou adjetivos fortes para se referir ao expediente usado pelo Tesouro Nacional para fazer um superavit forçado no fim do ano. Qualificou a "contabilidade criativa" e seus feiticeiros como "deplorável", "alquimia", "truques contábeis", "esperteza", "quebra de seriedade", "custo devastador", "gases venenosos".

Há quem afirme que suas críticas se dirigem só ao secretário do Tesouro, Arno Augustin, hoje ministro interino da Fazenda - o titular está em férias. Não importa. Embora artífice, Augustin não leva sozinho o ônus, Mantega, inclusive, assumiu a condução da manobra e a justificou plenamente.

O recado de Delfim desgastou publicamente um integrante do grupo dos cinco homens fortes de segundo escalão que atuam como braços da presidente, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Em alguma medida, o petardo atinge um dos economistas prediletos da presidente Dilma, também do grupo dos cinco: Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Nos debates internos do governo, Barbosa é o principal defensor da redução do superávit primário e do aumento do gasto público como ferramenta para estimular o crescimento da economia, o que a manobra radical do ano passado teria em vista.

Até onde as informações já circularam neste início de ano, o núcleo duro da assessoria de Dilma está vulnerável não apenas nesse, mas em outros flancos. Deixou a Casa Civil da Presidência o superassessor Beto Vasconcelos, que fazia dobradinha com Arno nas reuniões que discutiram os editais de concessões, sendo ambos porta-vozes radicais do PT e irascíveis no trato com os empresários. Beto disse a amigos que está saindo para um projeto acadêmico, mas outros interlocutores atribuem seu afastamento à oportunidade de curar-se de um excessivo desgaste.

A coordenação da política econômica, exercida pessoalmente pela presidente, tem também a função de suprir as lacunas surgidas nessa instância de discussões em esfacelamento.

No grupo dos homens de ouro está Bernardo Figueiredo, presidente da EPL, a empresa de planejamento e logística, fortíssimo condutor da maioria dos processos de concessões. Alvejado por denúncias, na virada do ano, encolheu-se um pouco até passar a onda, e foi, do chamado grupo dos cinco, quem mais conseguiu se preservar até o momento. Pois em tempo recorde foi destruída a reputação de Luís Inácio Adams, o advogado-geral da União, mentor de todos os processos jurídicos do governo, candidato número um a uma indicação da presidente para vaga no Supremo Tribunal Federal, abatido por ligações com o número dois da AGU, José Weber Holanda, envolvido no escândalo de tráfico de influência no governo em associação com a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.

Além desses acontecimentos não esperados, que estão se antecipando ao dia D das mudanças, há os velhos calcanhares que, esses sim, podem ficar para quando o carnaval passar. O caso do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, continua na agenda. Ele pode sair por razões de saúde, ou, como tem admitido, para preparar-se para disputar o governo do Maranhão - embora já tenha se recusado a sair para ser eleito presidente do Senado, mas há gosto para tudo. E as outras zonas de instabilidade de sempre que, ora diz-se que nelas a presidente vai mexer, ora que apenas vai sobrepor eficiência às tarefas atribuídas aos inoperantes históricos do governo. O estilo presidencial pode até atiçar um fogo brando, mas a fritura está na praça.

Fonte: Valor Econômico

Flores do recesso - Merval Pereira

A necessidade de haver uma relação mais clara entre as autoridades públicas e a população tem levado Miro Teixeira (um dos mais antigos deputados federais, exercendo o décimo mandato) a fazer campanha informal para que se tornem mais comuns os contatos de toda e qualquer autoridade com a opinião pública, através de encontros periódicos com a imprensa. Miro lembra que, sempre que não há notícia, prospera o boato, tese que pode ser resumida na famosa frase do juiz Louis Brandeis (1856-1941), da Suprema Corte americana, que dizia que "o Sol é o melhor desinfetante".

Por isso ele tem insistido com políticos que apoia para que falem sobre as acusações que lhes estão sendo feitas, de maneira a não permitir que os boatos prevaleçam sobre a realidade. Ele teve a mesma posição com relação ao ex-presidente Lula e ao provável futuro presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, mas prefere falar conceitualmente. Miro acha que a relação do poder público com a população precisava ter uma atenção maior por parte das autoridades, em qualquer nível, e lamenta que tenham trocado o contato direto pela propaganda dos marqueteiros.

Miro afirma que, em relação aos governadores, por exemplo, há uma permissividade grande, a ponto de o cidadão não saber se este ou aquele governador está no estado ou o que está fazendo em uma eventual viagem ao exterior. Ele cita exemplos positivos como o do prefeito do Rio, Eduardo Paes, ou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que estão permanentemente dando entrevistas ou andando nas ruas.

Para ele, as autoridades públicas têm um instrumento insuperável para a reposição da verdade, que são as chamadas "entrevistas coletivas", comuns em democracias mais longevas do que a nossa. A necessidade de ministros apresentarem relatórios frequentes ao Congresso, prática especialmente utilizada no parlamentarismo, mas que já é comum no nosso sistema, seria uma maneira de as autoridades prestarem contas à população através dos seus representantes.

Essa análise que vem fazendo não é de hoje e está levando o deputado Miro Teixeira a amadurecer uma proposta de encurtar o recesso parlamentar. Ele está convencido de que os recessos longos demais são nocivos à atividade política, gerando notícias que são as famosas "flores do recesso", que só aparecem nessas ocasiões em que ela está paralisada no Congresso. Não quer dizer que sejam todas falsas, mas sua divulgação é amplificada nessa ocasião em que a atividade política está transferida para os estados, e o natural contraditório não encontra eco no Congresso.

No recesso, surgem ideias estapafúrdias, lembra Miro, como a recente cogitação, por exemplo, de votar o Orçamento da União pela Comissão Representativa, que fica de plantão durante o recesso para qualquer eventualidade, "o que seria um absurdo". Para piorar a situação, o período de recesso sempre antecede as eleições das Mesas da Câmara e do Senado.

Na visão de Miro Teixeira, seria muito mais útil haver um período de debates internos, até mesmo pela TV Câmara, entre os candidatos à presidência nas duas Casas, onde as queixas e acusações poderiam ser feitas às claras, "porque aí o boato deixa de prosperar, você tem os fatos". Miro considera "muito estranha" a manutenção de algumas falhas evidentes, como ter a eleição bienal das Mesas do Congresso sempre antecedida por um longo recesso, situação que se torna ainda pior quando se trata do primeiro ano da legislatura, que pega as renovações de mandatos. Os parlamentares de primeiro mandato chegam e recebem uma candidatura pronta. O primeiro ato é prestar juramento, e o segundo é votar.

O resultado seria muito mais representativo se todas as correntes da Câmara e do Senado estivessem em atividade política normal ao escolher quem presidirá as duas Casas. As discussões virariam necessariamente mais abertas, e os temas institucionais superariam as questões fisiológicas que hoje prevalecem nas negociações do recesso, longe da opinião pública.

Fonte: o Globo

O mandato acaba quando termina - José Nêumanne

Não falta boa vontade aos amigos e prosélitos de Hugo Chávez fora da Venezuela para justificarem as estripulias feitas pelo comandante para decretar como democrático o regime "bolivariano" que impôs ao país, dividido entre seus adoradores e os que o demonizam. As reformas que ele institui una Constituição para se perpetuar no poder são avalizadas como manifestações de apreço do líder a seu povo, que ele tirou da miséria. A imposição de um Judiciário fiel a seus caprichos é descrita como ama necessidade para barrar as pretensões de uma burguesia cupida que deve ser afastada do poder republicano para o bem do povão aquinhoado com as graças produzidas pela renda auferida com o petróleo farto.

No Brasil, a condescendência da esquerda com o golpista malogrado que se tomou um emérito ganhador de eleições, feito em que pode ser equiparado aos de Adolf Hitler na República de Weimar e Benito Mussolini na Itália, alcança os píncaros da incoerência e da amnésia. Até hoje, Fernando Henrique é execrado pelos esquerdistas patrícios por ter patrocinado a emenda que incorporou a reeleição à norma constitucional. Embora não haja uma só evidência de que tenha ocorrido fraude na votação da emenda à Constituição e, mais, embora Lula tenha usufruído seu efeito e Dilma se prepare para fazer o mesmo, sempre que alguém lembrar o mensalão como evidência de delinquência no PT no exercício do poder republicano aparecerá uma voz lembrando a "com¬pra dos votos para a reeleição". Mas, comparada com a frequência com que Chávez emendou a Constituição venezuelana para mais uma renovação de mandato, a reeleição brasileira é pinto. E, ainda assim, não há registro de uma crítica, um comentário desairoso, uma piada que seja, sobre a resistência do presidente venezuelano a deixar o posto.

E sempre que o Judiciário do país vizinho se curva de maneira evidente aos interesses do grupo no poder, isso é noticia¬do como se esse Supremo de fantoches a serviço do governo fosse tão autônomo como o de uma democracia que se preze.

Nada, porém, até agora se equivaleu à justificativa despropositada que tem sido atribuída ao autogolpe dos chavistas (do qual dificilmente Chávez teria participado, de vez que ainda não deu o ar de sua graça por imagem nem por voz) para permanecerem no poder, mesmo não tendo seu chefe tomado posse, como é praxe nas democracias. Ora, dirá (e disse) o Judiciário da Venezuela, "posse é mera formalidade". Nunca ninguém terá ousado tanto, nem mesmo o paraguaio Alfredo Stroessner, que se orgulhava dos 90% dos sufrágios obtidos em eleições cujos resultados eram dados como indiscutíveis por tribunais escolhidos em práticas similares à ocorrida no sui generis regime "bolivariano"

O artigo 233 da Constituição da lavra de Chávez estabelece que a ausência absoluta do presidente é caracterizada por morte, renúncia, destituição decretada pela Suprema Corte, incapacidade física ou mental per¬manente certificada por equipe médica designada pela Suprema Corte e aprovada pela Assembleia Nacional, abandono do cargo (declarado como tal pela Assembleia) e revogação popular do mandato. Em caso de ausência absoluta do presidente eleito antes da posse, deve ser realizada nova eleição nos 30 dias consecutivos seguintes. No período da eleição até a posse do novo presidente elei¬to, o presidente da Assembleia Nacional assume interinamente o poder. E o artigo 234 deter-mina que, no caso de ausência temporária do presidente, o vice-presidente exerce o poder por um período de 90 dias, que pode ser prorrogado por mais três meses por decisão da Assembleia Nacional. Se a ausência temporária superar seis meses, a Assembleia definirá por maioria se ela deve ser caracterizada como ausência absoluta.

Chávez está em Havana, onde foi operado. O mundo inteiro sabe que ele está à morte, mas apenas seus médicos cuba¬nos e asseclas venezuelanos podem garantir se está vivo.

O comandante está no poder há 14 anos e ganhou um mandato que terminaria em 2019, quando completaria 20 anos de mando. Esse mero registro dá conta do desprezo que o prócer bolivariano tem por um dos cânones do Estado Democrático de Direito: o rodízio no poder. Ninguém está querendo dizer que o comandante não seja amado pelo povo nem que, mesmo morto em Cuba, não seria reeleito se novas eleições fossem convocadas hoje. Mas a matemática mostra que seu mandato de 14 anos representa quase o dobro dos 8 a que Fernando Henrique e Lula tiveram direito e que Dilma pode almejar, se nossa Constituição não for alterada.

É acintosa a interpretação anunciada por Luísa Estella Morales, presidente do Tribunal Supremo de Justiça (STJ), ao aceitar o pleito do governo que a nomeou de que não há a exigência constitucional da posse. Mas nem o Judiciário aparelhado pelo chavismo rasgar a Constituição que Chávez impôs se compara à cusparada dada por brasileiros que fingem ser democratas ao equipararem a falta de Chávez na posse em Caracas à posse sem Tancredo em Brasília. Em 1985, o Brasil enterrou a ditadura e inaugurou um governo civil de transição para convocar a Constituinte e a eleição direta para a Presidência. À morte no hospital, Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral, não pôde assumir. Tomou posse o sucessor legal, vice-presidente também eleito, José Samey. Chávez encerrou seu terceiro mandato e ganhou o quarto consecutivo. Na Venezuela, o vice é nomeado pelo presidente, como se fosse um ministro. O presidente não assumiu e Nicolás Maduro não está na linha de sucessão, mas o Judiciário avalizou o autogolpe prorrogando o mandato de Chávez, extinto em 10 de janeiro.

Nas democracias de verdade, a duração do mandato importa mais do que quem o ocupe. E, como diria Abelardo Barbosa, o Chacrinha, "o mandato acaba quando termina". O anterior de Chávez acabou e o seguinte se iniciaria há cinco dias. Sem posse, não começou. Logo, deu-se o autogolpe. O resto é lorota.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Em nome de Chávez: Vice surpreende e já faz nomeações

Sem poderes para nomear ministros, o vice-presidente Nicolás Maduro indicou para chanceler o ex-vice Elias Jaua, afirmando que foi Chávez, em Cuba, quem assinou o decreto, que não mostrou.

Em nome de Chávez

Proibido pela Constituição, Maduro indica chanceler e diz que foi presidente quem mandou

Mariana Timóteo da Costa

Enviada especial O vice-presidente Nicolás Maduro surpreendeu os venezuelanos ao nomear ontem, em nome de Hugo Chávez, perante a Assembleia Nacional (AN), um novo chanceler e vice-presidente político de governo. Elías Jaua, ex-vice e aliado do presidente Hugo Chávez, acumulará as duas funções, o que suscitou questionamentos de especialistas e opositores. De acordo com a Constituição, Maduro, como vice-presidente, não tem poderes para nomear ministros. O vice, no entanto, disse que Chávez, em Cuba, foi o responsável pela indicação, mas não deu detalhes e nem mostrou um decreto assinado pelo presidente. Questionado por jornalistas, o ministro da Comunicação, Ernesto Villegas, disse que "é preciso esperar que o decreto apareça na Gazeta Oficial".

O deputado Julio Borges, líder da oposição na Câmara, contou ter abordado Maduro para comentar o assunto, mas o vice disse que não poderia conversar com ele naquele momento.

- O decreto que Maduro recebeu de Chávez, antes que o presidente fosse a Cuba, ficou pequeno de repente. Ele deveria ter apresentado uma carta assinada por Chávez. Isso aqui virou uma terra de ninguém - afirmou Borges, em referência ao documento que Maduro possui, autorizando-o a lidar com assuntos internos.

Para a historiadora Margarita Lopez Maya, o que aconteceu ontem é mais um exemplo da "ruptura do Estado de direito" na Venezuela. Na semana passada, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) havia declarado que não há ausência e, que, portanto, Chávez continua à frente do governo. Mas a nomeação de Maduro para um substituto seu (até ontem ele era chanceler) e a criação de um novo cargo de vice-presidente demonstra o contrário, segundo ela.

- Temos que revisar o decreto, mas a única pessoa que designa ministro é o presidente. Se Maduro assinou o decreto, ele é presidente em exercício - disse o governador de Miranda e líder da oposição, Henrique Capriles, ao tomar posse, depois de derrotar Jaua na eleição do mês passado.

Maduro usou o dia de ontem para se legitimar diante dos integrantes do poder Executivo e Legislativo, além da base chavista, na avaliação de opositores e especialistas. Na AN, apresentou em nome de Chávez o Memória e Conta, informe anual com um balanço de gestão do ano anterior - apresentando dados positivos sobre economia e gastos sociais.

Exército de barbudos

Mais cedo, reuniu-se com os 23 governadores eleitos em dezembro - apenas três deles da oposição, incluindo Capriles e Henri Falcón (Lara), um ex-chavista que tem muita popularidade entre os venezuelanos. O discurso de abertura, segundo especialistas, foi mais radical. Maduro forneceu dados otimistas sobre a saúde de Chávez - "de quem somos filhos". Subiu o tom contra a oposição, e a imprensa, além de exaltar Cuba e exigir que dirigentes locais se esforcem para apresentar daqui a um mês projetos que resultem na "transferência de poder ao povo". As comunas, disse o vice, serão organizadas em níveis estadual e municipal e representarão "uma nova visão de federalismo". Todo o tempo, se referiu aos projetos levando em conta o prazo até 2019.

Sem dar detalhes, o vice disse que a recuperação de Chávez "avança" e que ele está enfrentando uma batalha, sendo atualizado sobre o que acontece no país. Segundo ele, Chávez "sobe a montanha". Maduro insistiu que o país vive momentos de "unidade, paz e estabilidade" e reagiu com ofensivas a declarações de que o país é uma colônia de Cuba.

- Temos com Cuba a irmandade mais profunda que possa existir. Foi este exército de barbudos que, quase como anjos, começou aos poucos e foi conquistando sua independência, mesmo com o bloqueio ianque. Quando Chávez e Fidel se encontram, nós, seus filhos, nos vemos como irmãos, unidos para lutar pela independência de nossos povos.

Maduro denunciou a existência de um plano para "incendiar" o país e prometeu punição aos culpados por qualquer distúrbio, alegando que não permitirá atos de violência. Ele se referiu aos protestos estudantis da semana passada no estado de Táchira, que resultaram em dezenas de feridos e presos. O vice acusou a "direita" de estar por trás dos ataques.

- Quem tem opinião contrária pode se expressar livremente, o que não pode é destruir o patrimônio público, essas pessoas precisam ser punidas. Termina sendo preso político quem destrói. Aqui ninguém é preso pelas ideias - disse Maduro, pedindo que as Forças Armadas evitem provocações de quem "quiser celebrar a morte".

Carlos Vecchio, da coalizão opositora, afirma que os protestos são pacíficos e que a repressão em Táchira veio por parte das guardas bolivarianas, com a "intenção de meter medo e desestabilizar os que se opõem aos abusos":

- Por que o PSUV (partido do governo) convocou marcha para o dia 23 de janeiro depois que nós anunciamos a nossa? A resposta será firmeza e coragem , estaremos nas ruas e não usaremos a força, a saída para esta crise deve ser democrática.

Fonte: O Globo

Enxugando gelo - Igor Gielow

Salvo surpresas, o Copom manterá hoje tudo como está na taxa básica de juros. Até aí, beleza, porque um pouco de previsibilidade parece ser exatamente do que a política econômica necessita.

Mas o Brasil ruma ao terceiro ano de inflação alta, e qualquer soluço pode estourar o chamado teto da meta, de 6,5%. O discurso oficial de que "um pouco de inflação não faz mal e ajuda a crescer" foi implodido de uma vez por todas pelo pibinho.

Subir juros, arma primária do BC, contudo, é hipótese herética. Sem bala, o governo apela ao que pode.

Primeiro foi a maquiagem de fim de ano que manteve a meta do superavit primário, justamente para evitar tendências inflacionárias. Custou ao menos uns R$ 4 bilhões ao contribuinte, só de prejuízo nas operações com ações da Petrobras.

Agora, o governo manipula a própria inflação, adiando impactos.

Como não dá mais para segurar o aumento dos combustíveis, expediente que quebra as pernas da mesma Petrobras há anos, atacaram as tarifas municipais de ônibus. São Paulo e Rio frearam reajustes a pedido do governo, por serem bons aliados e terem a promessa de reestruturação de suas dívidas com a União.

Em caudaloso artigo no "Valor Econômico" de ontem, Delfim Netto descascou a manipulação.

"A quebra da seriedade da política econômica produzida por tais alquimias não tem qualquer efeito prático, mas tem custo devastador. Se repetida, vai acabar matando os próprios alquimistas pela inalação dos gases venenosos que, como todos sabemos, elas mesmos emitem...", escreveu ele, conhecedor como poucos desse tipo de maquiavelismo.

Como a crítica não veio da "Economist" ou de algum "tucano" (isto é, alguém que não diga amém ao Planalto), talvez alguma luz de alerta acenda no governo. No Instituto Lula, interessado maior nos efeitos de tudo isso em 2014, ela já está a piscar furiosamente.

Fonte: Folha de S. Paulo

Inconsistências - Celso Ming

Apolítica de consertar as inconsistências da economia com improvisações e puxadinhos está levando a um beco sem saída.

Os seguidos adiamentos dos reajustes dos combustíveis, por exemplo, vêm criando distorções que tornam quase inevitável a recomposição dos preços no pior momento para o governo - justamente quando as correções dos preços se acumulam.

A principal distorção é o estrago que a prática de subsídios e o atraso dos reajuste provocam nas finanças da Petrobrás. Ainda ontem, "fontes da empresa" reafirmaram que a Petrobrás precisa do reajuste de 15% dos combustíveis para atualização do seu Plano de Negócios - ou seja, para dar seguimento a sua carteira de investimentos de US$ 236,5 bilhões até 2016. Além disso, está claro que a empresa vai perdendo capacidade de endividamento e que, provavelmente, precisa criar condições de mercado para novo reforço do capital.

A outra distorção recai sobre o setor de etanol. O governo pretende aumentar a proporção de álcool anidro na gasolina, de 20% para 25%, com o objetivo de reduzir o consumo de gasolina e a dependência de importações. No entanto, a produção das usinas segue desestimulada. O etanol tem apenas 70% da capacidade energética da gasolina. Como os preços da gasolina estão congelados, não é possível cobrar mais pelo etanol, porque o consumidor migraria para a gasolina. Com sua margem de retorno fortemente comprimida pela elevação dos custos, os usineiros e os produtores de cana-de-açúcar adiam seus investimentos ou descuidam dos canaviais.

A falta de flexibilidade na área dos combustíveis, por sua vez, é o resultado de uma política de riscos altos assumida pelo governo e pelo Banco Central, baseada na ideia de que "é preciso fazer o que ninguém fez e, se alguma coisa der errado, a gente vê como conserta depois".

A inflação vem com força e deverá saltar para acima dos 6,0% em 12 meses, porque o governo Dilma entendeu que tinha de cuidar preferencialmente do crescimento econômico. Por isso, foi mais permissivo na administração das contas públicas e levou o Banco Central a derrubar os juros a níveis macroeconômicos inconsistentes.

A ideia de que uma inflação mais alta seria tolerável porque garantiria mais atividade econômica foi outra vez desmentida pela sucessão de pibinhos que vieram depois. Os resultados são a pior combinação: inflação alta, entre as mais elevadas entre os países emergentes; e atividade econômica fraca, quase-parando, que, por sua vez, desestimula o investimento, numa paisagem de custos trabalhistas no pico.

O governo federal já vinha se esforçando para segurar a inflação no muque - em vez de obter resultados naturais com políticas consistentes. O achatamento dos preços dos combustíveis faz parte desse jogo. As reduções de impostos na compra de automóveis e de aparelhos domésticos, somadas ainda às negociações com as principais prefeituras do Brasil para adiar os reajustes das tarifas de transporte público, também fazem. Manobras desse tipo compram algum tempo, mas represam pressões telúricas que um dia vazam - ou irrompem.

Por enquanto, o governo Dilma ainda confia em que a volta do crescimento econômico robusto, da ordem de 4,0% ao ano, devolverá a confiança e ajudará a resolver todas as pendências. O problema é que essa virada pode não vir.

Fonte: O Estado de S. Paulo

O Brasil vai bem, obrigado - Elio Gaspari

Deve-se ao repórter Felipe Marques a informação de que os bancos brasileiros estão às voltas com um novo desafio: organizar um filtro para suas análises de crédito, capaz de absorver 42,5 milhões de novos clientes que entraram no circuito financeiro entre 2005 e 2012. Há muito tempo não aparecia notícia tão boa. Em sete anos, a clientela da rede bancária cresceu uma Argentina.

Pindorama vive uma época de perplexidade vocabular. Primeiro, apareceu uma tal de "nova classe média", depois, uma milagrosa "classe C" que frequenta lugares onde não ia (aeroportos, por exemplo). Outro dia Jânio de Freitas reclamou, com toda razão, que as operadoras de planos de saúde chamam sua clientela de "beneficiários". Ora, beneficiárias são as empresas que mereceram a confiança dos fregueses. Essa nova classe é o velho e bom trabalhador brasileiro. Milhões de pessoas que viviam nas fímbrias da sociedade, trabalhando sem carteira assinada e raramente tinham conta em banco. Iam ao aeroporto ao domingos para apreciar pousos e decolagens.

Essa "gente diferenciada" veio para ficar. Algum pesquisador poderá confirmar que o aparecimento de 42,5 milhões de novos clientes num sistema bancário é um fenômeno mundialmente inédito. O número foi levantado há poucos meses pelo Banco Central. Ele decorre da ampliação do mercado de trabalho formal, batendo a marca dos 50 milhões de brasileiros.

Esse trabalhador tem conta em banco, direitos trabalhistas, crédito nas lojas que vendem móveis e fornos de micro-ondas. É um novo cidadão. Está num mercado consumidor onde a taxa de juros média mensal (5,4%) caiu ao menor nível desde 1995, quando passou a fazer sentido acompanhar esse índice.

Nada disso teria acontecido sem Itamar Franco, que botou Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda; sem o Plano Real e os oito anos de FHC no Planalto; sem Lula, que abriu o crédito para o andar de baixo; ou sem Dilma, que forçou a baixa dos juros. Melhor assim.

O que está sobre a mesa da banca é a necessidade de se adaptar a um país que mudou. Trata-se de aproveitar a oportunidade, em vez de reclamar do fantasma da inadimplência. Ele pressupõe que a demanda de crédito de uma parte desses 42,5 milhões de novos correntistas seja uma fonte de calotes. Falta provar. A indimplência dos brasileiros oscila dentro de uma faixa que vai de 5% (2001) a 8,5% (2009). Hoje está em 7,8%. É mais alta no mercado de venda de carros (8%) e saudavelmente baixa (2%) no crédito imobiliário.

A banca deveria dar a todos os seus diretores dois retratos. O de Amadeo Giannini e o de Carlo Ponzi. Um tinha seu pequeno banco em San Francisco quando, em 1906, um terremoto destruiu a cidade. Ele tirou o dinheiro do cofre e passou a emprestá-lo na rua, contra um aperto de mão. Meses depois, seus depósitos duplicaram. Mais tarde, ergueu o Bank of America. Ponzi tomava dinheiro prometendo um retorno de 50% em 45 dias. Deu um golpe de US$ 200 milhões (em dinheiro de hoje) e acabou na cadeia. Olhando para um, farão seu serviço direito. No outro, verão a ruína. Libertado em 1939, Ponzi veio para a terra onde canta o sabiá. Morava no Rio (Rua Engenho Novo 118, prédio que não existe mais) e morreu na Santa Casa, aposentado pelo Instituto dos Comerciários.

Fonte: O Globo e Folha de S. Paulo

Caro Rubem Braga - Arnaldo Jabor

Caro Rubem Braga,

Escrevo-lhe estas mal traçadas linhas para comemorar seu aniversário de 100 anos. Sei que me condenaria por este começo de artigo, pois você lutava contra os lugares-comuns da imprensa. Uma vez me disse que demitiria qualquer redator que começasse um texto com "Natal, Natal, bimbalham os sinos" ou então "Tirante, é obvio..." ou ainda "O comboio ficou reduzido a um montão de ferros retorcidos". Sei que, odiando lugares-comuns, você estaria rindo das homenagens que lhe prestam - velhinho com 100 anos sendo tratado como um ser especial, logo você que sempre quis ser um homem comum, sem lugar claro na vida. Você não tinha nada de 'especial', nenhum brilho ostensivo; você não falava muito e tinha a melancolia que lhe dava o posto de observação privilegiado para ver a vida correndo à sua volta 'aos borbotões, a vida ávida e passageira' (perdoe-me de novo...)

A primeira vez que nos vimos foi por volta de 1975, quando lhe pedi autorização para usar Ai de ti, Copacabana como título de meu filme Tudo Bem, que acabei não usando; mas, bem antes disso, eu tinha visto você de longe no Antonio's, nosso bar mitológico, brigando com o Di Cavalcanti ("para de pintar mulatas que você não come!", e tinha lido crônicas geniais como Um Pé de Milho - você observando um grão virar pendão em seu jardim, você, um feliz fazendeiro da Rua Júlio de Castilhos.

Vi você vendo o outono chegar a Botafogo dentro de um bonde, vi você vendo as estações do ano voando sobre Ipanema (desculpe as aliterações...), vi que você via a cidade por baixo das casas e edifícios, a praia dos tatuís hoje sumidos, o vento terral soprando nas praças, senti que você tinha uma saudade não sei de que, uma nostalgia repassava suas crônicas, como em Tom Jobim, em Vinicius, numa época em que a literatura era importante, em que o Rio tinha a placidez baldia de uma paisagem vista de dentro; lembro-me de você espinafrando a destruição de Ipanema pelos bombardeios criminosos de Sergio Dourado e Gomes de Almeida Fernandes, os dois malfeitores que exterminaram a zona sul em poucos anos. "Eu sou do tempo em que as geladeiras eram brancas e os telefones pretos" - você batia na mesa - "e eles destruíram tudo!"

Suas frases ecoam na minha cabeça, não por alguma profundidade ambiciosa, mas justamente por uma 'superficialidade' buscada, como uma conversa de amigos íntimos. Não vou citar nada, mas estou no Rio, em frente do 'velho oceano' (ah! Cuidado com o 'rocambole'!...), são 6 da tarde e vejo ao longe as ilhas Cagarras envolvidas numa névoa roxa, naquela hora em que a linha do horizonte se une ao céu, com o mar imóvel, sólido e cinzento.

A segunda vez que lhe vi foi em sua casa, numa festa pequena para amigos onde eu entrei sem ar (quem me levou?). Ali na varanda em frente de Ipanema estavam homens que eu temia - ídolos de minha juventude angustiada. Ali estavam tomando uísque o Vinicius de Moraes, você, Fernando Sabino e minha paixão literária máxima: João Cabral de Mello Neto, o gênio da poesia. Danuza Leão também estava. Todo mundo meio de porre, principalmente o João Cabral, que bebia mal e implicava com o Vinicius numa agridoce provocação, criticando-o por ter abandonado a poesia pela música popular. João Cabral odiava música, que lhe doía na cabeça como um barulho, estragando seu pensamento obsessivo, piorando suas horrendas dores de cabeça. João Cabral sacaneava: "Que negócio de 'garota de Ipanema', Vina, você é poeta!". O Vinicius ficava puto, mas respondia conciliatório: "Para com isso, Joãozinho; deixa isso pra lá!". O Cabral insistia: "Que tonga da milonga do caburetê que nada...", a ponto de Danuza ralhar com ele: "Deixa de ser chato, João Cabral!". Lembra disso, Rubem? Imagine minha emoção de jovem tiete ao assistir àquela briguinha íntima e mixa entre minhas estrelas. A honraria me sufocava. Você ria dos dois ali no seu jardim suspenso, como um operário de outra construção - crônicas sem ambição e por isso mesmo muito além de teorias.

Lembro que, em dada hora, o João Cabral me segredou (Oh, suprema alegria!...): "O mal que Fernando Pessoa fez à poesia foi imenso." Tremi aliviado, pois secretamente sempre achei a mesma coisa - aqueles delírios portugueses lamentosos e subfilosóficos sempre me encheram. (Por favor: cartas me esculachando para a redação).

Que pena que não lhes conheci mais intimamente, pois tinha medo de vocês - não me achava digno. Naquela época (início dos 70) havia tempo e energia para se discutir literatura. Hoje, neste tempo digital e veloz, ou temos o derrame de besteiras nas redes sociais ou porcarias de autoajuda nas listas de best-sellers.

Só. Naquela época havia o consolo de um sentido, mesmo sob a ditadura, que até enfurecia nossa fome de verdade.

Tenho saudades das polêmicas sobre 'forma', sobre 'mensagens' até caretas, tenho saudades 'das velhas perguntas e das velhas respostas' - como escreveu Beckett.

A última vez que nos vimos, Rubem, foi numa noite chuvosa em que saímos do Antonio's meio de porre e eu lhe dei uma carona até a Rua Barão da Torre. No carro, você me contou, rindo com a voz pastosa, que aparecera uma garota de uns 18 anos em sua casa que resolveu se apaixonar por você e que ia ao seu jardim para 'dar ao mestre'. "Não sei o que ela vê em mim, mas vou comendo..." Adorei a confidência, mas vi que você estava mais velho e cansado, mais bêbado do que eu. Ajudei você a sair do carro até a portaria de sua pirâmide, onde deixei você, meio grato e meio irritado pela ajuda.

Depois, você morreu. Soube emocionado que você contratou a própria cremação - foi a São Paulo e o funcionário perguntou: "Pra quem é?" "Para mim mesmo", respondeu você, poeta macho. Por isso, quando vejo esse papo todo de 'fazendeiro do ar', de 'poeta do cotidiano', imagino que você diria: "Não me encham o saco. Sou apenas um pobre homem de Cachoeiro de Itapemirim..."

Grande abraço e parabéns pelos 100 anos.

A.J.

Fonte: O Globo

A Carlos Drummond de Andrade - João Cabral de Melo Neto

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 79.