sábado, 13 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Marina Silva: simbolismo, civilizatório

Tenho a esperança de que, no Brasil, consigamos viver a transição civilizatória --que já se iniciou-- com alternativas menos conflituosas que levem mais à renovação do que à ruptura, embora saiba que uma combinação de ambas é inevitável e necessária.

Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do meio ambiente. In “Os sem-gesto”, Folha De S. Paulo, 12/7/2013.

A mudez das ruas

Quando foram engolidos pelos protestos de junho, governo e PT sonharam com uma reação que também viesse das ruas. Ainda no auge das manifestações, anunciaram que poriam os que os apoiam para marchar e lotar praças e avenidas. Este dia chegou, mas o que se viu ontem nas principais cidades do país aproximou-se muito mais de um retumbante fiasco.

O "Dia Nacional de Lutas” foi convocado pelas centrais sindicais, as mesmas que, ao longo destes últimos dez anos, vêm sendo acolhidas no seio do poder. As lideranças petistas viram nas manifestações agendadas pelos sindicalistas uma forma de também mostrar seu suposto poderio e capacidade de mobilização. Queriam lotar as ruas de bandeiras e estrelas vermelhas.

Gente como o ex-presidente Lula e José Dirceu se movimentou para mostrar as garras e pôr a militância para marchar. Queriam demonstrar que ainda têm as rédeas da situação. A aproximação e a adesão à jornada de manifestações chegaram a ser formalizadas, na semana passada, pela própria Executiva Nacional do PT.

Em nota oficial, o comando petista conclamou os militantes "a que assumam decididamente a participação nas manifestações de rua em todo o país, em particular no Dia Nacional de Luta com Greves e Mobilizações convocada por ampla coalizão de centrais sindicais e movimentos populares para o próximo dia 11 de julho, em defesa da pauta da classe trabalhadora para o país e da Reforma Política com Participação Popular”.

Os petistas talvez tenham imaginado que conseguiriam produzir o que Fernando Collor tentou em 1992 e não teve sucesso. O então presidente pediu que os brasileiros saíssem de casa trajando verde e amarelo, mas ganhou em resposta ruas tomadas de cidadãos vestidos de preto. A expectativa dos atuais governistas talvez fosse ver o vermelho predominando ontem. Mas o que se viu foi cor alguma.

É possível que agora os petistas tentem se desvencilhar do fiasco de ontem. Mas a verdade é que até ex-ministro do governo Lula estava nas manifestações. A página do partido na internet também está repleta de notícias dando vivas ao movimento. Centrais como a CUT e movimentos alinhados ao governo, como o MST e a UNE, até foram para as ruas, como prometeram, mas não encontraram eco no resto da população.

"Os brados de guerra dos líderes não encontravam repercussão na plateia. A maioria das pessoas não prestava atenção, não aplaudia, não vaiava, não puxava refrões. A exceção eram pequenas claques, que erguiam bandeiras quando seu presidente falava”, resumiu O Estado de S.Paulo, na mais completa tradução das manifestações de ontem.

No "dia de lutas”, ficou mais uma vez patente a distância entre o que os petistas pretendem e o que realmente os brasileiros clamam. Entre as bandeiras empunhadas pelos governistas ontem estavam o plebiscito para a reforma política e a aprovação de um marco regulatório da mídia, temas que o PT não se cansa de defender e que só servem mesmo ao seu projeto de poder.

Desde os protestos de junho, também o governo de Dilma Rousseff vem tentando tomar as rédeas da situação. Ativou sua máquina de criar fatos para pôr a presidente da República dia sim, dia também na televisão anunciando medidas, marteladas em seguida por inserções publicitárias pagas a peso de ouro. De concreto, porém, seus "pactos” não produziram mais que fracassos.

O que tem se visto nestas últimas semanas – e que ontem ficou definitivamente evidenciado – é que o governo Dilma, o PT e os seus satélites respondem de maneira envelhecida a uma situação nova. É o arcaico tentando se contrapor ao contemporâneo. Movimentos que passaram mais de uma década entorpecidos pelo poder e grupos devotados apenas a se manter no comando do país têm pouca chance de seduzir quem está farto do que aí está.

Carta de Formulação e Mobilização Política # 734 - Sexta-feira, 12 de julho de 2013

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

Fracasso de novo partido faz Serra buscar opções para disputar eleição

Daniela Lima

SÃO PAULO - Com o fracasso da operação para criar uma nova legenda de oposição a partir da fusão do PPS com o PMN, o ex-governador José Serra, hoje no PSDB, estuda outras alternativas para sair candidato à Presidência em 2014.

Até então, o partido que nasceria da união do PPS com o PMN, a natimorta MD, seria o destino mais provável para uma candidatura de Serra. O ex-governador está sem espaço no PSDB, já que os tucanos estão praticamente fechados em torno do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Como o PMN desistiu da fusão, o ex-governador passou a estudar uma série de cenários, que incluem desde permanecer em seu partido e, à frente, aguardar a chance de disputar internamente a candidatura com Aécio, até trocar o PSDB pelo PPS, presidido por seu amigo, o deputado federal Roberto Freire.

"O PPS já havia convidado o Serra antes de anunciar qualquer fusão. Portanto, o convite a ele está mantido. Nada mudou", afirma Freire.

Fora do país, o ex-governador conversou ontem com Freire pelo telefone. "Ele demonstrou preocupação com o problema da MD, assim como todos os que torcem para fortalecer a oposição", disse.

Na prática, para Serra, o principal problema causado pelo naufrágio da fusão é que, se decidir sair, terá de deixar o PSDB sozinho.

A criação de uma nova legenda abriria uma janela na lei da fidelidade partidária que permitiria aos deputados e vereadores aliados de Serra deixarem o PSDB sem risco de perda do mandato. Sem a criação da MD, essa possibilidade não existe.

O ex-governador, no entanto, poderia migrar sozinho para o PPS e fazer uma aliança com o PSDB de São Paulo, para a eleição de Geraldo Alckmin ao governo, dividindo o palanque de Aécio no maior Estado do país.
Aliados de Serra já apontam, inclusive, o argumento que o tucano usará, se decidir sair. Dirá que, lançando candidatura, não divide, mas fortalece a oposição. Nessa lógica, quanto mais candidatos forem contra a presidente Dilma Rousseff, mais chances de um segundo turno.

Entre os serristas há ainda quem pregue uma reaproximação com o ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD. O problema é que, hoje, Kassab está com Dilma.

Protestos

Foi a onda de insatisfação popular que ganhou as ruas do país com centenas de protestos em junho que reacendeu a esperança de Serra.

Logo no início dos protestos, ele se reuniu com um de seus colaboradores, o marqueteiro Luiz González, e pediu análises sobre uma candidatura presidencial.

González lhe disse que, até ali, não via chance de sucesso para Serra, dado o desgaste das últimas derrotas eleitorais. Fez, no entanto, uma ressalva: disse que, se o país mergulhasse em uma "grande crise", com frustração econômica e insatisfação social, haveria uma chance de o eleitor buscar "um porto seguro".

Apenas nesse cenário, avaliou, Serra poderia representar uma alternativa, dada sua experiência administrativa.

Desde essa conversa, os protestos atingiram seu ápice e a avaliação da presidente Dilma Rousseff desabou. Serra, então, passou a disputar protagonismo como voz de oposição.

Fonte: Folha de S. Paulo

"Está em aberto o espaço de quem será a mudança", diz Campos

Eduardo mantém nome em novo recado político

Pedro Romero

BELO JARDIM (PE) - Em passagem por este município no Agreste pernambucano, o governador Eduardo Campos (PSB) afirmou, ontem, que "o espaço para quem vai representar a esperança de um Brasil melhor" nas próximas eleições presidenciais (2014) está em aberto. Para o socialista, potencial candidato à Presidência da República, as manifestações ocorridas nos últimos 40 dias mudaram a situação política do País e deixaram o processo eleitoral à espera de quem possa dar respostas aos anseios do povo.

"O espaço para quem vai representar a esperança de dias melhores, as mudanças, está em aberto. Quem imaginaria, há 40 dias, que a situação política iria mudar tanto, com as manifestações que aconteceram?", afirmou Eduardo Campos.

Embora enfatizando que o momento é de trabalhar para vencer 2013, o governador aproveitou para alfinetar a presidente Dilma Rousseff (PT), afirmando que a União precisa dar respostas aos anseios da população.

"É hora de cuidar da economia, botar o Brasil para crescer. O governo federal precisa colocar mais dinheiro na saúde. A tabela paga pelo SUS está congelada há dez anos e assim não se pode oferecer um serviço de qualidade à população. Precisamos de respostas objetivas", atacou o governador e presidenciável pelo PSB.

Indagado se não era a hora de ele aproveitar "o cavalo que estaria passando selado", o governador socialista respondeu, bem humorado, que "em 2014 a gente vê como está o cavalo". Ele acrescentou que a resposta - sobre a eleição presidencial - vai depender do que for melhor para Pernambuco e para o Brasil.

O governador lembrou que já alertou a presidente Dilma sobre as insatisfações. "Tínhamos esses sinais (de insatisfações) e eu disse isso a ela. Alertei que a base de sustentação do governo estava ultrapassada. Disse, no programa do PSB (na TV), que o Brasil queria mais. E pouco depois a população mostrou isso nas ruas. Agora, o voto do povo vai exigir essas mudanças", pontuou.

Para Eduardo, não é hora de ficar torcendo contra, mas de cada um fazer sua parte para ajudar a presidente. "Temos que juntar forças. Todos nós temos que ouvir mais o povo. Não só ouvir, mas fazer. Temos uma pauta concreta, a da saúde. Precisamos, por exemplo, melhorar o atendimento na média complexidade".

Ele também considerou natural que o PT insista na questão da aprovação de um plebiscito.

As declarações foram dadas em visita a esta cidade do Agreste, onde o governador assinou ordens de serviços para a realização de várias obras, entre elas a escola técnica estadual Edson Moura. À tarde, Eduardo visitou a fábrica de baterias Moura.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

PF diz que não houve crime em boatos do Bolsa Família

A Policia Federal concluiu que o boato sobre o cancelamento do Bolsa Família, que em maio causou tumulto em agências da Caixa, se espalhou de forma "espontânea". Disse ainda que a antecipação do pagamento do beneficio pela Caixa ajudou a provocar o problema. À época, ministros falaram em "orquestração" e a presidente Dilma Rousseff chamou o episódio de "criminoso".

Comunicado da PF: "Conclui-se, assim, pela inexistência de elementos que possam configurar crime ou contravenção penal".

Boato do Bolsa Família foi ‘espontâneo’

A Polícia Federal concluiu ontem que o boato sobre o cancelamento do Bolsa Família, que em maio causou tumulto em agências da Caixa Econômica Federal e em lotéricas do Nordeste e da Baixada Fluminense, se espalhou de forma “espontânea”, sem uma articulação criminosa. Os agentes afirmam ainda que a antecipação do pagamento do benefício feito pelo banco naquele mês ajudou a causar toda a confusão.

O fim da investigação derruba a interpretação da ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, que escreveu na sua conta no Twitter que a notícia falsa devia ser da “central de notícias da oposição”. Em tom menos incisivo, o ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, sugeriu que a confusão foi “orquestrada”. A presidente Dilma Rousseff chegou a classificar o episódio como “criminoso”.

“Conclui-se pela inexistência de elementos que possam configurar crime ou contravenção penal”, afirma o comunicado de ontem da Polícia Federal Maria do Rosário, Cardozo e Dilma não haviam comentado o assunto até a conclusão desta edição.

A investigação durou 54 dias. Os agentes da Divisão de Crimes Cibernéticos ouviram 64 gerentes da Caixa e 1S0 pessoas que souberam do boato por telefone e pela internet nos Estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio. Os agentes federais perceberam que o maior número de saques das contas no final de semana de maio que ocorreu a série de tumultos foi registrado nas agências da Caixa em Ipu, no Ceará, e Cajazeiras, na Paraíba.

“Entre os motivos que levaram os demais beneficiários às j agências bancárias, constam a ciência da antecipação do pagamento por motivos diversos, a informação de um possível adicional em virtude do dia das mães e a notícia de um suposto cancelamento do programa, respectivamente”, afirma a nota.

Na sexta-feira do dia 17 de maio, a Caixa antecipou, por questões de ordem técnica, o pagamento de beneficiários que só viriam a receber no decorrer do rosto do mês - o repasse mensal do Bolsa Família é escalonado.

A assessoria de imprensa da Polida Federal ressaltou, no começo da noite, que aos agentes coube avaliar só se houve configuração de crime, e não uma posroá gestão do banco.

Durante a investigação, os agentes identificarei m que uma postagem em uma rede social feita pela filha de uma beneficiária da cidade de Cajazeíras foi a primeira, menção na internet sobre o assunto.

A mensagem informou apenas que a mãe da internauta tinha antecipado o saque. A polícia afirma que, no geral, “a internet e as redes sociais apenas reproduziram notícias veiculadas pela imprensa sobre os tumultos em agências bancárias"".

Os agentes também descartaram a utilização de rádios comunitárias, telemarketing ou empresa contratada para disseminar os boatos. Ao longo da investigação, fontes da polícia e do governo chegaram a propagar que uma empresa de telemarketing do Rio foi a origem do boato de cancelamento. A partir daí agentes suspeitaram de urna estratégia eleitoral de um grupo para atacar o governo, o que não veio a se configurar.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Oposição quer processar ministra que fez acusações

O deputado Ronaldo Casado (DEM-GO) disse ontem que pedirá à Comissão de Ética da Presidência da República ao Conselho de Ética da Câmara a abertura de um processo contra a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos.

Caiado avalia que a ministra, que é deputada licenciada, não poderia fazer acusações contra opositores por causa do episódio de maio, Maria do Rosário não comentou o caso ontem.

Em nota, o senador Álvaro Días-(PSDB-PR) afirmou que o resultado do inquérito mostra que o governo Dilma Roussef "‘caminha de braços dados com a impunidade”, Ele cisse que a investigação terminou em “pizza”.

Outro tucano, o senador Aloysio Ferreira (SP), disse que ficou evidente a culpa do do presidente da Caixa, Jorge Hereda e de sua diretoria. O presidente do PT, Rui Falcão e a ministra Maria do Rosário acusaram a oposição. O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, e Dilma Rousseff gritaram: "É crime" Tudo isso foi lorota para encobrir a irresponsabilidade doidivanas dos hierarcas petistas instalados na cúpula da instituição.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Brasil nas ruas: Anistia alerta sobre PM

A Anistia Internacional chamou de "violenta e excessiva” a reação da PM do Rio aos atos de vandalismo nas manifestações que terminaram com 46 pessoas detidas. Governo diz que investiga grupos de vândalos. Apesar da baixa adesão, sindicatos dizem que atos foram um sucesso

Anistia critica violência da PM e acende discussão sobre o tema

Polícia diz que está investigando grupo de vândalos que age no Rio

A reação da Anistia Internacional às imagens de confrontos que transformaram em praça de guerra as cercanias do Palácio Guanabara, sede do governo do estado, em Laranjeiras, levantou uma discussão sobre a atuação da PM nos protestos ocorridos no Rio. Em nota, o diretor executivo da instituição, Átila Roque, definiu a reação da polícia como "violenta e excessiva". Ele disse ainda que a polícia "atuou, mais uma vez, movida apenas pelo desejo de reprimir os manifestantes, com uso absolutamente abusivo e desproporcional da força".

No texto, o representante da Anistia Internacional no Brasil disse ter visto a polícia perseguir pessoas pelas ruas de Laranjeiras e Flamengo, encurralar grupos, atacar hospitais e bares com balas de borracha e gás lacrimogêneo. "Algo inacreditável".

As ações violentas desencadeadas por pequenos grupos, somadas ao forte revide da polícia, acabam trazendo sempre o mesmo resultado: confronto e depredação do patrimônio público, sem que se faça uma distinção entre os manifestantes.

- Há diferentes grupos violentos, os pré-políticos, que não têm propostas, e os políticos, que realmente defendem um confronto com o Estado. O primeiro é o indivíduo psicologicamente perturbado que age envolvido pela multidão, e isso ocorre em qualquer tipo de aglomeração social. Há os anarquistas, dos quais fariam parte os Black Blocs, que consideram o Estado opressor, e por isso têm a necessidade de marcar um conflito. Esse grupo tem um comportamento mais teatral. Mas são motivos políticos; essas pessoas não são loucas - explica Manuel Sanches, professor do IFCS.

Nos confrontos registrados no Centro na noite de quinta-feira, foram encontrados com um grupo caixas com coquetéis molotov. Manifestantes se dividem sobre o tema da violência em protestos. Para Pablo Mendelbaum, um dos criadores do evento no Facebook "Impeachment Sérgio Cabral, improbidade administrativa e violência policial", o uso da violência por civis é uma reação à truculência policial:

- A partir do momento em que vou a uma manifestação pacífica e recebo violência do Estado, a reação é uma ação de legítima defesa. Quando não há diálogo, não há o que fazer. A gente não tem canal com a polícia, não há retorno, não há investigação sobre abusos. Como cobrar que sejamos pacíficos quando o estado, que tem o monopólio da violência, não investiga?

De acordo com a polícia, no entanto, as ações violentas são sempre desencadeadas por um grupo infiltrado entre os manifestantes pacíficos.

A tradutora Natasha Zadorosny, que participou de grande parte dos protestos em junho, o uso da violência faz com que os manifestantes percam a razão:

- Defendo uma manifestação completamente pacífica, fiquei apavorada no protesto de segunda (17/06) quando picharam o Paço Imperial. Doeu de ver. A grande força é o volume de pessoas nas ruas.

Cabral critica excessos

Ontem, o governador Sérgio Cabral disse que tanto a violência da polícia quanto a dos manifestantes deve ser rejeitada:

- Não é assim que se faz oposição, não é atacando palácios, é debatendo. Essa oposição que veio para cá ontem (quinta-feira) não respeita o jogo democrático, o debate, o diálogo.

De acordo com a Polícia Militar, 46 pessoas foram detidas nos protestos de anteontem. A Polícia Civil informou que o grupo Black Blocs e outras pessoas estão sendo investigadas.

- Sou radicalmente contra a violência. Movimentos pacíficos têm o poder e vigor de pressionar os governos. Essa violência tem aparecido de forma proposital, são grupos organizados. Isso desperta um pavor nas pessoas. Nunca vimos lojas e bancos fecharem, colocarem tapumes. Nem os anarquistas fariam isso, eles sempre mostraram a cara - disse Darby Igayara, presidente da CUT-RJ.

Fonte: O Globo

Centrais negam que estejam defasadas para manifestações

Adesão modesta aos atos de anteontem não é vista como problema, mas líder da CUT admite que é preciso "uma autocrítica".

Ricardo Chapola

Mesmo após a baixa adesão popular ao Dia Nacional de Lutas, líderes das centrais sindicais defenderam ontem a força de mobilização dos sindicatos para promover manifestações de rua, Anteontem, 105 mil pessoas participaram da série de protestos ocorridos pelo País, volume bem menor que os atos espontâneos iniciados no dia 6 de junho e propagados pelas redes sociais. As centrais negam que estejam "defasadas" em seus métodos.

"Não são defasados. E nós usamos também a internet", afirmou o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah. "O caminhão de som é emblemático. Ele pode significar o passado, mas nós o utilizamos como instrumento. Mas acoplado a toda a tecnologia mais avançada que tem no mundo."

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, afirmou que não se comparam "instituições com instrumentos", mas disse que as centrais sindicais ainda tem poder de mobilização. "Anteontem nós movimentamos o Brasil todo", destacou.

Em um encontro no mês passado, um representante das centrais disse com o microfone aberto da plenária que "a internet não decide quando vai se fazer greve". Era uma crítica ao modelo sem líderes que o Movimento Passe Livre (MPL), por exemplo, usou para divulgar os protestos contra o aumento das tarifas de transporte público em junho - e que chegou a levar 30 mil pessoas para a Avenida Paulista. Na quinta-feira, segundo a Polícia Militar de São Paulo, havia 7 mil pessoas na Paulista 110 pico da manifestação. Os organizadores falaram em 20 mil A Força usou o termo "milhões".

O presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT-SP), Adi dos Santos Lima, reconheceu falhas de representatividade das centrais e disse que a estrutura atual precisa ser revista.

"É evidente que os sindicatos precisam fazer uma autocrítica em relação à comunicação com a juventude", afirmou.

Em reunião na manhã de ontem, as centrais prometeram fazer um novo protesto no dia 30 de agosto, em Brasília, caso o governo não abra negociações com a categoria sobre a pauta trabalhista que entregue à presidente Dilma Rousseff em março. "Se nos enrolar, já está marcado. Aí sim, um ato com outra dimensão, diferente do de ontem", afirmou Patah.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Empregados, petistas não fazem mais greve

Para o presidente do PT, Rui Falcão, presença de militantes foi tímida porque eles estão empregados

PT diz que militantes não foram às ruas porque agora estão empregados

Mas petistas históricos avaliam que partido se transformou em "máquina eleitoral"

Thiago Herdy

SÃO PAULO - O presidente nacional do PT, Rui Falcão, minimizou ontem a baixa participação de petistas nas manifestações convocadas pelas centrais sindicais em São Paulo, atribuindo a ausência à indisponibilidade de militantes para participar, apesar da convocação feita pelo partido.

- A militância participa no limite da sua disponibilidade. Tem muita gente que, felizmente, está empregada agora depois de 10 anos do governo Lula. (A manifestação) Foi durante a semana, não era feriado, boa parte da nossa militância está empregada - ironizou o dirigente, que admitiu não ter ido ao ato para "não se expor", por sugestão dos próprios sindicalistas.

Ontem, petistas históricos e simpatizantes lamentaram a discreta participação nos atos em São Paulo, berço do partido e espaço de constante participação da sigla no passado.

O sociólogo Chico de Oliveira, fundador do PT, acredita que a ausência mostra como o partido "se burocratizou e se transformou em máquina eleitoral e política, no lugar de partido da transformação".

Preço da "modernização"

Para Chico de Oliveira, o partido paga o preço de sua "modernização" e não tem mais condições de mobilizar as massas para ocupar as ruas, assim como outros partidos.

- Os movimentos de massa foram muito importantes na História do Brasil, no combate à ditadura, em especial, mas não é preciso ficar tentando fazer de novo daquele jeito. É no Congresso que os partidos políticos precisam se revitalizar - diz o sociólogo, para quem o país segue a partir de agora tendência observada nos EUA e na Europa, onde a participação política se dá cada vez menos nas ruas.

Um dos únicos a levar sua bandeira com a estrela do PT na manifestação de quinta-feira, o petista Markus Stokol discorda de Oliveira.

- O PT só tem sentido como partido se corresponder a seu propósito fundador, de subordinar toda sua participação no plano institucional ao movimento de massas popular, com objetivo de transformar o Estado. Ele precisa expressar a identidade da classe trabalhadora. Esse papel não pode ser confinado no Parlamento ou no Executivo - diz Stokol, para quem o partido corre o risco de se dissolver ao perder sua capacidade de se mobilização:

- É preciso mais compromisso com as reivindicações do povo, o governo é um instrumento, não um fim em si mesmo.

Para Frei Chico, irmão do ex-presidente Lula e responsável por sua filiação ao PT, é hora de a esquerda repensar sua atuação:

- Quem militou na esquerda tem que aprender a fazer autocrítica, tem que reconhecer que está errando em alguma coisa. Está todo mundo achando que é dono da verdade, que acabou, e isso não é certo. Só posso falar que estão todos desgastados nessa história.

Fonte: O Globo

PIB aponta para recessão

Queda de 1,4% em maio é o pior resultado desde 2008, quando o mundo entrou em crise. A equipe econômica, no entanto, mantém previsão de 3% de crescimento este ano

Recessão a caminho

Prévia do PIB, calculada pelo Banco Central, cai 1,4% em maio. É o pior resultado desde dezembro de 2008, quando o mundo ruiu

Simone Kafruni

Os indicadores de atividade dão sinais cada vez mais claros de que a economia brasileira se aproxima de uma recessão, ainda que leve e passageira. Ontem, essa hipótese foi reforçada pelo Banco Central, que registrou, em maio, retração de 1,4% no Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o maior tombo mensal desde dezembro de 2008, quando o Brasil sentiu o impacto do estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. Naquele mês, a queda foi de 4,3% e o país mergulhou na recessão, como quase todo o mundo.

Mesmo pessimista, nem o mercado acreditava em um recuo tão grande do IBC-Br em maio. Os analistas apostavam em retração de, no máximo, 1,2%. Com o resultado captado pelo BC, no acumulado de 12 meses, o indicador aponta alta de 1,89%, sinalizando que o Brasil terá de conviver com pibinhos por um bom período. Nas contas dos especialistas, tudo leva a crer que, no segundo trimestre do ano, o PIB oficial, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avançou entre 0,5% e 0,8%, abaixo, portanto, da estimativa de 1% alardeada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. A se confirmar mais esse resultado fraco — entre janeiro e março, o salto foi de frustrante 0,6% —, o crescimento da economia neste ano será inferior a 2%, mais para 1,5% do que para 1,8%. Mantega, porém, manterá o discurso de que é possível um incremento de 3%.

A queda no IBC-Br ocorreu um mês depois de o BC iniciar o ciclo de alta dos juros, com o objetivo de combater a disparada da inflação, que, em março, havia estourado o teto da meta de 6,5%. Em abril, a taxa básica (Selic) passou de 7,25% para 7,5% ao ano e, em maio, atingiu 8%. Nesta semana, com os juros pulando para 8,5% ao ano, o mercado sacramentou que o governo tinha perdido a guerra para o crescimento do PIB deste ano. O objetivo do arrocho monetário, agora, é tentar salvar 2014, quando a presidente Dilma Rousseff buscará a reeleição. Mas os especialistas veem um ano ainda mais difícil do que 2013, com PIB minguado, inflação na casa dos 6% e desemprego em alta.

Confusão

As mudanças bruscas dos indicadores, sempre para pior, têm assustado os analistas e técnicos do governo. “Nossa aposta era de avanço de 2,2% para o PIB neste ano. Mas esse número, agora, adquiriu viés de baixa. Estou ressabiado em fazer uma análise para o segundo trimestre, porque a confusão é tanta que está difícil entender os indicadores”, disse José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Na avaliação do economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank (BES), Jankiel Santos, independentemente da instabilidade dos números, o certo é que o IBC-Br “jogou um balde de água fria em todo mundo”.

Para os analistas, tudo está pesando contra a economia brasileira. Não bastasse o mercado externo estar ruim, com a Europa ainda em recessão, a China desacelerando rapidamente e os Estados Unidos se recuperando a passos lentos, há uma desconfiança generalizada em relação ao governo, que tem cometido uma sucessão de erros — o mais grave deles, ter sido leniente no combate à inflação que corroeu o poder de compra das famílias já muito endividadas. As empresas suspenderam os investimentos produtivos, o dólar disparou, criando mais pressões sobre o custo de vida, e as contas públicas estão desmoralizadas. “Em meio a tudo isso, a indústria caiu 2% em maio e as vendas do varejo ficaram estagnadas”, disse o economista-chefe do INVX Global, Eduardo Velho.

Fonte: Correio Braziliense

Nó do crescimento: As promessas não cumpridas de Dilma

Baixar juros, não fazer malabarismos fiscais e investir em infraestrutura são promessas não concretizadas na economia

Promessas não cumpridas

Com retomada da alta dos juros, economistas questionam qual será a marca do governo Dilma

Clarice Spitz, Roberta Scrivano

RIO E SÃO PAULO - Na véspera do dia 1º de maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff foi à TV para anunciar a batalha contra os juros altos, na época em 9% ao ano. Usou palavras duras para criticar os bancos, e sua determinação foi motivo de elogios entre aliados. Pouco mais de um ano depois, o cenário mudou. A inflação disseminada e resistente - que já superou o teto da meta de 6,5% duas vezes neste ano - levou o Banco Central a iniciar um ciclo de alta dos juros com três aumentos seguidos na Selic. E a maioria do mercado já aposta que a taxa encerrará 2013 a 9,25% ao ano.

Economistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que a bandeira dos juros baixos não foi a única promessa a ficar para trás. Eleita com uma campanha focada no perfil de de gestora eficiente, a presidente se tornou alvo da cobrança por resultados. Os investimentos não deslancharam apesar dos incentivos tributários à indústria. A taxa de investimento considerada ótima pelo próprio governo, de 24% a 25% do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos no país) não foi alcançada. No primeiro trimestre deste ano ficou em 18,4% do PIB. Métodos heterodoxos nas contas públicas - a contabilidade criativa - foram um dos principais fatores que levaram a agência de classificação de risco Standard & Poor"s a ameaçar rebaixar o rating do Brasil, com uma perspectiva negativa. O avanço da inflação, que nos 12 meses encerrados em junho chega a 6,7%, e a acomodação do mercado de trabalho têm feito a renda do trabalhador crescer cada vez menos.

Diagnóstico falho

Mesmo economistas que destacam a importância da queda dos juros promovida nos dois primeiros anos de governo afirmam que Dilma não foi capaz de impulsionar o investimento:

- Ela fez um grande esforço, mas não conseguiu reativar a taxa de investimento no Brasil - afirma o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES.

Para Felipe Salto, analista da Tendências Consultoria, faltou planejamento:

- O governo quis baixar os juros na marra, mas o problema era de confiança, ou seja, de incluir a iniciativa privada nas discussões de investimento.

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, tem avaliação similar e aponta o diagnóstico equivocado do governo quanto ao cenário macroeconômico como um dos principais responsáveis pelo pessimismo na economia. Analistas de mercado esperam que o país cresça apenas 2,34% este ano, e as previsões para o próximo ano já apontam uma expansão inferior a 3%.

- Ela conseguiu baixar os juros e subir com a inflação. Faltou um diagnóstico claro a respeito do cenário macroeconômico, que o limite de crescimento estava no lado da oferta.

Um dos efeitos indesejados da redução dos juros foi a volta da inflação a níveis que ultrapassam o teto da meta. No dia 8 de março deste ano, Dilma voltou à TV para anunciar a desoneração da cesta básica. A medida, de amplo apelo popular, não surtiu o efeito esperado. O governo dava como certo que a inflação de alimentos, que estava no patamar de dois dígitos, cairia imediatamente. Só começou a ceder em maio, depois de subir 13,99% até abril e consagrar o tomate como vilão da alta de preços.

Contabilidade criativa

Os problemas de gestão não se restringem aos índices de preços. Um dos pontos mais sensíveis na avaliação de especialistas é a gestão das contas públicas. Parte dos economistas afirma que o governo só será capaz de cumprir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de 2,3% do PIB, com o auxílio de manobras contábeis.

- Com a contabilidade criativa, qualquer superávit primário pode ser alcançado. A imagem que esse governo tem deixado é justamente a da falta de gestão e da desestruturação do sistema tributário - explicou Fernando Zilveti, professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Até mesmo a melhoria da infraestrutura, uma das principais promessas de Dilma, foi alvo de estratégias consideradas equivocadas pelos especialistas. Além de alterar alguns dos principais marcos regulatórios do país - o que tradicionalmente tem efeito negativo sobre os investidores - os projetos contam com atrasos significativos. Entre eles, a concessão de ferrovias, rodovias e energia elétrica.

Especialistas em infraestrutura têm dificuldade em apontar projetos prontos ao longo dos dois anos e meio do governo. Fernando Heil Martins, sócio da consultoria Bain&Company, lembra da concessão dos aeroportos de Viracopos (Campinas), Guarulhos (SP) e Brasília.

- Essas concessões foram feitas em tempo recorde. Isso foi bom, mas ocorreu também por conta de uma pressão de prazos por conta da Copa do Mundo. Vamos ver se as concessões de Galeão (RJ) e Confins (MG) sairão. Aí sim poderemos colocar isso como um feito do governo - pontuou.

As críticas incluem até mesmo o perfil de atuação da presidente, considerada excessivamente centralizadora. Além disso, a comunicação com o mercado também necessita de ajustes, segundo os analistas.

- O governo se comunica muito mal. Há excessos de interlocutores e não há uma mensagem clara. A falta de confiança dos empresários se deve a erros na condução da política fiscal e econômica, como as manobras contábeis para se alcançar o superávit fiscal - afirma Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP.

Redução da pobreza

O professor da FEA-USP Paulo Roberto Feldmann considera pouco moderno o modelo de administração do governo Dilma, com seus 39 ministérios:

- Falta nesse governo uma reforma administrativa para agilidade e eficiência. Enxugar os ministérios e as estatais indicaria que o governo está comprometido com a modernidade, com o combate à inflação e com as metas do primário - afirma.

O ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Ipea, Marcelo Néri, defende que o governo Dilma seja lembrado pelos ganhos trabalhistas e pelo aumento de renda. Segundo ele, de 2003 a 2011 a pobreza caiu 57,8%, e a renda dos 10% mais pobres avançou 768% em termos reais per capita . O economista reconhece, no entanto, que a inflação e o pleno emprego têm afetado o ritmo de ganhos em 2013. Enquanto a renda média per capita real subiu 5,1% em 2012, em maio deste ano, avança 3,12%, nos últimos 12 meses.

- Ela mostrou foco e determinação no combate à pobreza. Hoje a economia está com nível próximo ao pleno emprego. Houve um repique da inflação e ela aumentar é um problema, mas os ganhos salariais superam o aumento do custo de vida - disse.

Fonte: O Globo

Guerrilha cibernética - Cristovam Buarque

O Brasil conseguiu realizar sofisticada "modernidade-técnica", mas não fez sua "modernidade-ética". Produzimos milhões de automóveis e temos um péssimo sistema de transporte público, inventamos e usamos urnas eletrônicas, mas não eliminamos a corrupção, nem no comportamento dos políticos nem nas prioridades das políticas; nem incorporamos a participação dos eleitores em tempo real no processo político.

O descontentamento com a construção da "modernidade-técnica" sem fazer a "modernidade-ética" é a principal causa das manifestações que tomaram as ruas, já apontado no livro "A revolução nas prioridades: da modernidade-técnica à modernidade-ética", de 1992, Ed. Paz e Terra.

O futuro imediato é preocupante se não percebermos os riscos e não formos capazes de promover uma inflexão histórica para construir um país com métodos políticos diferentes, capazes de realizar prioridades diferentes.

Por enquanto, as manifestações são dos "desiludidos", aqueles que perderam a esperança no fim da corrupção, na possibilidade de elevar ilimitadamente seu padrão de consumo e de ter um diploma universitário que assegure emprego com renda alta. Não devem demorar a ocorrer manifestações dos "desesperados", aqueles que nunca tiveram esperança de terem boa educação, emprego com alta renda, consumo elevado.

Quando esses dois grupos se encontrarem, mesmo que em momentos e locais separados, "desiludidos" e "desesperados" carregarão a mesma raiva contra o sistema utilizado ao longo de décadas. Isto se agravará com a crise econômica que não consegue mais ser adiada, nem escondida.

Este quadro fica ainda mais arriscado quando percebemos que a luta não precisa de partido, nem de líder, nem de bandeiras ideológicas. Basta descontentamento para que um jovem conectado à internet possa reunir dezenas ou centenas de pessoas capazes de fechar uma estrada, arrombar portas de lojas, invadir condomínios. O resultado é impossível de ser controlado, mesmo se a polícia monitorasse todas as trocas de e-mails na cidade.

Aos fatores anteriores se une o risco da falta de entendimento da gravidade do momento, fazendo com que os dirigentes, no Executivo e Legislativo, estejam optando por enfrentar o esgotamento do modelo usando gestos teatrais de marketing político. O momento exige mais do que reforma, mais até do que revolução. Exige a invenção de uma nova forma de fazer política - que ainda não sabemos como será -, com novos objetivos para um tipo alternativo de economia e sociedade que apenas conseguimos especular.

Infelizmente, estamos viciados nos velhos propósitos da sociedade de consumo e nos velhos métodos da política. Assim fica difícil reorientar o projeto civilizatório do país, em direção a uma "modernidade-ética", sem corrupção no comportamento dos políticos nem nas prioridades da política. Só uma invenção desse tipo de projeto será capaz de acabar com o desespero, o descontentamento e pacificar a "guerrilha cibernética" já em marcha.

Senador (PDT-DF)

Fonte: O Globo

Um gesto americano - Merval Pereira

O governo dos Estados Unidos está disposto a fazer , nos próximos meses, uma revisão de seu sistema de monitoramento de informações no exterior . O gesto é um reconhecimento da dificuldade criada por seu país aos países da Europa e da América Latina que foram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (National Security Agency — NSA, na sigla em inglês)

O programa de acompanhamento de e-mails e ligações telefônicas foi denunciado pelo GLOBO, com base nas informações do ex-técnico da CIA Edward Snowden, que já havia denunciado o esquema a nível internacional.

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil ,Thomas Shannon, informou às autoridades brasileiras que um grupo de especialistas americanos virá ao Brasil e a outros países, citando diretamente a Alemanha, para iniciar essas conversações . Não houve a especificação sobre a missão americana, mas as autoridades brasileiras consideraram que uma reformulação desse sistema denunciado pelo ex -técnico da CIA Edward Snowden é necessária para que as relações bilaterais não sejam afetadas mais do que já foram no episódio .

Um ministro chegou a comentar que seria desnecessário enviar especialista s para explicar às autoridades brasileiras como funciona o sistema de espionagem dos Estados Unidos , “pois isso a gente já sabe”. O governo americano estaria inclinado a um gesto desse tipo para dar aos países aliados razões para continuar agindo de maneira a não aumentar a crise internacional.

A situação do Brasil, por exemplo, seria delicada devido ao Mercosul, que reúne países da região hostis, na sua maioria, aos Estados Unidos, e a reação negativa, como era esperado, ganhou tom aci-ma do que vinha sendo utilizado pelo próprio governo brasileiro. Foi anotada pela diplomacia dos EUA a não adesão do governo brasileiro a sugestões drásticas feitas no calor da descoberta do esquema de espionagem, como dar asilo a Snowden ou cancelar a viagem de Estado que a presidente Dilma fará aos Estados Unidos brevemente.

O exemplo contrário é o do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, que vinha negociando nos bastidores uma reaproximação com os Estados Unidos, mas não resistiu a oferecer asilo a Snowden quando a oportunidade surgiu. O governo americano está ciente de que será necessário dar um tratamento especial ao Brasil nesses gestos de boa vontade justamente para permitir que o governo brasileiro tenha condições políticas de manter uma posição equilibrada na questão.

O caso do presidente da Bolívia, Evo Morales , que, em 2 de julho , na volta de uma viagem oficial à Rússia, teve os espaços aéreos de França, Espanha, Portugal e Itália fechados a seu avião oficial devido à suspeita de que Snowden estivesse a bordo, é emblemático de como essas situações delicadas das relações internacionais têm diversas facetas .

O fato de os governos europeus terem colaborado no cerco ao avião de Morales é ao mesmo tempo uma demonstração de que eles continuam apoiando os EUA, mesmo depois das denúncias de espionagem, mas também é combustível para aprofundar as divergências dos países da América Latina com a política externa americana. Os presidentes do Mercosul assinaram ontem documento em que deixam claro “o repúdio à espionagem por parte dos Estados Unidos nos países da região ”.

Também haverá ação conjunta contra os países europeus exigindo desculpas formais pelo constrangimento a que teriam submetido Evo Morales . É previsível que, depois da revelação desse esquema de monitoramento de dados, a questão da segurança cibernética ganhe relevo na região e em especial no Brasil, que tem informações importantes a proteger , desde o enriquecimento de urânio até a exploração do pré-sal.

O ministro da Defesa, Celso Amorim, admitiu no Senado que o Brasil é vulnerável à ação de outros países e mesmo de hackers , e pretende aproveitar o episódio para transformar o tem a da segurança cibernética em prioridade em sua área. O fato é que o governo brasileiro soube enfrentar as denúncias com uma atitude firme, mas sem transformá-las em uma crise institucional que impedisse a continuidade das relações com os EUA em bom nível, como hoje. O passo seguinte está com os Estados Unidos.

Fonte: O Globo

Povo sem dono - Fernando Rodrigues

Em 2005, ameaçado de impeachment por causa do mensalão, Lula intimidou alguns interlocutores diversos. Acuado, convocaria a população para ir às ruas em seu apoio. Dividiria o Brasil.

Lula e o PT tinham aquele poder. Havia a consolidação dos programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, e a economia começava a entrar num círculo virtuoso interno, com a ajuda dos ventos externos.

Hoje, menos de uma década depois, o PT e Lula estão longe da condição de "donos do povo". A prova mais evidente dessa mudança foram as melancólicas manifestações de rua nesta semana. As imagens dos atos mostravam gatos-pingados bloqueando estradas e ruas pelo país afora. Pior: muitos deles foram remunerados para protestar.

A verdade é que CUT e Força Sindical, as duas maiores centrais de trabalhadores do Brasil, fracassaram de forma retumbante ao tentar colocar "o povo na rua". Ao lado da CUT nesse fiasco de quinta-feira esteve o establishment do PT, sonhando em ressuscitar o já enterrado plebiscito para a reforma política.

O "povo sem dono" que foi às ruas em junho --e nesta semana se recusou a atender aos sindicatos-- é a principal fonte do desarranjo político aqui em Brasília. Ao chegar ao poder, Lula aplicou uma tecnologia simples. Chamava os partidos para conversar com um discurso cujo substrato era o seguinte: "Olha, vocês fiquem aí na fisiologia, vão ganhar alguns cargos e verbas. Mas quem tem voto na urna sou eu. Os eleitores fazem passeatas a meu favor. Em resumo, o povo é meu".

Agora, os partidos estão no Congresso se perguntando: "Quer dizer que o PT não manda mais no povo? Então, por que eu deveria ajudar o governo?". Por enquanto, Dilma Rousseff e Lula estão sem respostas. Torcem para a economia voltar a crescer e para "o povo" voltar a sorrir para o Planalto. Mas esse é apenas um desejo, e não uma certeza.

Fonte: Folha de S. Paulo

Sobre trapalhadas e a falta de médicos - Denise Rothenburg

Pressionado pelas ruas e com a popularidade em baixa, o governo Dilma trabalha no improviso. E, por erro próprio, tem dificuldades de implementar ideias positivas para o país, como a medida que estabelece o trabalho social obrigatório para estudantes de medicina

Uma história é a trapalhada política de Dilma Rousseff. Refiro-me à dificuldade da presidente em conseguir convencer a sociedade sobre a necessidade e a urgência de determinada medida governamental. Outra história, completamente diferente da primeira, é ser criticada por tentar implementar medidas para resolver a falta de médicos na maioria dos municípios brasileiros. Agir de forma diferente seria virar as costas para moradores de cidades pobres do interior do país.

As trapalhadas políticas e as ações positivas, mesmo que improvisadas, podem até ser analisadas em conjunto, mas é mais honesto separar a crise enfrentada pelo governo e os programas de saúde, no caso o Mais Médicos. Por mais que o Palácio do Planalto e os ministros petistas sejam os primeiros a tentar grudar os dois assuntos, como se únicos. Sem partidarismos, o debate até poderia render, mas a histeria ecoa na Esplanada e na oposição, extasiada e esperançosa de finalmente chegar às urnas com chances de derrotar o PT, depois de 12 anos. As intrigas e as guerras partidárias explodem na cara dos humildes.

Por partes, pois. Primeiro, o desgaste. É fato, Dilma aparenta estar perdida, irritadiça e cansada. Como também está parte dos auxiliares. A cada entrevista pública dos ministros Ideli Salvatti e Gilberto Carvalho fica claro o esgotamento físico. Não é fácil trabalhar com ameaças e pressões cada vez maiores. A presidente, por sua vez, pode até não estar mais irritada ou ríspida — isso, diriam assessores, foi sempre assim —, mas tudo parece mais grave quando as coisas vão mal.

Dilma tem errado em sequência e, se não fosse o bate-cabeça da oposição e os escândalos peemedebistas, estaria ainda mais nas cordas. A petista jogava bem com a plateia favorável, conseguindo se desvencilhar até mesmo das denúncias envolvendo ministros e até assessores. Quando tudo estava bem, até a queda de um ministro servia para Dilma reforçar a imagem de gerente eficiente, alguém incapaz de se curvar ao “malfeito”.

Improviso

Com as manifestações e a queda da popularidade, Dilma se sentiu obrigada a tomar decisões urgentes, o que significou improvisos, como o Programa Mais Médicos. Ao misturar duas medidas controversas, a presidente ganhou a indisposição da classe médica — leia-se, sindicatos e federações — e dos oposicionistas de plantão. Quem deveria ser consultado, porém, como sempre, ficou distante do debate.

Os moradores de cidades pobres precisam de médicos e qualquer iniciativa para isso deve ser comemorada. Mesmo que esteja se falando de atenção básica. Apenas quem perdeu um familiar ou amigo por falta de estrutura mínima sabe o que é não ter alguém que pelo menos oriente sobre determinado mal. Assim, mesmo que de forma improvisada e errática, o governo federal tem o mérito de abrir o debate, apoiado por médicos acadêmicos e por profissionais de saúde do serviço público.

Se temos apenas 1,9 médico por mil habitantes, precisamos aumentar tal percentual. Se a solução imediata passa por abrir o país aos estrangeiros, isso preciso ser implementado sem deixar brechas para que maus profissionais entrem no Brasil. Se pagamos caro, com dinheiro de impostos, universidades públicas para estudantes de medicina ou de outros cursos, que eles retribuam o investimento para a sociedade, na forma de trabalho obrigatório. Tal iniciativa é razoável, implementada em países desenvolvidos e, dentro da academia, considerado um ponto superado.

Pressionado pelas ruas e com a popularidade em baixa, o governo Dilma trabalha no improviso. E, por erro próprio, tem dificuldades de implementar ideias positivas para o país.

Outra coisa

E a história dos boatos contra o Programa Bolsa Família? Não deu em nada, evidentemente. O governo se aproveitou da Polícia Federal para apurar o vazio. E, durante o curso das investigações, interlocutores espalharam versões sobre empresas e pessoas envolvidas no crime. Agora que nada se provou, os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Maria do Rosário (Direitos Humanos) deveriam ter convocado uma coletiva para explicar a apuração e as declarações precipitadas. Mas tudo acabou numa singela nota à imprensa, assinada pela própria PF. Depois ainda reclamam da oposição.

Fonte: Correio Braziliense

A arte autoritária de passar a responsabilidade - Holf Kuntz

Num país quase desgovernado, a notícia mais animadora do mês foi o novo aumento de juros anunciado pelo Banco Central (BC), um raro sintoma de responsabilidade no alegre mundo brasiliense. Pode-se aprovar o arrocho monetário ou abominá-lo. Mas pelo menos em uma área da administração federal, é preciso admitir, há uma resposta organizada e racional a um desafio do dia a dia. Essa resposta é formulada para um problema bem definido, uma inflação persistente e distante da meta oficial, 4,5% ao ano. Além do mais, essa estratégia contribui para a restauração da credibilidade do BC, condição essencial para uma das funções principais da autoridade monetária, a administração de expectativas. Qual deveria ser a decisão, se essa autoridade tivesse de seguir os padrões agora dominantes, por exemplo, na área da saúde?

Como primeiro passo para -se ajustar a esses padrões, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria jogar ò problema para outro organismo, talvez para empresários e consumidores - de toda forma, para alguma entidade, grupo ou pessoa sem responsabilidade direta pela solução. O governo seguiu esse critério para cuidar - mais precisamente, para se livrar - do problema da saúde, um dos temas das manifestações de rua em todo o País. O exemplo é instrutivo.

Prover assistência médica universal e outros serviços de saúde, como sabe qualquer pessoa medianamente informada, è responsabilidade do poder público. A presidente DilmaRousseff decidiu, no entanto, jogar o encargo para os estudantes de Medicina. Repetiu a façanha de outro petista, ministro da Previdência no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o pretexto de combater fraudes, esse ministro obrigou milhões de pessoas a um trabalhoso recadas-tramento. Para cumprir a tarefa, muitos aposentados e pensionistas foram obrigados a buscar agências bancárias em outras cidades. Houve casos de velhinhos em cadeiras de roda forçados a enfrentar filas.

Houve protestos e demonstrações de indignação. Mesmo sem aquelas barbaridades, no entanto, a decisão ministerial ainda seria condenável. Nada poderia justificar a transferência de um problema gerencial, o controle de fraudes, para milhões de pessoas inocentes e sem a mínima obrigação de fazer o serviço do setor público. Mas essa foi a solução escolhida pelo ministro da Previdência, com a bênção do presidente da República. O nó da questão, a transferência arbitrária de responsabilidade, nunca foi suficientemente discutido.

Em relação às políticas de preços, hoje é preciso buscar fora do Brasil os grandes modelos de repasse de tarefas. A arte de empurrar problemas para Serviço civil obrigatório é mais uma aplicação do modelo Kirchner à administração brasileira os outros tem sido praticada com virtuosismo pelo governo da Argentina e com menor brilho pelo da Venezuela. A presidente Cristina Kirchner tem usado o conhecido poder de persuasão de seu secretário do Comércio, Guillermo Moreno, para jogar para produtores e comerciantes a tarefa e o custo de conter a inflação.

Com essa redivisão do trabalho, o governo pode cqntinuar gastando e o BC fica livre da missão de usar a política monetária para conter a alta de preços. A estratégia é complementada pelâ publicação regular de indicadores ao gosto do governo e pelo veto à divulgação de índices calculados por economistas independentes.

Apesar da evidente admiração da presidente Dilma Rousseff por sua colega argentina, o governo brasileiro ainda se abs-tém de comandar os preços do comércio varejista e de intervir no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para controlar seus indicadores. Nessa áreas, o jogo de empurrar custos e responsabilidades permanece quase encerrado - atenção ao quase - nos limites do setor público. Envolve, por exemplo, a contenção de preços da Petrobrás e o uso de bancos e outras empresas do Estado para ajeitar as contas fiscais. As perdas impostas à Petrobrás por meio da intervenção nos preços de combustíveis são conhecidas. Parte do custo é transferida, naturalmente, aos acionistas minoritários, convocados, contra sua vontade, para a generosa missão de conter os preços.

A política recém-traçada para a saúde é um salto qualitativo em relação a esses padrões. Até agora os estudantes de Medicina só precisam, para conquistar o diploma, enfrentar com sucesso as tarefas e os testes acadêmicos. Terminada essa etapa, sua formação se completa com a residência - depois de mais um exame - e com a especialização. Os degraus seguintes, mestrado e doutorado, são opcionais. Mas o governo decidiu condicionar a formatura à prestação compulsória de um serviço público.

Além de ser mais uma tentativa escandalosa de transferir responsabilidade, essa pseudossolução é uma evidente demonstração de incompetência. Não se implanta uma política minimamente razoável de assistência à saúde sem investimentos em hospitais, postos de atendimento, transportes e serviços laboratoriais, por exemplo. É preciso pensar tanto nas condições de trabalho quanto na remuneração e na carreira dos profissionais. Se faltam médicos dispostos a entrar no serviço público, tanto nas capitais quanto no interior, o problema deve estar nas condições do próprio serviço, como apontaram nos últimos dias médicos experientes e altamente qualificados. Mesmo para um governo incompetente todos aqueles pontos deveriam ser óbvios.

Se a transferência de responsabilidades se tornar padrão em todo o setor público, a adoção do modelo Kirchner de política de preços poderá ser uma das próximas novidades. Não faltarão patriotas dispostos a fiscalizar os supermercados e - por que não - a apoiar pela força qualquer tentativa de controle da informação. Afinal, modelos desse tipo são essencialmente autoritários. Autoritarismo é complemento freqüente da incompetência.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Bravo mundo novo - Cacá Diegues

Mesmo sendo um espaço desprotegido da irresponsabilidade, a internet é a celebração da liberdade individual

No dia 29 de setembro de 2010, o diário francês “Libération”, fundado por Jean-Paul Sartre, publicava denúncia que se tornaria um grande escândalo em toda a imprensa europeia. Em sua primeira página, o “Libé” dizia que misterioso vírus invadira o programa atômico do Irã e o presidente Ahmadinejad responsabilizava os serviços secretos israelense e norte-americano pelo caos instalado em centrífugas nucleares e computadores que controlam a infraestrutura do país. O vírus era imune a qualquer programa para eliminá-lo e nunca se conseguiu determinar de onde ele de fato viera.

Embora alvo de justa indignação, a espionagem internacional através de sofisticados processos cibernéticos já deixou, há muito tempo, de ser novidade no chamado concerto das nações. Ela é apenas um avanço tecnológico no sistema de escuta que nações exercem sobre outras, desde sempre. Sobretudo quando as que espionam são mais poderosas e têm mais interesses fora de seu território do que as que são espionadas. Cada vez que surge um escândalo desse, nada muda no mundo, a não ser a venda de “1984”, de George Orwell, com seu Grande Irmão que tudo vê.

O que é novo e digno de atenção é que não se trata mais apenas de espionagem militar, política ou econômica, mas do escancaramento de um mundo em que a privacidade deixou de existir, desde que Tim Bernes-Lee inventou a internet, um sistema digital de relacionamento que pudesse sobreviver ao apocalipse atômico, previsto como inevitável durante a Guerra Fria. O que quer que acontecesse, todos permaneceriam conectados para sempre, através da rede impossível de ser desfeita. Como acabou acontecendo.

Quando você fala em seu iPhone, alguém que não está em contato com você poderá saber onde se encontra, em que língua está falando, quem é seu interlocutor. Nenhum de seus e-mails ou posts em rede social está isento de publicidade. Eles se acumulam, junto com nossos dados pessoais, na infinita memória das grandes empresas do ramo, como Google, Gmail, Firefox, Facebook, Apple, Microsoft, todos esses nomes que incentivaram involuntariamente uma nova forma de pensar e que nos deram, junto com o fim de nossa privacidade, nova oportunidade de desenvolver o conhecimento e praticar as relações humanas de um modo diferente.

Hoje, um fabuloso satélite como o Hubble 3D nos revela a existência de um planeta azul como a Terra, o HD189733, numa galáxia muito distante do Sistema Solar. No macro ou no micro, estamos condenados ao fim de todos os disfarces e mistérios.

Tudo isso nos leva a um mundo pós-industrial, onde os valores não são mais medidos pelos objetos que fabricamos, mas por algo que está se organizando através de novos modos de conhecer, pensar e agir. É sobre isso que devemos refletir, em vez de simplesmente estigmatizar, com justa ira, o olhar de Tio Sam sobre nossas jabuticabas. Assim como a invenção da indústria não eliminou a agricultura ou o artesanato, a teia pós-industrial não vai eliminar nada do que lhe veio antes. Vamos sempre acumular a experiência do que vivemos e fabricamos, com a do que passamos a fabricar e viver.

Mesmo sendo um espaço desprotegido da irresponsabilidade, a internet é a celebração da liberdade individual e uma progressiva forma de relacionamento e confraternização. Não é desejável que ela sofra restrições, seja mantida sob controle de Estados autoritários ou não, desapareça (o que já é impossível). Para isso, talvez estejamos pagando o preço do risco de exposição de nossas comunidades e de nossas vidas privadas. E é difícil encontrar um meio de evitar essa angústia, talvez tenhamos que aprender, não sei como, a conviver com ela.

Em vez de reclamar do poder dos outros, construamos nossa própria força. Tornemos a submissão de nossa identidade às grandes empresas capitalistas do ramo uma garantia da liberdade conquistada através da internet. No Brasil, ainda estamos na infância cibernética, naquela idade em que mal aprendemos a ler. Mas não nos basta a alfabetização — precisamos ensinar nossos filhos a entrar no youtube, mas também e sobretudo a criar seu próprio youtube. Só podemos viver este mundo novo através daquilo que ainda não sabemos.

Recentemente, meu neto de 6 anos de idade perguntou de sopetão à mãe se era preciso casar para ter filhos. Apanhada de surpresa e desconcertada, minha nora balbuciou que não sabia. Ao que o menino retrucou firme: “Então entra aí no Google, mãe”. Segundo o grande neurocientista Antonio Damásio, “nossa vida política faz parte da evolução biológica”. Se não conseguirmos compreender isso e construir nossa democracia em cima disso, o sacrifício pessoal de Edward Snowden terá sido em vão.

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Marc Beauchamps sempre foi um homem doce, gentil e generoso. Como produtor e distribuidor de filmes, ele foi fundamental na retomada da produção de cinema no Brasil, a partir dos anos 1990. A partir de certo momento, Marc sucumbiu às drogas pesadas, abandonou seu trabalho e perdeu tudo. Desde 2010, passou a lutar contra a dependência química e já está limpo há mais de dois anos. Pois exatamente agora a polícia resolve prender Marc e atirá-lo no cárcere, ignorando seu tratamento e sua recuperação. Confundir uma pessoa doente com bandido é injusto, desumano e primitivo.

Cacá Diegues é cineasta

Fonte: O Globo

Marx antes do marxismo

Lançado este ano na Alemanha depois de décadas de trabalho, terceiro volume de ‘O capital’ editado a partir dos manuscritos evita amarras ideológicas e ilumina debates sobre a crise atual

Por Jorge Grespan*

A persistência da crise econômica atual, cada vez mais grave e disseminada, vem jogando por terra todas as teorias que a consideram fruto de uma situação passageira, do desarranjo de variáveis conjunturais ou de práticas de gestão fraudulenta. Nesse contexto, cresce o interesse pela obra de Karl Marx (1818-1883), cuja explicação para as crises as colocam na base mesma da valorização do capital, como um fenômeno estrutural e de ocorrência inevitável.

De certo modo, esse é o núcleo da crítica de “O capital”, obra que ficou inacabada, provocando até hoje grandes polêmicas. Não podia, então, ser mais oportuna a notícia de que se completou a publicação da seção inteira dedicada a ela na edição integral de Marx e Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe, ou MEGA), em curso na Alemanha desde meados da década de 1970. (A MEGA é a base da nova tradução brasileira de “O capital”, pela Editora Boitempo, que lançou o primeiro volume da obra este ano e prevê os outros dois para 2014 e 2015.)

Iniciada e interrompida por motivos políticos no passado, em sua versão atual a MEGA é vinculada à Academia de Ciências de Brandemburgo, em Berlim, e deverá ter 114 volumes, divididos em quatro seções: a primeira traz os escritos de Marx e de Engels sobre História, filosofia e política; a segunda é a seção referida acima, dedicada a “O capital” e seus escritos preparatórios; a terceira contém as cartas enviadas e recebidas pelos dois autores, incluindo as de seus correspondentes; e a quarta traz anotações de estudo e esboços de texto sobre vários assuntos, escritos por eles durante toda a vida.

A seção II é a primeira a se completar, com o lançamento do volume 4.3 no começo deste ano. Nela, haviam sido publicados, desde a década de 1970, os volumes com as edições e traduções do Livro I de “O capital” feitas em vida de Marx e Engels. Mas a preparação posterior dos Livros II e III e dos textos de 1864 a 1868 apresentou dificuldades muito maiores.

Como se sabe, foi o próprio Engels quem se encarregou de editar os manuscritos deixados por seu amigo quando morreu, em 1883. E a tradição marxista confiou plenamente no trabalho realizado por ele no Livro II, em 1885, e no Livro III, em 1894. No entanto, a publicação dos originais pela MEGA, desde o começo da década de 1990, trouxe revelações surpreendentes. Para começar, o estado de grande parte dos manuscritos era rudimentar, como Engels de fato atestara nos prefácios das suas edições. O que ele não disse, porém, foi o quanto ele modificou os originais, introduzindo passagens não existentes, alterando a redação de Marx, e até escrevendo um dos capítulos do Livro III, do qual só encontrara o título.

Purismos à parte, existem diferenças relevantes entre as duas versões. Em especial sobre a teoria das crises, as diversas explicações oferecidas nos capítulos 14 e 15 do Livro III podem ser sistematizadas de outra forma, distinta da proposta por Engels. E, assim, a relação de variáveis como o subconsumo, o aumento dos salários e a elevação da chamada composição orgânica do capital — as três condições principais da queda da taxa geral de lucro — pode ser reformulada, algo de grande significado para o debate sobre a presente crise. Mas também a seção dedicada ao capital a juros, ainda no Livro III, sofreu modificações decisivas na edição de Engels, e o confronto com os originais deve alterar em muito a informação corrente sobre as concepções de Marx a respeito do crédito, tema, aliás, que ele vinha estudando com afinco nos anos imediatamente anteriores à sua morte.

O volume 4.3 da seção II da MEGA, agora publicado, exacerba o debate. São textos escritos a partir de 1868, que atestam a dificuldade de Marx em continuar a obra, depois das reformulações feitas de última hora no Livro I. Surgem, daí, várias hipóteses explicativas de ela ter sido quase abandonada pelo seu autor. Longe dos problemas de saúde ou da dedicação à militância, os motivos podem ter sido de ordem teórica. Talvez Marx não conseguisse retomar a exposição do bom funcionamento do capital, no Livro II, após o pessimismo do fim do Livro I. Ou talvez ele tivesse entrado numa nova fase de estudo e de avaliação do sistema correspondente aos desdobramentos históricos das décadas de 1870 e 1880. O volume 4.3 da MEGA não permite uma conclusão definitiva, mas o questionamento vivo e instigante.

Acima de tudo, com a sua publicação encerra-se todo um ciclo. A queda do Muro de Berlim determinou o fim dos vínculos diretos da MEGA com qualquer partido ou tendência marxista específica, e com isso, a sua orientação passou a ser exclusivamente de ordem filológica e crítica de texto. Nessa nova situação, a sua contribuição fundamental para o pesquisador é desfazer a falsa imagem de “O capital” como obra fechada e acabada, que as edições tradicionais sugerem. Na MEGA, Marx aparece como pensador que se repensa diante da realidade em mudança contínua. Para o pesquisador, essa é a contribuição mais importante.

*Jorge Grespan é professor de Teoria da História na USP e autor de “O negativo do capital” (Expressão Popular)

Fonte: Prosa / O Globo

Cinema: Auguste, Jean e a arte da família Renoir

Ficção de Gilles Bourdos trata da relação pai/filho e proporciona grande papel para Michel Bouquet, que faz o pintor

Luiz Carlos Merten

São as mãos, deformadas pela artrite, que arrancam gemidos de dor ao velho Auguste Renoir. Mas há algo ainda mais doloroso para o grande artista, e que ele coloca em palavras - "A vida cotidiana da natureza é um sofrimento para o pintor que não consegue captá-la." Neste final de semana marcado pelo duelo entre dois blockbusters - O Homem de Aço versus O Cavaleiro Solitário, e o primeiro é melhor, como cinema, por mais movimentado e, eventualmente divertido que possa ser o segundo -, o cinéfilo, que já está sendo solicitado a acompanhar o Festival de Cinema Latinoamericano de São Paulo, não deve descuidar de outra estreia de ontem, e é justamente o Renoir de Gilles Bourdos.

No ano passado, em maio, o filme foi escolhido para encerrar - com beleza - a mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes. E eis que Renoir chega agora aos cinemas, num circuito pequeno, porque as salas estão tomadas pelos filmes grandes, e até grandes filmes, como o de Zach Snyder, que reinventa, impulsionado por um ator extraordinário - Henry Cavill -, a saga do herói criado por Roy Shuster e Jerry Siegel. Por falar em ator extraordinário, se se pode usar a definição para um jovem como Cavill, que adjetivo emprestar a Michel Bouquet, que faz Auguste Renoir? Genial?

Ele é, e o cinéfilo sabe disso. A associação de Bouquet com Claude Chabrol produziu grandes filmes, e nenhum é mais belo nem mais intenso do que A Mulher Infiel, de 1969. Bouquet faz agora o velho Renoir e se, fisicamente, ele não se assemelha tanto ao mestre impressionista, em matéria, sutileza e temperamento, a impressão é de ver na tela o próprio Auguste, no ato de criar. Ele está no apogeu de sua arte em Renoir, o filme, mas vive recluso na sua propriedade Collette's, em Cagnes, na Côte d'Azur. Ele pinta, e sofre - de dor nas mãos e também porque, mesmo para um grande impressionista, que busca o efeito fugaz da luz, sente que a natureza e o sol lhe escapam.

Toda a casa gira em torno dele, e Renoir, que amava retratar as mulheres, vive cercado delas. Elas o carregam, em procissão, da casa para o estúdio, atravessando o jardim. Renoir descobre uma modelo, e vira obsessão para ele tentar colocar na tela a maciez da pele dessa mulher. Justamente no período focado, seu filho Jean, que ainda não é o grande cineasta em que se transformou, foi ferido na guerra (a 1.ª), ganhou uma licença e vem buscar abrigo junto ao pai. A relação entre eles não é de antagonismo, mas também não é, menos ainda, calorosa. Auguste vive para sua pintura, é um déspota sem ter consciência disso.

Jean está descobrindo o cinema, essa nova arte, e de Cagnes - suas biografias registram isso - ele corre a Nice para ver as imagens em movimento. Na ficção do filme, embasada na realidade, a modelo do pai vira objeto de desejo do filho, e Jean vai fazer de Catherine Hessling, identificada como Andrée, a primeira musa de seu cinema. Só que o filme não é sobre o Renoir cineasta nem só sobre o Renoir pintor. É sobre ambos, sobre a relação entre pai e filho, o artista consagrado e outro que ainda vai ser. Um terceiro Renoir aparece brevemente. Chama-se Claude e será um grande fotógrafo.

Escritor e jornalista, Gilles Bourdos, que assina Renoir, é autor de uma obra pequena - em quantidade -, mas que já inclui seis títulos, entre curtas e longas. O primeiro curta, L'Éternelle Idole, é de 1989 e o primeiro longa, Disparus, surgiu quase dez anos depois, em 1998. É uma investigação histórica - e policial - sobre o desaparecimento do poeta trotskista Alfred Katz em Paris, em 1938. Bourdos já disse que gosta de histórias reais porque elas lhe dão uma base sólida para trabalhar sua ficção. É um diretor tradicional, mas não acadêmico. Gosta de temas fortes e/ou polêmicos (arte, família, política etc), que trabalha com pronunciado gosto estético. O admirável fotógrafo de Renoir é Mark Ping Bin Lee, dos filmes de Hou Hsiao Hisen e Wong Kar-wai. Você nunca mais verá um quadro de Auguste ou um filme de Jean sem se lembrar de pai e filho no filme de Bourdos.

Fonte: Caderno 2 / O Estado de S. Paulo

Crítica: A estranha força do olhar humano

Filme levanta questões e revela a intensidade de uma artista original

Luiz Zanin Oricchio

Em A Artista Está Presente, no MoMA, a sérvia Marina Abramovic fez uma retrospectiva de sua carreira. No meio desta, protagoniza uma performance marcante. Em 2010, de 14 de março a 31 de maio, seis dias por semana, num total de 736 horas, ela repetia a mesma postura. Sentada numa sala, recebia os visitantes, um a um, e trocava com cada um deles um longo olhar sem palavras. Ao redor, o público assistia a essas cenas recorrentes. O documentário Marina Abramovic - Artista Presente, de Matthew Akers, relata essa experiência. E mostra como, por trás desse ato em aparência simples, existe toda uma parafernália preparativa prévia.

Por exemplo, Marina leva para sua casa um grupo de jovens para serem sensibilizados para o papel que os aguarda no MoMA. O que deverão fazer? Todo candidato ao olhar de Marina, após pegar uma senha, deverá passar por um corredor estreito, e entre dois corpos nus, de um homem e uma mulher. Talvez uma sensibilização prévia. De qualquer forma, é o, digamos assim, aquecimento para a experiência subjetiva.

O documentário detém-se em Marina e no que ela diz a respeito de sua arte. Ouve também pessoas próximas a ela, inclusive o diretor do MoMA, que oferece as dependências do prestigioso museu de Nova York para a inusitada retrospectiva, mesmo se expondo a críticas do tipo "Mas isso é arte? E, no entanto, está no MoMA", como se vê em noticiários da TV, reproduzidos no filme.

De fato, o filme levanta, sem responder de maneira fechada, duas questões: o que é arte? De onde provém a estranha força do olhar?

Por extemporânea que possa parecer (um século depois de Duchamp!) a primeira discussão, ela acaba se infiltrando nas entrelinhas do documentário. E por vontade própria do diretor Akers, ao reproduzir o senso comum da repórter de TV, semidivertido, semiescandalizado com a acolhida de uma instituição "séria", como o MoMA, a esse tipo de atividade. Seria a performance arte? E, mais, uma arte plástica? Apenas por que o espaço onde se apresenta é um consagrado museu nova-iorquino? Se os encontros visuais de Marina e seu público fossem encenados em teatro, por exemplo, despertariam menos polêmica? São questões pendentes.

Uma dúvida subsidiária, porém interessante: como transformar tudo isso em bem negociável no mercado da arte, que precisa do suporte de um objeto? Problema de difícil resolução, pois, em tese, uma performance é irrepetível, como a dança ou a representação teatral. Mas se estas podem ser captadas, por exemplo, por câmeras e gravadores, também a performance pode render belas fotografias comercializáveis.

Resta o mistério maior. Em que medida estamos diante de um mero modismo ou de uma realização artística? Se é verdade que Marina, por seu carisma, se transforma em evento midiático, também é real o que intui da importância de um fato humano capital - a força do olhar. Cria um dispositivo para colocá-lo em cena. Duas cadeiras, duas pessoas, face a face; primeiro, separadas por uma mesa, depois por nada mais. Duas pessoas que se olham.

Existem regras. Não se pode tocar, não se pode falar. A palavra é suspensa. Se Marina sentir alguma insegurança ou medo, os seguranças intervêm.

Alguns tentam subverter e são contidos. Um deles trazia um espelho montado sobre a cabeça. Faria Marina ver-se a si mesma. É contido e retirado. Há olhares inexpressivos, outros tristes, ou sorridentes. Muita gente chora. E a própria Marina se desconcerta quando senta-se na cadeira oposta seu antigo parceiro e companheiro Ulay, com quem trabalhou e viveu entre 1976 e 1988. Nesse momento é a esfinge Marina Abramovic quem desaba. Revela-se humana, e como qualquer um de nossa espécie, sente-se despida e grata quando alguém nos olha com interesse, intensidade e empatia. Mesmo que tudo seja apenas efeito de um simples dispositivo - artístico, talvez?

Fonte: Caderno 2 / O Estado de S. Paulo