domingo, 23 de junho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Alberto Goldman: Dilma perplexa

Vai daí, a presidente Dilma está perplexa, diriam os cavalheiros. Apalermada, digo eu. Reúne sua equipe e não sai nada. Sem saber o que fazer, se omite diante das erupções sísmicas que ocorrem na alma profunda da sociedade brasileira, cansada de ver ministros e funcionários de alto nível sendo demitidos ( e, às vezes reconduzidos ), deputados serem condenados por corrupção ( e continuarem soltos ), os órgãos públicos serem tomados por partidários sem qualquer competência para o exercício das funções, o desperdício dos recursos públicos e a má gestão administrativa e, agora, a sociedade se mostra revoltada com um quadro econômico ( inflação, contas públicas, baixo crescimento ) que é o oposto do que lhes foi vendido.

Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, in ”Dilma apalermada e o PT nocauteado”, Blog do Goldman, 23/6/2013

Manchetes de alguns dos principais jornais

O GLOBO
Brasil nas ruas - Juventude desiludida
Zapatistas inspiram líderes de protestos

FOLHA DE S. PAULO
Maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas
Investigação vê desvios em receita de tarifa de ônibus de SP
Licitação para novas viações traz chance de mudança
'Bunda-pintada' que ficou nua contra FHC volta vestida
Estaleiro de Eike Batista dá calote e tenta evitar falência
Para responder a protestos, Dilma resgata 'faxina'
Brasil faz 4 a 2 na Itália e passa em 1º à semifinal

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma age para conter crise e mudar rumos do governo
Movimento 'Reforma Política Já'
'Brasil acordou': No coletivo, a solução
Alimento e dólar mantêm pressão sobre inflação

ESTADO DE MINAS
De novo: Confronto nas ruas
Classe C volta a sentir arrocho

O TEMPO (MG)
Sábado de recorde nas ruas e também de violência em BH
Inflação já ajudou a eleger e a derrubar presidentes

CORREIO BRAZILIENSE
Que país é este tomado por manifestações?
Polícia ouve vândalo do Itamaraty
Vadias, coloridas e pacíficas
Índios sequestram três biólogos no Pará

GAZETA DO POVO (PR)
Vandalismo ameaça a legitimidade dos protestos
Mercado mostra sinais de desconfiança na economia
O que o povo pede... e o que rola no Congresso
Balé Guaíra se consolida pela versatilidade

ZERO HORA (RS)
A semana em que o Brasil tremeu

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Discurso de Dilma não freia protestos
Mais jovens adotam previdência privada

A semana em que o Brasil tremeu

Protestos expõem surdez política

Guilherme Mazui

BRASÍLIA - A Casa se desconectou do povo – que agora quer entrar. Símbolo da democracia, o Congresso virou alvo. Não pelo o que representa, mas pelo que faz no dia a dia. Na segunda-feira, teve a rampa e a cobertura tomadas por jovens. Na quinta, mais de 30 mil pessoas reforçaram o coro por mudanças, exposto na frase que resume a dissonância entre o parlamento e os brasileiros:

– Não nos representam.

O vigor da mobilização atingiu também o governo, que enfrenta problemas de relação com a própria base de apoio.

Os cartazes e faixas erguidos em Brasília na semana que passou mostram uma agenda diferente da observada nas votações da Câmara e do Senado.

As ruas clamam por investimentos em educação, porém o projeto do governo Dilma Rousseff que destina os bilhões dos royalties do petróleo para qualificar ensino e pesquisa corria o risco de ser engavetado. Já a proposta de emenda à Constituição (PEC) 37, meio de castrar o poder de investigação criminal do Ministério Público, seria votada na próxima quarta. Acabou adiada no grito.

– O que é prioridade no Congresso não é a nossa prioridade – diz a estudante Amanda Lucchi.

Aos 17 anos, a adolescente estava na multidão que subiu a rampa do prédio projetado por Oscar Niemeyer. Na terça-feira, dia seguinte à cena histórica, parlamentares e assessores se reuniam pelo Salão Verde da Câmara na tentativa de decifrar os motivos dos protestos. Contudo, no mesmo dia, a Comissão de Direitos Humanos, presidida por Marco Feliciano (PSC-SP), aprovou o polêmico projeto da "cura gay", criticado pelos manifestantes.

– O Congresso mostrou a falta de conexão com os representados. Essa é a raiz da crise – diz Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador da UFRJ.

O descompasso também é criticado pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que vê o Congresso isolado em torno de interesses dos próprios parlamentares e de seus financiadores de campanha. O projeto que limita a criação de novos partidos, concebido sob medida para reeleição da presidente, tramita como se fosse prioridade nacional, enquanto a desoneração do transporte coletivo é debatida há uma década, sem avanços.

– A gente discute o lobby dos empresários e os desejos do governo. Não se dá ouvido para o que realmente interessa aos brasileiros – afirma Wyllys.

Captar os anseios, em especial dos jovens, é um desafio, analisa o sociólogo Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Deputados e senadores nasceram e entraram na política em um mundo analógico, diferente do atual, conectado e digital.

– São os assessores que estão nas redes sociais. E existe uma dificuldade de compreender os pedidos que saem dessa plataforma – observa Prando.

Ícone dos caras-pintadas, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) admite a crise de representação. Ele incentiva o uso do mesmo mecanismo que recolocou os brasileiros nas ruas: a internet.

– A participação das pessoas na rotina do Congresso precisa ser mais direta. É preciso aproveitar que elas estão conectadas para que ajudem a criar uma pauta mais alinhada à realidade.

Pressionados, deputados e senadores tentam reagir. A votação da PEC 37 foi adiada, pode ser arquivada. Projetos focados em saúde e educação ameaçam deixar escaninhos – um ato insuficiente, na visão do professor Teixeira. Para o historiador, é preciso votar e rejeitar a PEC, cassar os deputados condenados no julgamento do mensalão, aprovar o marco civil da internet e o destino dos royalties para educação. As ações indicariam uma reaproximação entre Congresso e povo.

Parlamentares mais experientes concordam com a urgência de ações imediatas, como a votação dos royalties, mas querem aproveitar o momento para promover a reforma política. Em seu décimo mandato na Câmara, Miro Teixeira (PDT-RJ) defende a convocação de uma Constituinte restrita às reformas política, tributária e do pacto federativo.

– As pessoas reclamam de impostos, da falta de representação, da falta de investimento em saúde e educação. Toda essa discussão se concentra nessa Constituinte – afirma Miro.

Um dos decanos do Congresso, Pedro Simon (PMDB-RS) cobra as reformas. Junto de cinco colegas, passou a quinta-feira em vigília no plenário, enquanto a multidão protestava em frente ao Congresso. Simon espera que as manifestações obriguem o Legislativo a adotar uma pauta mais conectada com as necessidades do país:

– A rua faz o que o Congresso deveria fazer.

Fonte: Zero Hora (RS)

Brasil nas ruas - Juventude desiludida

Proporção de eleitores de 16 a 18 anos caiu pela metade em duas décadas; semana de protestos deixa claro o desencanto com políticos e a cobrança por melhoria nos serviços públicos, mas vandalismo desafia futuro das manifestações.

Os últimos 14 dias que abalaram o Brasil deixaram uma mensagem clara: o sentimento contra a política tradicional. A cada eleição, aumenta o número de brasileiros que não vão às umas ou, quando vão, votam em branco ou nulo. Há 21 anos, quando os caras-pintadas provocaram o impeachment do então presidente Fernando Collor, eleitores de 16 a 18 anos eram 3,6% do total. Hoje são 1,5%, informa JOSÉ CASADO. De cada 100 jovens que poderiam ser eleitores, só 35 se inscreveram para tirar o título. No Rio, só 19 em cada 100. Outro recado das ruas foi aos governantes, de quem os manifestantes cobraram melhorias nos serviços públicos. Representantes de diversos segmentos sociais ouvidos pelo GLOBO reforçam a necessidade de mudanças no país. E apontam desafios para os manifestantes: organizar suas reivindicações e não sucumbir à violência.

Jovens mais longe do voto

Partidos perdem vanguarda na ação política; proporção de eleitores de 16 a 18 anos cai

João, 17 anos, provocou:

- Você sabe o que é que está por trás disso tudo aí, né, pai?

Carlos Sampaio, 50 anos, deputado federal há uma década, esboçou uma resposta que levaria o filho a um passeio pelo palácio das suas memórias do impeachment de Fernando Collor, em 1992, quando se filiou ao PSDB paulista, até chegar à CPI dos Correios, onde 13 anos depois investigou o mensalão:

- Está tudo meio difuso - começou Carlos Sampaio. - É um pouco diferente de quando João cortou:

- Não, pai, você se engana. Não tem partido nisso aí, não. Tá todo mundo revoltado. Isso é contra corrupção, mensalão, passagem de ônibus, e por mais investimento em Saúde, Educação e Transporte. E, olha, eu vou pra lá.

As ruas de Campinas (SP) ganharam mais um manifestante. O deputado voltou a Brasília. Perplexo, viu o Congresso sitiado por milhares de pessoas, gritando em coro, como se estivessem rezando: "Só vamos parar/ quando a gente colocar/ 1 milhão,/ 3 milhões,/ 20 milhões/ aqui!/ Pra falar pra eles/ que não tá certo/ o que eles fazem/ com nosso dinheiro,/ com a nossa Saúde,/ com a nossa Educação". .

Líder do maior partido de oposição, o PSDB, na tarde seguinte Sampaio se rendeu diante do microfone do plenário:

- Eles têm toda a razão. O movimento é de indignação, é contra toda a classe política, os partidos e os governos. Façamos uma autocrítica: como é que este Congresso pode ser respeitado? Tenhamos vergonha na cara. Precisamos mudar, para reatar com a sociedade.

Evidências desse divórcio - o avanço do sentimento antipolítica e antipartidos tradicionais - espalharam-se pelas ruas nas últimas duas semanas, e se refletem nas mais recentes pesquisas sobre tendências dos eleitores realizadas pela Justiça Eleitoral e por institutos especializados.

O sistema é de democracia representativa, mas a onda de manifestações demonstra que os partidos perderam a vanguarda e o monopólio da ação política. Passaram a ter cada vez menos importância para 70 de cada cem eleitores, mostram as pesquisas.

Tem aumentado a cada eleição o número de pessoas que prefere não ir às urnas, vota em branco ou anula o voto. Foram 37 milhões na eleição municipal de outubro do ano passado. É quase um terço do eleitorado de 141 milhões de brasileiros. Equivale à população do Estado de São Paulo e ao dobro do Estado do Rio.

A indiferença predomina e se destaca entre os mais jovens, da faixa de 16 a 18 anos de idade, para quem o voto é facultativo. Eles somam 12 milhões - contingente do tamanho do eleitorado carioca e com peso suficiente para decidir, por exemplo, uma eleição presidencial. Mas decidiram se distanciar do processo eleitoral.

Há duas décadas, quando as ruas foram tomadas por manifestações pelo impeachment de Collor, eleitores dessa faixa etária eram donos de 3,6% do total de títulos eleitorais disponíveis. Agora, representam apenas 1,5% dos cadastrados para votar.

De cada cem jovens que já poderiam ser eleitores habilitados, somente 35 haviam se alistado até março, informa o Tribunal Superior Eleitoral.

No Estado do Rio, a situação piora: de cada cem, apenas 19 se interessaram pelo registro. Somam 420 mil desinteressados. É mais que o eleitorado de Niterói e quase igual ao de Nova Iguaçu.

- É realmente grave - pensa Letícia Sardas, presidente da Justiça Eleitoral no Rio. - Eles protestam muito mais que antes, e no entanto já não ligam para o título de eleitor, que é o passaporte para promover mudanças. É preciso canalizar essa energia do protesto para a construção política. Mas como fazer, se os partidos envelheceram tanto que não conseguem nem se conectar com o universo deles, que é a rede social?

- Aqui está acontecendo uma coisa assustadora - acrescenta a presidente do Tribunal Regional Eleitoral. - Quanto mais elitizado é o jovem de 16 a 18 anos, menor é o interesse dele pelo processo eleitoral. Estamos pesquisando as causas, mas já constatamos que os alunos das escolas municipais do interior do estado dão muito mais importância à participação do que estudantes da Zona Sul carioca, especialmente os das escolas bilíngues.

Comportamento similar existe no outro extremo do eleitorado, segundo a juíza, entre as pessoas com mais de 70 anos e que legalmente também não têm obrigação de votar.

São 10,3 milhões no país. Desses, 1,1 milhão vive no Estado do Rio, somando 9,3% dos eleitores fluminenses. Cada vez mais, eles também estão deixando de ir às urnas.

A distância entre os partidos e as ruas pauta o cotidiano do Legislativo. Nesta semana, enquanto o Congresso foi duas vezes sitiado por uma multidão indignada, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), comandava uma delegação de líderes partidários em passeio no verão de Moscou. Estava na companhia de Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo; Eduardo Cunha (PMDB-RJ); Ronaldo Caiado (DEM-GO); Rubens Bueno (PPS-PR); Felipe Maia (DEM-RN); Bruno Araújo (PSDB-PE) e Fábio Ramalho (PV-MG).

No intervalo entre os cercos, a Câmara dos Deputados inscreveu entre prioridades de votação um requerimento (número 7.956) para enviar comissão parlamentar a Santa Cruz do Arari, no arquipélago do Marajó. Com a seguinte missão: acompanhar acontecimentos decorrentes da decisão da prefeitura que determinou a caça de cães no município.

Enquanto isso, o Senado deixava o Plano Nacional de Educação completar seis meses dormente na pauta, sem votação.

A 1.300 quilômetros dali, no Rio, a Câmara municipal engavetava um pedido de CPI para investigar privilégios concedidos às empresas de transporte coletivo. Ao mesmo tempo, elegia a ilha de Taiwan como "irmã" da capital carioca e mantinha o ritmo de homenagens a amigos dos vereadores - a média foi de 110 moções semanais nos últimos 12 meses (oito vezes mais que a Assembleia).

- Agora, dá para entender o desinteresse das pessoas pelas eleições legislativas, não é? - comentou Paulo Pinheiro (PPS), 64 anos de idade, dos quais 17 alternados em mandatos de deputado estadual e de vereador.

Na eleição de vereadores, ano passado, a média de votos em branco e nulos foi de 4,5%. As quatro maiores cidades registraram mais que o triplo disso: 19% em São Paulo, 17% no Rio e em Belo Horizonte, e 14% em Salvador.

O número de pessoas que foi às urnas e não votou em ninguém, em 2012, equivale a duas vezes e meia o total de votos (3,3 milhões) obtidos por Fernando Haddad (PT), eleito prefeito de São Paulo.

Esse contingente tem o dobro do tamanho do eleitorado da cidade do Rio - onde dez das maiores zonas eleitorais da Zona Sul-Centro registraram recordes de abstenção (média de 29%). Abstenção, claro, não deve ser integralmente associada a protesto político, mas nessa dimensão deu brilho à falta de interesse expressa pelos votos nulos e em branco.

Superada a perplexidade, governantes e chefes de partidos começaram a ensaiar um repertório de respostas. O tom inicial foi dado por Dilma Rousseff, noite de sexta-feira em Brasília, ao falar sobre a "construção de uma ampla e profunda reforma política", para exorcizar logo a ideia de que os partidos são prescindíveis.

Há uma profusão de iniciativas sobre o tema nas gavetas do Congresso, o que levou dirigentes de PT, PSDB e PDT, entre outros, a avançar nas últimas três madrugadas em tertúlias sobre o nível de "radicalismo" aplicável a uma "reforma política".

Discutiram até a convocação de uma Constituinte exclusiva para mudanças no sistema de representação política, de tributação e de partilha de obrigações entre União, estados e municípios. Essa ideia havia sido patenteada em 1997 pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em projeto apoiado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Na época, como hoje, não se chegou a um consenso. Governantes e partidos continuam devendo respostas objetivas e imediatas sobre mudanças estruturais, que voltaram a ser reivindicadas na última quinzena.

E, assim, eles terminaram a semana com uma única certeza: foram todos atropelados pela História no meio das ruas do Brasil.

Fonte: O Globo

Maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas

Para 66%, manifestações nas ruas devem continuar

Pesquisa Datafolha aponta que apoio parte dos mais escolarizados e ricos

Avenida Paulista deve continuar como o principal palco dos protestos, segundo 72% dos entrevistados

SÃO PAULO - Dois a cada três paulistanos acham que os protestos nas ruas devem continuar, apesar de as tarifas de transporte em São Paulo --a razão para o início das manifestações-- terem sido reduzidas.

A conclusão é de pesquisa Datafolha feita anteontem na cidade de São Paulo. O instituto fez 606 entrevistas, com margem de erro de quatro pontos percentuais para cima ou para baixo.

São 66% a favor da continuidade dos protestos e 34% contra, revela a pesquisa.

O apoio está entre os mais escolarizados, aqueles com renda mensal de cinco a dez salários mínimos e entre os mais ricos. Contra estão principalmente os mais velhos e os que têm renda até dois salários mínimos.

As reivindicações futuras devem ser a melhoria da saúde, segundo 40%; outros 20% dizem que a educação deveria ser o alvo.

A tarifa de ônibus, trem e metrô caiu de R$ 3,20 para R$ 3 na quarta, por decisão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), pressionados pelos protestos.

Outra questão corrobora o apoio do paulistano às manifestações. Para 65%, elas trazem mais benefícios pessoais do que prejuízos. Na terça, antes de a tarifa ter sido reduzida, esse índice era de 51%.

Quando a pergunta aborda o benefício para os paulistanos em geral, os resultados são semelhantes.

Cenário mais comum dos protestos, a avenida Paulista deveria continuar a ser usada como tal, de acordo com 72% dos entrevistados. A maioria, 88%, é contra a invasão de prédios públicos.

Atuação da PM

Em relação à atuação da Polícia Militar, o índice de anteontem foi semelhante aos verificados antes dos confrontos mais violentos com manifestantes, no dia 13.

Na ocasião, 105 manifestantes ficaram feridos, segundo organizadores do protesto. Policiais militares e jornalistas também se feriram.

Para 30% dos paulistanos, a PM é vista como nada eficiente na prevenção de crimes; antes do confronto, eram 27%. Na terça-feira passada, pós-confrontos do dia 13, esse índice atingiu 37%.

O mesmo fenômeno se deu com as opiniões sobre a violência nas ações da Polícia Militar: 43% entendem que a corporação é mais violenta do que deveria. Na terça, o número dos que tinham essa opinião era maior, 51%.

Depois dos episódios registrados no dia 13, a Polícia Militar deixou de usar balas de borracha e decidiu interferir nas manifestações de rua só em último caso.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma age para conter crise e mudar rumos do governo

Presidente rompe isolamento do Palácio do Planalto e monta agenda para responder às manifestações de rua e abafar o coro de "Volta Lula’, já ouvido entre aliados.

Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos pelo País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto, informa Vera Rosa. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela montou uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro de “Volta Lula”, que já começa a ser entoado por aliados que pedem o retomo do ex-presidente Lula na eleição presidencial de 2014. Sob intenso fogo cruzado, Dilma anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos, propôs um pacto nacional pela mobilidade urbana e fez apelo por uma ação coordenada envolvendo Legislativo e Judiciário. Já a oposição quer aproveitar o momento de desgaste do governo e tentar encontrar uma bandeira para as demandas que apareceram nas manifestações. “Cabe ao PSDB entender que há uma coisa nova hoje”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em "inferno astral", Dilma testará novo estilo de governo para salvar reeleição

Vera Rosa

BRASÍLIA - Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos sacudindo o País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela foi obrigada a montar uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro do "Volta Lula", que já começa a ser entoado na seara doméstica para pedir o retomo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2014. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, o PT não enfrenta desgaste tão grande.

Com muitos nós para desatar, Dilma pretende agora testar um novo estilo de governo para tentar virar o jogo e traçar a rota do projeto de reeleição. Ajustes na política econômica para reagir à esperada redução de dólares no Brasil, com o fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, e mudanças no núcleo político do Palácio do Planalto são aguardados para o segundo semestre.

Habituada a centralizar decisões e a formular sozinha as principais diretrizes políticas e econômicas, a presidente encerrou a semana com a imagem de gerente desgastada, em meio a uma sucessão de más notícias que deixaram o Planalto atônito. É nesse tumultuado cenário que a presidente terá que negociar com aliados as composições para 2014.

O PMDB convocou reunião de sua Executiva para terça-feira, a fim de discutir a crise e os obstáculos à formação dos palanques com o PT nos Estados, como no Rio de Janeiro. "A coordenação política do governo está sem força e ninguém mais aceita essa história de dois palanques para Dilma", resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

"Bicho esquisito". "Tem um bicho esquisito aí", admitiu o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. "Quem está na chuva é para se queimar e esses protestos também atingiram o PSDB e o governador Geraldo Alckmin", completou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fazendo um trocadilho. "Com certeza, alguma lição vamos tirar dessa catarse", previu o ministro.

Dos problemas com a demarcação de terras indígenas, passando por boatos sobre o fim do programa Bolsa Família, vaias na abertura da Copa das Confederações, escalada da inflação, "Pibinho", atritos com o PT e o PMDB e, agora, a fúria nas ruas, tudo pareceu conspirar para o inferno astral do governo, nos últimos dias.

Para recuperar o apoio perdido, Dilma acertou com Lula que mudará a estratégia política, chamando, por exemplo, representantes de movimentos sociais para conversas periódicas. Até agora, ela manteve distância regulamentar de todos.

Concertação. A presidente também fez um apelo pela "concertação" com o Legislativo e o Judiciário. Sob intenso fogo cruzado, anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos e propôs um pacto nacional, expressão abominada pela esquerda, em torno da mobilidade urbana.

No Congresso, aliados preparam outra estratégia para aprovar projeto de interesse do Planalto que inibe novos partidos, aproveitando a fragilidade de Dilma para cobrar faturas antigas de cargos e emendas.

No diagnóstico do governo, as manifestações que tiveram como origem o aumento das tarifas de transporte coletivo e desandaram para protestos contra tudo o que está aí assumiram contornos perigosos.

A preocupação é com o clima de instabilidade e confronto, num momento de dificuldades na economia, justamente quando as atenções internacionais estão voltadas para o Brasil, que sedia a Copa das Confederações e está prestes a receber a visita do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, marcada para julho, no Rio.

Para Bernardo, as manifestações mostraram que o povo não se sente representado pela forma tradicional de fazer política. Atropelada por jovens sem partidos, a cúpula do PT tentou pegar carona no movimento e convocou seus militantes para uma passeata em São Paulo, na quinta-feira, com o objetivo de defender "o legado de Lula e Dilma", após o recuo no aumento das passagens. O gesto foi visto pelo Planalto como "um tiro no pé" porque pôs o PT, Dilma e o prefeito Fernando Haddad, já derrotado politicamente, na mira de novos protestos.

"As reivindicações sobre transportes são legítimas, porque o serviço de ônibus nas grandes cidades é muito ruim", afirmou Paulo Bernardo. "Protestar contra a corrupção também é legítimo, mas, levantar bandeira contra a PEC 37 é conversa fiada. A imensa maioria nem sabe o que é isso", constatou o ministro, numa alusão à proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o poder de investigação criminal do Ministério Público.

Coro do Volta Lula. Embora petistas, aliados e até empresários descontentes com o governo ensaiem novamente o "Volta Lula", o ex-presidente garante que não será candidato, em 2014. Lula antecipou o lançamento de Dilma, em fevereiro, para segurar especulações sobre o seu retorno, mas, nos bastidores do PT, a estratégia foi considerada desastrosa.

Agora, Lula atua como "ouvidor"" da República, chamando em seu escritório políticos da base aliada, governadores, prefeitos, dirigentes sindicais e empresários. "Todos reclamam da falta de interlocução com o Planalto. Lula, então, faz uma "triagem" das reivindicações e encaminha tudo para Dilma.

Fonte: O Estado de S. Paulo

De novo: Confronto nas ruas

Enquanto no restante do país os protestos arrefeceram e o dia foi relativamente tranquilo, inclusive em Salvador, onde jogou a Seleção Brasileira, Belo Horizonte foi palco do maior deles e de violência. Milhares de manifestantes foram pacificamente do Centro em direção ao Mineirão, onde o México bateu o Japão por 2 a 1. Impedidos de se aproximar do estádio, houve alguns enfrentamentos e a polícia usou bombas de gás. Encerrada a partida, porém, vândalos infiltrados na multidão passaram a atacar a PM e ocorreram graves confrontos. Os arruaceiros arrancaram cercas da UFMG, depredaram e saquearam lojas e concessionárias de veículos da Avenida Antônio Carlos e em grupos separados promoveram ataques em outros pontos da cidade. Várias pessoas ficaram feridas, pelo menos uma delas ao cair de um viaduto.

BH vive dia de guerra de rua

Vândalos atacam a polícia, depredam a cidade e desvirtuam manifestação pacífica que reunia mais de 60 mil pessoas

Felipe Canêdo, Guilherme Paranaíba, Isabella Souto, Paula Sarapu, Paula Takahashi e Tiago de Holanda

A maior manifestação em Belo Horizonte e uma das maiores no país desde o início dos protestos no Brasil, há pouco menos de duas semanas, reunindo mais de 60 mil pessoas, começou pacífica e terminou de forma violenta, deixando um rastro de destruição, depredações e pessoas feridas. Os vândalos infiltrados entre a multidão provocaram e atacaram a Polícia Militar com pedras, bombas, canivetes, bolas de sinuca e outros artefatos, obrigando a PM, a Força Nacional de Segurança e até o Exército a reagir para impedir o caos. Os confrontos tiveram início nos arredores do Mineirão, na Região da Pampulha, por volta das 16h, e se espalharam pela Avenida Antônio Carlos, Praça Sete e outras regiões da cidade pouco antes das 23h.

Depois de uma concentração pacífica na Praça Sete, onde cerca de 20 mil pessoas permaneceram até as 14h, os manifestantes decidiram seguir em passeata até o estádio, onde ocorria o jogo entre Japão e Mexico, válido pela Copa das Confederações. À medida que a passeata avançava, aumentava o número de participantes e também a ação de provocadores, que gritavam palavras de ordem violentas e ofendiam os militares que estavam patrulhando a região.

Os confrontos começaram quando a multidão se aproximava do estádio. Um pequeno grupo se distanciou do corpo da caminhada que seguia pela Avenida Antônio Carlos e iniciou as agressões na frente do bloqueio do Batalhão de Choque e da Força Nacional, já na Avenida Abrahão Caram, onde os policiais se posicionavam com cães farejadores e equipamentos de dispersão de distúrbios civis. Impedidos de passar pela zona de segurança imposta pela Fifa, alguns vândalos fizeram uma fogueira com folhas de palmeira e os cartazes que levaram. Também puseram fogo no mato alto de um terreno às margens da avenida. Xingaram muito os policiais e atiraram pedras, sem que houvesse reação por quase meia hora, até que os militares tentaram dispersar os manifestantes com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.

Os grupos mais exaltados, com os rostos cobertos por panos e camisas, se afastavam e retornavam ainda mais agressivos. A confusão se estendeu até o fim do jogo e os arruaceiros depredaram pontos de ônibus e placas da Copa das Confederações ao longo da via. Parte dos vândalos atacava os policiais no bloqueio, enquanto outros pichavam prédios na Avenida Antônio Carlos. Concessionárias de veículos foram atacadas. Fachadas e vidraças foram danificadas por vândalos que usavam pedaços de pau, pedras e barras de ferro para a depredação. A concessionária Hyundai teve carros destruídos: as latarias foram amassadas e os vidros quebrados. A maioria das lojas de carros na avenida retirou os carros do showroom na sexta-feira, com receio das manifestações, para evitar prejuízos, mas a Kia Motors, que também estava vazia, teve os vidros da fachada destruídos. As lixeiras de metal da Rua Professor Magalhães Penido, paralela à Antônio Carlos, foram arrancadas dos postes e depredadas.

Além das lojas, os vândalos destruíram as cercas do câmpus da UFMG, tentaram invadir a garagem e foram rechaçados por tropas do Exército que estavam protegendo o local, propriedade da União. Os militares das Forças Armadas lançaram bombas de efeito moral para repelir os ataques.

Feridos graves durante o conflito, o estudante Caio Thomé Lopes, de 17 anos, caiu do Viaduto José de Alencar, na Avenida Abrahão Caram, em frente ao câmpus da UFMG, pouco antes das 18h. Ele teve traumatismo craniano grave e fraturas nas pernas e braços. Doze pessoas foram levadas para o Hospital Risoleta Neves, quatro delas em estado grave. Ao todo 28 pessoas ficaram feridas. Os bombeiros socorreram Hector Henriques Souza Barros, de 17, que caiu e quebrou os braços.

Muita gente passou mal quando a cavalaria, concentrada sob o viaduto, avançou com apoio do Batalhão de Choque, que lançava bombas de efeito moral. O tumulto, no entanto, impedia a chegada de ambulâncias e os bombeiros fizeram alguns atendimentos a pé. Apenas uma conseguiu passar em meio aos manifestantes. Outras quatro acabaram presas no trajeto.

"Hoje (ontem) é meu aniversário e vim participar com amigos. Estava perto da grade da UFMG quando a bomba caiu aos nossos pés. Eu não estava envolvido na confusão", disse Antônio César da Silva, de 37 anos, que se machucou numa perna. Os manifestantes pediam calma e gritavam para que os demais se sentassem no chão. Por causa das agressões aos policiais do bloqueio, os torcedores que desbravaram a multidão e acabaram se atrasando não puderam entrar no estádio. "A polícia falou que eu não podia entrar, mesmo com ingresso na mão. Não sei para onde ir agora e acho que vou perder o jogo", disse o comerciante Lucinei Danilo Duarte, de 34 anos, que estava com a filha de 13 anos e mais três parentes.

Fonte: Estado de Minas

Que país é este tomado por manifestações?

Um dia depois do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, os protestos continuaram em, pelo menos, 100 cidades brasileiras. Milhares voltaram às ruas de São Paulo e Salvador. Especialistas ouvidos pelo Correio e articulistas do jornal buscam interpretar o que está acontecendo no Brasil desde os últimos dias, e esboçam algumas conclusões: a juventude brasileira não se sente representada pelos partidos políticos; a classe média já percebeu que houve uma estagnação no poder de consumo; é pouco provável que alguma liderança surja dos protestos; existe, sim, uma pauta de reivindicações comuns a todos, que inclui o combate à corrupção e ao mau uso do dinheiro público. Mesmo que a onda de manifestações sofra refluxo, o Brasil mudou e essa transformação vai aparecer nas eleições. Há quem aposte no crescimento do voto nulo

Para onde caminha o gigante desperto?

Um movimento sem líderes, sem partidos, sem foco. Por mais que se tente comparar as cenas que o Brasil tem visto nas últimas semanas com outros momentos da história em que as cidades foram tomadas por protestos, todos têm dificuldade de achar uma explicação teórica ou lógica para o que ocorre agora. Especialistas ouvidos pelo Correio reforçam: não é o momento de ter certezas sobre o futuro, porque a voz das ruas, desta vez, tem muitos tons. Ainda que apostem em um arrefecimento das manifestações em breve, eles concordam que o fato é inédito e deve servir de reflexão, principalmente, para a classe política.

O diretor da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, e o professor de Ética e Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano destacam que, apesar de existirem demandas difusas vindas dos manifestantes, a inconformidade com as instituições públicas e a corrupção são o ponto comum de todos os grupos. "O Estado brasileiro, que sempre foi muito repressivo e parasitário, está decepcionando cada vez mais a população. A máquina pública é lenta, enquanto a população tem informação em tempo real e está percebendo o quanto tudo isso incomoda", comenta Romano.

Claudio Abramo ressalta que a rejeição dos manifestantes aos partidos é o maior reflexo de que há uma crise institucional no país. "Não defendo a inexistência de legendas, porque isso não funciona, mas as manifestações estão apontando a falência do sistema eleitoral brasileiro e a absoluta falta de representatividade dos partidos políticos, que parecem divorciados da comunidade que os elege", argumenta.

Roberto Romano concorda: "Os partidos, nos últimos 40 anos, decepcionaram as bases, não se democratizaram, são siglas com donos, que só pensam em ganhar eleição e mandam no Fundo Partidário, nas indicações para cargos, na propaganda, nas alianças, e dão uma banana para os militantes", analisa. "Com essa prática, não incentivam os jovens a participar, expulsam a sociedade e levam o exemplo para os Poderes Legislativo e Executivo que ocupam."

Ao mirarem o futuro, os especialistas frisam que não há espaço para teorias prontas e restritas sobre o momento, que é "um divisor de águas" na história brasileira e não deve ser minimizado. "Os políticos não estão sabendo o que dizer, não têm noção do que está ocorrendo nem resposta, análise ou ação, mas deveriam olhar com muita curiosidade essa mensagem forte das ruas", alerta Abramo. "Os intelectuais e políticos menosprezam a capacidade de pensamento da população, que talvez não saiba ainda se organizar da melhor forma, mas sabe o que está acontecendo. As manifestações são o resultado da modernização da sociedade brasileira, que ainda tem muitos problemas, mas sabe que eles existem e quer mudar isso", completa Romano.

Três perguntas para Claudio Abramo, presidente da Transparência Brasil e Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp

Que rumo as manifestações devem tomar?

Abramo — Acho que a tendência é refluir, porque não se consegue fazer isso sistematicamente, mas não sei em que prazo vai haver essa retração. Também não acho que seja impossível que tudo se repita na Copa do Mundo, porque as pessoas vão continuar querendo dizer que querem saúde e educação em um "nível Fifa", e nas eleições do ano que vem. Não tenho dúvidas de que vai haver um movimento muito poderoso para o voto nulo.

Roberto Romano — Esse movimento pode desaparecer daqui a 15 dias por falta de foco, mas vai trazer lições que pesarão muito nas decisões daqui para a frente. Só que é uma incógnita, devido à heterogeneidade das ações, sem distinção de classe nem comando. São muitas as insatisfações que se acumularam, a população tem observado que o Estado está se tornando um instrumento de corrosão da vida pública e todos estão cansados de apenas assistir.

A ausência de lideranças é positiva ou negativa?

Abramo — Essa voz é uma babel, não existe uma organização para isso, porque há muitas expressões de conformidade com o setor público. Talvez o surgimento de alguma liderança poderia resultar em algo mais palpável, mas acho difícil isso acontecer. Podem surgir lideranças mais localizadas ou reunidas em torno de alguns temas específicos.

Romano — Não é nem uma coisa nem outra, é um sentimento generalizado de antipartidarismo, de que as legendas atuais vêm decepcionando a população. Então, há todos os motivos para essa massa não estar organizada. De qualquer forma, não há jeito de prever que vá caminhar para uma organização. Espero que sim, mas pode ser que as demandas e os grupos se dissolvam.

Daqui a alguns anos, quando olharmos para trás, como descreveremos essas manifestações, que legado elas deixarão?

Abramo — Acho que representará um divisor de águas. Os atos são marcantes e estão mandando uma mensagem muito forte para o mundo político, de que os partidos não são representativos. Há uma crise institucional que deve ser repensada. Não acho que vai mudar já em 2014, mas vai se refletir sobre o assunto.

Romano — É um fenômeno inédito em um momento em que há uma grande circulação de informações e uma paleta de reivindicações que não vem de um grupo só. Comparo à Revolução Russa. O ano de 1917 ficou conhecido como o decisivo, mas 1905 serviu para formar líderes e deixar um aprendizado. Ou seja, o que está ocorrendo agora pode chacoalhar o país para uma mudança futura.

Fonte: Correio Braziliense

Discurso de Dilma não freia protestos

Um novo debate político.

Acuada, Dilma vai mudar de estilo

Avessa a negociações, petista rompe o isolamento e monta agenda para ouvir as vozes da rua, de olho em 2014

Vera Rosa

BRASÍLIA - Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos sacudindo o País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela foi obrigada a montar uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro do "Volta Lula", que já começa a ser entoado na seara doméstica para pedir o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2014. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, o PT não enfrenta desgaste tão grande.

Com muitos nós para desatar, Dilma pretende agora testar um novo estilo de governo para tentar virar o jogo e traçar a rota do projeto de reeleição. Ajustes na política econômica para reagir à esperada redução de dólares no Brasil, com o fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, e mudanças no núcleo político do Palácio do Planalto são aguardados para o segundo semestre.

Habituada a centralizar decisões e a formular sozinha as principais diretrizes políticas e econômicas, a presidente encerrou a semana com a imagem de gerente desgastada, em meio a uma sucessão de más notícias que deixaram o Planalto atônito. É nesse tumultuado cenário que a presidente terá que negociar com aliados as composições para 2014.

O PMDB convocou reunião de sua Executiva para terça-feira, a fim de discutir a crise e os obstáculos à formação dos palanques com o PT nos Estados, como no Rio de Janeiro. "A coordenação política do governo está sem força e ninguém mais aceita essa história de dois palanques para Dilma", resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

"Tem um bicho esquisito aí", admitiu o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. "Quem está na chuva é para se queimar e esses protestos também atingiram o PSDB e o governador Geraldo Alckmin", completou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fazendo um trocadilho. "Com certeza, alguma lição vamos tirar dessa catarse", previu o ministro.

Dos problemas com a demarcação de terras indígenas, passando por boatos sobre o fim do programa Bolsa Família, vaias na abertura da Copa das Confederações, escalada da inflação, "Pibinho", atritos com o PT e o PMDB e, agora, a fúria nas ruas, tudo pareceu conspirar para o inferno astral do governo, nos últimos dias.

Para recuperar o apoio perdido, Dilma acertou com Lula que mudará a estratégia política, chamando, por exemplo, representantes de movimentos sociais para conversas periódicas. Até agora, ela manteve distância regulamentar de todos.

A presidente também fez um apelo pela "concertação" com o Legislativo e o Judiciário. Sob intenso fogo cruzado, anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos e propôs um pacto nacional, expressão abominada pela esquerda, em torno da mobilidade urbana.
No diagnóstico do governo, as manifestações que tiveram como origem o aumento das tarifas de transporte coletivo e desandaram para protestos contra tudo o que está aí assumiram contornos perigosos.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Protestos: desafio é manter a sociedade mobilizada

João Pedro Pitombo

Primeiro, veio a mobilização - cidadãos se unindo com o simples objetivo de colocar para fora o seu grito engasgado. Depois, a ocupação da rua, resultando nos maiores protestos do Brasil nas últimas duas décadas. O que virá no terceiro momento, no entanto, ainda é uma incógnita. Mas há desafios já postos, conforme defendem acadêmicos ouvidos por A TARDE.

O desafio, explicam, é canalizar a luta política das ruas para efeitos práticos. E para isso, há necessidades claras: de um lado, romper as barreiras que enclausuram governos, parlamentos, órgãos de justiça, forçando a criação de canais mais eficazes de participação popular. Do outro, ocupar estes espaços e fazer da mobilização uma ação permanente.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia, Paulo Fábio Dantas Neto, afirma que o futuro das mobilizações dependerá da criação de novas formas de atuação que possam reduzir a distância que vinha se estabelecendo "de maneira muito desalentadora" entre as sociedades política e civil.

Manifestantes e PMs voltaram a se enfrentar em Salvador

"Isso é uma expectativa positiva que precisamos alimentar, pois há um desejo expresso de maior participação e um apelo para que os governos atuem em sintonia com aquilo que a sociedade deseja", avalia o professor.

Na mesma linha, o antropólogo Ordep Serra destaca a importância da participação da sociedade no planejamento e na gestão das iniciativas do poder público. "Os canais já existem, mas eles têm que se abrir. Não é possível avançar sem aumentar a participação da sociedade nas tomadas de decisão", defende.

Conselhos - Ele lembra que, apesar da previsão legal, o Conselho da Cidade - formado por cidadãos e entidades representativas - nunca foi empossado em Salvador. E, mesmo assim, a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos), aprovada no final do governo João Henrique Carneiro, retirou do conselho o poder de tomar decisões, tornando-o apenas um espaço opinativo. No âmbito no Estado, esferas como o Conselho Estadual do Meio Ambiente, por exemplo, também perderam o seu poder de deliberação.

Outro fator determinante será a capacidade da sociedade política de absorver as demandas e propor soluções. "A sociedade política não cumpre o seu papel se ela apenas ouvir a voz das ruas. Ela precisa ouvir, processar e transformar em proposições as demandas da sociedade", afirma Paulo Fábio.

Segundo ele, é preciso ir além de mexer nas estruturas do sistema brasileiro por meio de uma reforma política. É preciso mudar a forma como a representação vem sendo exercida.

Os especialistas também destacam que o momento posterior aos protestos será marcado por uma disputa retórica sobre o espólio das manifestações, com as mais distintas interpretações. Disputa esta que terá participação direta de governos, partidos e entidades civis organizadas.

O cientista político Jorge Almeida acredita que desse movimento surgirão novas lideranças e organizações políticas para dar consequência às bandeiras desse segmento. "É claro que isso passará ao largo de entidades tradicionais, como os grandes partidos de esquerda como PT e PCdoB, grandes centrais sindicais ou entidades estudantis. No entendimento dos manifestantes, estes organismos são vistos como 'co-responsáveis' pela situação atual do país".

Professor de comunicação da Ufba e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital, Wilson Gomes, destaca a necessidade dos manifestantes buscarem bandeiras mais factíveis, para obterem um maior poder de influência junto ao poder constituído.

*Colaborou Patrícia França

Fonte: A Tarde (BA)

O novo de novo na Rio Branco -- Raimundo Santos

A vitalidade da juventude está encerrando estes nossos tempos de imobilização da sociedade e da política. Essa ativação juvenil – sua força está na sua diversidade – já se anunciava em 2012 nas passeatas que, nas praias de Copacabana, reivindicavam respeito aos homoafetivos. Esse novo se ampliou aos 30 mil da passeata do encerramento da Rio + 20, na Rio Branco, sendo os manifestantes em sua grande maioria jovens envolvidos de diversas modos e coloridos com as questões do Planeta.

Esse novo se apresenta de novo na mesma Rio Branco com enorme vigor, do dia 20, levou à avenida mais de 300 mil. Em 75 cidades brasileiras, o Movimento Passe Livre superou, ontem, a cifra de mais de um milhão de manifestantes. Na sua quase totalidade, também são jovens. Movidos pela resistência ao aumento das passagens, em relação ao qual são vitoriosos, o Movimento Passe Livre soube falar ao país dos grandes temas com amplíssima aceitação. Destaco dois. No da corrupção, foram contundentes na condenação moral e específicos na defesa de uma forma concreta de combatê-la: a ação do Ministério Público, cujas funções constitucionais a PEC 37 quer cassar. Convocam a opinião pública para derrotar a PEC 37. No tema das políticas públicas, os jovens fizeram duras críticas aos gastos astronômicos (para reprodução eleitoral) trazendo ao primeiro plano a urgência do vigoramento de políticas públicas nas áreas da saúde e da educação. Entretanto, resistem à política e aos partidos, desgastados pelos governos petistas. Resistem mais como recusa do que com críticas. Isso preocupa muito.

Tem visão precisa Luiz Werneck Vianna ao falar da possibilidade de uma nova era (“significando a entrada dessa geração na política institucional”), da eventualidade de um “mau desfecho” (como em 1968, “radicalizando a juventude e afastando-a da vida politica”), e ainda da incompetência dos atuais movimentos sociais em conduzir os “processos reais” (cf. entrevista ao IHU On line, dia 20/6, antes da passeata dos 300 mil). Diz este intelectual publico: “Acredito que hoje eles (os jovens) estarão comentando o que se passou ontem (a passeata na Rio Banco da 4ª. Feira, 19/6). Nesse processo de diálogo, de comunicação entre eles mesmos, e da comunicação entre eles e nós, intelectuais, políticos e imprensa, a coisa vai se sedimentando, criando uma nova cultura.” (Íntegra da entrevista in www.Gramsci.org).

Raimundo Santos é professor da UFRRJ

Fonte. A passeata dos 300 mil (enquete), You Tube Ascom/UFRRJ, 21/6/2013.

Quando a rua se torna a Arena – Michel Zaidan Filho

Entre os antigos romanos, a palavra arena era designada como lugar de jogos e manifestações diversionistas destinadas ao povo. Mas também como lugar da luta, da disputa entre gladiadores e escravos. Por uma dessas transformações semânticas produzidas pela História, a palavra "arena" foi apropriada pelos governantes como o palco de jogos e competições esportivas internacionais. 0 que ninguém previu é que o povo brasileiro iria invadir as ruas das metrópoles brasileiras para protestar contra a má saúde, a má educação, o péssimo transporte público e o mau uso do dinheiro público. A repercussão desse movimento foi tão grande que tomou o espaço nos telejornais nacionais que seria dedicado aos jogos. Até o treinador da seleção brasileira foi convocado a dar sua opinião sobre os protestos populares, apoiando as manifestações.

Os gestores, pegos de surpresa, passaram a decantar as virtudes da participação popular e da democracia participativa. O fundamental é entender o significado dessa nova arena da participação popular, apartidária, multifacetada, composta por inúmeros grupos sociais. Desde as manifestações dos "caras pintadas " pela demissão de Collor, não se via algo semelhante na cena política brasileira. E os governantes apostaram no "nacionalismo dos tolos" como forma de anestesia da consciência social. A cifra astronômica gasta pelo Brasil (85.000.000.000) para a realização da Copa da Confederações foi o alvo preferencial das multidões. 

Questionando a absurda quantia comparada com o descalabro das políticas públicas na área da Saúde, da Educação, do Transporte Público. Hoje o mundo entende que o povo brasileiro não se contenta só com carnaval e futebol e que ser cidadão não é só torcer pela seleção brasileira, mas lutar pela melhoria dos serviços públicos no Brasil. O conceito de cidadão de chuteira foi substituído pelo cidadão vox e cidadão ludens, o cidadão que vocalize direitos e tem consciência de direitos.

O grande negócio dos jogos, o milionário patrocínio das grandes empresas multinacionais, o espírito mercenário de nossos atletas e o próprio governo brasileiro foram obrigados a fazer uma reflexão sobre a mudança do patriotismo de nossos cidadãos.Isso sem falar na alienação da soberania política do país em função da malfada lei da Copa, com todo o aparato de segurança na cidade à disposição das seleções estrangeiras, como se nós fôssemos uma colônia ou um protetorado de algum país estrangeiro. Se os governadores e a Presidente da República não se dão o devido respeito de autoridades públicas constituídas legitimamente pelo voto popular, o povo é quem deve lhes ensinar, nas ruas, o que é soberania, independência, direitos.

É de se esperar agora que ante a expectativa da opinião pública internacional e da ONU, nossos gestores aprendam quais são as prioridades da administração pública: cuidar do povo, através de políticas públicas estatais, permanentes e universais. Até a propaganda mais convincente cede diante do clamor das ruas. Até quinta-feira, Pernambuco!

Michel Zaidan Filho é sociólogo e professor da UFPE

É abuso demais – Ferreira Gullar

Não sou a favor de vandalismo, mas entendo que as pessoas tenham ido para as ruas protestar contra o aumento das tarifas de transporte coletivo. Não têm que quebrar casas comerciais, agências bancárias, nem muito menos vidraças de igrejas e instituições culturais.

É burrice e põe a opinião pública contra os manifestantes. É baderna, coisa de quem não sabe o que está fazendo. Mas não há dúvida de que o interesse público há muito foi posto de lado.

De São Paulo não posso falar, pois não conheço bem a situação real de lá. Ouço dizer que é péssima; que, nos ônibus, nas horas críticas, não cabem as pessoas, e que levam horas para chegar ao destino, seja para o local de trabalho, seja na volta para casa.

No Rio não é muito diferente. Se na hora de ir para o trabalho é aquele sufoco, já altas horas da noite, quando o número de passageiros é mínimo, os ônibus desaparecem.

As empresas de transporte coletivo não estão nem aí para a população, para servir aos cidadãos. Seu único interesse é ganhar dinheiro, e o povo que se dane. Todo mundo sabe que, se no ponto só estiverem idosos -que não pagam passagem-, os ônibus não param, passam direto. E fazem isso porque o patrão manda e, se não fizerem, sofrem represálias.

E o metrô aqui do Rio? Nunca vi igual. Sei que é caríssimo -dizem que é o mais caro do planeta- e serve pessimamente aos cidadãos. No mundo, não há nenhum que se lhe compare.

Tenho carro, gosto de dirigir, mas raramente saio com ele, mesmo porque, se vou ao centro da cidade, não há onde estacionar e, quando há, é por um preço que mais vale tomar um táxi e pagar a corrida; sai mais em conta.

Sucede, porém, que uma vez ou outra, se vou para certos lugares, pego o metrô. Idoso não paga, não entra na fila para comprar passagem. Como sou idoso e há uma estação de metrô bem perto de minha casa, me valho dele, melhor dizendo, me valia. Sim, porque não o faço mais. Nunca vi metrô igual. E olhe que viajei nos metrôs de Nova York, Paris, Roma, Berlim, Buenos Aires e Moscou. Ruim como o nosso, ao que eu saiba, não existe outro. Mas isso não é de hoje.

O trem do metrô para no meio do caminho a cada viagem. Nas poucas vezes em que andei nele aconteceu isso. E veja que, como disse, raramente o faço. Mas Maria, minha empregada, que mora perto da Pavuna, anda nele todos os dias e já muitas vezes teve que completar a viagem a pé, caminhando pelos trilhos.

Em que metrô do mundo acontece isso?

E não fica só nisso. Outro dia, como necessitava ir a Ipanema, num local próximo à praça General Osório, decidi tomar o metrô. Como não sou habituado a usá-lo, não sabia que a estação daquela praça estava desativada. Só soube quando, já em viagem, uma voz deu essa informação, e mais: deveríamos todos descer na estação seguinte, para fazer um transbordo.

Como assim, me perguntei, por que não vamos até a estação Corte do Cantagalo, uma antes da General Osório? Seria o lógico, mas não é: descemos na estação Siqueira Campos, passamos para a outra plataforma -por onde trafegam os trens em direção contrária- e lá ficamos esperando não se sabia o quê.

Bem, depois de muito, veio uma composição vazia, parou, ficou um tempo fechada, abriram-se as portas e nós entramos para irmos até a estação Corte do Cantagalo.

Lá, descemos todos, e aqueles que iam para a General Osório pegariam um ônibus que os levaria até lá. Começou a chover e o ônibus não chegava nunca, tomei um táxi e me safei daquele inferno. Aliás, se no inferno houver metrô, deve ser administrado pela mesma empresa que administra o do Rio de Janeiro.

Ultimamente, ando desapontado com a passividade do povo brasileiro diante desse e de tantos outros abusos, mas as manifestações destas últimas semanas parecem indicar que ele acordou. É o que espero.

Fonte: Ilustrada / Folha de S. Paulo

Poderes e corrupção - Roberto Romano

As fraturas no Estado brasileiro fortalecem a corrupção que entre nós está sedimentada. Naquele artefato político anacrônico o Poder Executivo é essencial, os demais setores são adjetivos. Ele não se modificou em profundidade desde 1824 e o poder de quem o controla foi hipertrofiado após as ditaduras do século 20. A Presidência, para se manter, deve pedágios aos oligarcas do Congresso e garante a escolha de seus candidatos aos tribunais superiores. Da crise entre o Judiciário e parlamentares pode vir um fortalecimento desastroso do Executivo. A Constituição de 1988 em farrapos não encontra quem a interprete de maneira inconteste. O mito da harmonia entre poderes é desmentido a cada minuto. Para entender o desarrazoado que nos rege, podem ajudar algumas achegas ao pensamento jurídico conservador e liberal.

O Congresso abriga líderes sem compromisso com os programas oferecidos nas umas. Eles fazem política sem doutrinas, domesticados por verbas ou cargos num farsesco realismo miúdo. Em vez de atenuar os delitos políticos, tal atitude reforça na população a esperança em algum salvador que, da Presidência e de modo autoritário, limparia os costumes. O golpe de 1964, recordemos, foi justificado pelo combate à corrupção. Figuras como Jânio Quadros, Collor de Mello e outras usaram a indignação das massas para chegar à Presidência, láficando por breve tempo, sem apoio político.

Na história recente as teses da direita elogiam o Executivo em detrimento dos outros poderes. É o caso de Carl Schmitt, o autor de A ditadura. Emulado por juristas como Francisco Campos, Schmitt cunhou a fórmula segundo a qual "soberano é quem decide sobre o estado de exceção". Ele foi crítico (e, não raro, com acerto) do Parlamento. Paralevarasérioa democracia, afirmava, só o povo pode decidir o seu destino e jamais os deputados. Em O Protetor da Constituição, ele apela ao presidente da República, o único vigia seguro da Carta, e menciona o Poder Moderador brasileiro posto acima das pretensões parlamentares. Nega também que o Judiciário possa guardar a Constituição porque age atrasado para sanar desvios institucionais. "A independência é a necessidade primeira para um protetor da Constituição", juízes e deputados não podem cumprir o mister, pois não são independentes o bastante para garantir o Estado. Só o presidente suspende o direito "em virtude de um direito de autoconservação". É o golpe e a ditadura. Schmitt retoma o slogan contra o regime democrático: nele se discute, pouco se decide. Mas a democracia é umprocesso no qual não existem garantias de vitórias sem amarguras. Cada costume melhorado incentiva o bem público. Hoje, infelizmente, boa parte de nossos parlamentares age comolobistas. Quando se ouve falar em "bancadas" no Congresso, o que temos são grupos que atuam em prol de interesses particularíssimos.

Carl Schmitt não cita por acaso a Carta brasileira de 1824. O Poder Moderador, nela, foi um golpe contra a soberania popular e o Parlamento. Os idealizadores de nosso Estado seguiram a contrarrevolução europeia. O movimento de 1789, no seu entendimento, resultou em anarquia. Para barrar tal ameaça, fomos submetidos ao monarca "pela graça de Deus". Segundo o conservador Guizot, "o mais simples bom senso reconhece a necessidade da limitação de todos os poderes, quaisquer que sejam seus nomes e formas. Abri o livro em que o sr. Benjamin Constant tão engenhosamente representou a realeza como poder neutro, moderador", elevado acima dos acidentes, das lutas sociais, e que só intervém nas grandes crises. É preciso que haj a nesta ideia algo muito próprio a mover os espíritos, pois ela passou com uma rapidez singular dos livros para os fatos. Um soberano dela fez, na Constituição do Brasil, a base de seu trono; a realeza é representada como Poder Moderador elevado acima dos poderes ativos, com espectador e juiz".

Segundo Constant, o Poder Moderador é neutro e apanágio da realeza, os ministros respondem pelo governo e os legisladores nada recebem. O julgamento pelo júri é a norma e impera a livre imprensa. No elogio do Poder Moderador feito por Guizot há um desvio do conceito. Constant define aquele poder como neutro para coordenar os demais. Pôr os quatro poderes numa hierarquia vertical foi o golpe em 1824. A tendência centralizadora definiu o Estado com privilégio do chefe, amesquinhando o Parlamento e o Judiciário.
As prerrogativas do Poder Moderador, inconfessadas, persistem hoje na Presidência da República, o que leva às fraturas no Estado, pois o Executivo negocia apoio parlamentar (com várias técnicas), nomeia os juizes do Supremo, controla o Senado, mas é praticamente destituído de responsabilidade. Vivemos como se ainda vigorasse o Título 5, Capítulo primeiro, artigo 99 da Constituição de 1824. Sagrada, a pessoa presidencial não está sujeita a sérios questionamentos. Ela domestica, pela propaganda e controle dos recursos públicos, a soberania popular, distorce a representação do Parlamento. As duas ditaduras que marcaram o século anterior levaram ao paroxismo a distorção da máquina estatal. A Presidência brasileira é absolutista e propensa à ditadura. A lei da reeleição, as medidas provisórias que se eternizam, a prerrogativa de foro para agentes dos poderes definem alguns dos principais óbices para a democracia. E temos a sucessão de crise após crise, porque não existe limite efetivo para o Executivo. Se este último ignora barreiras, o mesmo tentam fazer os demais. Reaparece, surgida da indecisão jurídica nacional, outra fórmula cunhada por Carl Schmitt: política é o campo onde os inimigos são definidos. Inimigo harmônico é quimera, algo tão fantasioso quanto as leis no Estado brasileiro.

Filósofo, professor de ética e filosofia na Unicamp

Fonte: O Estado de S. Paulo

A revolução do tomate - Eliane Cantanhêde

O grande ausente das manifestações, vamos convir, foi o tomate. O confronto entre o aumento de preços e a corrupção foi a gota d'água que empurrou as pessoas às ruas e às portas dos palácios.

Como bem explicitou a Folha, os protestos são contra "tudo". Logo, não são contra a presidente Dilma Rousseff. Mas são também contra ela e o que representa, tanto que a marca da quinta-feira foi que os manifestantes chegaram perigosamente perto do Palácio do Planalto.

Dilma demorou demais a falar, demonstrou fraqueza ao correr para o colo de Lula e o pronunciamento de sexta-feira foi mais do mesmo quando presidentes se sentem sob pressão, em apuros.

Convocou um pacto nacional, prometeu reforma política, elogiou as manifestações democráticas, condenou os excessos e anunciou medidas que levam anos para ter resultados. Só faltou criar uma comissão.

A reação não resolve um grande problema de Dilma neste momento: a falta de discurso político.

Internamente, ela perde uma das principais armas para enfrentar o pibinho, a inflação, o aumento dos juros, a Bolsa despencando e o dólar insolente: os bons índices de emprego. Em meio à crise, passou quase despercebida a notícia de que a criação de vagas formais em maio é a menor em 21 anos. Isso, apesar de previsível, é demolidor sob o ponto de vista econômico e político.

Externamente, Dilma também perde a chance de repetir em futuras viagens internacionais, principalmente a Washington, em outubro, a arrogância de dizer que EUA, Alemanha e África do Sul, por exemplo, deveriam seguir a política econômica brasileira. Isso já era.

Falta muito tempo para a eleição, os aliados não têm saída e a oposição parece invisível. Mas não é à toa que manifestantes optam pelo voto quimera em Joaquim Barbosa. No fim das contas, Dilma continua favorita, mas ser reeleita só por exclusão não parece nada alvissareiro.

Fonte: Folha de S. Paulo

O Grande Evento - Dorrit Harazim

Terça-feira, 30 de outubro de 2007. Na sede da Fifa em Zurique, o Brasil fazia a última de suas cinco apresentações para sediar a Copa do Mundo de 2014. Nem era preciso tanto esforço. Diante da desistência da Colômbia, cinco meses antes, e da dissolução da candidatura conjunta Argentina-Chile, sobrava o Brasil como candidato único no sistema de rodízio por continentes, hoje sepultado.

Ainda assim, a delegação que fora apoiar a nossa candidatura era de peso. Tinha à frente o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, além do presidente da CBF Ricardo Teixeira, 12 governadores estaduais, o ministro do Esporte Orlando Silva, o senador Marconi Perillo, representando o Congresso Nacional, e Dunga, o técnico da seleção canarinho. Cada qual com sua respectiva comitiva, é claro. Além de dois "embaixadores" pinçados a dedo pelo entusiasmo à causa: o escritor Paulo Coelho e o atacante Romário.

A apresentação de Paulo Coelho, que saudara o presidente da Fifa Joseph Blatter com um cher ami , foi a mais aplaudida por fazer uma irreverente comparação entre a paixão brasileira por futebol e por sexo.

Ao final, por voto unânime dos 20 membros do Comitê Executivo, o Brasil foi confirmado. "O mundo terá a oportunidade de ver o que o povo brasileiro é capaz de fazer", festejou Lula para uma nação inebriada.

(Seis anos depois o povo mostraria a Lula e ao mundo o que é capaz de fazer.)

Na ocasião, Blatter assegurara que o Brasil era um candidato de qualificação garantida e, mesmo não havendo outros países no páreo, teria sido vetado se não tivesse se comprometido a cumprir as exigências estipuladas pela Fifa. Em tese, até meados de 2012 ainda poderia ter sido trocado por algum país-sede alternativo, caso o andamento das medidas acordadas não seguisse o curso necessário.

Mas, de arena em arena e com transparência zero nas contas, a coisa andou. Mudaram os protagonistas, mas os investimentos canalizados para este Brasil emergente nunca faltaram. Ainda duas semanas atrás, faltando 48 horas para a abertura da Copa das Confederações em Brasília, a presidente Dilma Rousseff inaugurou um moderníssimo centro de comando e monitoramento nacional de segurança.

O equipamento tem nome comprido, Sistema Integrado de Comando e Controle para Segurança de Grandes Eventos, e custo alto - R$ 1,1 bilhão. Apresentado como capaz de integrar todas as forças de segurança nas seis cidades-sede da Copa das Confederações, foi ativado simultaneamente em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. "Agora podemos dizer que a segurança durante a Copa das Confederações está garantida", afirmou a presidente durante a cerimônia. "Teremos condições tecnológicas para, no espaço de quilômetros, saber a pessoa que está cometendo delitos, e ter tudo filmado", complementou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, elencando a versatilidade do novo sistema.

No Rio de Janeiro, o telegênico Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) fora estreado semanas antes pelo governador Sérgio Cabral, a um custo de R$ 104,5 milhões. Tecnologia, ali, também não falta, a começar pelo já famoso telão de cinco metros de altura, 17 de comprimento e seus 98 monitores de LED. "Esse centro é um exemplo para o mundo, e a segurança pública ganha em qualidade. Terá papel central na articulação das seis cidades-sede na Copa das Confederações", assegurou o ministro Cardozo.

Só que parafernália tecnológica, sozinha, não articula, e se houve algo que as cidades brasileiras não ganharam ao longo da última semana foi segurança pública. Ademais, nem o mais moderno dos sistemas é programável para também alertar governantes a prestar atenção a movimentos como o Passe Livre. Nem a emitir boletins sobre o estado de calamidade dos serviços públicos da nação. Por terem falhado numa obrigação que é deles, os governantes agora estão perplexos.

Quanto aos milhões de brasileiros que permaneceram calados enquanto se construiu uma Copa sem prestação de contas transparentes, sem audiências públicas com apresentação de projetos, discussão de impasses ou debates de soluções, a hora de opinar começou. Na rua. Sem data para aquietar-se.

Até porque o próprio calendário dos Grandes Eventos lhes servirá de pauta - no mínimo até os Jogos Olímpicos do verão de 2016, no Rio.

Por ora, o movimento já conseguiu enxotar Joseph Blatter pelo menos por alguns dias. O presidente da Fifa, que estava no Brasil para a Copa das Confederações e só se desloca num séquito de automóveis de proporções pouco republicanas, viajou na noite de quarta-feira para participar da abertura do Mundial Sub-20 na Turquia. Paradoxalmente, porém, a hipótese, mesmo remotíssima, de a Fifa ter de suspender a continuação do evento no Brasil por "força maior" (leia-se, falta de segurança) deixaria uma marca de choque múltiplo no país.

Com tudo isso em mente, cabe aqui uma homenagem a Belisario Betancur, 53º presidente da Colômbia. Em 1972 o país fora escolhido sede da Copa do Mundo de 1986. Com doze anos de antecedência, portanto. Em 1982, ao ser empossado, Betancur não precisou de mais de dois meses no poder para concluir o óbvio: a Colômbia não tinha condições de sediar uma Copa. Comunicou sua decisão em pronunciamento brevíssimo à nação: "Como preservamos o bem público, como sabemos que o desperdício é imperdoável, anuncio a meus compatriotas que o Mundial de Futebol não se realizará na Colômbia, após consulta democrática sobre quais são as necessidades reais do país: não se cumpriu a regra de ouro segundo a qual a Copa deveria servir à Colômbia e não a Colômbia à multinacional da Copa. Aqui temos outras coisas para fazer e não teríamos sequer tempo para atender às extravagâncias da Fifa e de seus sócios. García Márquez nos compensa totalmente pelo que perderemos como vitrine sem o mundial de futebol."

Quatro dias antes, Gabriel García Márquez havia sido anunciado vencedor do Nobel de Literatura. O presidente da Fifa à época era o brasileiro João Havelange. A Copa de 1986 acabou sendo realizada no México.

Fonte: O Globo

Dilma sitiada - Denise Rothenburg

Há tempos um presidente da República não se vê em situação tão desfavorável, em que um fator negativo alimenta o outro, embaçando inclusive a paixão do brasileiro pelo futebol. Primeiro, a economia. O governo vem perdendo a batalha da comunicação de que os indicadores vão bem. Até porque, o mesmo ministro Guido Mantega que passou os últimos anos cantando Produtos Internos Brutos mais atraentes, mas não confirmados, é quem dá as boas novas da inflação em queda. Para completar, na sexta-feira, os dados de emprego dão sinais de arrefecimento em relação ao mesmo mês do ano passado.

Esses ingredientes econômicos ajudaram a alimentar a insatisfação dos brasileiros, ao ponto de levar muitos às ruas. Aliás, o estopim, vale lembrar, foi o já resolvido aumento das passagens de ônibus nos grandes centros, como São Paulo. As tarifas voltaram ao patamar anterior, mas a catarse coletiva não cessou. Ao contrário. O que se viu ao longo da última semana foi uma paralisação geral do país ao pôr do sol. O ritual da "hora da manifestação" continua.

Talvez o vandalismo registrado na semana passada por grupos de bandidos organizados para tumultuar e saquear tire parte das pessoas das ruas, mas, por enquanto, não há essa disposição de pôr fim às manifestações. Essas passeatas por serviços de qualidade estão tão na moda entre jovens quanto estava nos anos 1960 lutar contra a ditadura militar. E, com os movimentos de rua, o comércio fecha as portas mais cedo e a imagem do Brasil no exterior fica embaçada. Daí à queda dos tais "investments grades" (graus de investimento) é questão de tempo. E tome-lhe mais vento para reforçar o tornado das ruas.

O desafio de Dilma, que até aqui não tinha enfrentado posições desfavoráveis, e do PT agora é sair desse redemoinho. À primeira vista, a carta de intenções lançada pelo pronunciamento da última sexta-feira foi positivo. Mas executá-lo em meio às barreiras da economia e da própria política é que é o nó. E nada indica, até agora, que Dilma terá a faca e o queijo em mãos para aproximar o discurso da prática.

O caso dos royalties do petróleo para a educação é um exemplo. Mais uma vez, o governo corre o risco de produzir uma expectativa que não terá efeito tão cedo, como ocorre hoje com o tal legado da Copa. Isso porque as propostas em discussão no Congresso sobre esse tema indicam que só serão canalizados para o ensino os royalties futuros. Alguns estudos já feitos mostram que passarão alguns anos até se extrair o óleo e deixar em ponto de pagamento esses royalties.

Enquanto isso, na política...

A tal "oxigenação do sistema político" é outro ponto que se traduz em anos-luz e dificuldades. Há quem diga no parlamento que esse tema só vai para frente o dia em que houver um Congresso constituinte exclusivo para esse fim. Mas, enquanto esse Congresso não vem, a cidadania cantada por Dilma em seu discurso virá pela própria sociedade civil organizada, e não vai demorar. Amanhã, o juiz Marlon Reis, autor do projeto da Lei da Ficha Limpa, estará em Brasília justamente para encaminhar essa proposta por iniciativa popular. "O que vemos hoje nas ruas é o grito dos excluídos, aqueles que não se sentem representados. São várias as petições da sociedade que ficaram sem resposta. Esse somatório produziu o que estamos vendo nas cidades brasileira. A relação do mandato parlamentar hoje é muito mais forte com o capital do que com a sociedade", afirma ele.

E nos partidos...

A tal oxigenação também se mostra presente na base política do governo. No pronunciamento de sexta-feira, por exemplo, muitos se lembraram do governo Sarney, em especial, pelo uso da palavra "pacto" e do bordão "brasileiras e brasileiros" que o ex-presidente sempre usava em suas falas à nação. Foi assim depois do "badernaço" de novembro de 1986, quando o governo colocou o Plano Cruzado a perder por conta do reajuste de tarifas que havia adiado a fim de dar a vitória ao PMDB. Dessa vez, governos estaduais e municipais também evitaram aumento de tarifas de ônibus antes, por causa das eleições municipais e da conversa de Dilma com os empresários, ocorridas em janeiro. Mais uma vez, a história parece se repetir.

Talvez Sarney tenha sido um presidente tão sitiado quanto Dilma está sendo agora, naquele período de fracasso do cruzado. E nem tinha um Lula para ajudar. Lula, aliás, estava do outro lado, gritando "fora, Sarney". O fim daquele período foi o então presidente, hoje aliado do PT, criticado por todos os lados, sem perspectiva de fazer o sucessor. Se a atual presidente terá o mesmo destino, vai depender da sua capacidade de romper esse ciclo de as manifestações retroalimentarem a crise econômica e vice-versa.

Fonte: Correio Braziliense